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Cartas ao Editor

Micobactérias não tuberculosas em espécimes respiratórios: significado clínico em um hospital terciário no norte de Portugal

Nontuberculous mycobacteria in respiratory specimens: clinical significance at a tertiary care hospital in the north of Portugal

Hans Dabó1, Vanessa Santos1, Anabela Marinho2, Angélica Ramos3, Teresa Carvalho3, Manuela Ribeiro3, Adelina Amorim2

Ao Editor:

As micobactérias não tuberculosas (MNT) são ubíquas no ambiente humano, sendo que mais de 150 espécies de MNT já foram descritas até hoje.(1) Quando inaladas por indivíduos suscetíveis, tais como os portadores de doenças pulmonares crônicas, as MNT podem levar a sintomas respiratórios crônicos, progressivos e às vezes fatais. Nas últimas três décadas, a incidência de isolamento de MNT em laboratório e de doenças pulmonares relacionadas vem aumentando, ultrapassando a da tuberculose em algumas áreas.(1,2) Porém, é possível que o isolamento de MNT em espécimes respiratórios se deva à contaminação de espécimes ou à colonização transitória do paciente, não necessariamente indicando doença.(1)

Relatamos aqui a incidência de isolamento de MNT no Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar de São João, um hospital universitário terciário localizado no Porto, segunda cidade mais populosa de Portugal. É o maior hospital da região norte e um dos três maiores do país. Analisamos retrospectivamente pacientes soronegativos para HIV nos quais MNT haviam sido isoladas em pelo menos um espécime respiratório entre janeiro de 2008 e dezembro de 2012. As amostras foram descontaminadas pelo método de N-acetil-L-cisteína-hidróxido de sódio e inoculadas em meio líquido Middlebrook 7H9 (BBL Mycobacteria Growth Indicator Tube [MGIT]; Becton Dickinson, Franklin Lakes, NJ, EUA), conforme as instruções do fabricante. As culturas positivas, incubadas e monitoradas em sistema automatizado de cultura (BACTEC MGIT 960; Becton Dickinson), foram examinadas por baciloscopia com coloração de Kinyoun para BAAR. Na presença de BAAR, utilizou-se o ensaio molecular para micobactérias comuns e espécies adicionais (GenoType Mycobacterium CM/AS; Hain Lifescience GmbH, Nehren, Alemanha). Foram coletados dados demográficos, clínicos, radiológicos e microbiológicos. A relevância clínica do isolamento em amostra respiratória foi definida segundo os atuais critérios da American Thoracic Society/Infectious Diseases Society of America (ATS/IDSA).(3)

Duzentos e dois pacientes foram incluídos neste estudo. Desses, 118 (58%) eram do sexo masculino. A média de idade foi de 64 anos (variação: 23-89 anos). Os principais fatores de risco identificados foram a doença pulmonar estrutural subjacente, tal como DPOC, em 73 pacientes (36%), bronquiectasias, em 62 (31%) e sequelas de tuberculose, em 40 (20%); e condições não pulmonares, tais como diabetes mellitus, em 18 pacientes (9%), doença do refluxo gastroesofágico, em 16 (8%) e uso de terapia de imunossupressão, em 12 (6%). Não havia disponibilidade de dados sobre exposição ambiental. Obteve-se um total de 407 isolados, sendo que as espécies foram identificadas em 378 (93%). Dos 407 isolados, 237 (58%) foram identificados como membros do complexo Mycobacterium avium (CMA) e 141 (35%) foram identificados como pertencentes a uma das outras 11 espécies de Mycobacterium, com os 29 restantes (7%) sendo identificados como micobactérias, mas não em nível de espécie (Tabela 1). Esses isolados foram obtidos de amostras de escarro em 192 (95%) dos pacientes, de amostras de lavado brônquico em 13 (6%), de amostras de LBA em 7 (4%), de uma amostra de biópsia pulmonar em 1 (0,5%) e de uma amostra de aspirado gástrico em 1 (0,5%). O número de isolados aumentou a cada ano, de 52 em 2008 para 58 em 2009, 74 em 2010, 86 em 2011 e 137 em 2012. Dos 202 pacientes, 36 (18%) foram submetidos a tratamento para doença pulmonar relacionada a MNT, sendo que 32 (89%) deles preencheram os atuais critérios da ATS/IDSA para o diagnóstico. Entre os 36 pacientes tratados, a média de idade foi de 62 anos (intervalo: 32-89 anos) e 22 (61%) eram do sexo masculino. A doença pulmonar mais comum foi a DPOC, observada em 12 (33%) dos 36 pacientes, seguida de bronquiectasias, em 9 (25%), e sequelas de tuberculose, em 8 (22%). Houve 31 pacientes (86,1%) que apresentaram tosse, 29 (80,6%) que apresentaram produção de escarro e 23 (63,9%) que apresentaram dispneia. Os principais achados radiológicos foram bronquiectasias, nódulos e micronódulos. Entre os 36 pacientes tratados, as espécies de MNT identificadas foram CMA em 34 (94%), M. kansasii em 1 (3%) e M. xenopi em 1 (3%). Todos os pacientes foram tratados de acordo com as recomendações da ATS/IDSA.(3) Os 34 pacientes com doença pulmonar causada pelo CMA foram tratados com rifampicina, etambutol e um macrolídeo (claritromicina ou azitromicina). O paciente com infecção pelo M. kansasii foi tratado com rifampicina, isoniazida e etambutol. O paciente com infecção pelo M. xenopi foi tratado com rifampicina, etambutol e claritromicina. Após a conclusão do tratamento, houve recidiva em 5 (13,9%) dos 34 pacientes com infecção pelo CMA, sendo que 4 desses 5 haviam preenchido os critérios da ATS/IDSA. Em três desses casos, optou-se por submeter os pacientes a retratamento - 1 foi curado, 1 morreu de câncer de pulmão enquanto ainda estava em tratamento e 1 ainda está em tratamento no momento - e, em outro caso, optou-se por não tratar, pois o paciente havia sido diagnosticado com câncer avançado. Não houve recidiva em nenhum dos dois pacientes tratados para infecção por M. kansasii e M. xenopi, respectivamente. Em 2 (5,6%) dos 36 pacientes, houve reinfecção por outras espécies (M. abscessus e M. scrofulaceum, respectivamente) após a conclusão do tratamento, sendo que ambos os pacientes ainda estão em tratamento no momento.



Em Portugal, são escassos os estudos epidemiológicos. Em 2008, Marinho et al.(4) publicaram um trabalho sobre 102 pacientes não infectados pelo HIV com MNT isoladas do sistema respiratório em nosso hospital ao longo de 7 anos (de 1997 a 2004). Naquele estudo, a maioria dos pacientes era do sexo masculino, a média de idade foi de 63 anos, e a maioria apresentava doença pulmonar subjacente, principalmente sequelas de tuberculose ou bronquiectasias. Os autores relataram que 16 (15,7%) dos pacientes foram tratados para doença pulmonar, sendo que 14 (88%) desses pacientes preencheram os critérios da ATS em uso na época.(4) No presente estudo, identificamos quase o dobro desses pacientes ao longo de apenas 4 anos. O perfil demográfico de nossa amostra foi semelhante ao da amostra avaliada por Marinho et al.(4) Em nosso estudo, as doenças pulmonares mais comuns foram DPOC e bronquiectasias. Embora os critérios utilizados para a definição de doença pulmonar tenham diferido entre os dois estudos, a proporção de pacientes tratados e dos que preencheram os respectivos critérios da ATS foi bastante semelhante. Em nosso estudo, as espécies de MNT mais frequentemente isoladas eram do CMA, o qual também apresentou a maior relevância clínica. Outros estudos realizados em Portugal também relataram o CMA como a espécie de MNT mais frequentemente isolada.(4-6) Em um recente estudo epidemiológico mundial,(5) as espécies de MNT mais frequentemente isoladas foram M. avium, M. gordonae, M. xenopi e M. fortuitum. Em outro estudo de base hospitalar,(7) 16% dos pacientes com MNT isoladas de espécimes respiratórios preencheram os atuais critérios da ATS/IDSA.

O rápido aumento da incidência de infecção por MNT em todo o mundo nos últimos anos provavelmente se deve à combinação de consciência crescente, melhoria das técnicas de cultura e moleculares para detecção de MNT, envelhecimento da população e aumento da prevalência de doenças pulmonares crônicas e de doenças que resultam em imunossupressão. (1,2) Além disso, alguns autores sugerem que o declínio da incidência de tuberculose diminuiu a imunidade protetora antimicobacteriana cruzada associada à infecção por M. tuberculosis, o que de alguma forma promoveu um aumento da incidência de infecção por MNT.(2)

Nosso estudo apresenta algumas limitações. Como nossos dados foram coletados apenas de pacientes atendidos em um serviço de pneumologia, é possível que não sejam representativos da população em geral. O que nossos resultados indicam claramente é que as MNT são um problema emergente de saúde em nosso hospital e possivelmente na região norte de Portugal. Embora fosse aconselhávael a realização de um estudo de base hospitalar para confirmação desses resultados e de estudos em maior escala para avaliação da magnitude do problema na região, os clínicos precisam estar cientes da possibilidade de infecção por MNT, a qual pode ter consequências devastadoras para os pacientes se não for diagnosticada e tratada adequadamente.

Referências

1. Johnson MM, Odell JA. Nontuberculous mycobacterial pulmonary infections. J Thorac Dis. 2014;6(3):210-20. http://dx.doi.org/10.3978/j.issn.2072-1439.2013.12.24

2. Kendall BA, Winthrop KL. Update on the epidemiology of pulmonary nontuberculous mycobacterial infections. Semin Respir Crit Care Med. 2013;34(1):87-94. http://dx.doi.org/10.1055/s-0033-1333567

3. Griffith DE, Aksamit T, Brown-Elliott BA, Catanzaro A, Daley C, Gordin F, et al. An official ATS/IDSA statement: diagnosis, treatment, and prevention of nontuberculous mycobacterial diseases. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175(4):367-416. http://dx.doi.org/10.1164/rccm.200604-571ST

4. Marinho A, Fernandes G, Carvalho T, Pinheiro D, Gomes I. Nontuberculous mycobacteria in non-AIDS patients. Rev Port Pneumol. 2008;14(3):323-37. http://dx.doi.org/10.1016/S0873-2159(15)30241-5

5. Hoefsloot W, van Ingen J, Andrejak C, Angeby K, Bauriaud R, Bemer P, et al. The geographic diversity of nontuberculous mycobacteria isolated from pulmonary samples: an NTM-NET collaborative study. Eur Respir J. 2013;42(6):1604-13. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00149212

6. Amorim A, Macedo R, Lopes A, Rodrigues I, Pereira E. Non-tuberculous mycobacteria in HIV-negative patients with pulmonary disease in Lisbon, Portugal. Scand J Infect Dis. 2010;42(8):626-8. http://dx.doi.org/10.3109/00365541003754485

7. Panagiotou M, Papaioannou AI, Kostikas K, Paraskeua M, Velentza E, Kanellopoulou M, et al. The epidemiology of pulmonary nontuberculous mycobacteria: data from a general hospital in Athens, Greece, 2007-2013. Pulm Med. 2014;2014:894976. http://dx.doi.org/10.1155/2014/894976

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