AO EDITOR:A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é uma pneumonia intersticial crônica fibrosante, de etiologia desconhecida, que acomete principalmente idosos, e cujo substrato é a pneumonia intersticial usual.(1) Pacientes com FPI costumam cursar com perda progressiva da função pulmonar e grave comprometimento da qualidade de vida, evoluindo para o óbito.
O tratamento da FPI sempre foi um grande desafio, mas, no final de 2014, duas novas drogas foram aprovadas pela Food and Drug Administration para o tratamento desses pacientes nos EUA. Agora é claro que ambas as drogas reduzem o ritmo de queda da função pulmonar dos acometidos pela doença. Além disso, outros ensaios clínicos estão em andamento investigando novos fármacos com mecanismos de ação diversos.
Estamos vivendo o início de uma nova era no cuidado de pacientes com FPI, o que é alvissareiro, mas também implica necessidades e preocupações adicionais. Em especial, decisões governamentais ligadas à saúde devem basear-se em dados epidemiológicos robustos, os quais, infelizmente, em relação à FPI, são escassos no Brasil.
Uma importante questão, ainda em aberto, diz respeito a real incidência e prevalência da FPI e, por consequência, ao número total de pacientes afetados em nosso país. Quando analisamos publicações internacionais, constatamos que a caracterização da epidemiologia da FPI não é apenas um problema brasileiro. Parte dos problemas advém do fato de a definição atual da doença só ter começado a ser empregada a partir do ano 2000. Além disso, os resultados variam em função dos critérios utilizados por diferentes autores para definir o que é um caso de FPI. Apesar disso, é consenso que o mal acomete mais homens do que mulheres, é mais comum depois da quinta década, e que sua incidência e mortalidade vêm aumentando ao longo dos anos.(1) Se as últimas constatações são devidas a maior reconhecimento da doença, maior sobrevida da população ou a fatores ambientais são questões em aberto.
Uma revisão sistemática recente sugere que, em estimativa conservadora, a incidência da doença gire em torno de 3-9 casos por 100.000 habitantes para a América do Norte e Europa.(2) As incidências parecem ser menores para a América do Sul e Ásia. Outra revisão, um pouco mais antiga, indica que a prevalência de FPI nos EUA e em países europeus varie entre 14,0 e 27,9 e entre 1,25 e 23,4 casos por 100.000 habitantes, respectivamente. (3) Há de se supor que perfis diversos de pirâmide etária, bem como fatores étnicos e genéticos distintos entre as populações, devam contribuir substancialmente para as diferenças observadas.
Como já ressaltado, as informações sobre o tema são escassas no Brasil. Um estudo analisou dados de incidência e mortalidade disponíveis no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) relativos ao período entre 1996 e 2010. Foi observada uma elevação progressiva dos dois parâmetros ao longo do período.(4) No ano de 2010, a incidência de FPI registrada foi de 4,48 casos por 1.000.000 de habitantes, enquanto a mortalidade foi de 12,11 óbitos por 1.000.000 de habitantes. Vale salientar que o DATASUS não reflete a prática da medicina privada e que a qualidade do diagnóstico diferencial das doenças intersticiais pulmonares e o preenchimento de atestados de óbito não são ideais no Brasil. Baseando-se nos dados do recenseamento populacional de 2010(5) e nos índices levantados por aquele estudo,(4) seriam esperados, naquele ano, 923 casos novos de FPI e mortalidade atribuível à doença de 2.310 óbitos. É certo que esses números soam excessivamente baixos e devem refletir não apenas subnotificação, como também desconhecimento e falta de diagnóstico da doença.
Na ausência de dados brasileiros de prevalência da doença, podemos tentar calcular o número de acometidos especulando com dados disponíveis de outros países. Naturalmente que essa abordagem é pouco acurada e pode levar a resultados díspares em função dos índices que vierem a ser adotados.
Para essa análise, optamos por índices obtidos a partir de dois artigos realizados nos EUA, país que, à semelhança do Brasil, sofreu e ainda sofre um grande fluxo imigratório. Um dos estudos foi publicado em 1994, época em que a definição de FPI ainda era imperfeita.(6) Contudo, sua metodologia é robusta e os dados foram colhidos numa comunidade de grande ancestralidade latina o que, mais uma vez, é importante para a extrapolação de dados brasileiros. O segundo estudo foi publicado em 2006 e tem como pontos fortes o emprego de duas definições para FPI, uma restrita e outra ampla, bem como a reunião de dados de um único grande plano de saúde norte-americano.(7) Ambos os estudos ainda disponibilizam os índices distribuídos em faixas etárias, o que é muito importante para a correção de possíveis distorções resultantes das diferentes pirâmides populacionais dos dois países. Finalmente, os dois estudos foram realizados em uma época na qual, à semelhança do que acontece hoje no Brasil, tratamentos realmente efetivos para a doença não eram disponíveis. Já os dados populacionais brasileiros foram obtidos do censo de 2010.(5)
Quando aplicamos os índices dos estudos americanos, classificados em função das faixas etárias e sexo, aos dados populacionais brasileiros, obtivemos os resultados listados na Tabela 1. Por ela podemos supor que, no Brasil, a incidência anual de casos de FPI possa girar entre 6.841 e 9.997 casos por 100.000 habitantes e que a prevalência possa variar de 13.945 a 18.305 casos por 100.000 habitantes (Tabela 1). Como a FPI é muito rara em jovens, se limitarmos a análise apenas a faixas etárias a partir dos 55 anos, a prevalência projetada irá girar entre 9.986 e 16.109 casos por 100.000 habitantes.
A partir do exposto, podemos concluir que, embora FPI seja uma doença rara, ela parece atingir um número substancial de brasileiros os quais já requerem atenção e cuidados especializados. Com a introdução do uso das novas medicações, a sobrevida desses pacientes deverá crescer e, como consequência, também suas necessidades assistenciais.
Salientamos que é igualmente importante o fato de que promover especulações com cálculos feitos a partir de índices de outros países é altamente insatisfatório. Portanto, pneumologistas, epidemiologistas, instituições acadêmicas, instâncias governamentais, pacientes e seus familiares devem gerar iniciativas que assegurem um melhor conhecimento da epidemiologia e da história natural da FPI no nosso país. Essas ações passam não apenas pela criação de bancos de dados e registros, assim como, uma vez tais instrumentos sejam viabilizados, pela contínua alimentação de informações adequadas desses sistemas pelos médicos especialistas responsáveis.
REFERÊNCIAS
1. Baldi BG, Pereira CA, Rubin AS, Santana AN, Costa AN, Carvalho CR, et al. Highlights of the Brazilian Thoracic Association guidelines for interstitial lung diseases. J Bras Pneumol. 2012;38(3):282-91. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132012000300002
2. Hutchinson J, Fogarty A, Hubbard R, McKeever T. Global incidence and mortality of idiopathic pulmonary fibrosis: a systematic review. Eur Respir J. 2015;46(3):795-806. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00185114
3. Nalysnyk L, Cid-Ruzafa J, Rotella P, Esser D. Incidence and prevalence of idiopathic pulmonary fibrosis: review of the literature. Eur Respir Rev. 2012;21(126):355-61. http://dx.doi.org/10.1183/09059180.00002512
4. Rufino RL, Costa CH, Accar J, Torres FR, Silva VL, Barros NP, et al. Incidence and mortality of interstitial pulmonary fibrosis in Brazil. Am J Respir Crit Care Med. 2013;187:A1458.
5. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [homepage on the Internet]. Brasília: IBGE; c2015 [cited 2015 Jul 13]. Censo 2010--Distribuição da população por sexo, segundo os grupos de idade. Available from: http://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/webservice/frm_piramide.php
6. Coultas DB, Zumwalt RE, Black WC, Sobonya RE. The epidemiology of interstitial lung diseases. Am J Respir Crit Care Med. 1994;150(4):967-72. http://dx.doi.org/10.1164/ajrccm.150.4.7921471
7. RAGHU G, WEYCKER D, EDELSBERG J, BRADFORD WZ, OSTER G. INCIDENCE AND PREVALENCE OF IDIOPATHIC PULMONARY FIBROSIS. AM J RESPIR CRIT CARE MED. 2006;174(7):810-6. HTTP://DX.DOI.ORG/10.1164/RCCM.200602-163OC