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Relato de Caso

Aspergilose pulmonar invasiva aguda, logo após exposição ocupacional a água poluída barrenta, em indivíduo previamente saudável

Acute invasive pulmonary aspergillosis, shortly after occupational exposure to polluted muddy water, in a previously healthy subject

Vikas Pilaniya, Kamal Gera, Rajesh Gothi, Ashok Sha

ABSTRACT

Invasive pulmonary aspergillosis (IPA) predominantly occurs in severely neutropenic immunocompromised subjects. The occurrence of acute IPA after brief but massive exposure to Aspergillus conidia in previously healthy subjects has been documented, although only six such cases have been reported. The diagnosis was delayed in all six of the affected patients, five of whom died. We report the case of a 50-year-old HIV-negative male, a water pipeline maintenance worker, who presented with acute-onset dyspnea and fever one day after working for 2 h in a deep pit containing polluted, muddy water. Over a one-month period, his general condition deteriorated markedly, despite antibiotic therapy. Imaging showed bilateral diffuse nodules with cavitation, some of which were surrounded by ground-glass opacity suggestive of a halo sign (a hallmark of IPA). Cultures (of sputum/bronchial aspirate samples) and serology were positive for Aspergillus fumigatus. After being started on itraconazole, the patient improved. We conclude that massive exposure to Aspergillus conidia can lead to acute IPA in immunocompetent subjects.

Keywords: Environmental exposure; Azoles; Water pollution; Immunocompetence; Invasive pulmonary aspergillosis.

RESUMO

A aspergilose pulmonar invasiva (API) ocorre predominantemente em indivíduos imunocomprometidos com neutropenia grave. A ocorrência de API aguda após exposição breve, mas maciça, a conídios de Aspergillus sp. em indivíduos previamente saudáveis já foi documentada, embora apenas seis casos tenham sido relatados. O diagnóstico foi tardio em todos os seis pacientes afetados, dos quais cinco foram a óbito. Relatamos o caso de um homem de 50 anos de idade, HIV negativo, trabalhador de manutenção de tubulação de água, que apresentou dispneia e febre de início agudo um dia após trabalhar 2 h em uma vala funda contendo água poluída e barrenta. Num período de um mês, seu estado geral se deteriorou acentuadamente, apesar da antibioticoterapia. Exames de imagem mostraram nódulos bilaterais difusos com cavitação, alguns dos quais circundados por opacidade em vidro fosco sugestiva de sinal do halo (uma característica da API). As culturas (de amostras de escarro/aspirado brônquico) e a sorologia foram positivas para Aspergillus fumigatus. Após iniciado o tratamento com itraconazol, o paciente melhorou. Concluímos que a exposição maciça a conídios de Aspergillus pode levar a API em indivíduos imunocompetentes.

Palavras-chave: Exposição ambiental; Azois; Poluição da água; Imunocompetência; Aspergilose pulmonar invasiva.

INTRODUÇÃO

Os fungos do gênero Aspergillus podem causar uma grande variedade de distúrbios respiratórios, dependendo do esta-do imunológico do paciente. Tais distúrbios podem variar de simples reações alérgicas e colonização saprofítica até a destruição do tecido pulmonar com disseminação sistêmica, designada aspergilose pulmonar invasiva (API), que pode ser fatal. A API tipicamente ocorre em pacientes imunocomprometidos, com ou sem neutropenia. Atualmente, vem sendo observada também em pacientes críticos, sem imunossupressão aparente, em unidades de terapia intensiva. Outros fatores de risco predisponentes incluem quimioterapia (em pacientes com malignidade hematológica aguda), alcoolismo, diabetes mellitus, terapia de imunossupressão (em receptores de transplantes de órgãos) e altas doses de corticosteroi-des sistêmicos.(1,2)

Há poucos relatos de API aguda causada por exposição breve, mas maciça, a Aspergillus sp. A busca na literatura reve-lou quatro relatos de seis casos que ocorreram em indivíduos imunocompetentes.(3-6) Também há alguns relatos de API aguda em indivíduos imunocompetentes após quase afogamento em água contaminada.(7) A raridade de tais cenários nos levou a relatar o caso de um homem previamente saudável de 50 anos de idade que desenvolveu API após trabalhar 2 h em uma vala contendo água poluída barrenta.

RELATO DE CASO

Homem de 50 anos de idade, HIV negativo, ex-fumante, trabalhador de manutenção de tubulação de água junto ao ór-gão desabastecimento de água do estado de Delhi, Índia, foi encaminhado ao nosso instituto para avaliação de dispneia e febre que haviam evoluído de forma aguda e atingiu um pico num período de três dias. Apresentou-se novamente a nós após um mês, e sua evolução clínica se caracterizava por dispneia progressiva aos esforços, juntamente com tosse e escarro escasso e mucoide, acompanhados de febre baixa intermitente com calafrios e rigores. Ausência de sibilância, dor torácica, palpitações e hemoptise.

Quando questionado, relatou ter sido exposto a água poluída barrenta por 2 h enquanto trabalhava em uma vala funda, para consertar uma tubulação de água, um dia antes do início dos sintomas. Porém, negou enfaticamente ter aspirado qualquer quantidade da mesma. O paciente era totalmente saudável antes desse evento e não tinha história de uso de corticosteroides ou qualquer outra medicação. Apresentava carga tabágica de 10 anos-maço: antes de parar de fumar há 10 anos, havia fumado 10 cigarros por dia durante 20 anos. O tipo de cigarro que ele fumou é conhecido como bidi (ou beedi), que é fabricado na Índia e consiste em tabaco seco ao sol, moído muito fino, enrolado em uma folha marrom de Diospyros melanoxylon ou Diospyros ebenum - duas plantas de folha larga nativas da Índia.(8)

Ao exame físico, o paciente de meia idade apresentava dificuldade respiratória. Ausência de palidez, hipocratismo digi-tal e cianose. Apresentava taquipneia, com frequência respiratória de 25 ciclos/min, e febre. A excursão diafragmática, embora rápida, era comparável em ambos os lados. Sons respiratórios de mesma intensidade eram audíveis bilateral-mente, juntamente com estertores grossos bibasais.

Respirando ar ambiente, o paciente apresentava SpO2 de 90%, com pH de 7,37, PaCO2 de 41,2 mmHg e PaO2 de 46 mmHg. A contagem total de leucócitos foi de 28,6 × 103 células/µl, sendo que os neutrófilos representaram 89%. Os resultados do eletrocardiograma, da análise da urina e do teste de glicose no sangue, bem como dos testes de função renal e hepática, estavam todos dentro dos limites normais. A radiografia de tórax realizada após o início dos sintomas mostrou consolidações multifocais bilaterais com cavitação em algumas das lesões (Figura 1A). A TCAR de tórax com contraste realizada uma semana após o início dos sintomas revelou múltiplas áreas de consolidação bem como lesões nodulares de tamanhos variados com limites mal definidos. Algumas dessas lesões apresentavam cavitação, enquanto outras eram circundadas por opacidade em vidro fosco, sugestiva de sinal do halo (Figura 1B). A ultrassonografia abdo-minal revelou hepatomegalia com infiltração gordurosa grau 2. A baciloscopia e as culturas de escarro revelaram ausên-cia de crescimento de Mycobacterium tuberculosis e outros organismos aeróbicos. Porém, as culturas de escarro apresen-taram crescimento puro de Aspergillus fumigatus.



A espirometria mostrou que o paciente apresentava CVF de 3,01 l (82% do previsto), VEF1 de 1,88 l (62% do previsto) e relação VEF1/CVF de 0,62. Esses resultados são indicativos de doença pulmonar obstrutiva moderada sem resposta ao broncodilatador. A fibrobroncoscopia revelou mucosa hiperêmica com manchas esbranquiçadas e focos de sangramento de mucosa no lobo superior direito. As culturas de escarro pós-broncoscopia e de aspirado brônquico apresentaram crescimento significativo de A. fumigatus. No teste cutâneo, o paciente também apresentou reatividade imediata a A. fumigatus e A. niger. A IgE sérica total foi de 114 quilo unidades de alérgeno por litro (kUA/l; referência < 64 kUA/l), e o imunoensaio enzimático com fluorescência (ImmunoCAP 100E; Phadia, Uppsala, Suécia) identificou anticorpos IgE e IgG específicos contra A. fumigatus. Múltiplas biópsias endobrônquicas e transbrônquicas de ambos os pulmões demonstra-ram inflamação crônica inespecífica. O aspirado brônquico revelou-se negativo para M. tuberculosis e qualquer outro organismo aeróbico.

O paciente foi diagnosticado com API. O diagnóstico foi fundamentado pelo crescimento significativo de A. fumigatus observado nas culturas de escarro após a broncoscopia, bem como nas de aspirado brônquico. O paciente iniciou trata-mento com itraconazol (200 mg duas vezes ao dia por dois meses), juntamente com tratamento para doença pulmonar obstrutiva na forma de um β2-agonista inalatório de longa duração e um antagonista muscarínico inalatório. O paciente apresentou notável melhora clínica, e os exames de imagem do tórax mostraram resolução importante das lesões, com fibrose residual (Figuras 2A e 2B). Encontra-se atualmente em tratamento regular para doença pulmonar obstrutiva, cuja gravidade diminuiu consideravelmente, e amplamente assintomático.



DISCUSSÃO

A API, observada predominantemente em indivíduos imunocomprometidos, é uma forma de pneumonia causada por Aspergillus spp., mais comumente o A. fumigatus. Vem sendo observada cada vez mais em pacientes críticos internados em unidades de terapia intensiva e em receptores de transplantes de órgãos.(1,2)

A ocorrência de API em um indivíduo previamente saudável é muito incomum, e a API causada por exposição ambien-tal maciça, mas breve, ao Aspergillus sp. é bastante rara; na literatura, identificamos quatro relatos descrevendo um total coletivo de seis casos. (3-6) As descrições clínicas desses seis pacientes e do nosso paciente encontram-se resumidas na Tabela 1.(3-6) Todos os seis pacientes apresentavam história de exposição a material úmido que provavelmente abrigava Aspergillus sp., o que potencialmente resultou em inalação maciça de conídios. Houve um atraso considerável no diag-nóstico em todos os seis casos. Dos seis pacientes, cinco foram a óbito,(3-6) e o diagnóstico foi estabelecido apenas na autópsia em quatro.(3,5,6) As culturas de escarro ou aspirado brônquico foram positivas para A. fumigatus em três dos seis pacientes.(4-6) Em nosso paciente, o A. fumigatus também foi cultivado no escarro coletado na admissão. As radiografias de tórax mostraram infiltrados irregulares/homogêneos em cinco pacientes,(3-6) com cavitação no lobo superior direito em um.(6) Nosso paciente também apresentou nódulos cavitados difusos bilaterais com limites mal definidos. A TCAR de tórax, realizada em apenas um dos seis pacientes,(6) revelou infiltrados intersticiais bilaterais. Em nosso paciente, a TCAR demonstrou múltiplos nódulos de tamanhos variados com limites mal definidos, alguns dos quais apresentavam cavita-ção, enquanto outros eram circundados por opacidade em vidro fosco sugestiva de sinal do halo, que é uma característica da API e, portanto, facilitou o diagnóstico. Quatro dos seis pacientes foram submetidos a biópsia(3,4,6): biópsia com agulha em um; biópsia pulmonar a céu aberto em um; e biópsia brônquica em dois. Hifas de Aspergillus foram identificadas em apenas dois dos seis pacientes(4,6): a partir de fragmento de biópsia pulmonar a céu aberto em um e a partir de fragmen-to de biópsia brônquica no outro.



Sabe-se que fungos ocorrem em águas poluídas. Um estudo realizado na Malásia identificou fungos em água residuária proveniente de uma estação de tratamento de esgoto,(9) sendo que os isolados de Aspergillus spp. foram os segundos mais comuns. Outro estudo, realizado na Dinamarca, destacou os perigos da inalação de aerossóis, inclusive os conídios de Aspergillus spp., por trabalhadores que lidam com água residuária.(10) O lodo pútrido de águas residuárias propicia condições aquecidas e úmidas, que são ideais para o crescimento de mofos.(10) Nosso paciente foi exposto a água barren-ta poluída por 2 h enquanto trabalhava em uma vala funda. Uma vez que os sintomas começaram já no dia seguinte, essa água foi muito provavelmente a fonte de sua exposição a conídios de Aspergillus.

Episódios de quase afogamento, especialmente em águas poluídas, podem também resultar em API aguda em indiví-duos imunocompetentes.(7) Os Aspergillus spp. costumam ser recuperados em corpos d'água e são uma possível causa de doença invasiva em vítimas de quase afogamento, pois o tecido pulmonar pode ser danificado devido à imersão e a um grande inoculo de Aspergillus que pode ser depositado no mesmo sob tais circunstâncias.(7)

Nosso paciente apresentou reatividade cutânea imediata a antígenos de Aspergillus, e também testou positivo para an-ticorpos IgE e IgG específicos contra A. fumigatus, o que sugere sensibilização prévia. Como sua profissão implicava trabalhar em tais ambientes regularmente, é provável que ele tenha sido previamente exposto a antígenos de Asper-gillus. A investigação sorológica desempenha um papel coadjuvante no diagnóstico de API. Embora a doença tipicamente ocorra em indivíduos imunocomprometidos, anticorpos IgG contra antígenos de Aspergillus são detectados em 29-100% dos pacientes com API, sendo tal sensibilização proporcionalmente maior em pacientes não neutropênicos. Porém, o fato de os anticorpos levarem uma média de 10,8 dias para aparecer durante a fase aguda da doença reduz sua utilidade diagnóstica.(11)

O sinal do halo é definido como um nódulo ou massa circundada por opacidade em vidro fosco na TCAR e é a manifes-tação mais precoce da API. Esse sinal é transitório, observado principalmente durante os estágios iniciais, e tende a desaparecer com o tempo. (12) É, portanto, imperativo realizar TCAR nos estágios iniciais da API, pois esse marcador radiológico fundamental pode não ser visível posteriormente. Em nosso paciente, o sinal do halo levantou a suspeita de API e possibilitou a rápida introdução de um antifúngico, o que provavelmente ajudou nosso paciente a sobreviver. Em-bora sejam mais comuns na API, os sinais do halo também podem ser observados em outras infecções fúngicas, virais ou bacterianas e até mesmo em algumas doenças sistêmicas ou neoplásicas.(12)

Como a API geralmente ocorre em hospedeiros imunocomprometidos, a mesma raramente é lembrada no diagnóstico daqueles que são imunocompetentes. Isso frequentemente leva a atrasos consideráveis no diagnóstico e, consequente-mente, a desfechos ruins. Nosso relato destaca a importância da suspeição de API em pacientes imunocompetentes que, em cenários comparáveis, possam ter sofrido exposição breve, mas maciça, a conídios de Aspergillus, levando a API aguda.

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