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Comprometimento cognitivo em pacientes com DPOC: uma revisão sistemática

Cognitive impairment in COPD: a systematic review

Irene Torres-Sánchez, Elisabeth Rodríguez-Alzueta, Irene Cabrera-Martos, Isabel López-Torres, Maria Paz Moreno-Ramírez, Marie Carmen Valenza

ABSTRACT

The objectives of this study were to characterize and clarify the relationships between the various cognitive domains affected in COPD patients and the disease itself, as well as to determine the prevalence of impairment in the various cognitive domains in such patients. To that end, we performed a systematic review using the following databases: PubMed, Scopus, and ScienceDirect. We included articles that provided information on cognitive impairment in COPD patients. The review of the findings of the articles showed a significant relationship between COPD and cognitive impairment. The most widely studied cognitive domains are memory and attention. Verbal memory and learning constitute the second most commonly impaired cognitive domain in patients with COPD. The prevalence of impairment in visuospatial memory and intermediate visual memory is 26.9% and 19.2%, respectively. We found that cognitive impairment is associated with the profile of COPD severity and its comorbidities. The articles reviewed demonstrated that there is considerable impairment of the cognitive domains memory and attention in patients with COPD. Future studies should address impairments in different cognitive domains according to the disease stage in patients with COPD.

Keywords: Pulmonary disease, chronic obstructive; Mild cognitive impairment; Hypoxia, brain.

RESUMO

Os objetivos deste estudo foram caracterizar e esclarecer as relações entre os vários domínios cognitivos afetados em pacientes com DPOC e a doença em si, assim como determinar a prevalência de comprometimentos cognitivos em tais pacientes. Para tanto, foi realizada uma revisão sistemática utilizando as seguintes bases de dados: PubMed, Scopus e ScienceDirect. Os artigos incluídos forneciam informações sobre os comprometimentos cognitivos em pacientes com DPOC. A revisão dos achados de tais artigos mostrou uma relação significativa entre DPOC e comprometimento cognitivo. Os domínios cognitivos mais estudados são a memória e a atenção. Memória verbal e aprendizagem constituem o segundo domínio cognitivo mais comumente prejudicado em pacientes com DPOC. A prevalência de comprometimento da memória visuoespacial e da memória visual intermediária é 26,9% e 19.2%, respectivamente. Observamos que o comprometimento cognitivo está associado ao perfil de gravidade da DPOC e suas comorbidades. A revisão dos artigos demonstrou que há um comprometimento considerável dos domínios memória e atenção em pacientes com DPOC. Investigações futuras devem abordar os comprometimentos em diferentes domínios cognitivos em conformidade com o estágio da doença em pacientes com DPOC.

Palavras-chave: Doença pulmonar obstrutiva crônica; Comprometimento cognitivo leve; Hipóxia encefálica.

Introdução

A principal característica da DPOC é a obstrução crônica ao fluxo aéreo que tem impacto sistêmico e evolução progressiva.(1) É um importante problema de saúde que se estima será a quinta principal causa de incapacidade e a terceira principal causa de mortalidade no mundo até 2020.(2) A prevalência da DPOC na população global está próxima de um por cento e aumenta com a idade. Entre os indivíduos com idade igual ou superior a 40 anos na cidade de São Paulo, SP, sua prevalência varia de 6 a 15,8%.(3)

O perfil típico dos pacientes com DPOC inclui comorbidades múltiplas,(4,5) como doença cardíaca,(6) osteoporose,(7) diabetes mellitus tipo 2,(8) câncer de pulmão(9) e comprometimento cognitivo.(10) Nos últimos anos, a relevância clínica do comprometimento cognitivo aumentou,(11) em razão do aumento da prevalência da DPOC e do interesse crescente nos aspectos que determinam a funcionalidade e a adesão ao tratamento(12,13) entre pacientes com a doença.(14)

Embora a DPOC e o comprometimento cognitivo tenham sido estudados separadamente (como doenças individuais), há evidências crescentes de uma relação entre os dois.(11) Hugg et al.(15) investigaram o comprometimento cognitivo em pacientes com DPOC e constataram que tais pacientes apresentaram maior risco de desenvolver comprometimento cognitivo do que pacientes sem DPOC. A hipoxemia vista em alguns pacientes com DPOC parece ser um fator crucial para o comprometimento cognitivo, pois afeta as enzimas dependentes de oxigênio que são importantes na síntese de neurotransmissores como a acetilcolina.(16) Vários estudos mostram que o comprometimento cognitivo apresenta prevalência de 77% em pacientes com DPOC e hipoxemia.(17)

As principais hipóteses desta revisão foram que há uma relação entre os vários domínios cognitivos afetados em pacientes com DPOC e a doença em si e que a prevalência de comprometimento varia entre os diferentes domínios cognitivos. Esta revisão teve dois objetivos: o de caracterizar e esclarecer a relação entre os vários domínios cognitivos afetados em pacientes com DPOC e a doença em si e o de determinar a prevalência de comprometimentos nos diferentes domínios cognitivos em tais pacientes.

Métodos

Nesta revisão da literatura, foi adotada a classificação dos domínios cognitivos de Lezak. (18) De acordo com esse autor, que é a atual referência em avaliação neuropsicológica, os domínios cognitivos correspondem a cinco áreas-chave: percepção, atenção, memória e aprendizagem, função executiva e linguagem. Foi adotada uma abordagem sistemática utilizando-se as seguintes strings de busca (compreendendo termos relacionados à DPOC e à classificação dos domínios cognitivos de Lezak): "cognitive impairment" AND "COPD"; "cognitive decline" AND "COPD"; "cognitive dysfunction" AND "COPD"; "hypoxia" AND "cognitive impairment" AND "pulmonary disease"; "cognitive impairment" AND "hypercapnia" AND "pulmonary disease"; "cognitive attention" AND "COPD"; "memory and learning" AND "COPD"; "memory learning" AND "COPD" AND "cognitive"; "perceptive function" AND "COPD"; "verbal language" AND "COPD"; e "executive functions" AND "COPD".

As seguintes bases de dados foram sistematicamente pesquisadas: PubMed, Scopus e ScienceDirect. As buscas foram limitadas a estudos em seres humanos publicados nos últimos dez anos com o intuito de enfocar o recente interesse e as evidências científicas nessa área. Os critérios de inclusão foram tratar-se de ensaio clínico, estudo epidemiológico, estudo observacional, estudo de coorte ou estudo de caso-controle e trazer informações sobre o assunto em questão (isto é, comprometimento cognitivo em pacientes com DPOC). Foram excluídos artigos que tratavam de assuntos não relacionados a esse tópico, os que não estavam disponíveis em texto completo e os que eram artigos de revisão ou simples relatos de casos, assim como os publicados em outras línguas que não inglês, espanhol ou francês. O processo de seleção dos artigos é descrito como um fluxograma na Figura 1.



Resultados

A busca resultou em 478 artigos. Após a análise dos resumos, apenas 16 artigos foram selecionados para inclusão nesta revisão. As características dos artigos selecionados são apresentadas na Tabela 1. Nossa revisão desses estudos revelou uma relação significativa entre DPOC e comprometimento cognitivo. É importante destacar que ainda não existe consenso sobre a definição de comprometimento cognitivo em pacientes com DPOC. As diferentes definições operacionais de tal comprometimento entre os estudos analisados dificultou a avaliação desse aspecto nos mesmos.





Dadas as múltiplas classificações de domínios cognitivos e a complexidade das ferramentas de avaliação disponíveis, escolheu-se a classificação proposta por Lezak,(18) que é uma das mais completas e abrangentes classificações desse tipo concebidas até o momento. A Tabela 2 apresenta os vários testes utilizados e os domínios cognitivos avaliados nos artigos selecionados.



Dos 16 estudos selecionados, 14 eram estudos descritivos e 2 eram estudos experimentais. Dos 14 estudos descritivos, 11 eram estudos observacionais e 3 eram estudos transversais.

Discussão

Vários estudos controlados investigaram a prevalência de comprometimento cognitivo em pacientes com DPOC,(21,25,28) mostrando que a prevalência desse comprometimento é maior em pacientes com DPOC do que em indivíduos-controle saudáveis.(10,31) De acordo com tais estudos, o comprometimento cognitivo leve está presente em 36% dos pacientes com DPOC e em 12% dos indivíduos sem DPOC. Em um estudo realizado por Antonelli-Incalzi et al.,(30) a prevalência de comprometimento cognitivo e comprometimento cognitivo grave em pacientes com DPOC foi de 32,8% e 10,4%, respectivamente.

A prevalência de comprometimento cognitivo em pacientes com DPOC foi associada à gravidade da doença,(20,25) sendo de 3,9% entre pacientes com DPOC leve, 5,7% entre pacientes com DPOC moderada e 7,7% entre pacientes com DPOC grave. De fato, encontrou-se relação entre o escore do Miniexame do Estado Mental e a gravidade da DPOC (r = −0,49, p < 0,001).(28) Porém, o estudo realizado por Salik et al.(29) mostrou que a função cognitiva em portadores de DPOC com hipoxemia leve era semelhante à observada em indivíduos saudáveis. De acordo com esses autores, a função cognitiva é afetada pela hipoxemia apenas quando esta é grave. Além disso, Grant et al.(17) relataram uma prevalência de 77% de comprometimento cognitivo em pacientes com DPOC hipoxêmica. Os motivos para essa variação entre os estudos incluem diferenças no nível de gravidade da DPOC e na idade dos pacientes incluídos nos estudos, assim como a utilização de diferentes critérios diagnósticos para a disfunção cognitiva e diferentes testes cognitivos.

Os estudos incluídos em nossa revisão apresentaram grandes tamanhos amostrais e incluíram uma grande variedade de pacientes, o que reduz qualquer viés nas taxas de prevalência. Sabe-se que a DPOC está associada a aumento do risco de comprometimento da função cognitiva,(26) mesmo quando os dados são ajustados para idade, sexo, tabagismo e escolaridade.(19,25) Villeneuve et al.(10) relataram que a escolaridade foi a única variável para a qual houve diferenças significativas entre portadores de DPOC com comprometimento cognitivo leve, portadores de DPOC sem comprometimento cognitivo e indivíduos-controle saudáveis.(10) Os autores descartaram acidentes vasculares cerebrais e outras doenças cardiovasculares (todos comuns entre pacientes com DPOC) como fatores de risco. Baixa saturação periférica de oxigênio (≤ 88%) está fortemente associada a risco de comprometimento cognitivo em pacientes com DPOC, e a utilização de oxigenoterapia domiciliar está associada à redução desse risco.(25) Inúmeros estudos exploraram a relação entre DPOC e comprometimento cognitivo. Enquanto alguns estudos abordaram essa questão globalmente utilizando testes de triagem, outros enfocaram a avaliação de domínios cognitivos específicos. (10,24,27)

A percepção é uma série de processos e atividades através dos quais extraímos informações sobre o nosso ambiente, as ações que realizamos dentro dele e o nosso próprio estado. Perceber o ambiente requer uma combinação adequada de atenção e percepção. Portanto, embora atenção e percepção sejam consideradas áreas separadas na classificação de Lezak, elas são muitas vezes avaliadas em conjunto. Partindo da hipótese de que acidentes automobilísticos seriam mais comuns entre os motoristas com DPOC do que entre os sem DPOC. Orth et al.(27) compararam pacientes com DPOC e indivíduos-controle saudáveis em termos de funções atencionais e perceptivas complexas. Os autores constataram que, em simulações de direção, os pacientes com DPOC mostraram valores de concentração menores e tiveram um número de acidentes significativamente maior do que os indivíduos-controle saudáveis.(27) De acordo com vários estudos,(10,24) as funções atencionais e executivas estão comumente prejudicadas no principal subtipo de comprometimento cognitivo leve encontrado em pacientes com DPOC.

A aprendizagem implica aquisição de informações e, portanto, altera o estado da memória. A memória verbal é um dos domínios cognitivos mais frequentemente prejudicados em pacientes com DPOC.(31) De acordo com Villeneuve et al.,(10) memória verbal e aprendizagem é o segundo domínio cognitivo mais comumente prejudicado em pacientes com DPOC. Em tais pacientes, a prevalência de comprometimento da memória visuoespacial e da memória visual intermediária é de 26,9% e 19,2%, respectivamente. (14) Em pacientes com DPOC e apneia do sono, a memória verbal e a memória visual são os domínios cognitivos mais comumente afetados,(30) embora a velocidade de processamento, a memória de trabalho e a função executiva também sejam afetadas (p = 0,01, p = 0,02, e p ≤ 0,001, respectivamente).(21)

O termo "funções executivas", cunhado por Lezak, refere-se a habilidades envolvidas na formulação de objetivos, no planejamento para atingi-los e na realização eficiente dos comportamentos.(18) A avaliação das funções executivas em pacientes com DPOC mostrou que tais pacientes tendem a apresentar menores velocidades de processamento.(19) Vinte por cento dos pacientes com DPOC exacerbada exibem uma perda de velocidade de processamento significativa o suficiente para ser considerada patológica. Menor velocidade de processamento foi relacionada a tempo de internação, qualidade de vida medida com o Saint George's Respiratory Questionnaire e número de exacerbações da DPOC.(19)

A habilidade de entender e de se comunicar é determinada pela linguagem. Esse processo mental possibilita o pensamento estruturado, permitindo que um indivíduo faça conexões entre ideias e representações mentais. Há estudos que avaliaram a função cognitiva em uma série de doenças,(30) incluindo a apneia do sono e a DPOC. Foi constatado que portadores de DPOC com apneia do sono apresentam rendimento inferior em testes de fluência verbal e pensamento dedutivo do que portadores de DPOC sem apneia do sono. Há dados indicando que apenas 3% dos pacientes com DPOC apresentam um perfil cognitivo completamente normal.(19)

O comprometimento cognitivo tornou-se o foco da presente revisão por ser uma comorbidade comum em pacientes com DPOC. A força da nossa revisão é que ela explorou a relação entre DPOC e comprometimento cognitivo nos vários domínios cognitivos ao longo dos últimos dez anos, durante os quais foi realizada uma série de estudos clínicos relevantes sobre esse assunto. Além disso, os estudos incluídos apresentaram grandes tamanhos amostrais. Há uma série de revisões sobre comprometimento cognitivo em idosos e pacientes com DPOC.(33-36) A revisão realizada por Schillerstrom et al.(33) abordou o impacto da doença médica na função executiva. Em outra revisão, Dodd et al.(11) exploraram os mecanismos que causam lesão e disfunção no cérebro, discutindo os métodos utilizados para avaliar a cognição, reunindo evidências sobre a natureza e o nível do comprometimento cognitivo em pacientes com DPOC. Outra revisão recente, realizada por Schou et al.,(37) investigou a ocorrência e a gravidade da disfunção cognitiva em pacientes com DPOC, explorando a relação entre a gravidade da DPOC e o nível de função cognitiva. Em nossa revisão, foram incluídos nove novos estudos sobre DPOC e comprometimento cognitivo, realizados entre 2009 e 2013, que foram excluídos da revisão realizada por Schou et al.(37) por não terem sido publicados dentro do intervalo de datas por eles estabelecido para a busca na literatura.

Uma das limitações da presente revisão é a grande variedade de medidas de desfecho avaliadas. Porém, nossa revisão da literatura mostrou claramente a existência de uma relação entre DPOC e comprometimento cognitivo. Essa relação parece ser determinada pela gravidade da DPOC e por suas comorbidades.

Os domínios cognitivos mais estudados são a memória e a atenção, ambas exploradas com ferramentas específicas de avaliação e consideravelmente prejudicadas em pacientes com DPOC. As evidências sugerem que uma avaliação estruturada da função cognitiva deve ser um componente de rotina da avaliação de pacientes com DPOC. Investigações futuras devem abordar o comprometimento nos vários domínios cognitivos em pacientes com DPOC de acordo com os diferentes estágios da doença.

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*Trabalho realizado no Departamento de Fisioterapia, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Granada, Granada, Espanha.
Endereço para correspondência: Marie Carmen Valenza. Departamiento de Fisioterapia, Universidad de Granada, Av. de la Ilustración s/n, 18016, Granada, España.
Tel. 34 958 248-035. E-mail: cvalenza@ugr.es
Apoio financeiro: Este trabalho contou com o apoio financeiro do Colegio Profesional de Fisioterapeutas de Andalucía (Processo nº SG/0300/13CO) e da Sociedad Española de Neumología y Cirugía Torácica/Fundación Española del Pulmón (SEPAR/Respira; Processo nº 061/2013).
Recebido para publicação em 16/9/2014. Aprovado, após revisão, em 2/2/2015.



Sobre os autores

Irene Torres-Sánchez
Pesquisadora. Departamento de Fisioterapia, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Granada, Granada, Espanha.

Elisabeth Rodríguez-Alzueta
Pesquisadora. Departamento de Fisioterapia, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Granada, Granada, Espanha.

Irene Cabrera-Martos
Pesquisadora. Departamento de Fisioterapia, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Granada, Granada, Espanha.

Isabel López-Torres
Pesquisadora. Departamento de Fisioterapia, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Granada, Granada, Espanha.

Maria Paz Moreno-Ramírez
Pesquisadora. Departamento de Fisioterapia, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Granada, Granada, Espanha.

Marie Carmen Valenza
Professora Assistente. Departamento de Fisioterapia, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Granada, Granada, Espanha.

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