ABSTRACT
Here, we report the cases of three patients diagnosed with extensively drug-resistant tuberculosis and admitted to a referral hospital in the state of São Paulo, Brazil, showing the clinical and radiological evolution, as well as laboratory test results, over a one-year period. Treatment was based on the World Health Organization guidelines, with the inclusion of a new proposal for the use of a combination of antituberculosis drugs (imipenem and linezolid). In the cases studied, we show the challenge of creating an acceptable, effective treatment regimen including drugs that are more toxic, are more expensive, and are administered for longer periods. We also show that treatment costs are significantly higher for such patients, which could have an impact on health care systems, even after hospital discharge. We highlight the fact that in extreme cases, such as those reported here, hospitalization at a referral center seems to be the most effective strategy for providing appropriate treatment and increasing the chance of cure. In conclusion, health professionals and governments must make every effort to prevent cases of multidrug-resistant and extensively drug-resistant tuberculosis.
Keywords:
Tuberculosis, multidrug-resistant; Extensively drug-resistant tuberculosis; Antitubercular agents; Antibiotics, antitubercular.
RESUMO
Relatamos aqui os casos de três pacientes portadores de tuberculose extensivamente resistente, internados em um hospital de referência no estado de São Paulo, e mostramos sua evolução clínica, radiológica e laboratorial pelo período de um ano. O tratamento instituído foi baseado nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde, com a inclusão de uma nova proposta de uso de uma associação de drogas antituberculose (linezolida e imipenem). Nos casos estudados, demonstrou-se o desafio de construir um esquema terapêutico aceitável e eficiente com drogas mais tóxicas, mais dispendiosas e que foram utilizadas por períodos mais prolongados. Mostramos também o importante acréscimo nos custos do tratamento desses pacientes, com possíveis impactos no sistema de saúde mesmo após a alta hospitalar. Ressaltamos que, em casos extremos como os apresentados neste estudo, a hospitalização em centros de referência mostrou-se o caminho mais efetivo para oferecer tratamento adequado com possibilidade de cura. Em conclusão, todos os esforços dos profissionais da saúde e do poder público devem ser direcionados a evitar casos de tuberculose multirresistente e extensivamente resistente.
Palavras-chave:
Tuberculose resistente a múltiplos medicamentos; Tuberculose extensivamente resistente a drogas; Antituberculosos; Antibióticos antituberculose.
INTRODUÇÃOO expressivo aumento do número de casos de tuberculose multirresistente (TB-MDR, do inglês multidrug-resistant) e de tuberculose extensivamente resistente (TB-XDR, do inglês extensively drug-resistant) torna essas formas da doença um grave problema de saúde pública mundial. Dados recentes mostram que o número de casos de TB-MDR triplicou entre 2009 e 2013.(1) Em 2013, 3,5% dos casos novos de tuberculose e 20,5% dos casos previamente tratados foram de TB-MDR. A TB-XDR respondeu por 9% dos casos de TB-MDR notificados em 100 países.(1) A TB-MDR é causada pelo Mycobacterium tuberculosis resistente à rifampicina e à isoniazida, enquanto, na TB-XDR, o bacilo apresenta resistência adicional a qualquer fluoroquinolona e a pelo menos um dos três medicamentos injetáveis de segunda linha (amicacina, canamicina ou capreomicina).(1-3) O crescente reconhecimento de TB-MDR/XDR provocou o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas utilizando novas e antigas drogas tuberculostáticas. As drogas de primeira linha (mais efetivas), de segunda linha (menos efetivas, mais tóxicas, menos eficazes e que demandam um período mais prolongado de tratamento), e as consideradas de reforço (dependendo de sua eficácia e tolerabilidade) foram agrupadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em cinco categorias. (1,4,5) A distribuição dessas drogas em categorias, assim como a recomendação da OMS para sua utilização, está demonstrada na Tabela 1.
O tratamento para a TB-MDR pode ser padronizado ou individualizado. Regimes padronizados são sugeridos pelos órgãos oficiais com base nos dados de saúde (por exemplo, padrão de resistência) de determinada região. (2,3,6) No Brasil, o tratamento da TB-MDR é padronizado pelo Ministério da Saúde.(7) A OMS(1) recomenda o tratamento da TB-MDR em duas fases: intensiva e de manutenção. A fase intensiva, com duração de 8 meses, deve incluir no mínimo quatro drogas potencialmente efetivas: uma droga injetável (grupo 2), uma fluoroquinolona (grupo 3), uma droga oral (grupo 4) e um fármaco de reforço (grupo 5). Na fase de manutenção, retira-se a droga injetável, e as outras drogas devem ser mantidas por 12 meses após a negativação da cultura do escarro. (1,8,9) Entretanto, alguns autores sugerem o tratamento pelo período mínimo de 20 meses. Estudos recentes mostraram que a fase de manutenção pelo período de 18 meses após a negativação da cultura previne a falência, a recidiva e a mortalidade.(8-11)
Em relação à TB-XDR, o tratamento deve ser sempre individualmente delineado com base em uma minuciosa história do tratamento antibacilar e nos padrões de resistência às drogas de primeira e segunda linha.(1,6,8) Para estes casos, a OMS(1) propõe cuidados especiais, entre os quais a utilização de pirazinamida e/ou algum outro fármaco do grupo 1; a utilização de quinolonas de última geração (moxifloxacina ou gatifloxacina) mesmo se o teste de sensibilidade mostrar resistência a levofloxacina e/ou ofloxacina; o uso do agente injetável (aminoglicosídeo ou capreomicina) para qual a amostra bacteriológica é sensível, sempre que possível, e sua extensão de uso por 12 meses ou mesmo por todo o tratamento; a utilização de dois ou mais agentes do grupo 5; e a utilização de todos os agentes do grupo 4 que não foram prescritos extensivamente nos regimes prévios ou ainda aqueles que forem considerados efetivos.
O presente estudo teve como objetivo mostrar a evolução no período de 1 ano de três pacientes com TB-XDR internados no Hospital Nestor Goulart Reis (HNGR), localizado no município de Américo Brasiliense (SP), que é um hospital de referência da Secretária de Estado da Saúde do Estado de São Paulo para o tratamento de TB-MDR/XDR que necessitam internação.
RELATO DE CASOSRelatamos abaixo os casos de três pacientes que foram internados e tratados na nossa instituição. Os tratamentos e os testes de sensibilidade anteriores à internação desses três pacientes (identificados como pacientes 1, 2 e 3) são descritos na Tabela 2, enquanto tratamentos, testes de sensibilidade, evolução do peso corporal e resultados de baciloscopia, cultura para bacilo de Koch, VHS e proteína C reativa após a internação estão descritos na Tabela 3.
As radiografias de tórax (Figuras 1, 2 e 3 em relação aos pacientes 1, 2 e 3, respectivamente) e os resultados de outros exames laboratoriais na admissão e após 1 ano de tratamento estão disponíveis no suplemento on-line no site do JBP (http://www.jornaldepneumologia.com.br/detalhe_anexo.asp?id=43).
Paciente 1Homem de 43 anos, tabagista (20 anos-maço), alcoolismo social e usuário de cocaína até 2011. Lavador de veículos, sem registro. Referia não adesão ao tratamento por não receber auxílio-doença e ser obrigado a trabalhar durante os diversos tratamentos prévios para tuberculose. Tinha renda familiar de R$ 800,00 (US$ 363,00). Residia em domicilio com dois quartos, onde morava com a mãe. Foi internado em 18/03/2013. O início do tratamento para TB-XDR ocorreu em 06/09/2013.
Paciente 2Homem de 41 anos, tabagista (20 anos-maço), dependente de álcool até 2008, negava uso de drogas ilícitas e era assistente de manutenção. Esteve em licença médica recebendo auxílio-doença durante os tratamentos ambulatoriais prévios. Sua renda familiar era de R$ 1.400,00 (US$ 437,00). Residia em domicilio com cômodo único, onde morava com a esposa, uma criança de 1 ano de idade e dois filhos adolescentes. Foi internado em 24/10/2013. O início do tratamento para TB-XDR ocorreu em 01/11/2013.
Paciente 3Mulher de 25 anos, tabagista (5 anos-maço), etilista social, negava uso de drogas ilícitas e era balconista em uma padaria. Seu salário era de R$ 725,00 (US$ 327,00), sem registro. Declarava apresentar má adesão ao tratamento por não ter auxílio-doença e ser obrigada a trabalhar durante os diversos tratamentos anteriores. Residia em domicilio de três quartos com mais três pessoas (uma filha de 5 anos, um irmão e sua mãe) e dormia sozinha em um dos quartos. Utilizara oxigênio domiciliar entre dezembro de 2013 e a internação no HNGR. Foi internada em 10/02/2014. O início do tratamento para TB-XDR ocorreu em 10/03/2014.
DISCUSSÃONo presente estudo, relatamos três casos graves de TB-XDR, com diversos tratamentos prévios, demonstrando que a utilização de um regime de drogas baseado nas diretrizes da OMS e com uma nova proposta de associação de drogas antituberculose (linezolida e imipenem) levou a cura clínica e bacteriológica e importante melhora radiológica dos pacientes. À luz do nosso conhecimento, este é o primeiro relato de casos na América Latina e o segundo em termos globais sobre a utilização do imipenem para o tratamento de pacientes portadores de TB-XDR, assim como o primeiro relato a nível mundial sobre a cura de pacientes TB-XDR com a associação imipenem e linezolida.
No HNGR, o tratamento é iniciado após um minucioso levantamento da história clínica e medicamentosa. A baciloscopia é realizada no próprio hospital. As culturas para bacilo de Koch e os testes de sensibilidade são realizados no Instituto Adolfo Lutz e repetidos bimestralmente. Os exames laboratoriais são realizados na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista e repetidos trimestralmente. À internação, são realizadas radiografias e TCs de tórax, sendo as primeiras repetidas bimestralmente. A proposta inicial ao paciente é de tratamento hospitalar por 24 meses, dependendo da resposta clínica, bacteriológica e laboratorial.
A TB-MDR/XDR é multifatorial, podendo ocorrer por um ou mais dos seguintes fatores: administração de tuberculostáticos feita pelos serviços de saúde com esquemas ou doses inadequadas ou com esquemas por períodos demasiadamente curtos; má gestão na oferta e na qualidade das drogas; laboratórios com capacidade de resolutividade precária; adição de uma ou mais drogas a um esquema já falido; pacientes que interrompem e/ou utilizam os medicamentos de forma irregular; e pacientes que adquirem a doença através de uma cepa primariamente multirresistente.(1)
O fato de os pacientes 1 e 3 terem sido submetidos a diversos tratamentos prévios de forma irregular e, consequentemente, não efetivos, pode ter contribuído para as graves sequelas pulmonares observadas nas radiografias de tórax à internação. O paciente 2 fez tratamento com um esquema básico, de forma supervisionada, e o desfecho foi falência, o que poderia ser explicado por uma cepa de TB-MDR primária.
Utilizamos nove drogas diferentes para o tratamento dos pacientes 1 e 2 e dez drogas para o paciente 3, em acordo com a orientação da OMS para o tratamento de TB-MDR (Tabela 1) e as orientações especiais da mesma para a TB-XDR,(1) além de fármacos aos quais as cepas encontradas se mostraram sensíveis no teste de sensibilidade. Os pacientes utilizaram, previamente à internação e de forma alternada e/ou inconsistente, drogas dos grupos 1 a 4 (Tabela 2). Somente o paciente 1 utilizou uma droga do grupo 5 (clofazimina; Tabela 2). Quando tratamos pacientes portadores de TB-XDR, há poucas alternativas medicamentosas para construir um regime de tratamento aceitável e eficiente.(3) Utilizamos para os três pacientes uma droga injetável (grupo 2) e uma fluoroquinolona de ultima geração (moxifloxacina). Apesar da contraindicação relativa da OMS, optou-se pelo uso da estreptomicina no paciente 2, considerando que o mesmo já havia utilizado a amicacina sob supervisão por aproximadamente 20 meses antes da internação e que não havia disponibilidade de capreomicina na época. Todos receberam as drogas dos grupos 4 (terizidona e etionamida) e 5 (imipenem e linezolida). Um estudo caso-controle prévio mostrou a efetividade e a tolerabilidade da associação meropenem+clavulanato/linezolida no tratamento de pacientes com TB-MDR/XDR.(12) Um estudo recente mostrou a efetividade do ertapenem como alternativa para esse tratamento mesmo ambulatoriamente.(13) Associamos o clavulanato como um agente adjuvante ao imipenem/cilastatina(1) e sempre associado à amoxicilina, considerando que o mesmo não é disponibilizado isoladamente. A claritromicina, apesar de sua atividade incerta sobre o M. tuberculosis, foi utilizada em todos os pacientes pelo seu efeito sinérgico à efetividade da linezolida.(1,14) Utilizamos o etambutol em todos os pacientes, inclusive no paciente 1, apesar de a OMS(1) não considerar essa droga como um fármaco-chave nos regimes terapêuticos para TB-MDR, mesmo quando existe sensibilidade à droga (pacientes 2 e 3). Optamos pelo uso da pirazinamida somente para o paciente 3, em acordo com o teste de sensibilidade.
A proposta de seguimento após o primeiro ano foi para manter as medicações injetáveis por 18 meses e as orais por 24 meses (Tabelas 1 e 3). Até o momento, os pacientes 1 e 2 tiveram alta por cura, e o paciente 3 mantém melhora clínica, radiológica e bacteriológica. Cabe ressaltar que nenhum paciente apresentou quaisquer efeitos adversos às medicações utilizadas.
O custo da terapêutica medicamentosa para pacientes com TB-XDR traz um grande impacto financeiro. O valor anual despendido pelo poder público somente com medicamentos para cada paciente incluído no presente estudo foi de, aproximadamente, R$ 76.000,00 (US$ 30.000). Um estudo realizado na África do Sul mostrou que o tratamento de um paciente portador de TB-XDR tem um custo de US$ 26.392, quatro vezes maior que o do tratamento de um paciente portador de TB-MDR (US$ 6.772) e 103 vezes maior que o de um paciente portador de tuberculose sensível ao esquema básico (US$ 257).(4) Além disso, temos de considerar a grande destruição do parênquima pulmonar, que não somente impacta a qualidade de vida do paciente, mas torna extremamente difícil o cálculo dos custos posteriores à alta hospitalar, tanto para o paciente como para o poder público.
Em conclusão, são necessários todos os esforços do poder público no sentido de evitar a TB-MDR/XDR. Em casos extremos como os apresentados no presente estudo, é necessário considerar a internação para garantir um tratamento efetivo por um período de tempo adequado.
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