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Artigo Original

Fatores associados à qualidade de vida sob a perspectiva da terapia medicamentosa em pacientes com asma grave

Factors associated with quality of life in patients with severe asthma: the impact of pharmacotherapy

Daiane Silva Souza1, Lúcia de Araújo Costa Beisl Noblat2, Pablo de Moura Santos1

ABSTRACT

Objective: To identify, characterize, and quantify associations of various factors with quality of life (QoL) in patients with asthma, according to the pharmacotherapy employed. Methods: This was a cross-sectional study involving 49 patients (≥ 18 years of age) with severe uncontrolled or refractory asthma treated at a specialized outpatient clinic of the Brazilian Unified Health Care System, regularly using high doses of inhaled corticosteroids (ICs) or other medications, and presenting comorbidities. At a single time point, QoL was assessed with the Asthma Quality of Life Questionnaire (AQLQ). The overall AQLQ score and those of its domains were correlated with demographic variables (gender and age); Asthma Control Questionnaire score; pharmacotherapy (initial IC dose, inhaler devices, and polytherapy); and comorbidities. Results: Better AQLQ scores were associated with asthma control-overall (OR = 0.38; 95% CI: 0.004-0.341; p < 0.001), "symptoms" domain (OR = 0.086; 95% CI: 0.016-0.476; p = 0.001), and "emotional function" domain (OR = 0.086; 95% CI: 0.016-0.476; p = 0.001)-and with IC dose ≤ 800 µg-"activity limitation" domain (OR = 0.249; 95% CI: 0.070-0.885; p = 0.029). Worse AQLQ scores were associated with polytherapy-"activity limitation" domain (OR = 3.651; 95% CI: 1.061-12.561; p = 0.036)-and number of comorbidities ≤ 5-"environmental stimuli" domain (OR = 5.042; 95% CI: 1.316-19.317; p = 0.015). Conclusions: Our results, the importance of this issue, and the lack of studies taking pharmacotherapy into consideration warrant longitudinal studies to establish a causal relationship between the identified factors and QoL in asthma patients.

Keywords: Asthma; Asthma/drug therapy; Quality of life; Medication therapy management.

RESUMO

Objetivo: Identificar, caracterizar e medir a associação de fatores relacionados à qualidade de vida (QV) de pacientes asmáticos sob a perspectiva da farmacoterapia. Métodos: Estudo de corte transversal com 49 pacientes (≥ 18 anos) portadores de asma grave não controlada ou asma refratária, atendidos em um ambulatório especializado do Sistema Único de Saúde, em uso regular de altas doses de corticoides inalatórios (CIs) e/ou de diversos medicamentos e com comorbidades. Obtiveram-se as medidas de QV através da aplicação do questionário Asthma Quality of Life Questionnaire (AQLQ) num único momento. O escore global e dos domínios do AQLQ foram relacionados com variáveis demográficas (gênero e idade), escore do Asthma Control Questionnaire, terapia medicamentosa (dose inicial de CI, dispositivos inalatórios e politerapia) e comorbidades. Resultados: Melhores escores do AQLQ associaram-se com asma controlada - escore global (OR = 0,38; IC95%: 0,004-0,341; p < 0,001) e domínios "sintomas" (OR = 0,086; IC95%: 0,016-0,476; p = 0,001) e "função emocional" (OR = 0,086; IC95%: 0,016-0,476; p = 0,001) - e com dose de CI ≤ 800 µg - domínio "limitação de atividades" (OR = 0,249; IC95%: 0,070-0,885; p = 0,029). Piores escores do AQLQ correlacionaram-se com politerapia - domínio "limitação de atividades" (OR = 3,651; IC95%: 1,061-12,561; p = 0,036) - e com número de comorbidades ≤ 5 - domínio "estímulo ambiental" (OR = 5,042; IC95%: 1,316-19,317; p = 0,015). Conclusões: Nossos resultados, a importância do tema, e a escassez de estudos sob a perspectiva da farmacoterapia apontam a necessidade da realização de estudos longitudinais para se estabelecer uma relação de causalidade entre os fatores identificados e a QV em pacientes com asma.

Palavras-chave: Asma; Asma/quimioterapia; Qualidade de Vida; Conduta do tratamento medicamentoso.

INTRODUÇÃO

A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas inferiores e está entre as condições crônicas mais co-muns, afetando tanto crianças quanto adultos. Apresenta um característico aumento da responsividade das vias aéreas a estímulos diversos, resultando, consequentemente, em obstrução ao fluxo aéreo, com típica reversibilidade e recorrência.(1)

O grau em que essas manifestações clínicas se apresentam depende do tratamento que é necessário ao controle da doença, modificando-se com o tempo de tratamento e podendo denominar-se também como gravidade da doen-ça. Quanto mais graves e mais intensas as manifestações clínicas da asma, maior será a complexidade envolvida no cuidado ao paciente.(2)

No Brasil, estima-se uma prevalência de asma em torno de 10%. As prevalências médias de sintomas indicativos de asma em grandes cidades brasileiras para crianças e adolescentes são, respectivamente, 24,3% e 19,0%. Há registros de história de sibilância em 46,6% das crianças na cidade de Salvador (BA), assim como uma tendência de aumento no diagnóstico de asma em crianças e adolescentes no Brasil.(3,4)

Em 2003, criou-se o Programa de Controle da Asma e da Rinite Alérgica na Bahia (ProAR). Trata-se de um projeto multiprofissional de ensino, pesquisa e assistência, que integra o Sistema Único de Saúde (SUS) e a universidade pública. O ProAR objetiva principalmente a coordenação das ações preventivas e de assistência a pacientes portado-res de asma e de rinite alérgica, com o intuito de fornecer medicamentos gratuitos regularmente e promover redu-ções tanto nas internações como nos atendimentos de emergência e na mortalidade, assim como a melhoria na qualidade de vida (QV).(5-7)

Informações obtidas pela avaliação da QV em um determinado serviço de saúde podem direcionar a tomada de decisão por um procedimento ou tratamento, entre diversos disponíveis, que deve ser instituído ao paciente, de modo a serem obtidos os melhores resultados para a sua saúde.(8) Segundo La Scala et al.,"talvez a maior razão para se falar em QV, na prática clínica, é o fato de que o planejamento do tratamento e sua evolução se focam no indivíduo e não na doença. A QV não significa apenas o resultado final do tratamento, mas sim ter qualidade em todos os aspectos que compõem o indivíduo [.]".(9)

O instrumento doença-específico mais utilizado e citado nos estudos de asma é o Asthma Quality of Life Question-naire (AQLQ), criado em 1992 especificamente para ser aplicado em estudos clínicos. Contém domínios relacionados às situações comumente presentes no cotidiano do paciente asmático, mas também avalia suas condições físicas e emocionais, o que torna mensurável a subjetividade do indivíduo. Foi validado para uso no Brasil em 2007, sendo, portanto, aplicável à realidade brasileira.(10,11)

O surgimento dos dispositivos inalatórios na farmacoterapia da asma trouxe a necessidade de cuidados ao pacien-te acerca da educação da técnica inalatória e do manuseio desses dispositivos. O melhor uso do dispositivo possibili-ta o alcance do medicamento ao local de ação e, como consequência, a efetividade do tratamento, obtendo-se o controle da asma, o que é importante para uma melhor QV.(12) O nível de satisfação com o dispositivo em uso é relatado como um fator que influencia o alcance de um melhor desfecho na asma, com redução de idas a serviços de emergência e de exacerbações noturnas, assim como a melhoria da QV.(13)

Estudos demonstram uma correlação entre o nível de controle de sintomas da asma e QV. Questionários foram de-senvolvidos para a avaliação do controle da asma, e a correlação desse controle com a QV já foi mensurada.(14,15) O Asthma Control Questionnaire (ACQ), por exemplo, é um instrumento que pode ser utilizado na prática clínica, em ensaios clínicos ou em estudos transversais e tem boa correlação com o AQLQ.(14,16)

A asma grave tem sido associada a inúmeras comorbidades que se relacionam a um pior controle da asma, au-mento da utilização do sistema de saúde e redução da QV, cujos manejos têm incrementado positivamente os desfe-chos em asma.(17) É comum a ocorrência concomitante de outras morbidades: rinite alérgica, obesidade, osteoporo-se, doença do refluxo gastresofágico, tuberculose, hipertensão e diabetes.(18)

Em paralelo às diversas patologias diagnosticadas, quase sempre o paciente asmático tem no estabelecimento do seu tratamento uma polifarmácia. O risco de interações medicamentosas e de reações adversas aumenta exponenci-almente com o aumento do número de medicamentos em uso. A iatrogenia também favorece a adição de outros medicamentos, tornando a polifarmácia um problema de saúde pública que impacta negativamente na QV do pacien-te.(19)

Na Bahia, apesar do acesso a um programa que possibilita o tratamento com corticoides inalatórios, broncodilata-dores, educação em asma e orientações sobre o uso dos dispositivos inalatórios a pacientes portadores de asma grave, a complexidade da terapia medicamentosa, aliada à manifestação clínica da doença de base, impelem à expansão do cuidado para além do controle da asma ou do acesso ao(s) medicamento(s). No contexto da assistência farmacêutica, no entanto, são escassos estudos focados especificamente na QV do paciente asmático grave sob a perspectiva da farmacoterapia.

Tendo em vista a importância do tema frente à população de pacientes com asma grave atendidos em um centro de referência, objetivou-se, com o presente estudo, identificar e caracterizar os fatores relacionados à QV nessa população, assim como verificar a associação desses achados com o questionário doença-específico (AQLQ e seus domínios).

MÉTODOS


Trata-se de um estudo de corte transversal para avaliar a QV de pacientes com asma grave. O estudo foi realizado no período entre setembro e novembro de 2013. Os dados são provenientes de um banco de dados de um ensaio clínico randomizado controlado, realizado no ambulatório especializado em asma da Rede SUS, onde funciona o ProAR.

A população estudada foi composta por pacientes com idade ≥ 18 anos com asma grave, asma refratária ou asma não controlada e/ou com critérios clínicos de gravidade, admitidos no ambulatório do ProAR, que recebiam medica-mentos regularmente na farmácia, em uso de diversos medicamentos e/ou em uso de doses elevadas de corticoste-roides inalatórios, que apresentavam comorbidades e tinham VEF1 ≤ 60% do valor predito.

Os dados de medidas de QV foram obtidos através da aplicação, em um único momento, do AQLQ por três farma-cêuticas treinadas previamente. O AQLQ é um questionário doença-específico que apresenta 32 perguntas agrupa-das em quatro domínios: limitação de atividades (11 itens), sintomas (12 itens), função emocional (5 itens) e estímu-lo ambiental (4 itens). Foi desenvolvido para ser aplicado por um entrevistador ou ser autoaplicado. O escore global do questionário é a média aritmética de todos os itens, sendo o escore mínimo de 1 (QV extremamente baixa) e o máximo de 7 (QV excelente).(10)

O controle da asma foi mensurado pelo ACQ no mesmo momento da aplicação do AQLQ. É um questionário com cinco questões referentes a sintomas, uma questão sobre o uso de β2-agonistas de curta duração e uma questão sobre o VEF1. Os itens possuem o mesmo peso, e o nível de controle da asma é resultante da média das sete ques-tões, variando entre zero (asma bem controlada) a seis (asma extremamente não controlada).(20)

Extraíram-se desse banco os dados sociodemográficos (gênero, idade, escolaridade, raça e ocupação), dados clíni-cos (história de tabagismo, história de tuberculose pulmonar, presença de outras patologias respiratórias, diagnósti-co de asma refratária, IMC, presença de comorbidades, VEF1 % predito e escore do ACQ), dados clínicos referentes à farmacoterapia (dose inicial de corticoide inalatório, tipos e número de dispositivos inalatórios e quantidade de medicamentos em uso) e dados de QV (escores do AQLQ).

Por conta de o AQLQ ter sido aplicado em um único momento, utilizou-se como referência o ponto de corte igual a 4 (QV mediana). Valores maiores que 4 foram interpretados como QV de mediana a excelente, enquanto valores menores ou iguais a 4 como QV de mediana a ruim.(21)

Para o ACQ, o ponto de corte foi estabelecido como 1,5. Valores de ACQ ≤ 1,5 foram considerados como asma con-trolada, enquanto valores acima do ponto de corte foram considerados como asma não controlada.(20)

Adotou-se como definição de politerapia o uso de pelo menos cinco medicamentos pelo paciente.(19)

Foi considerada como dose alta de corticoide inalatório como o uso acima de 800 µg de budesonida ou equivalen-te.(2)

Fizeram-se as análises descritivas das variáveis sociodemográficas, clínicas, das medidas de QV e daquelas refe-rentes à terapia medicamentosa.

A fim de comprovar a distribuição normal das variáveis quantitativas, utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov. Quando as variáveis tiveram distribuição normal, foram utilizadas suas médias para os cálculos estatísticos; quando a distribuição não era normal, as medianas foram consideradas.

O teste t de Student serviu à verificação entre variáveis com distribuição normal na avaliação de diferenças signifi-cativas entre os grupos comparados. Para as variáveis cuja distribuição não foi normal, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Desses dois testes estatísticos foi extraído o valor de p, obedecendo-se às características das variáveis estudadas.

As variáveis de interesse foram dicotomizadas da seguinte forma: gênero (feminino/masculino), idade (< 60 anos/≥ 60 anos), número de dispositivos inalatórios associados (≤ 2 dispositivos associados/> 2 dispositivos inala-tórios associados), dose de corticoide inalatório (≤ 800 µg/> 800 µg), politerapia (sim/não), controle da asma (ACQ ≤ 1,5/ACQ > 1,5), número de comorbidades (≤ 5 comorbidades/> 5 comorbidades), escore global e dos domínios de AQLQ (≤ 4/> 4). Calculou-se, deste modo, a medida estimada da associação de odds ratio (OR) de cada uma das variáveis com o escore global e de cada domínio do AQLQ.

Ao final, foram identificados e caracterizados os fatores associados à QV para nossa amostra, assim como foi ava-liada a associação desses fatores com o escore global e com cada um dos quatro domínios do AQLQ.

As variáveis independentes foram consideradas fatores de proteção para a QV quando 0 < OR < 1. Considerou-se que houve associação entre as variáveis independentes e pior QV quando OR > 1. No caso de OR = 1, considerou-se não haver associação entre a variável independente e QV. Consideraram-se estatisticamente significantes valores de p < 0,05.

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar Universitá-rio Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia (CAAE 128/2008).

A análise estatística foi realizada por meio do programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences, ver-são 14.0, (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

RESULTADOS

No presente estudo foram avaliados os dados de 49 pacientes (98%) dos 50 pacientes registrados em nosso banco de dados. Um paciente (2%) foi excluído da análise pela indisponibilidade de todos os dados necessários.

Os dados sociodemográficos e clínicos dos pacientes estudados encontram-se dispostos na Tabela 1. As caracterís-ticas relacionadas à farmacoterapia estão apresentadas na Tabela 2.






Os valores do AQLQ revelam uma QV mediana nessa amostra (em torno de 4), tanto em relação ao escore global como aos escores dos domínios do questionário (Tabela 3).




Não houve diferenças significativas quanto ao escore global do AQLQ ou aos de seus domínios quando os pacien-tes foram comparados em relação a gênero, idade e número de dispositivos inalatórios associados. Quando compa-rados quanto à dose de corticoide, politerapia e número de comorbidades, não houve diferenças estatisticamente significativas entre eles quanto ao escore global do AQLQ, mas essa ocorreu particularmente em relação a alguns dos seus domínios.

Houve uma diferença estatisticamente significativa apenas quando se avaliaram os pacientes quanto ao controle da asma (média do valor do ACQ) em relação ao escore global do AQLQ (p < 0,01).

Referentes aos domínios do AQLQ, observaram-se diferenças estatisticamente significativas quando os pacientes foram avaliados quanto à politerapia e à dose de corticoide inalatório em relação ao domínio "limitação de ativida-des".

Em relação ao domínio "estímulo ambiental", houve uma diferença estatisticamente significativa quando os pacien-tes foram avaliados quanto ao número de comorbidades.

Quanto aos domínios "função emocional" e "sintomas", houve diferenças estatisticamente significativas quando se avaliaram os pacientes quanto ao controle da asma (ACQ; Tabela 4).




A medida de associação (OR) de cada uma das variáveis com o escore global e os dos domínios de AQLQ está apresentada na Tabela 4.

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos no presente estudo revelaram que não houve associações estatisticamente significativas en-tre o escore global do AQLQ ou de seus domínios com as variáveis gênero, idade e número de dispositivos inalató-rios associados.

Por outro lado, constataram-se associações significativas do AQLQ e de seus domínios (sintomas, limitação de ati-vidades, função emocional e estímulo ambiental) com as seguintes variáveis: politerapia, dose de corticoide inalató-rio, escore do ACQ e número de comorbidades associadas.

Dentre as variáveis analisadas, politerapia e dose de corticoide inalatório estão diretamente vinculadas ao trata-mento medicamentoso. O ACQ e o número de comorbidades, contudo, estão indiretamente ligados ao tratamento medicamentoso.

O ACQ vincula-se indiretamente ao tratamento medicamentoso, uma vez que, com a instituição desse tratamento, objetiva-se o controle da asma, a redução do remodelamento das vias aéreas e da mortalidade. (1,15) O número de comorbidades vincula-se ao campo do tratamento medicamentoso, como a possível instituição de politerapia ou mesmo como condições não tratadas. Por conta disso, houve a inclusão dessas variáveis na avaliação de associa-ções com a QV (AQLQ).

Muitos estudos têm avaliado a QV em asma, demonstrando o quão impactante essa patologia é para o paciente asmático grave.(9-11,22,23)

Por se tratar de um estudo de corte transversal, com uma única medida de AQLQ, adotou-se como ponto de corte o valor 4 (QV mediana) para a verificação da associação das variáveis independentes à QV. Num estudo de corte transversal, o mesmo ponto de corte foi utilizado para as avaliações da QV em pacientes asmáticos em um único momento. O AQLQ é um instrumento que apresenta correlação transversal e longitudinal com medidas clínicas.(10,24)

O conceito de politerapia não é consensual na literatura disponível. Estudos revelam que, na presença de politera-pia, não há um aumento da QV dos pacientes, assim como se estima uma alta proporção (50%) de interação medi-camentosa e a possibilidade de iatrogenia a partir da quantidade de cinco medicamentos usados concomitantemen-te.(19,25-27)

A politerapia esteve associada significativamente ao AQLQ quanto ao domínio "limitação das atividades". Supõe-se que, para esses pacientes, a instituição da politerapia aumentou a chance de se ter uma pior QV no quesito "limita-ções das atividades". Houve uma maior chance também de o escore global ter o valor médio final influenciado nega-tivamente pelo valor obtido para esse domínio (< 4, ou seja, QV de mediana a ruim), embora não tenha havido uma associação significativa entre a variável polifarmácia e o escore global do AQLQ para comprovar essa suposição.

O controle da asma (medido pelo ACQ) revelou-se como um "fator protetor", em relação ao escore global do AQLQ e de seus domínios "sintomas" e "função emocional". Para esses pacientes, o escore ACQ ≤ 1,5 (asma controlada) resultou em uma maior chance de haver um melhor escore global do AQLQ (> 4), assim como para os domínios "sintomas" e "função emocional". A associação entre um bom índice de controle da asma e uma melhor QV foi cons-tatada em outros estudos, que demonstraram que pacientes com asma bem controlada também tiveram escores globais de AQLQ maiores.(16,28)

Constatou-se uma associação do número de comorbidades com o domínio "estímulo ambiental". Os pacientes que apresentavam menos que cinco comorbidades, curiosamente, tiveram uma maior chance de ter resultados piores no escore "estímulo ambiental". Por consequência, esses pacientes tiveram uma maior chance de ter o escore global da QV influenciado negativamente pelo valor desse domínio, mas isso não foi estatisticamente significativo.


Embora não seja possível estabelecer causalidade através desse desenho de estudo, existe a possibilidade de que, no grupo estudado, houvesse pacientes com outras patologias respiratórias ou com condições clínicas que sofressem influência de questões relacionadas ao estímulo ambiental e que essas questões estivessem implicando no não controle da asma (atopia, rinite alérgica de difícil controle, etc.). Dessa maneira, a influência de comorbidades como essas, ainda que houvesse um número menor de patologias associadas, poderia gerar uma pior percepção da QV por parte dos pacientes.

A alergia pode estar ligada à asma por fatores genéticos ou ambientais.(17) Essa variável, entretanto, não foi avali-ada no presente estudo.

Outros autores encontraram resultados diferentes dos nossos. De acordo com Heyworth et al., quanto maior o nú-mero de condições crônicas, maior seria a influência negativa na QV.(29)

A dose de budesonida ou a equivalente de corticoide ≤ 800 µg revelou-se um fator de proteção para uma melhor QV em relação à "limitação de atividades" (> 4, ou seja, QV de mediana a excelente). Houve uma maior chance de que houvesse pacientes com uma melhor QV referente a esse domínio quando utilizada essa faixa de dose. Por conseguinte, houve a possibilidade de essa medida contribuir positivamente no escore global de QV. Por outro lado, também não houve associação estatisticamente significativa entre essa variável e o escore global de AQLQ para comprovar tal suposição.

Há um resultado diverso na literatura para o uso de altas doses de corticoide inalatório (fluticasona), equivalentes a 1.600 µg de budesonida, comparando-se o mesmo grupo de pacientes com asma moderada e grave em dois perío-dos, antes e após o tratamento. (30) O escore global do AQLQ, assim como de seus domínios, foram correlacionados com uma melhor QV. Tratava-se, contudo, de um estudo longitudinal, com uma amostra de 60 pacientes, e, por conta disso, o nível de associação pode ter sido diferente do encontrado no presente estudo. Além disso, o estudo foi reali-zado em um país diferente, podendo-se considerar aspectos variados relativos ao paciente, influenciando os resulta-dos de QV.(30)

Não foi possível avaliar outros aspectos relativos à terapia medicamentosa, como adesão ao tratamento, reações adversas a corticoides inalatórios ou a outros medicamentos, uso de plantas medicinais e/ou fitoterápicos e estratifi-cação da terapia medicamentosa por classe de medicamentos, por não haver dados disponíveis suficientes para tais análises.

Através de um estudo de corte transversal, não se pode estabelecer causalidade entre variáveis independentes estudadas e QV. Porém, diante da importância do tema e pelos resultados apresentados, é necessária a realização de um estudo longitudinal para estabelecê-la, tendo em vista a escassez de investigação acerca da QV sob a pers-pectiva da terapia medicamentosa.

A importância do tema frente à população de pacientes com asma grave, atendidos em um ambulatório da Rede SUS, referência para asma, e os resultados encontrados no presente estudo indicam a necessidade de fomentar novos estudos acerca dos fatores da farmacoterapia que influenciam a QV dessa população.

O direcionamento das intervenções farmacêuticas e a instituição da terapia medicamentosa, portanto, no que con-cerne o alcance das metas estabelecidas com o protocolo e diretrizes terapêuticas para o controle da asma, são tão importantes quanto o alcance de uma melhor QV desses pacientes, pois se trata do ponto de vista do paciente quanto aos resultados dos manejos da asma e da sua convivência com a patologia.

Para essa população, é de extrema importância a colaboração do profissional farmacêutico para o reconhecimento dos aspectos da terapia medicamentosa nas medidas de QV, auxiliando no direcionamento da farmacoterapia para o alcance do controle da asma, a redução de morbidade e da mortalidade, além do bem-estar do paciente.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos que colaboraram direta e indiretamente para a realização do presente estudo, em especial a Aline Lima, Viviane Ferreira, Sóstenes Mistro, colegas do Setor de Farmácia do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos, equipe do ProAR, Carolina Vidal e Elaine Almeida.

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