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Artigo de Revisão

Transplante pulmonar: abordagem geral sobre seus principais aspectos.

Lung transplantation: overall approach regarding its major aspects.

Priscila Cilene León Bueno de Camargo1, Ricardo Henrique de Oliveira Braga Teixeira1, Rafael Medeiros Carraro1, Silvia Vidal Campos1, José Eduardo Afonso Junior1, André Nathan Costa1, Lucas Matos Fernandes1, Luis Gustavo Abdalla1, Marcos Naoyuki Samano1, Paulo Manuel Pêgo-Fernandes1,2

RESUMO

O transplante pulmonar é uma terapia bem estabelecida para pacientes com doença pulmonar avançada.A avaliação do candidato para o transplante é uma tarefa complexa e envolve uma equipe multidisciplinar que acompanha o paciente para além do período pós-operatório.O tempo médio atual em lista de espera para transplante pulmonar é de aproximadamente 18 meses no estado de São Paulo. Em 2014, dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos mostram que 67 transplantes pulmonares foram realizados no Brasil e que 204 pacientes estavam na lista de espera para transplante pulmonar.O transplante pulmonar é principalmente indicado no tratamento de DPOC, fibrose cística, doença intersticial pulmonar, bronquiectasia não fibrocística e hipertensão pulmonar.Esta revisão abrangente teve como objetivos abordar os aspectos principais relacionados ao transplante pulmonar: indicações, contraindicações, avaliação do candidato ao transplante, avaliação do candidato doador, gestão do paciente transplantado e complicações maiores. Para atingirmos tais objetivos, utilizamos como base as diretrizes da Sociedade Internacional de Transplante de Coração e Pulmão e nos protocolos de nosso Grupo de Transplante Pulmonar localizado na cidade de São Paulo.

Palavras-chave: Transplante de pulmão; Doença pulmonar obstrutiva crônica; fibrose cística; Infecções respiratórias; Fibrose pulmonar; Hipertensão pulmonar.

INTRODUÇÃO

Ao avaliarmos um paciente portador de doença pulmonar avançada, devemos traçar sua estratégia terapêutica considerando o transplante pulmonar como uma das opções de tratamento.

A avaliação do candidato a transplante é uma tarefa multidisciplinar que envolve, além do pneumologista, cirurgião torácico, infectologista, equipe de enfermagem, nutrição, fisioterapia, psicologia e serviço social. Ao encaminhar o paciente para a avaliação inicial, cabe ao pneumologista orientar o paciente de que o transplante pode ser uma possível opção de tratamento, devendo ser minuciosamente verificada e ponderada pela equipe de transplante de pulmão, considerando-se os riscos e os benefícios desse procedimento.

No estado de São Paulo, o tempo médio de espera em lista é de aproximadamente 18 meses. A alocação do órgão se dá em primeiro lugar por compatibilidade sanguínea ABO, sendo importante ainda a compatibilidade de tamanho entre o doador e o receptor. Pela legislação brasileira, não existem critérios de priorização na lista de espera para transplante pulmonar, sendo a única indicação a falência aguda do enxerto nos primeiros 30 dias após o transplante.

Podem ser realizados transplantes unilaterais (Figura 1) ou bilaterais, sendo essa última modalidade obrigatória nos casos de doenças supurativas. Para pacientes com hipertensão pulmonar, o transplante bilateral também é o mais indicado, pelo maior risco de desenvolvimento de disfunção primária do enxerto. Pacientes que apresentam disfunção ventricular direita e/ou esquerda grave são candidatos a transplante coração-pulmão. Entretanto, no Brasil, atualmente, não se realiza transplante duplo envolvendo pulmão e outro órgão sólido.



Para todos os tipos de transplante citados, utilizamos doadores falecidos, em morte encefálica. Em casos excepcionais, para receptores crianças, pode ser feito o transplante lobar inter vivos, no qual é utilizado um lobo pulmonar de dois doadores.

Segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, em 2014, havia 204 pacientes em lista de espera para transplante pulmonar no Brasil, sendo realizados, naquele ano, 67 transplantes.(1)

O transplante de pulmão já está estabelecido como tratamento que aumenta a sobrevida e a qualidade de vida de pacientes com doença pulmonar crônica avançada. O objetivo do presente artigo foi realizar uma revisão ampla sobre o assunto, incluindo contraindicações, indicações, avaliação do candidato a transplante; avaliação do candidato a doador, manejo do paciente transplantado e principais complicações.

Em 2014, a International Society for Heart and Lung Transplantation (ISHLT, Sociedade Internacional de Transplante de Coração e Pulmão) se reuniu para a atualização do consenso das indicações de transplante pulmonar, bem como da escolha dos candidatos e doadores e de suas contraindicações.(2) Os critérios descritos a seguir são baseados naquele consenso e naquele realizado no nosso Grupo de Transplante Pulmonar do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em São Paulo (SP).

O momento de encaminhar o paciente para a avaliação para a seleção do candidato é uma tarefa onerosa; no entanto, muitos pacientes chegam tardiamente para essa avaliação.

Vários fatores devem ser considerados no momento da avaliação do paciente, devendo-se considerar que o candidato ideal a transplante pulmonar é aquele que apresenta uma perspectiva de ser submetido à cirurgia com sucesso, com estimativas de sobrevida precoce e tardia após a cirurgia ambas maiores que 80%. O número de pulmões ofertados para a doação não é suficiente para suprir a lista de espera de modo eficaz, e a mortalidade em lista de espera gira em torno de 22%. Todo o processo, desde a avaliação inicial até o seguimento no pós-operatório - do qual o paciente nunca receberá alta médica - é complexo e custoso; portanto, cada paciente deve ser cuidadosamente avaliado para que não sejam gerados gastos desnecessários em casos com grandes chances de insucesso, além do fato de se deixar de ofertar um pulmão a um paciente que sabidamente teria uma probabilidade maior de sobrevida com o procedimento.

Em nosso grupo, até o ano de 2014, foram realizados 232 transplantes de pulmão, sendo as nossas principais indicações em pacientes com DPOC, fibrose cística, doença intersticial ou bronquiectasias não fibrose cística. Pelos dados da ISHLT, as taxas de sobrevida pós-transplante pulmonar em 1, 3 e 5 anos são de, respectivamente, 82,0%, 66,7% e 55,3%. Em nosso grupo, essas são de 71,0%, 59,8% e 55,2%, respectivamente.
CONTRAINDICAÇÕES
As contraindicações a seguir se baseiam nos critérios da ISHLT e, caso necessário, acrescentamos comentários do que é realizado no nosso Grupo de Transplante Pulmonar.

Contraindicações absolutas

Ter história recente de neoplasia, sendo necessários 2 anos livre de doença, exceto para neoplasia de pele localizada não melanoma, caso tratada corretamente. Na maioria dos outros sítios, é prudente um tempo livre de doença de 5 anos, como no caso de neoplasias hematológicas, sarcoma, melanoma, e câncer de rins, bexiga e mama. Devemos considerar que alguns tipos histológicos podem conferir um risco alto de recorrência independentemente do tempo de tratamento e, portanto, deve-se avaliar caso a caso.
Apresentar disfunção orgânica significativa de outro órgão nobre (como coração, fígado, rim ou cérebro), a não ser que o transplante duplo esteja disponível. Conforme mencionado anteriormente, atualmente não se realiza transplante duplo envolvendo pulmão e outro órgão sólido no Brasil.
Ter doença coronariana não tratada ou sem possibilidade de correção, com disfunção cardíaca isquêmica suspeitada ou confirmada.
Apresentar instabilidade médica aguda, incluindo, mas não limitada a sepse, infarto agudo do miocárdio e insuficiência hepática.
Ter diátese hemorrágica incorrigível.
Apresentar infecção crônica por agentes altamente virulentos e/ou resistentes com pouco controle prévio ao transplante.
Ter evidência de infecção ativa por Mycobacterium tuberculosis.
Apresentar deformidade da parede torácica ou da coluna vertebral significativa que possam levar a distúrbio restritivo severo após o transplante.
Ter IMC ≥ 35 kg/m2. Observação: em nosso serviço, consideramos como contraindicação absoluta ter IMC ≥ 30 kg/m2.
Apresentar condições psiquiátricas ou psicológicas associadas à inabilidade de cooperar com os cuidados médicos e da equipe de saúde ou com diminuição de aderência ao tratamento.
Não ter um suporte social adequado.
Apresentar status funcional limitado, com baixo potencial de reabilitação. Observação: em nosso serviço realizamos diversos testes funcionais para a avaliação de força muscular, além do teste de caminhada de seis minutos, sendo que distâncias percorridas menores que 200 m contraindicam o procedimento.(3)
Apresentar abuso ou dependência de substâncias químicas (álcool, tabaco ou drogas ilícitas). Observação: em nosso serviço, é necessário um tempo mínimo de abstinência de 6 meses do uso dessas substâncias, com cessação total para a realização do transplante pulmonar.

Contraindicações relativas

Ter idade > 65 anos, com pouca reserva psicológica e/ou outras contraindicações relativas, ou ter idade > 75 anos na maioria dos casos. Observação: em nosso grupo, consideramos a idade de 60 anos como limite para a entrada em lista de espera.
Ter IMC ≥ 30 kg/m2. Observação: conforme já descrito previamente, esse valor é considerado contraindicação absoluta em nosso serviço.
Apresentar desnutrição severa.
Apresentar osteoporose severa, sintomática.
Ter sido submetido a cirurgia torácica extensa, com ressecção pulmonar.
Estar sob ventilação mecânica e/ou em uso de oxigenação extracorpórea por membrana. No entanto, alguns pacientes selecionados, sem disfunção aguda ou crônica de outros órgãos, podem ser submetidos ao transplante nessas condições.
Apresentar colonização ou infecção por germes virulentos ou algumas cepas de micobactérias.
Ter infecção ativa por hepatite B e/ou C. Alguns centros consideram o transplante caso não haja sinais de cirrose ou de hipertensão portal, e os pacientes estejam em terapia adequada. Observação: em nosso grupo, admitimos o transplante nas mesmas condições, após tratamento adequado e carga viral indetectável.
Pacientes portadores do vírus HIV podem ser considerados candidatos em alguns centros, desde que apresentem carga viral indetectável e aderência ao tratamento. Observação: em nosso grupo, consideramos a sorologia positiva para HIV contraindicação absoluta ao transplante pulmonar.
Apresentar infecção por Burkholderia cenocepacia, B. gladioli ou Mycobacterium abscessus pode contraindicar o procedimento em alguns centros. Observação: tais agentes não apresentaram grandes complicações no pós-operatório em nosso serviço, não se apresentando como contraindicação.
Apresentar doença aterosclerótica avançada o suficiente para deixar o paciente em risco após o transplante pulmonar.
Apresentar outras comorbidades, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, doença do refluxo gastroesofágico, epilepsia e úlcera péptica, devendo ter seu tratamento otimizado antes do transplante.
Apresentar síndrome antifosfolípide, desde que não acompanhada por plaquetopenia induzida por heparina, não configura uma contraindicação.
No caso das colagenoses, especialmente da esclerodermia, o principal fator limitante é o comprometimento esofágico, uma vez que o refluxo gastroesofágico é um dos principais fatores de risco para a disfunção crônica do enxerto.

Indicações

De modo geral, indica-se o transplante de pulmão naqueles pacientes que apresentem todos os critérios abaixo:

Alto risco (> 50%) de mortalidade em 2 anos secundário a pneumopatia caso o transplante pulmonar não seja realizado
Alta probabilidade (> 90%) de sobrevida após 90 dias do transplante
Alta probabilidade (> 80%) de sobrevida após 5 anos do transplante, do ponto de vista clínico, se boas condições do enxerto

Doenças obstrutivas


Entram neste grupo doenças como DPOC e bronquiolite obliterante.

Os pacientes devem ser encaminhados para avaliação nas seguintes condições: doença progressiva, a despeito do tratamento otimizado; pacientes com DPOC não candidatos ao tratamento de redução de volumes pulmonares (cirúrgico ou endoscópico); índice Body mass index, airflow Obstruction, Dyspnea, and Exercise capacity (BODE)(4) entre 5 e 6; PaCO2 > 50 mmHg e/ou PaO2 < 60 mmHg; e VEF1 < 25% do predito.

Os pacientes devem ser incluídos em lista quando houver ao menos um dos seguintes critérios: índice BODE ≥ 7; VEF1 < 15-20% do predito; três ou mais exacerbações graves no último ano; uma exacerbação grave com insuficiência respiratória aguda hipercápnica; e hipertensão pulmonar de moderada a grave.

Doenças supurativas


Entram neste grupo doenças como fibrose cística, discinesia ciliar e bronquiectasias.

Os pacientes devem ser encaminhados para avaliação quando houver VEF1 < 30% do predito, principalmente com rápido declínio, a despeito de terapia otimizada; distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos < 400 m; desenvolvimento de hipertensão pulmonar na ausência de hipoxemia secundária a exacerbação; e piora clínica caracterizada pelo aumento das exacerbações acompanhada de um dos seguintes critérios: episódio de insuficiência respiratória aguda com necessidade de ventilação não invasiva; aumento da resistência antimicrobiana e baixa recuperação da exacerbação; piora do status nutricional a despeito da suplementação; pneumotórax; e/ou hemoptise ameaçadora a vida, não controlada com embolização.

Os pacientes devem ser incluídos em lista quando houver ao menos um dos seguintes critérios: insuficiência respiratória crônica (PaCO2 > 50 mmHg e/ou PaO2 < 60 mmHg); necessidade de ventilação não invasiva; hipertensão pulmonar; internações hospitalares frequentes; rápido declínio da função pulmonar; e classe funcional IV de acordo com a World Health Organization.

Em pacientes com bronquiectasias secundárias à fibrose cística, dois fatores devem ser observados: a pancreatopatia, tanto endócrina como exócrina, com influência inclusive na escolha do imunossupressor (o tacrolimus é mais pancreatotóxico do que a ciclosporina) e a sinusopatia crônica, já que a colonização das vias aéreas superiores é causa frequente de infecção pulmonar após o transplante (é bastante comum a indicação de sinusectomia pós-transplante).

Doenças intersticiais

Entram neste grupo doenças restritivas fibrosantes, como fibrose pulmonar idiopática, pneumonite por hipersensibilidade e pneumonia intersticial não específica.

Os pacientes devem ser encaminhados para avaliação quando houver: evidência histológica ou radiológica de pneumonite intersticial usual ou pneumonite intersticial fibrosante não específica, independente da função pulmonar; CVF < 80% do predito ou DLCO < 40% do predito; dispneia ou limitação funcional atribuível à pneumopatia; necessidade de suplementação de oxigênio, mesmo que apenas aos esforços; e, para doença intersticial pulmonar inflamatória (não pneumonite intersticial usual e não pneumonite intersticial fibrosante não específica), incapacidade de melhorar sintomatologia e/ou necessidade de suplementação de oxigênio e/ou melhora funcional com terapia adequada.

Os pacientes devem ser incluídos em lista quando houver: declínio ≥ 10% no valor de CVF em 6 meses de seguimento; declínio ≥ 15% no valor de DLCO em 6 meses de seguimento; dessaturação < 88% ou distância percorrida < 250 m no teste de caminhada de seis minutos ou queda > 50 m na distância percorrida nesse teste no seguimento em 6 meses; hipertensão pulmonar; e/ou hospitalização por piora funcional, pneumotórax ou exacerbação aguda.

Doenças vasculares


Entram neste grupo doenças como hipertensão arterial pulmonar.

Os pacientes devem ser encaminhados para avaliação quando houver: classe funcional III ou IV pela New York Heart Association (NYHA) com terapia otimizada; doença rapidamente progressiva; uso de terapia parenteral a despeito da classificação funcional do NYHA (não disponível no Brasil); e/ou doença veno-oclusiva pulmonar conhecida ou suspeitada ou diagnóstico de hemangiomatose capilar pulmonar.

Os pacientes devem ser incluídos em lista quando houver: classe funcional III ou IV pela NYHA com terapia otimizada, incluindo prostanoides (ainda não amplamente disponíveis no Brasil); índice cardíaco < 2 l/min/m2; pressão média de átrio direito > 15 mmHg; distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos < 350 m; e/ou desenvolvimento de hemoptise, derrame pericárdico ou sinais de insuficiência cardíaca direita.

Como já citado anteriormente, a avaliação da viabilidade do ventrículo direito é essencial para a indicação de transplante pulmonar ou cardiopulmonar. Tal avaliação pode ser feita utilizando ressonância magnética e/ou cintilografia miocárdica.

População pediátrica


A indicação de avaliação da população pediátrica é a mesma da população adulta.

Algumas particularidades devem ser consideradas, principalmente pelo tamanho dos receptores, o que pode levar a um tempo maior de espera em lista.

Outro aspecto importante é a aderência ao tratamento, que tende a ser pior nessa população, aumentando o risco de complicações, como rejeição aguda ou disfunção crônica do enxerto. No entanto, as taxas de sucesso na população pediátrica são similares às da população adulta.(5,6)

Retransplante


Vêm crescendo mundialmente os casos de pacientes submetidos a transplante de pulmão que evoluem com falência crônica do enxerto e, consequentemente, com um quadro de insuficiência respiratória crônica e indicação de retransplante.

AVALIAÇÃO DO CANDIDATO A TRANSPLANTE

O candidato a transplante pulmonar deve ser analisado por uma equipe multiprofissional que consiste em pneumologista, cirurgião torácico e infectologista, assim como equipes de enfermagem, nutrição, fisioterapia, psicologia e serviço social.

Exames necessários para a avaliação

Exames laboratoriais: hemograma completo; coagulograma; tipagem sanguínea; ureia; creatinina; sódio; potássio; cálcio ionizado; magnésio; colesterol total e frações; triglicérides; bilirrubinas totais e frações; proteínas totais e albumina; desidrogenase lática; transaminase oxalacética; transaminase pirúvica; fosfatase alcalina; gama glutamiltransferase; amilase; gasometria arterial em ar ambiente; TSH e tiroxina livre; sorologias para HIV, hepatites (A, B e C), sífilis, doença de Chagas, citomegalovírus (CMV), toxoplasmose, vírus Epstein-Barr e HSV; glicemia; hemoglobina glicada; painel imunológico (quando da inclusão na lista); urina tipo I; clearance de creatinina; e exame de escarro (cultura aeróbia, pesquisa de BAAR, cultura de BAAR, pesquisa de fungos e cultura de fungos)

Como exame funcional, prova de função pulmonar completa com DLCO

Exames de imagem: radiografia de tórax (incidências posteroanterior e perfil); eletrocardiograma; TCAR; TC de crânio; TC dos seios da face (para pacientes com doença supurativa); cintilografia de perfusão pulmonar quantitativa; ecocardiograma; cateterismo esquerdo (para pacientes com mais de 40 anos); cateterismo direito (para pacientes que apresentarem sinais ecocardiográficos compatíveis com hipertensão pulmonar); e densitometria óssea.

Observação: pacientes com história de doença do refluxo gastroesofágico ou esclerodermia deverão realizar investigação com estudo de pHmetria e manometria esofágica.

Sempre que necessário, os pacientes deverão ser encaminhados para avaliação de outras equipes, como gastroenterologia, psiquiatria, cardiologia, nefrologia, neurologia, hematologia, urologia ou ginecologia.

A decisão de inclusão ou recusa é baseada em reunião com a equipe multidisciplinar, baseada em toda a avaliação realizada, caso a caso.

No momento da inscrição do paciente em lista de espera, solicitamos a coleta do painel imunológico, que identifica a presença de anticorpos pré-formados para HLA tipo I e II. Um painel positivo > 10% aumenta o risco para o desenvolvimento de rejeição hiperaguda e faz-se necessária a realização de crossmatch virtual antes do transplante. A coleta de painel imunológico é repetida a cada 6 meses. Transfusões de sangue podem estimular a formação de anticorpos anti-HLA. Assim, se o paciente, em lista de espera, receber transfusão de hemoderivados, deverá ser repetida a coleta do painel.

AVALIAÇÃO DO CANDIDATO A DOADOR

Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos mostram que, em 2014, o Brasil tinha cerca de 190,8 milhões de habitantes, sendo 14,2 doadores efetivos por milhão de população. Desses, apenas 0,4 doações por milhão de população foram efetivas para pulmão.

Dentre as causas que levam a baixa taxa de doação estão a não aceitação da família, a parada cardíaca, e a contraindicação médica por más condições do doador.

Abaixo estão sumarizadas as condições do doador ideal e marginal. Devemos levar em conta que, se o doador for marginal, a presença de dois ou mais critérios deve ser considerada para contraindicar o doador como candidato.

Diversos estudos mostraram que a utilização de doadores marginais não interferiu no desfecho do transplante pulmonar após o primeiro ano do procedimento.(7-9)

Doador ideal

Idade < 55 anos
Carga tabágica < 20 anos-maço
Ausência de trauma torácico
Ventilação mecânica < 48 h
Ausência de história de asma
Ausência de neoplasia
Bacterioscopia negativa na secreção traqueal ou no lavado broncoalveolar
Gasometria arterial: PaO2 > 300 mmHg com pressão expiratória final positiva de 5 cmH2O e FiO2 de 100%
Radiografia de tórax sem consolidações
Broncoscopia sem secreção nas vias aéreas

Doador marginal (presença de dois ou mais critérios)

Idade > 55 anos
Carga tabágica > 20 anos-maço
Trauma torácico
Ventilação mecânica > 48 h
Antecedente pessoal de asma
Tumor de sistema nervoso central
Bacterioscopia positiva na secreção traqueal ou no lavado broncoalveolar
Gasometria arterial: PaO2 < 300 mmHg com pressão expiratória final positiva de 5 cmH2O e FiO2 de 100%
Radiografia de tórax anormal
Broncoscopia com secreção nas vias aéreas

MANEJO DO PACIENTE TRANSPLANTADO

A descrição do manejo do paciente transplantado está baseada no que é realizado em nosso Grupo de Transplante Pulmonar, seguindo critérios pré-estabelecidos na literatura e pela ISHLT.

Imunossupressão

A terapia de indução à imunossupressão é feita com corticosteroide (metilprednisolona i.v., 500 mg) e um anticorpo monoclonal antirreceptor de IL-2 (basiliximabe i.v., 20 mg), ambos realizados na indução anestésica.

A terapia de manutenção da imunossupressão alvo está baseada no uso concomitante de três drogas: um inibidor de calcineurina (ciclosporina ou tacrolimo), um agente inibidor de proliferação celular (azatioprina ou micofenolato) e um corticosteroide (prednisona). Em algumas situações, inibidores do receptor de mammalian target of rapamycin (sirolimo ou everolimo) podem ser associados ou substituir algum medicamento do esquema; porém, apenas a partir do terceiro mês do pós-operatório pelo alto risco de deiscência de anastomose.

Profilaxias

Infecções bacterianas

O esquema de antibioticoterapia no intraoperatório e pós-operatório imediato deve ser escolhido de acordo com a pneumopatia de base do paciente.

No caso de doenças não supurativas, com bacterioscopia prévia negativa, a escolha inicial é cefepime, a ser mantido até o 14º dia do pós-operatório. Esse esquema pode ser modificado de acordo com os resultados de culturas obtidas do doador e do receptor (hemocultura do doador, lavado broncoalveolar do doador e secreção brônquica do doador e do receptor no intraoperatório) ou com as indicações clínicas do paciente.

Pacientes com doenças pulmonares supurativas terão seu esquema selecionado a partir de culturas e antibiogramas apresentados previamente.

Infecções virais

A profilaxia para infecções virais contempla a cobertura dos vírus da família herpes: HSV e CMV. Nos casos em que o doador e o receptor apresentem sorologias negativas para CMV, a profilaxia é realizada apenas para HSV, com aciclovir v.o. durante 3 meses. Nos demais casos, a profilaxia é realizada com ganciclovir i.v. por 3 meses. Em receptores com sorologia negativa que recebem órgão de doadores com sorologia positiva (grupo que apresenta maior risco de reativação viral), deve-se estender a profilaxia com valganciclovir v.o. até o 6º mês após o transplante.

Infecções fúngicas

A profilaxia para fungos é direcionada aos seguintes agentes: Aspergillus spp., Candida spp. e Pneumocystis jirovecii. Essa consiste de anfotericina inalatória, 10 mg, duas vezes ao dia, associada a itraconazol 400 mg/dia durante 3 meses, no caso de Aspergillus spp.; nistatina em suspensão oral, também por um período de 3 meses, no caso de Candida spp.; ou de sulfametoxazol + trimetoprima v.o., na dose de 400/80 mg por dia, indefinidamente, no caso de P. jirovecii.

PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES

As principais complicações após a realização do transplante estão listadas abaixo.

Disfunção primária do enxerto

Semelhante à SDRA, a disfunção primária de enxerto é definida pela relação PaO2/FiO2 < 300 associada a infiltrado radiológico, nas primeiras 72 h após o transplante pulmonar.

Seus principais fatores de risco são o uso de circulação extracorpórea no intraoperatório, diagnóstico prévio de fibrose pulmonar idiopática, diagnóstico prévio de hipertensão arterial pulmonar, carga tabágica elevada do doador e IMC elevado.(10,11)

Seu manejo é similar ao de um paciente com SDRA, com estratégias de ventilação protetora e suporte clínico geral.

Rejeição aguda

Existem dois tipos de rejeição aguda. A celular, mais comum, caracterizada por infiltrado celular mononuclear perivascular e intersticial, e a humoral, mais rara, mediada por anticorpos. A rejeição humoral está mais relacionada à rejeição hiperaguda, que ocorre imediatamente após o procedimento cirúrgico; porém, pode ocorrer tardiamente, com a formação de anticorpos específicos contra o doador de novo, levando a lesão de células endoteliais e consequente capilarite pulmonar.(12)

A pesquisa de rejeição celular é realizada ativamente, através de biópsia transbrônquica, independentemente de sintomas do paciente, ao longo do primeiro ano após o transplante de pulmão. Adicionalmente, caso o paciente apresente piora clínica ou perda funcional, é considerada também como diagnóstico diferencial de infecções ou demais complicações.

Seu tratamento varia de acordo com o grau de comprometimento e vai desde o ajuste da dose de imunossupressores, pulso de corticosteroide e, em casos selecionados, globulina antitimocítica.

A rejeição humoral é tratada com plasmaferese, com o objetivo de remover os anticorpos específicos contra o doador, associada à imunoglobulina policlonal.

Disfunção crônica do enxerto

Atualmente, sabemos que existem diferentes fenótipos de disfunção crônica do enxerto, sendo a mais comum a síndrome da bronquiolite obliterante (Figura 2), manifestada pela queda progressiva do valor de VEF1 em relação ao valor basal do paciente no pós-transplante e não explicada por outras razões, como rejeição aguda, infecções ou estenose brônquica. Diversos fatores de risco estão relacionados ao seu desenvolvimento, sendo os principais as infecções virais prévias, doença do refluxo gastroesofágico e antecedente de rejeição aguda.



Outros fenótipos vêm sendo descritos, como disfunção crônica do enxerto com padrão restritivo e pneumonia fibrinoide aguda em organização, com uma frequência menor; porém, com um prognóstico mais reservado em relação à síndrome da bronquiolite obliterante.(13-15)

O manejo principal da disfunção crônica do enxerto consiste na otimização da imunossupressão, o afastamento de fatores de risco, como doença do refluxo gastroesofágico, e, em casos mais avançados, o retransplante deve ser considerado.

Infecções

O risco de infecções está presente em todo o período do pós-operatório. Porém, a prevalência dos agentes varia de acordo com o tempo do transplante. (16) Até o primeiro mês, as infecções relacionadas ao procedimento cirúrgico e derivadas do doador ou do próprio receptor são mais comuns. Do primeiro ao sexto mês, a ativação de infecções latentes é mais frequente (como CMV e tuberculose). Após o sexto mês, aumenta a prevalência de infecções adquiridas na comunidade (pneumonia e infecção urinária).

Neoplasias

Pacientes que recebem imunossupressores possuem maior risco de desenvolvimento de neoplasias. As mais comuns são os tumores de pele e doenças linfoproliferativas. Existe uma relação entre o desenvolvimento de linfoma e a infecção pelo vírus Epstein-Barr; a infecção recorrente por CMV é um fator de risco para o desenvolvimento dessa afecção.

Complicações cirúrgicas

Complicações cirúrgicas ocorrem em aproximadamente 27% dos casos e engloba principalmente deiscência, necrose e estenose de anastomose brônquica. Complicações vasculares como estenose venosa são raras, girando entre 1 e 2% dos casos.

Íleo paralítico é a complicação abdominal mais comum, ocorrendo em cerca de 30-50% dos pacientes. Gastroparesia, colecistite aguda e perfuração intestinal também podem ocorrer, tendo essa última altas taxas de mortalidade.(17-19)

REFERÊNCIAS

1. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos [homepage on the Internet]. São Paulo: ABTO [cited 2015 Apr 30]. Registro Brasileiro de Transplantes 2014. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado (2007-2014). [Adobe Acrobat document, 98p.]. Available from: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2014/rbt2014-lib.pdf
2. Weill D, Benden C, Corris PA., Dark JH, Davis RD, Keshavjee S, et al. A consensus document for the selection of lung transplant candidates: 2014--an update from the Pulmonary Transplantation Council of the International Society for Heart and Lung Transplantation. J Heart Lung Transplant. 2015;34(1):1-15. http://dx.doi.org/10.1016/j.healun.2014.06.014
3. Martinu T, Babyak MA, O'Connell CF, Carney RM, Trulock EP, Davis RD, et al. Baseline 6-min walk distance predicts survival in lung transplant candidates. Am J Transplant. 2008;8(7):1498-505. http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-6143.2008.02264.x
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