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Alterações pulmonares induzidas pelo uso de cocaína: avaliação por TCAR de tórax

Cocaine-induced pulmonary changes: HRCT findings

Renata Rocha de Almeida1, Gláucia Zanetti1,2, Arthur Soares Souza Jr.3, Luciana Soares de Souza4, Jorge Luiz Pereira e Silva5, Dante Luiz Escuissato6, Klaus Loureiro Irion7, Alexandre Dias Mançano8, Luiz Felipe Nobre9, Bruno Hochhegger10, Edson Marchiori1,11

ABSTRACT

Objective: To evaluate HRCT scans of the chest in 22 patients with cocaine-induced pulmonary disease. Methods: We included patients between 19 and 52 years of age. The HRCT scans were evaluated by two radiologists independently, discordant results being resolved by consensus. The inclusion criterion was an HRCT scan showing abnormalities that were temporally related to cocaine use, with no other apparent causal factors. Results: In 8 patients (36.4%), the clinical and tomographic findings were consistent with "crack lung", those cases being studied separately. The major HRCT findings in that subgroup of patients included ground-glass opacities, in 100% of the cases; consolidations, in 50%; and the halo sign, in 25%. In 12.5% of the cases, smooth septal thickening, paraseptal emphysema, centrilobular nodules, and the tree-in-bud pattern were identified. Among the remaining 14 patients (63.6%), barotrauma was identified in 3 cases, presenting as pneumomediastinum, pneumothorax, and hemopneumothorax, respectively. Talcosis, characterized as perihilar conglomerate masses, architectural distortion, and emphysema, was diagnosed in 3 patients. Other patterns were found less frequently: organizing pneumonia and bullous emphysema, in 2 patients each; and pulmonary infarction, septic embolism, eosinophilic pneumonia, and cardiogenic pulmonary edema, in 1 patient each. Conclusions: Pulmonary changes induced by cocaine use are varied and nonspecific. The diagnostic suspicion of cocaine-induced pulmonary disease depends, in most of the cases, on a careful drawing of correlations between clinical and radiological findings.

Keywords: Cocaine, Cocaine-related disorders; Tomography, X-ray computed; Lung diseases.

RESUMO

Objetivo: Avaliar achados em TCAR de tórax de 22 pacientes com doença pulmonar induzida pelo uso de cocaína. Métodos: Foram incluídos pacientes com idades variando de 19 a 52 anos. As TCAR foram avaliadas por dois radiologistas, de forma independente, e os casos discordantes foram resolvidos por consenso. O critério de inclusão foi a presença de anormalidades na TCAR temporalmente relacionadas ao uso de cocaína, sem outros fatores causais justificáveis. Resultados: Oito pacientes (36,4%) apresentavam quadro clínico-tomográfico compatível com "pulmão de crack", e esses casos foram estudados separadamente. Os achados tomográficos predominantes nesse subgrupo de pacientes foram opacidades em vidro fosco, em 100% dos casos; consolidações, em 50%; e sinal do halo, em 25%. Em 12,5% dos casos, observou-se espessamento septal liso, enfisema parasseptal, nódulos centrolobulares e padrão de árvore em brotamento. Dentre os outros 14 pacientes (63,6%), observou-se barotrauma em 3 casos, apresentando-se como pneumomediastino, pneumotórax, e hemopneumotórax, respectivamente. Talcose foi diagnosticada em 3 pacientes, caracterizada como massas conglomeradas peri-hilares, distorção arquitetural e enfisema. Outros padrões encontrados com menor frequência foram pneumonia em organização e enfisema bolhoso, observados em 2 pacientes cada; e infarto pulmonar, embolia séptica, pneumonia eosinofílica e edema pulmonar cardiogênico, em 1 paciente cada. Conclusões: As alterações pulmonares induzidas pelo uso de cocaína são múltiplas e inespecíficas, e sua suspeita diagnóstica depende, na maioria dos casos, de uma cuidadosa correlação clínico-radiológica.

Palavras-chave: Cocaína; Transtornos relacionados ao uso de cocaína; Tomografia computadorizada por raios X; Pneumopatias.

Introdução

A cocaína é um alcaloide encontrado nas folhas de um arbusto da família Erythroxylaceae, o arbusto da coca (Erythroxylum coca).(1) É a segunda droga ilícita mais consumida e traficada no mundo, depois da maconha.(2,3) A prevalência de "uso na vida" de cocaína nas 108 maiores cidades do Brasil, em 2005, foi de 2,9%.(3) Em 2012, um inquérito realizado pela Fundação Oswaldo Cruz com aproximadamente 25.000 pessoas estimou o número de usuários de crack no Brasil em 0,81%, ou seja, cerca de 370 mil usuários.(4)

A cocaína é a droga ilícita mais consumida entre pacientes atendidos nos serviços de urgência e a causa mais frequente de mortes relacionadas com o abuso de drogas.(1,5) Vários problemas respiratórios têm sido temporalmente associados ao uso agudo ou crônico de cocaína.(6,7) Desta forma, o diagnóstico de doenças pulmonares induzidas pelo seu uso é um desafio para clínicos e radiologistas, especialmente em hospitais urbanos.

Embora alguns estudos já tenham relatado as alterações pulmonares causadas pela cocaína em radiografias de tórax (RXT), poucos trabalhos descreveram os achados encontrados na TC.

O objetivo do presente estudo foi, através da análise de TCAR de tórax de 22 pacientes com alterações pulmonares relacionadas temporalmente ao uso de cocaína, avaliar os achados tomográficos mais frequentes, suas características morfológicas e a distribuição das lesões no parênquima pulmonar. Além disso, foram estudados alguns aspectos epidemiológicos desses pacientes.

Métodos


O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Antonio Pedro da Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ). O estudo foi retrospectivo, não sendo necessário o consentimento informado dos pacientes. Foi realizado um estudo observacional descritivo retrospectivo das TCAR de tórax de 22 pacientes com alterações pulmonares induzidas pelo uso de cocaína, reunidas aleatoriamente, através de contatos pessoais com radiologistas e pneumologistas de sete instituições diferentes, localizadas em seis estados do Brasil. Dezoito pacientes eram do sexo masculino e 4 eram do sexo feminino, com idades variando de 19 a 52 anos.

Os pacientes foram avaliados quanto à via de uso da droga, ao tipo de cocaína utilizada e à presença de SIDA. O diagnóstico foi baseado na associação entre os achados tomográficos e a relação temporal com o uso da cocaína, excluindo-se outras possíveis causas.

Dentre os casos estudados, foram identificados pacientes com diferentes tipos de acometimento pulmonar, apresentando diferentes síndromes clínicas decorrentes do uso da droga. Com o objetivo de agrupar mais eficientemente os pacientes e seus achados de imagem, foi definido um subgrupo de 8 casos que apresentaram características da síndrome de "pulmão de crack", caracterizada por insuficiência respiratória associada a alterações de opacidade pulmonar, temporalmente relacionadas ao uso de crack e sem outro fator causal identificável, com rápida resolução do quadro após a descontinuação do uso da droga.(8-10)

As TCAR de tórax, devido às múltiplas instituições envolvidas, foram realizadas em diferentes tomógrafos, utilizando-se a técnica de alta resolução, com cortes desde os ápices até as bases pulmonares. Os exames foram avaliados por dois observadores, de forma independente, e os resultados discordantes foram resolvidos por consenso.

Em relação ao padrão das alterações, foram analisados os seguintes achados tomográficos: opacidades em vidro fosco, consolidações, espessamento dos septos interlobulares, padrão de pavimentação em mosaico, nódulos, pequenos nódulos parenquimatosos, nódulos centrolobulares, padrão de árvore em brotamento, escavação, sinal do halo, enfisema parasseptal, bolhas apicais, enfisema bolhoso, massas e distorção arquitetural. Os critérios de definição desses achados e a terminologia utilizada são aqueles preconizados no glossário de termos da Sociedade Fleischner(11) e nos consensos do Colégio Brasileiro de Radiologia(12) e do Departamento de Imagem da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(13) Foi avaliada ainda a presença de derrame pleural, pneumotórax, pneumomediastino ou quaisquer outros achados associados.

Foi também analisada a distribuição desses padrões quanto à lateralidade (bilateral, esquerdo ou direito), assim como quanto aos sentidos axial (central, periférica ou randômica) e crânio-caudal (superior, média, inferior ou difusa). As lesões foram definidas como centrais se predominavam no terço interno dos pulmões; periféricas, se predominavam no terço externo; e randômicas, sem distribuição preferencial. A distribuição crânio-caudal das lesões foi caracterizada como superior, localizando-se preferencialmente acima do nível do arco aórtico; média, entre os níveis do arco aórtico e da carina; inferior, abaixo do nível da carina; e difusa, quando acometiam as regiões sem predomínio identificável entre elas.

Resultados

Aspectos clínicos e epidemiológicos

Foram avaliados 22 pacientes com doença pulmonar relacionada ao uso de cocaína, sendo 18 (81,81%) do sexo masculino e 4 (18,18%) do feminino. Todos os pacientes eram adultos, com idades variando de 19 a 52 anos (média de 32 anos). A via de utilização da droga foi a inalatória (fumadores ou "cheiradores"), em 19 casos (86,36%), e intravenosa, em 3 casos (13,63%). Houve relatos do uso isolado de crack em 9 casos e do uso de outros tipos da droga, incluindo o cloridrato de cocaína e a cocaína de base livre, em 11 casos. Dois pacientes relataram o uso combinado de crack com outras formas de cocaína. A prevalência de SIDA foi de 22,72% (n = 5).

Aspectos tomográficos

Foram identificados achados compatíveis com a síndrome clínico-tomográfica de "pulmão de crack" em 8 casos. As outras formas de acometimento torácico foram barotrauma (n = 3), doença intersticial por talco (n = 3), pneumonia em organização (n = 2), enfisema bolhoso (n = 2), e infarto pulmonar, embolia séptica, edema pulmonar cardiogênico e pneumonia eosinofílica crônica, em 1 caso cada (Tabela 1). Essas alterações foram divididas clinicamente em agudas ("pulmão de crack", barotrauma, infarto pulmonar, embolia séptica e edema pulmonar cardiogênico) ou crônicas (talcose, pneumonia em organização, pneumonia eosinofílica crônica e enfisema bolhoso).



"Pulmão de crack"

O achado tomográfico mais frequente nos 8 pacientes classificados no subgrupo de "pulmão de crack" foi o de opacidades em vidro fosco, presentes em 100% dos casos. Em 4 deles (50%), notou-se também a presença de consolidações (Figura 1), configurando o sinal do halo em 2 desses casos (25%). Em 1 caso (12,5%), observou-se o padrão de pavimentação em mosaico. Em outro caso (12,5%), havia a presença concomitante de nódulos centrolobulares, alguns com padrão de árvore em brotamento. Enfisema parasseptal nos ápices pulmonares foi observado em 1 caso (12,5%; Tabela 2). Embora tenha sido comum a associação de padrões tomográficos, observou-se o predomínio de opacidades em vidro fosco em todos os casos analisados. Em relação à distribuição, o envolvimento foi bilateral em todos os 8 casos. Quanto à localização no eixo axial, houve predomínio periférico em 5 casos e houve predomínio central nos 3 restantes. Não houve casos com distribuição randômica. Considerando-se o comprometimento no sentido crânio-caudal, observaram-se lesões predominando no terço superior, em 2 casos; no terço inferior, em 2 casos; e houve acometimento difuso, em 4 casos. Em nenhum caso observou-se o predomínio no terço médio.





Complicações menos frequentes

Barotrauma foi encontrado em 3 pacientes. Dois deles relataram o uso da droga por via inalatória, e o outro relatou o uso pelas vias inalatória e injetável. Houve formação de pneumomediastino (Figura 2), pneumotórax e hemopneumotórax espontâneo em 1 paciente, respectivamente. Três pacientes desenvolveram talcose. Um deles relatou o uso da via inalatória e os outros 2 relataram o uso da via venosa. Todos apresentaram massas pulmonares conglomeradas nas regiões peri-hilares, associadas a distorção arquitetural e enfisema (Figura 3). Em 1 dos usuários da via venosa, observou-se aumento de densidade no interior das massas, enquanto havia também pequenos nódulos parenquimatosos no parênquima adjacente no outro usuário.






A pneumonia em organização foi observada em 2 pacientes. Ambos relataram o uso de cocaína por via inalatória e apresentaram, na TCAR, consolidações de distribuição central e periférica associadas a distorção arquitetural. O diagnóstico foi feito através de biópsia pulmonar. Enfisema bolhoso foi encontrado em 2 pacientes que fumavam cocaína; 1 deles relatou o uso combinado com maconha. Nesse paciente, a TCAR mostrou volumosas bolhas de enfisema nos ápices pulmonares associadas a distorção arquitetural. Um paciente desenvolveu infarto pulmonar e relatou o uso da via inalatória para o consumo de cocaína. Em sua TCAR havia consolidação subpleural de formato triangular com base pleural. O diagnóstico de infarto pulmonar foi comprovado pelo quadro clínico associado ao padrão cintilográfico.

O paciente com achados tomográficos compatíveis com embolia séptica usava a via venosa para o consumo da droga; os achados na TCAR foram nódulos pulmonares predominantemente periféricos, a maior parte deles com escavação em seu interior (Figura 4). O edema cardiogênico foi observado em 1 paciente, que relatara o uso de cocaína por via inalatória; sua TCAR mostrava opacidades em vidro fosco intercaladas com espessamento liso de septos interlobulares, configurando o padrão de pavimentação em mosaico, associado a derrame pleural bilateral e aumento da área cardíaca. O paciente com pneumonia eosinofílica relatou o uso de crack por via inalatória. Ele apresentava eosinofilia periférica e pulmonar. Na TCAR, observavam-se áreas com atenuação em vidro fosco e distribuição periférica.



Discussão

A cocaína é a segunda droga ilícita (superada apenas pela maconha) mais consumida no Brasil e no mundo e está relacionada a inúmeros problemas de saúde, dentre eles, aqueles referentes ao aparelho respiratório.(5,14,15) No entanto, ainda há dificuldades na identificação do uso da droga na prática clínica, representando um desafio diagnóstico. Por esse motivo, a literatura é escassa em séries de casos específicas sobre o assunto, limitando-se basicamente ao estudo do perfil dos usuários e a sintomatologia, principalmente relacionada a alterações psicológicas e comportamentais.(14,16)

Devido ao comprometimento pulmonar dos usuários, a radiologia torácica adquire um papel fundamental na avaliação destes pacientes. Os grandes estudos prospectivos direcionados para a investigação radiológica dessas alterações são raros e limitam-se a séries sobre RXT.(17,18) Considerando-se apenas a literatura referente à TC, os estudos são ainda mais escassos e concentram-se em relatos de caso e estudos de revisão.

Em relação ao perfil dos usuários de cocaína no Brasil e na América do Sul, a incidência é maior no sexo masculino, na faixa etária entre 25 e 35 anos.(19,20) Os dados encontrados em nossa casuística são comparáveis aos da literatura, com maior incidência no sexo masculino (80,95%), acometendo principalmente adultos jovens (média de idade de 32 anos).

A forma de cocaína mais utilizada atualmente é o crack, principalmente por seu intenso efeito eufórico, desencadeado em poucos minutos, e pelo custo mais baixo.(15,16,21) Em nosso estudo, o tipo de cocaína mais utilizada também foi o crack, em 11 casos (50%), e, em 2 desses casos, houve relatos do uso combinado de crack com outras formas de cocaína.

A cocaína pode ser usada pelas vias inalatória (fumadores ou "cheiradores") e/ou intravenosa. (5) A via mais utilizada atualmente é a inalatória, principalmente o fumo de crack ou de cocaína de base livre.(15) A preferência da via inalatória em detrimento da intravenosa nas últimas décadas ocorreu principalmente pelo crescimento da transmissão do HIV pela via injetável.(22) Em nosso estudo, 86,36% referiram o uso da cocaína pela via inalatória, e apenas 13,63% relataram o uso de cocaína intravenosa, o que é compatível com os dados da literatura brasileira e mundial.

No Brasil, a cocaína base ainda é utilizada pela via inalatória (fumada) em pelo menos duas outras variações, denominadas "merla" e "oxi". (23) A "merla" contém ácidos obtidos de baterias de carro, às vezes combinados com diferentes solventes orgânicos. A "oxi", ou cocaína oxidada, é sintetizada através da mistura de restos da pasta de cocaína com gasolina ou querosene e cal virgem. A "oxi" tornou-se popular como uma substância alternativa que pode ser vendida a um preço muito baixo, sendo seu uso disseminado em todo o Brasil.(23)

Há relação entre o uso de cocaína e a presença de infecção pelo HIV e SIDA,(5) devido à maior exposição a práticas sexuais de risco e à transmissão decorrente da via injetável.(19) A prevalência de SIDA na nossa casuística foi de 22,7%.

O diagnóstico de comprometimento pulmonar induzido pelo uso de cocaína é baseado principalmente na história de exposição à droga, em exames radiológicos compatíveis e na exclusão de outras causas justificáveis para os achados.(24) Embora a história do uso de cocaína seja um dado de extrema importância para se estabelecer o nexo causal, raramente é fornecido espontaneamente pelo paciente ou seus responsáveis, dificultando o diagnóstico. Muitas vezes esse dado só é obtido retrospectivamente, após uma anamnese dirigida e, apesar de 25-60% dos usuários de crack apresentarem sintomas respiratórios após fumar a droga, poucos procuram assistência médica por esse motivo.(18,24) Na maioria dos casos estudados em nosso estudo, o paciente só mencionou o uso de cocaína em uma fase tardia da investigação.

Alguns achados no exame físico podem sugerir o diagnóstico, tais como pontas dos dedos queimadas, resultantes da manipulação dos tubos de vidro usados para fumar a droga, ou a presença de escarro preto, característico do uso de crack, atribuído à inalação de resíduos de carvão de butano ou de algodão embebido em álcool, queimado para acender a cocaína.(5,24)

A frequência das complicações pulmonares causadas pelo uso de cocaína não é conhecida; entretanto, um amplo espectro de alterações foi descrito em revisões de literatura.(5,8,24-28) São elas: "pulmão de crack", edema pulmonar, hemorragia alveolar, doença intersticial, hipertensão pulmonar, pneumonia em organização, enfisema, barotrauma, infecção, câncer de pulmão, infarto pulmonar, doença eosinofílica, pneumonia aspirativa e pneumonia lipoídica, entre outros.(5,8,24-28)

Em nosso estudo, foram avaliadas as TCAR de 22 pacientes, e o achado mais frequentemente encontrado foi o de "pulmão de crack", presente em 8 casos, seguido por barotrauma e talcose, presentes em 3 casos cada. Observou-se também o padrão de pneumonia em organização e enfisema bolhoso, em 2 casos cada. Ainda, com prevalência de 1 caso cada, foram encontrados infarto pulmonar, embolia séptica, edema cardiogênico e pneumonia eosinofílica. Deve ser considerado, contudo, que nenhum achado radiológico, isoladamente, é diagnóstico de alteração pulmonar por uso de cocaína. A maioria dos achados nos exames de imagem são inespecíficos e devem ser correlacionados com a história de uso da droga.(24)

O termo "pulmão de crack" refere-se a uma síndrome pulmonar aguda que ocorre após a inalação de cocaína de base livre e está associada a febre, hipoxemia, hemoptise, insuficiência respiratória e presença de infiltrados alveolares difusos ricos em eosinófilos.(5,14,24,28) Como hemorragia alveolar, pneumonite de hipersensibilidade, doença eosinofílica e síndrome do desconforto respiratório agudo podem ser radiologicamente indistinguíveis, o desenvolvimento de insuficiência respiratória relacionada a opacidades bilaterais, combinado ao uso de cocaína e com resolução rápida após a cessação de seu uso, tem sido chamado de "pulmão de crack".(5,8-10,24)

Os achados encontrados na TCAR dos pacientes com "pulmão de crack" são opacidades em vidro fosco, consolidações, nódulos no espaço aéreo, espessamento liso dos septos interlobulares e, em alguns casos, configurando o padrão de pavimentação em mosaico.(5,15,28) Na literatura, não foram encontradas séries de casos abrangentes que estudaram as alterações tomográficas mais frequentes nos pacientes com "pulmão de crack" e sua distribuição no parênquima pulmonar. Em nosso estudo, observamos distribuição bilateral em todos os casos, predominantemente periférica no eixo axial e difusa no eixo crânio-caudal.

O barotrauma é outra complicação frequentemente relacionada ao fumo de crack e à inalação de cocaína em pó.(29) Ocorre um aumento da pressão nas vias aéreas após fumar devido a fortes episódios de tosse ou à produção intencional de uma manobra de Valsalva para aumentar a absorção e maximizar o efeito da droga.(29) O barotrauma pode se manifestar como pneumotórax, pneumomediastino, pneumopericárdio ou enfisema subcutâneo e geralmente é diagnosticado pela RXT.(5,29) A TCAR pode auxiliar no diagnóstico quando a RXT não é conclusiva.(30) O achado de pneumomediastino em pacientes jovens sem história de trauma deve levar a suspeita do uso de cocaína inalada.(27) Não encontramos dados a respeito da frequência de cada forma de barotrauma na literatura. Em nosso estudo, observamos 3 casos de barotrauma, 1 de pneumomediastino e 2 de pneumotórax, 1 deles associado a hemotórax.

Talco, sílica, celulose e outros adulterantes são adicionados à cocaína vendida nas ruas.(6) Tanto a inalação quanto a injeção intravenosa da cocaína adulterada com talco podem causar doença intersticial pulmonar.(8) A talcose por inalação aparece na TCAR como nódulos centrolobulares ou subpleurais, massas conglomeradas e linfonodomegalias.(8,31,32) A talcose por via venosa pode se manifestar como pequenos nódulos de distribuição difusa com aumento de densidade, áreas de atenuação em vidro fosco, enfisema panacinar com predomínio nos lobos inferiores e massas conglomeradas peri-hilares, podendo conter áreas com aumento de densidade em seu interior.(31,33) Nos 3 pacientes que apresentaram talcose em nosso estudo, foram identificadas massas pulmonares conglomeradas nas regiões peri-hilares, associadas a distorção arquitetural e enfisema. Em 1 caso, observou-se aumento de densidade no interior dessas massas, e, em outro, havia também pequenos nódulos no parênquima adjacente.

A pneumonia em organização tem sido relatada em jovens fumadores de crack.(5) Em nosso estudo, os 2 pacientes com pneumonia em organização, confirmada por biópsia pulmonar, apresentavam na TCAR consolidações de distribuição central e periférica com a presença de distorção arquitetural. O enfisema pulmonar bolhoso é relatado em 2-4% dos usuários de cocaína e de outras drogas por via intravenosa, com predomínio na região superior dos pulmões e tipicamente acometendo homens jovens. (5) Em nossa casuística, ambos os pacientes com enfisema bolhoso apresentaram volumosas bolhas de enfisema nos ápices pulmonares associadas à distorção arquitetural. A embolia pulmonar séptica e a pneumonia adquirida na comunidade estão entre as complicações pulmonares infecciosas mais comuns observadas em usuários de drogas intravenosas.(5) Os padrões tomográficos observados na pneumonia adquirida na comunidade podem ser variáveis e são frequentemente relacionados com o agente causador(34); já os êmbolos sépticos caracteristicamente aparecem na TCAR como múltiplos nódulos pulmonares distribuídos perifericamente, em diferentes fases de escavação, que representam as áreas de infarto séptico. (8,35,36) Esse padrão foi observado em 1 paciente de nossa casuística.

Nosso estudo apresentou algumas limitações. Primeiramente, o estudo foi retrospectivo; segundo, as técnicas de TCAR variaram amplamente, dado a origem multicêntrica dos casos estudados. Outra limitação importante do presente estudo e de qualquer outro relacionado a usuários de drogas é que, em determinados casos, há dificuldades para que se estabeleça com segurança o nexo de causalidade entre o uso de cocaína e os padrões tomográficos. Muitos desses indivíduos fizeram ou fazem uso de outras drogas ilícitas por via inalatória ou intravenosa. Assim, comprimidos de uso oral, quando triturados e injetados em veia periférica também podem causar talcose pulmonar. Em outros casos, o uso adicional de maconha pode causar lesões pulmonares bolhosas. A despeito dessas limitações, o presente estudo incluiu a maior série de pacientes com alterações pulmonares induzidas pelo uso de cocaína identificadas pela TCAR já publicada.

Em conclusão, o tipo de alteração pulmonar mais encontrado foi o "pulmão de crack". Outras complicações torácicas relacionadas ao uso de cocaína com grande prevalência foram o barotrauma e a talcose, seguidos por enfisema bolhoso e pneumonia em organização, havendo ainda casos de infarto pulmonar, embolia séptica, edema pulmonar cardiogênico e pneumonia eosinofílica. As alterações pulmonares induzidas pelo uso de cocaína são inespecíficas e devem ser correlacionadas temporalmente com o uso da droga, após a exclusão de outras causas.

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