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Artigo Original

Doença pulmonar em pacientes com artrite reumatoide: avaliação radiográfica e espirométrica

Pulmonary involvement in rheumatoid arthritis: evaluation by radiography and spirometry

Alexandre Melo Kawassaki1, Daniel Antunes Silva Pereira1, Fernando Uliana Kay2, Ieda Maria Magalhães Laurindo3, Carlos Roberto Ribeiro Carvalho4, Ronaldo Adib Kairalla1

ABSTRACT

Objective: To determine whether simple diagnostic methods can yield relevant disease information in patients with rheumatoid arthritis (RA). Methods: Patients with RA were randomly selected for inclusion in a cross-sectional study involving clinical evaluation of pulmonary function, including pulse oximetry (determination of SpO2, at rest), chest X-ray, and spirometry. Results: A total of 246 RA patients underwent complete assessments. Half of the patients in our sample reported a history of smoking. Spirometry was abnormal in 30% of the patients; the chest X-ray was abnormal in 45%; and the SpO2 was abnormal in 13%. Normal chest X-ray, spirometry, and SpO2 were observed simultaneously in only 41% of the RA patients. A history of smoking was associated with abnormal spirometry findings, including evidence of obstructive or restrictive lung disease, and with abnormal chest X-ray findings, as well as with an interstitial pattern on the chest X-ray. Comparing the patients in whom all test results were normal (n = 101) with those in whom abnormal test results were obtained (n = 145), we found a statistically significant difference between the two groups, in terms of age and smoking status. Notably, there were signs of airway disease in nearly half of the patients with minimal or no history of tobacco smoke exposure. Conclusions: Pulmonary involvement in RA can be identified through the use of a combination of diagnostic methods that are simple, safe, and inexpensive. Our results lead us to suggest that RA patients with signs of lung involvement should be screened for lung abnormalities, even if presenting with no respiratory symptoms.

Keywords: Arthritis, rheumatoid; Lung diseases, interstitial; Spirometry; Radiography, thoracic; Airway ob-struction.

RESUMO

Objetivo: Determinar se métodos diagnósticos de baixa complexidade podem fornecer informações relevantes sobre doença pulmonar em pacientes com artrite reumatoide (AR). Métodos: Pacientes com AR foram selecionados aleatoriamente para um estudo transversal envolvendo avaliação clínica pulmonar, oximetria de pulso (SpO2) em repouso, radiografia de tórax e espirometria. Resultados: Um total de 246 pacientes foi submetido à avaliação completa. Metade dos pacientes na amostra relatou história de tabagismo. A proporção de pacientes com resultados anormais na espirometria, radiografia de tórax e SpO2 foi de, respectivamente, 30%, 45% e 13%. Resultados normais em radiografia de tórax, espirometria e SpO2 foram observados simultaneamente em apenas 41% dos pacientes com AR. História de tabagismo foi associada a achados espirométricos anormais, de doença pulmonar obstrutiva e de doença pulmonar restritiva, assim como radiografia de tórax anormal e com padrão intersticial. Na comparação dos pacientes com exames normais (n = 101) com aqueles com exames com alguma alteração (n = 145), houve uma diferença estatisticamente significante entre os dois grupos em relação a idade e história de tabagismo. Interessantemente, sinais de doença de vias aéreas foram observados em quase metade dos pacientes com relato de baixa exposição ao tabagismo ou de nunca ter sido fumante. Conclusões: O comprometimento pulmonar na AR pode ser identificado através de uma combinação de métodos diagnósticos simples, seguros e de baixo custo. Nossos resultados sugerem que pacientes com AR e sinais de acometimento pulmonar devem ser avaliados quanto a possíveis anormalidades pulmonares, mesmo na ausência de sintomas respiratórios.

Palavras-chave: Artrite reumatoide; Doenças pulmonares intersticiais; Espirometria; Radiografia torácica; Obstrução das vias respiratórias.

Introdução

A artrite reumatoide (AR) é um distúrbio inflamatório sistêmico com prevalência de 0,5% a 2% na população geral.(1) Dependendo do método de triagem utilizado, até 50% dos pacientes apresentam comprometimento pulmonar. Entretanto, a maioria dos casos tem uma apresentação subclínica.(2,3) Estudos recentes relataram altas taxas de mortalidade em pacientes com pneumonia intersticial usual, uma forma grave de doença pulmonar intersticial (DPI).(4) Foi proposto que pacientes com AR devem ser triados para DPI, mediante o uso de radiografias de tórax e testes de função pulmonar (TFP). (5) Porém, não há consenso (principalmente do ponto de vista de métodos ou combinações de métodos) em relação à triagem adequada para doença pulmonar parenquimatosa em pacientes com AR. Historicamente, estudos avaliando radiografias de tórax em pacientes com AR detectaram anormalidades em apenas 1,6-6% dos pacientes,(6-8) enquanto estudos mais recentes relataram frequências maiores, variando de 19% a 29%.(3,9) Os aparelhos de radiografia atualmente disponíveis oferecem melhor avaliação por imagem, em razão de ferramentas avançadas de análise de imagem e técnicas de aquisição mais recentes, tais como radiografia digital,(10) do que os aparelhos convencionais.(11)

Embora a TCAR de tórax seja mais sensível do que a radiografia de tórax, aquela detectando 50% das anormalidades,(12,13) ela não é recomendada como ferramenta de triagem para comprometimento pulmonar em pacientes com AR, pois a doença é altamente prevalente e as anormalidades pulmonares em pacientes com AR são muitas vezes mínimas.(5) Em um estudo recente envolvendo 356 pacientes recém-diagnosticados com AR, Mori et al. constataram que apenas 15% apresentavam anormalidades relevantes na TCAR,(14) sugerindo que a TCAR não deve ser realizada rotineiramente após o diagnóstico de AR.

A espirometria é uma ferramenta barata e prontamente disponível para a graduação da gravidade do comprometimento pulmonar e pode ser aplicada em larga escala. Estudos empregando espirometria detectaram anormalidades, principalmente padrões obstrutivos e restritivos, em aproximadamente 30% dos pacientes com AR.(1) Embora uma baixa DLCO seja um marcador precoce e confiável de comprometimento pulmonar,(15) a ferramenta diagnóstica necessária para a determinação da DLCO não está amplamente disponível.

Nossa proposta é que uma combinação de avaliações clínicas, incluindo o uso de oximetria de pulso, radiografia de tórax e espirometria, propiciaria medições acessíveis que fornecem informações relevantes sobre doença pulmonar em pacientes com AR. Portanto, realizamos uma avaliação transversal de triagem em uma amostra de conveniência de pacientes com AR a fim de avaliar a prevalência de sinais de doença pulmonar em AR. Avaliamos também as correlações entre anormalidades em exames de imagem, achados de TFP, características clínicas, SpO2 e tabagismo.

Métodos

População de estudo

Entre junho de 2009 e janeiro de 2011, pacientes com AR que estavam em acompanhamento regular na Clínica de Artrite Reumatoide do Departamento de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, uma instituição de nível terciário (hospital-escola) na cidade de São Paulo (SP), foram aleatoriamente encaminhados para avaliação pulmonar. Os pacientes foram encaminhados independentemente da presença de sintomas respiratórios ou de doença pulmonar conhecida. Todos os pacientes encaminhados tinham diagnóstico de AR de acordo com os critérios estabelecidos em 1987 pelo American College of Rheumatology.(16) Os pacientes foram excluídos caso não conseguissem realizar as manobras espirométricas ou não completassem os exames necessários.

Cada paciente encaminhado encontrou-se com o mesmo pneumologista, que reuniu dados demográficos e clínicos (idade, sexo, tempo de início da doença, exposições ocupacionais ou ambientais, e tabagismo). As exposições ambientais foram definidas como presença de mofo, pássaros ou travesseiros/edredons/colchões de penas na residência, enquanto as exposições ocupacionais foram definidas como presença de fumos tóxicos ou poeira industrial no ambiente de trabalho. O tabagismo foi categorizado em "nunca fumante", "ex-fumante" e "fumante atual". A carga tabágica (em maços-ano) também foi documentada. Com base nos diversos resultados relacionados ao tabagismo,(17,18) a exposição à fumaça do tabaco (EFT) foi classificada como ausente, baixa (< 10 maços-ano) ou alta (≥ 10 maços-ano).

O protocolo do projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas e está em conformidade com as diretrizes estabelecidas pela World Medical Association na Declaração de Helsinki. Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Oximetria de pulso

Utilizando-se um oxímetro de pulso (Onyx Fingertip Pulse Oximeter, modelo 9500; Nonin Inc., Plymouth, MN, EUA), a SpO2 (em repouso, em ar ambiente) foi medida no mesmo dia da avaliação clínica. Com base nos valores da SpO2, os pacientes foram classificados como apresentando "oxigenação normal" (SpO2 ≥ 95%), "hipoxemia leve" (SpO2 entre 88% e 94%) ou "hipoxemia grave" (SpO2 < 88%), sendo esta última uma indicação para oxigenoterapia.(19)

Características clínicas

A dispneia foi quantificada com base na escala de dispneia do Medical Research Council.(20) Essa escala é composta por cinco afirmações que descrevem quase toda a gama de deficiência respiratória, indo de nenhuma deficiência a incapacidade total.(20) Os pacientes classificados como grau 1 ou 2 são considerados em forma, aqueles classificados como grau 3 ou 4 são considerados portadores de dispneia moderada, e aqueles classificados como grau 5 são considerados portadores de dispneia grave.(21) As informações sobre nódulos reumatoides subcutâneos, fator reumatoide (FR) e perfil de anticorpos antinucleares (AAN), bem como sobre uso atual e pregresso de drogas antirreumáticas modificadoras de doença e drogas anti-inflamatórias, foram obtidas por meio da revisão dos prontuários. Nas análises estatísticas, os potenciais fatores de confusão previstos foram nódulos reumatoides subcutâneos e síndrome de Sjögren.

Radiografias de tórax

As radiografias de tórax foram realizadas com um sistema de radiografia digital via detector de selênio. As imagens foram adquiridas nas incidências posteroanterior e lateral, em inspiração máxima. As imagens radiográficas de tórax foram analisadas de forma independente por um pneumologista e um radiologista, ambos com experiência em distúrbios respiratórios. Embora nenhum dos avaliadores estivesse cegado para o diagnóstico de AR, ambos estavam cegados para os dados clínicos. As discordâncias foram resolvidas por consenso, quando possível. Os avaliadores analisaram a presença de anormalidades pulmonares utilizando a seguinte escala de confiança de cinco pontos: 1 = definitivamente normal; 2 = mais provavelmente normal; 3 = ambíguo; 4 = mais provavelmente anormal; e 5 = definitivamente anormal.(22) Os pulmões foram considerados hiperinsuflados caso 2 dos 3 seguintes critérios fossem satisfeitos: retificação do diafragma, hemidiafragma abaixo do 10º arco costal posterior e aumento do espaço retroesternal. (23) O volume pulmonar foi considerado diminuído caso o hemidiafragma estivesse acima do 9º arco costal posterior.(23) Anormalidades parenquimatosas foram definidas como presença de padrão alveolar; opacidades intersticiais nodulares; opacidades intersticiais reticulares; nódulo ou massa pulmonar isolada; provável nódulo calcificado; nódulos múltiplos; cavitação; opacidades resultantes de cicatriz fibrótica; atelectasia lobar; atelectasia segmentar; ou hiperinsuflação isolada.(23) Também foram analisadas distorções arquiteturais e sinais de cardiopatia, tais como aumento do coração ou do átrio esquerdo. Os principais perfis observados nas radiografias de tórax foram hiperinsuflação, padrões intersticiais, perda de volume e anormalidades diversas (Figura 1). Em pacientes com AR, hiperinsuflação e padrões intersticiais são geralmente associados a comprometimento pulmonar causado pela própria AR, enquanto perda de volume e anormalidades diversas não o são.



Espirometria pré- e pós-broncodilatador

A espirometria pré- e pós-broncodilatador foi realizada com um espirômetro Koko (PFT; nSpire Health, Longmont, CO, EUA), conforme descrito anteriormente.(24) Os valores (de referência) previstos foram baseados em estudos anteriores na população brasileira.(25) A classificação e a graduação dos resultados foram baseadas nas diretrizes da American Thoracic Society/European Respiratory Society(26):

 doença obstrutiva - definida como relação VEF1/CVF < o limite inferior de normalidade (LIN), com CVF ≥ LIN (sendo que pacientes com relação VEF1/CVF < LIN e CVF < LIN nos testes pré-broncodilatador mas com normalização da CVF após o teste de reversibilidade também foram incluídos nesta categoria)
 possível doença restritiva - definida como relação VEF1/CVF ≥ LIN, com CVF < LIN e sem normalização pós-broncodilatador da CVF
 doença mista - definida como relação VEF1/CVF < LIN, com CVF < LIN, CVF pós-broncodilatador < LIN e sem reversibilidade ao broncodilatador
 doença não classificada - definida como todos os outros padrões

Análise estatística

Os dados contínuos foram expressos em médias ou medianas, com os intervalos observados. Os dados categóricos foram expressos em porcentagens. A concordância interobservador relativa aos escores das radiografias de tórax foi avaliada utilizando-se a estatística kappa. A comparação de subgrupos foi realizada utilizando-se teste não pareado para variáveis contínuas com distribuição normal ou utilizando-se o teste rank-sum de Wilcoxon quando a suposição de normalidade não foi atendida. Utilizou-se o teste do qui-quadrado (estatística 2) para avaliar a independência entre variáveis categóricas, e foi calculado o risco relativo (RR), com seu correspondente intervalo de confiança de 95%. As estimativas ajustadas foram calculadas utilizando-se ANOVA. Todos os valores relatados são two-sided e não foram ajustados para comparações múltiplas. Utilizou-se o coeficiente de correlação produto-momento de Pearson para medir a força das associações entre as variáveis contínuas paramétricas. O nível de significância estatística adotado foi de p < 0,05. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando-se OpenEpi (Open Source Epidemiologic Statistics for Public Health, Atlanta, GA, EUA; http://www.openepi.com) e Stata, versão 13 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA).

Resultados

Características dos pacientes

Dos 975 pacientes em acompanhamento ativo no Ambulatório de Artrite Reumatoide durante o período de estudo, 288 foram submetidos a avaliações iniciais. Desses 288 pacientes, 246 (86%) passaram por avaliações completas e foram incluídos na análise final. Como se pode observar na Tabela 1, a média de idade foi de 56  10 anos, e 85% dos pacientes eram do sexo feminino. O tempo médio de doença foi de 16 anos. Oito pacientes (3,2%) apresentavam história de tuberculose pulmonar. Pouco mais da metade da população relatou fumar (48,8% eram nunca fumantes), e 14,1% relataram alta EFT. No momento da inclusão no estudo, 17,3% dos pacientes eram fumantes atuais (4% com baixa EFT e 13,3% com alta EFT) e 33,7% eram ex-fumantes (12,6% com baixa EFT e 20,9% com alta EFT). Dos 246 pacientes avaliados, 180 (73%) eram positivos para FR. Os dados relativos aos AAN estavam disponíveis para 172 pacientes, 85 (49,4%) dos quais eram positivos para AAN. Embora a SpO2 tenha sido normal na maioria (86,6%) dos pacientes, observaram-se hipoxemia leve em 12,6% e hipoxemia grave (que é indicação de oxigenoterapia) em 0,8%. Com base no escore da escala de dispneia do Medical Research Council, a maioria dos pacientes (82,1%) foi considerada em forma.

Os pacientes foram estratificados de acordo com os resultados dos exames: aqueles com resultados normais em radiografia de tórax, espirometria e SpO2 (n = 101); e aqueles com anormalidades em qualquer um desses testes (n = 145). Ao compararmos esses dois grupos, constatamos que anormalidades significativas foram mais comuns no sexo masculino, nos pacientes idosos, nos pacientes positivos para FR, nos fumantes alguma vez na vida (principalmente nos fumantes atuais) e nos pacientes com história de exposição à azatioprina (Tabela 1). Além disso, foram comparados pacientes com baixa ou nenhuma EFT e aqueles com alta EFT (Tabela 2). Em todas essas comparações, houve ajuste para potenciais fatores de confusão.





Espirometria pré- e pós-broncodilatador

A espirometria foi normal em 69,9% da amostra (Tabela 3). Foram observados padrões obstrutivos e restritivos em 11%, padrões mistos em 4,9% e padrões não classificados em 2,8%. Tipicamente, os testes anormais revelaram gravidade leve. A EFT cumulativa (maços-ano) apresentou correlação negativa e estatisticamente significativa, embora fraca, com CVF em porcentagem do previsto, VEF1 em porcentagem do previsto, relação VEF1/CVF em porcentagem do previsto e relação VEF1/CVF em valores absolutos (Figura 2).





Radiografias de tórax

As radiografias de tórax foram normais em 136 (55,3%) dos pacientes; hiperinsuflação esteve presente em 61 (24,8%); padrão intersticial foi observado em 36 (14,6%); perda de volume, em 6 (2,4%); e anormalidades diversas, nos 7 (2,8%) restantes. A concordância interobservador foi considerada moderada (kappa = 0,4).

Métodos combinados

Apenas 41% dos pacientes apresentaram radiografias de tórax normais, achados espirométricos normais e SpO2 normal (Tabela 4). Em 43,9% dos pacientes, as radiografias de tórax e os achados espirométricos foram normais. Anormalidades apenas nas radiografias de tórax foram mais comuns do que anormalidades apenas na espirometria (26% vs. 11,4%). Em razão de lesões parenquimatosas ou hiperinsuflação, 30% das radiografias de tórax foram classificadas como "definitivamente anormais". Dos 61 pacientes com hiperinsuflação observada na radiografia de tórax, 38 (62,3%) apresentaram achados espirométricos normais, enquanto a espirometria mostrou padrão obstrutivo em 16 (26,2%), padrão misto em 5 (8,2%) e padrão restritivo em apenas 2 (3,3%). Entre os 36 pacientes cujas radiografias de tórax mostraram padrão intersticial, os achados espirométricos foram normais em 18 (50,0%), mostraram padrão restritivo em 11 (30,6%), mostraram padrão misto em 3 (8,3%) e mostraram padrão obstrutivo em 2 (5,6%).



Ao analisarmos dispneia, identificamos uma associação entre nível moderado a alto de dispneia e SpO2 baixa (p = 0,002; RR = 2,42; IC95%: 1,39-4,20). Porém, a dispneia não mostrou associação com achados anormais em radiografias de tórax ou espirometria.

Alta EFT apresentou associações positivas significativas com padrão obstrutivo na espirometria (p = 0,02; RR = 2,18; IC95%: 1,09-4,38), com padrão restritivo na espirometria (p = 0,045; RR = 2,04; IC95%: 1,005-4,139) e com achados espirométricos anormais em geral (p = 0,006; RR = 1,70; IC95%: 1,17-2,46). Entretanto, 46,4% dos pacientes com padrões espirométricos obstrutivos relataram baixa ou nenhuma EFT. Alta EFT também se associou positivamente com padrão intersticial nas radiografias de tórax (p = 0,01; RR = 2,12, IC95%: 1,16-3,85) e com achados anormais em geral nas radiografias de tórax (p = 0,0005; RR = 1,63, IC95%: 1,25-2,14). Embora nenhuma associação significativa tenha sido identificada entre alta EFT e hiperinsuflação observada nas radiografias de tórax, 55,7% dos pacientes cujas radiografias de tórax mostraram hiperinsuflação relataram baixa ou nenhuma EFT.

Discussão

Constatamos que a espirometria e as radiografias de tórax frequentemente detectaram anormalidades pulmonares em pacientes com AR, indicando que, dada sua viabilidade e disponibilidade, essas ferramentas baratas de triagem devem ser incorporadas à nossa prática como exames de rotina para pacientes com AR. A análise combinada com as três ferramentas diagnósticas avaliadas (radiografia de tórax, espirometria e oximetria de pulso) revelou anormalidades em 59% dos pacientes de nossa amostra, sugerindo que o comprometimento pulmonar é prevalente e facilmente diagnosticado em pacientes com AR tratados em um hospital de nível terciário. Morrison et al. utilizaram radiografias de tórax e TFP para avaliar 104 pacientes com AR e relataram anormalidades em 53,8%, principalmente doença pleural (em 30%) e tuberculose (em 44%).(9) Quando os pacientes com história de tabagismo ou com doença pulmonar concomitante foram excluídos, os autores encontraram anormalidades em 19,2% dos pacientes.

Cortet et al. compararam TFP e TCAR na triagem para comprometimento pulmonar em 68 pacientes consecutivos com AR.(1) Por meio da espirometria, os autores detectaram anormalidades pulmonares em 32% dos pacientes, observando padrões obstrutivos em 20% e padrão restritivo em 12%. Utilizando TCAR, os mesmos autores detectaram anormalidades pulmonares em 80,9% dos pacientes: bronquiectasia, em 30,5%; nódulos pulmonares, em 28%; aprisionamento aéreo, em 25%; atenuação em vidro fosco, em 17,1%; faveolamento, em 2,9%; e derrame pleural, em 1,5%. Em nosso estudo, observamos anormalidades por meio da espirometria em 30% dos pacientes (padrão obstrutivo em 11,4% e padrão restritivo em 11%), semelhante aos 32% relatados no estudo de Cortet et al.(1) Notamos também que anormalidades pulmonares nas radiografias de tórax foram comuns (presentes em 45% dos pacientes), incluindo hiperinsuflação (em 25%) e padrão intersticial (em 15%). As diferenças entre as frequências observadas nas radiografias de tórax e as detectadas por TCAR podem ser atribuídas à melhor sensibilidade da TCAR em comparação à radiografia de tórax. Um estudo recente realizado no Brasil relatou anormalidades pulmonares na TCAR em 55% dos 71 pacientes com AR e não encontrou nenhuma correlação entre doença pulmonar e dispneia,(27) resultado que é compatível com nossos achados e com os da literatura. Doyle et al. recentemente publicaram resultados um pouco diferentes para pacientes com AR que tinham sido submetidos a TCAR para avaliação de sintomas respiratórios ou triagem de câncer.(28) Esses autores observaram diferenças estatisticamente significativas entre pacientes com e sem anormalidades pulmonares intersticiais, em relação a idade, dispneia, tabagismo e achados espirométricos. A diferença significativa em dispneia pode ser explicada pelos critérios de inclusão utilizados pelos autores. Por exemplo, a TCAR de tórax foi utilizada apenas em pacientes em que havia indicação clínica para sua realização, o que efetivamente excluiu pacientes com DPI assintomática, introduzindo assim um viés de seleção.

Nosso achado de que a dispneia não se correlacionou com as anormalidades observadas na espirometria ou nas radiografias de tórax pode ser explicado por anormalidades subclínicas, já que a maioria das anormalidades observadas na espirometria era leve e a prevalência de espirometria normal foi alta mesmo quando a radiografia de tórax foi anormal. Outra possibilidade é que pacientes com AR sejam fisicamente limitados pelo acometimento osteoarticular. Nossos achados são compatíveis com os de um estudo recente realizado por Mohd Noor et al.,(29) que relataram que, embora 92% dos 63 pacientes com AR avaliados não tenham apresentado dispneia, 95% e 71% desses pacientes, respectivamente, apresentaram anormalidades pulmonares nos TFP e na TCAR. Portanto, em pacientes com AR, não é aconselhável esperar até que os sintomas se desenvolvam para realizar a avaliação pulmonar.

Diversos fatores de risco têm sido associados a comprometimento pulmonar em AR, incluindo sexo masculino, idade avançada, tabagismo, positividade para FR, positividade para AAN e exposição prévia a penicilamina ou a sais de ouro.(7,28,30,31) No presente estudo, após o ajuste para potenciais fatores de confusão, constatou-se que o risco de comprometimento pulmonar em AR foi maior em pacientes do sexo masculino, pacientes idosos, pacientes com história de EFT (principalmente tabagismo atual), pacientes positivos para FR e pacientes com história de exposição à azatioprina. Esses achados são compatíveis com os da literatura. É possível que idade avançada e EFT prolongada ajam em sinergia para promover lesão pulmonar em pacientes com AR. Ainda não está claro se o tempo de doença é um fator de risco para comprometimento pulmonar em AR.(27,30) Em nosso estudo, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto ao tempo de doença. Até o momento, a exposição à azatioprina não foi associada a comprometimento pulmonar em AR, e a azatioprina é frequentemente prescrita para pacientes com DPI no Brasil. Portanto, acreditamos que nosso achado (de que a exposição à azatioprina aumenta o risco de comprometimento pulmonar em AR) representa uma associação espúria.

Outros estudos em pacientes com AR demonstraram uma associação entre tabagismo e doença das vias aéreas,(14) bem como entre tabagismo e DPI.(15) No presente estudo, constatou-se uma correlação negativa (fracamente) significativa entre EFT (maços-ano) e função pulmonar, sugerindo que o tabagismo desempenha de fato um papel na doença pulmonar associada à AR. Também se observou uma associação entre alta EFT e anormalidades nas radiografias de tórax, embora não se tenha encontrado nenhuma associação entre alta EFT e hiperinsuflação observada nas radiografias de tórax. A maioria dos casos em que se observou tal hiperinsuflação ocorreu em nunca fumantes ou em fumantes leves, assim como aproximadamente metade dos casos em que a espirometria mostrou padrão obstrutivo. Esses resultados indicam que a doença das vias aéreas é comum entre pacientes com AR e não está criticamente associada à EFT. Entretanto, é evidente que a EFT desempenha um papel importante no aumento da lesão pulmonar em AR. Em nossa amostra de pacientes com AR, aqueles com alta EFT muitas vezes apresentaram anormalidades em espirometria, radiografia de tórax e oximetria de pulso, e houve uma correlação negativa entre EFT e parâmetros de função pulmonar, como mostra a Figura 2.

Ao analisarmos os achados espirométricos pós-broncodilatador, constatamos que o grupo de pacientes com resposta positiva não foi homogêneo em relação ao diagnóstico. Em 11 pacientes, a espirometria mostrou padrão obstrutivo: 2 apresentavam asma; 5 apresentavam suspeita de DPOC; 3 apresentavam doença pulmonar associada à AR; e 1 não quis passar por avaliação adicional. Em 5 pacientes, a espirometria mostrou padrão misto: 2 apresentavam hiperinsuflação e suspeita de DPOC; 1 apresentava bronquiolite; 1 apresentava história de tuberculose pulmonar; e 1 apresentava possível DPOC e DPI associada à bronquiolite respiratória. Oito pacientes apresentaram hiper-responsividade brônquica. Como se pode observar, a espirometria não melhorou o diagnóstico diferencial.

No presente estudo, a maioria dos pacientes cujas radiografias de tórax mostraram anormalidades apresentou achados espirométricos normais. Há duas explicações possíveis para isso: o fato de o acometimento pulmonar leve ser comum em pacientes com AR, conforme evidenciado pela relativa infrequência de hipoxemia nesses pacientes; e o fato de alguns pacientes com AR apresentarem doença das vias aéreas e do parênquima pulmonar, o que pode levar a achados espirométricos normais. Este último fato talvez explique porque os achados espirométricos podem ser normais em pacientes que apresentam hiperinsuflação nas radiografias de tórax, pois não se espera que anormalidades intersticiais leves sejam diagnosticadas por radiografia de tórax. Esperávamos que o padrão obstrutivo na espirometria fosse incomum entre os pacientes cujas radiografias de tórax mostraram padrão intersticial, da mesma forma que esperávamos que o padrão restritivo na espirometria fosse um achado incomum em pacientes cujas radiografias de tórax mostraram hiperinsuflação.

Outro achado interessante do presente estudo é que a prevalência de anormalidades nas radiografias de tórax foi de 45%, o que é muito maior do que os 1,6-6% descritos anteriormente.(6-8) Isso pode ser atribuído a uma série de fatores: viés de seleção, pois nossos pacientes foram convidados por um médico a passar por avaliação pulmonar; em nosso estudo, algumas radiografias de tórax podem não ter sido realizadas em inspiração máxima; nosso método de avaliação de radiografias de tórax, com análise de hiperinsuflação e categorização dos achados em "ambíguos", "mais provavelmente anormais" ou "definitivamente anormais", diferiu do empregado em outros estudos; e o desempenho diagnóstico possivelmente superior dos sistemas de radiografia digital,(22) que podem propiciar melhor visualização das estruturas pulmonares periféricas do que os sistemas de radiografia convencional.(11) Acreditamos que os dois últimos fatores representam as explicações mais prováveis para a relativamente alta prevalência de anormalidades nas radiografias de tórax encontrada em nosso estudo, já que a prevalência de anormalidades na espirometria foi semelhante entre nosso estudo e estudos anteriores(12,32) e que a proporção de radiografias de tórax classificadas como "definitivamente anormais" em nosso estudo (30%) é de fato compatível com os achados de estudos mais recentes avaliando radiografias de tórax em pacientes com AR.(3,9) Mesmo se excluíssemos o padrão perda de volume (causado por inspiração insuficiente), nossa frequência de anormalidades seria de 42,3%, bem acima do esperado. Zrour et al. avaliaram radiografias de tórax em 75 pacientes com AR e observaram anormalidades em 29,3%.(3) Como identificamos anormalidades parenquimatosas em 17,4% de nossos pacientes e anormalidades do volume pulmonar em 27,2%, acreditamos que a discrepância entre nossos achados e os dos autores citados acima é atribuível ao fato de termos incluído hiperinsuflação em nossa análise dos achados nas radiografias de tórax, o que não foi feito no estudo realizado por Zrour et al.(3) No presente estudo, a concordância interobservador foi considerada moderada, o que não foi totalmente inesperado, pois há muito tempo se sabe que diferenças interobservador quanto à classificação de radiografias são bastante variadas.(33)

Nosso estudo apresenta algumas limitações. Primeiro, este estudo transversal baseou-se em uma amostra de pacientes atendidos na clínica de reumatologia de um centro de referência de nível terciário. Portanto, é provável que os pacientes recrutados constituam uma população com doença mais avançada ou difícil de tratar, o que pode representar viés de seleção. Além disso, não avaliamos a prevalência de crepitações, embora sua importância como marcador de DPI associada à AR tenha sido avaliada anteriormente. (15) Ademais, como buscamos realizar medições simples, objetivas e independentes do observador, não foram realizados ecocardiogramas. Portanto, insuficiência cardíaca crônica pode ter sido erroneamente identificada como DPI. Além do mais, como as anormalidades não foram avaliadas por meio de TCAR de tórax, nosso estudo pode ter subestimado a frequência de comprometimento pulmonar em pacientes com AR, embora nosso objetivo tenha sido avaliar o desempenho de exames diagnósticos de baixa complexidade em pacientes com AR. Por fim, apenas 29,5% dos pacientes incluídos na avaliação inicial estavam em acompanhamento regular. Porém, como o convite para participar do estudo foi aleatório, acreditamos que nossa amostra de pacientes é representativa da população-alvo.

Em conclusão, a AR é um distúrbio inflamatório sistêmico comum e a doença pulmonar associada à AR é comum. Estudos mostraram que o comprometimento pulmonar está presente em até 50% de todos os pacientes com AR,(2,3) e a prevalência de AR no Brasil é de 1%.(34) Esse teórico acometimento pulmonar em até 0,25-0,5% da população provavelmente consiste em anormalidades insignificantes ou leves na maioria dos pacientes. Diante dessas observações, a triagem de rotina por TCAR e TFP não é recomendada,(5) pois o número de pacientes necessitando de tal triagem seria enorme, tornando essa estratégia inviável. Porém, o comprometimento pulmonar associado à AR é uma fonte de morbidade e mortalidade substanciais para os pacientes afetados,(5) e a progressão da doença foi descrita em aproximadamente 60% dos casos,(15) o que torna necessária a implementação de uma estratégia adequada de triagem.

Acreditamos que pacientes assintomáticos com sinais de acometimento pulmonar devem ser submetidos a uma investigação adicional com TCAR e TFP, incluindo a determinação da DLCO e dos volumes pulmonares estáticos. Entretanto, é importante observar que anormalidades radiográficas e nos TFP podem não levar a doença progressiva em todos os casos.(35)

Agradecimentos

Os autores agradecem a Marianne Karel Verçosa Kawassaki e João Marcos Salge a imprescindível assistência técnica.

Referências

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