Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
10780
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Diagnósticos alternativos corroborados por angiotomografia computadorizada de tórax em pacientes com suspeita de tromboembolia pulmonar

Alternative diagnoses based on CT angiography of the chest in patients with suspected pulmonary thromboembolism

Eleci Vaz Ferreira1,2, Marcelo Basso Gazzana2,3, Muriel Bossle Sarmento4, Pedro Arends Guazzelli4, Mariana Costa Hoffmeister4, Vinicius André Guerra2, Renato Seligman4,5, Marli Maria Knorst2,3,4

DOI: 10.1590/S1806-37562016000000105

ABSTRACT

Objective: To determine the prevalence of alternative diagnoses based on chest CT angiography (CTA) in patients with suspected pulmonary thromboembolism (PTE) who tested negative for PTE, as well as whether those alternative diagnoses had been considered prior to the CTA. Methods: This was a cross-sectional, retrospective study involving 191 adult patients undergoing CTA for suspected PTE between September of 2009 and May of 2012. Chest X-rays and CTAs were reviewed to determine whether the findings suggested an alternative diagnosis in the cases not diagnosed as PTE. Data on symptoms, risk factors, comorbidities, length of hospital stay, and mortality were collected. Results: On the basis of the CTA findings, PTE was diagnosed in 47 cases (24.6%). Among the 144 patients not diagnosed with PTE via CTA, the findings were abnormal in 120 (83.3%). Such findings were consistent with an alternative diagnosis that explained the symptoms in 75 patients (39.3%). Among those 75 cases, there were only 39 (20.4%) in which the same alterations had not been previously detected on chest X-rays. The most common alternative diagnosis, made solely on the basis of the CTA findings, was pneumonia (identified in 20 cases). Symptoms, risk factors, comorbidities, and the in-hospital mortality rate did not differ significantly between the patients with and without PTE. However, the median hospital stay was significantly longer in the patients with PTE than in those without (18.0 and 9.5 days, respectively; p = 0.001). Conclusions: Our results indicate that chest CTA is useful in cases of suspected PTE, because it can confirm the diagnosis and reveal findings consistent with an alternative diagnosis in a significant number of patients.

Keywords: Pulmonary embolism/diagnosis; Pulmonary embolism/epidemiology; Angiography.

RESUMO

Objetivo: Determinar a prevalência de diagnósticos alternativos corroborados por angiotomografia computadorizada (angio-TC) de tórax em pacientes com suspeita de tromboembolia pulmonar (TEP) e com resultados negativos para TEP, assim como investigar se esses diagnósticos alternativos já haviam sido identificados antes dos resultados da angio-TC. Métodos: Estudo transversal, retrospectivo, com 191 pacientes adultos que realizaram angio-TC por suspeita de TEP no período entre setembro de 2009 e maio de 2012. As radiografias de tórax e as angio-TCs foram revisadas para determinar se os achados poderiam fornecer um diagnóstico alternativo nos casos não diagnosticados como TEP. Dados sobre sintomas, fatores de risco, comorbidades, tempo de internação e mortalidade foram coletados. Resultados: A angio-TC foi positiva para tromboembolia pulmonar em 47 casos (24,6%). Entre os 144 pacientes sem tromboembolia pulmonar, achados anormais foram observados em 120 (83,3%). Tais achados foram compatíveis com um diagnóstico alternativo que explicava os sintomas do paciente em 75 casos (39,3%). Desses 75 casos, os achados não haviam sido detectados previamente na radiografia de tórax em apenas 39 (20,4%) dos casos. O diagnóstico alternativo mais frequente, identificado somente por angio-TC, foi pneumonia (em 20 casos). Sintomas, fatores de risco, comorbidades e taxa de óbito intra-hospitalar não diferiram significativamente entre os pacientes com ou sem TEP. Entretanto, a mediana de tempo de internação foi significativamente maior nos pacientes com TEP do que naqueles sem TEP (18,0 e 9,5 dias, respectivamente; p = 0,001). Conclusões: Nossos resultados demonstram que a angio-TC de tórax é útil em casos com suspeita de TEP, pois pode confirmar o diagnóstico e evidenciar achados sugestivos de um diagnóstico alternativo em um significativo número de pacientes.

Palavras-chave: Embolia pulmonar/diagnóstico; Embolia pulmonar/epidemiologia; Angiografia.

INTRODUÇÃO

A tromboembolia pulmonar (TEP) e a trombose venosa profunda (TVP) fazem parte do espectro da tromboembolia venosa. A incidência anual de TEP é de 100 a 200 casos por 100.000 habitantes,(1,2) e a taxa de mortalidade geral em 30 dias varia entre 6,7% e 11%,(3-5) chegando a 30% na ausência de tratamento.(6) Estudos que se baseiam em necropsias sugerem que esses números estão subdimensionados.(7) O subdiagnóstico de TEP pode ser devido, ao menos em parte, à grande variabilidade na apresentação clínica e à presença de achados muitas vezes inespecífi-cos. Dispneia, dor torácica, hemoptise e taquipneia, que se apresentam agudamente, são achados clínicos compatí-veis com a suspeita de TEP. Em situações mais dramáticas, quando grande parte da circulação pulmonar está com-prometida ou quando há doença cardiopulmonar significativa prévia, sinais de instabilidade clínica, como hipoten-são, sinais de baixo débito cardíaco e hipoxemia significativa, podem estar presentes.(8) A presença de fatores de risco para TEP associados a um quadro clínico sugestivo contribui para reforçar a suspeita diagnóstica de TEP.

A suspeita clínica de TEP deve ser investigada por exames específicos que variam de acordo com a situação clínica do paciente. O uso da angiotomografia computadorizada (angio-TC) de tórax aumentou acentuadamente nos últimos anos, sendo esse exame usado como primeira linha em casos de suspeita de TEP em diferentes instituições.(9-11) Trata-se de um exame rápido de ser realizado, frequentemente disponível em até 24 h, seguro e não invasivo, que permite a identificação direta do trombo intra-arterial pulmonar. Diversos estudos mostraram uma sensibilidade variando de 64% a 100% e uma especificidade de 89% a 100%.(12-14) A positividade para TEP na angio-TC de tórax nos diferentes estudos variou de 6,6% a 60% na dependência dos critérios utilizados para a indicação do exa-me.(9,15-21)

Paralelamente ao reconhecimento da importância da angio-TC de tórax para o diagnóstico de TEP, o uso excessivo e por vezes desnecessário desse exame levanta a preocupação com questões de custo-efetividade e com efeitos adversos, relacionados com o uso de contraste endovenoso e com as altas taxas de radiação.(22) Uma vantagem potencial da angio-TC é a identificação de um diagnóstico alternativo quando não se visualizam achados de TEP. Diagnósticos alternativos como pneumonia, neoplasia, derrame pleural, insuficiência cardíaca, exacerbação de DPOC, entre outros, ou achados incidentais como nódulos benignos, adenopatias e cicatriz de doença granulomatosa foram relatados entre 25,4% e 70,0% dos resultados nas angio-TCs de tórax.(9,15-21) Neste sentido, os riscos, os benefícios e os custos relacionados à investigação desses achados precisam ser mais bem elucidados, uma vez que a investigação tem consequências terapêuticas em menos de 5% dos casos.(20) Além disso, o papel da angio-TC de tórax para corroborar diagnósticos alternativos na ausência de TEP e que não tenham sido identificados em exames mais simples, como a radiografia de tórax, foi apenas parcialmente investigado.(18-20)

O objetivo do presente estudo foi investigar a contribuição dos achados da angio-TC de tórax para identificar diag-nósticos alternativos à TEP que explicassem o quadro clínico dos pacientes e que não tenham sido detectados na radiografia de tórax.

MÉTODOS

Estudo transversal, retrospectivo, realizado no Serviço de Radiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), um hospital geral universitário localizado na cidade de Porto Alegre (RS), com capacidade instalada de 845 leitos, sendo 87 leitos em centros de terapia intensiva, 47 leitos de emergência, bem como 35 salas cirúrgicas, com produção assistencial de 33.585 internações e de 594.942 consultas ambulatoriais no ano de 2012. O HCPA dispõe de um prontuário on-line desenvolvido na instituição (denominado AGH Web), que em setembro de 2009, foi associ-ado ao Radiology Information System e a um sistema de gerenciamento e arquivamento de imagens médicas (Pictu-re Archiving and Communication System). Paralelamente, foi implantado o sistema IMPAX® (Agfa HealthCare, Mortsel, Bélgica) como opção tecnológica para as tarefas de transmissão, armazenamento e recuperação de imagens médicas.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA. Não foi obtido termo de consentimento informa-do em razão do caráter retrospectivo do estudo. Os autores assinaram um termo de compromisso de confidencialida-de para a utilização de dados. No período entre setembro de 2009 e maio de 2012, foram realizadas 663 angio-TCs de tórax por diferentes indicações. Foram incluídos no estudo todos os casos de pacientes adultos (≥ 18 anos) enca-minhados para a realização de angio-TC de tórax na Unidade de Tomografia Computadorizada do HCPA por suspeita de TEP. Foram excluídos os casos procedentes do ambulatório em investigação de hipertensão pulmonar crônica e que realizaram angio-TC de tórax por outras indicações que não suspeita de TEP (Figura 1).
 



Os dados demográficos e clínicos dos pacientes, como idade, sexo, cor, história de tabagismo, sintomas no mo-mento da suspeita de TEP, presença de fatores de risco para TEP, comorbidades, bem como local de internação no momento da suspeita, tempo de internação e evolução clínica (alta ou óbito), foram obtidos a partir dos prontuários eletrônicos do HCPA. Os prontuários foram revisados quanto à presença de escores clínicos de probabilidade pré-teste para TEP. O escore de Genebra, na sua versão original, foi calculado retrospectivamente pelos autores.(8)

A angio-TC de tórax foi realizada em um tomógrafo computadorizado helicoidal com 16 detectores (Brilliance® CT; Philips Healthcare, Best, Holanda). As imagens foram visualizadas numa estação de trabalho, utilizando os sistemas de armazenamento e transmissão de imagens acima mencionados, por dois radiologistas, treinados para interpretar angio-TCs, de forma independente; os casos discordantes foram revistos para a obtenção de uma interpretação consensual.

As angio-TCs de tórax foram classificadas em relação à presença de TEP como positivas, negativas ou inconclusi-vas. O exame foi considerado positivo para TEP se defeitos de enchimento na artéria pulmonar ou em qualquer um de seus ramos foram identificados. Nos exames positivos a TEP foi classificada como central (até a primeira divisão da artéria segmentar), periférica (após a divisão da artéria segmentar) ou difusa (central e periférica). Na presença de opacificação adequada do leito vascular pulmonar, sem defeitos de enchimento, a angio-TC foi considerada nega-tiva para TEP. Todas as angio-TCs foram revistas quanto à presença de outros achados anormais pulmonares e extrapulmonares.

O diagnóstico alternativo foi revisado com base nos achados clínicos e de imagem por dois pneumologistas. Acha-dos sugestivos de diagnóstico alternativo foram definidos como alterações tomográficas que poderiam explicar os sintomas do paciente (como, por exemplo, dispneia, dor torácica, hipoxemia e taquicardia). Foram usados os seguin-tes critérios para estabelecer os diagnósticos alternativos: 1) pneumonia: presença de tosse, expectoração e acha-dos sistêmicos (taquicardia, leucocitose ou leucopenia e febre) associados a novo infiltrado pulmonar; 2) insuficiên-cia cardíaca descompensada: diagnóstico clínico de insuficiência cardíaca e sinais radiológicos de aumento cardíaco e edema pulmonar e/ou derrame pleural; 3) derrame pleural por outra causa: sinais de derrame pleural de grau pelo menos moderado e não associado à insuficiência cardíaca; 4) linfangite carcinomatosa ou progressão de neo-plasia: diagnóstico histológico de neoplasia pulmonar com sinais radiológicos de envolvimento intersticial (com ou sem derrame pleural ou adenomegalias mediastinais) ou aumento de lesão pulmonar neoplásica em relação a exa-me prévio; 5) congestão pulmonar não cardiogênica: sinais radiológicos de edema pulmonar que incluem infiltrado intersticial, consolidações confluentes, vidro fosco com espessamento septal e/ou derrame pleural uni ou bilateral, na ausência de insuficiência cardíaca e na presença de uma ou mais condições que explicassem o edema; 6) pneu-mopatia relacionada à colagenose: diagnóstico prévio de colagenose (artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmi-co ou esclerose sistêmica) com envolvimento pleuropulmonar atribuído à própria colagenose, incluindo infiltrado pulmonar intersticial, consolidações, nódulos pulmonares, derrame pleural e hipertensão pulmonar; 7) atelectasia: sinais de atelectasia (opacidade com redução de volume pulmonar) de pelo menos um lobo pulmonar, com compro-metimento ventilatório significativo. Foram revisadas também as respectivas radiografias de tórax, seus laudos e as observações sobre as mesmas no prontuário médico, sendo anotado se os achados estavam presentes na radiografia realizada previamente à angio-TC.

Considerando uma prevalência de diagnósticos alternativos na angio-TC de tórax com base em estudos pré-vios(9,15-21) e a alta prevalência de tuberculose no nosso meio, para uma proporção esperada de 60% de diagnósti-cos alternativos, poder de teste de 80%, valor de p de 5% e teste bicaudal, o tamanho da amostra foi calculado em 188 pacientes.

Os dados foram armazenados no programa de computador Excel e analisados pelo Statistical Package for the Soci-al Sciences, versão 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os dados quantitativos são apresentados como média e desvio-padrão ou como mediana e intervalo interquartil. As prevalências de TEP, de achados anormais na angio-TC e de diagnósticos alternativos foram descritas em número absoluto ou em número absoluto e proporção. A compara-ção entre o grupo de pacientes com TEP e sem TEP foi realizada com o teste t para amostras independentes ou com o teste de Mann-Whitney, de acordo com o tipo de distribuição de dados. As variáveis categóricas foram comparadas utilizando-se o teste do qui-quadrado de Pearson. Um valor de p < 0,05 foi considerado como estatisticamente signi-ficativo.

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 191 pacientes, com média de idade de 59,3 ± 17,1 anos e predomínio de mulheres. Eram procedentes do serviço de emergência no momento da suspeita 113 pacientes (59,2%), enquanto 71 (37,2%) eram procedentes da enfermaria, e 7 (3,7%), do CTI. As principais características clínicas dos pacientes estão descri-tas na Tabela 1.
 



Os dados demográficos, sintomas, fatores de risco, comorbidades, tempo de internação e sobrevida dos 191 paci-entes, estratificados pela presença (n = 47) ou ausência de TEP (n = 144) são mostrados na Tabela 2. As queixas clínicas mais frequentes que levaram à indicação da angio-TC nos 191 pacientes foram dispneia súbita, em 75,4%; dor torácica, em 33,0%; e tosse, em 25,1%. Queixas menos frequentes foram ansiedade, em 9,4%; síncope, em 6,3%; e hemoptise, em 3,1%, sem diferença entre os grupos com e sem TEP (6,4% vs. 2,1%; p > 0,05). Os fatores de risco para TEP mais frequentemente observados foram câncer e hospitalização prévia, e as comorbidades foram hipertensão arterial sistêmica, diabetes, DPOC e acidente vascular cerebral prévio. Não houve diferenças significati-vas nas variáveis demográficas, nos sintomas e nos fatores de risco quando foram comparados os pacientes com e sem TEP (p > 0,05). Houve uma tendência a maior prevalência de TEP em pacientes cuja suspeita foi levantada na enfermaria quando comparada àquela na emergência (31,0% vs. 21,6%; p = 0,09). Pacientes com TEP tiveram um tempo de internação maior que os pacientes sem TEP (mediana: 18 dias vs. 9,5 dias; p = 0,0001). A mortalidade nos 191 pacientes foi de 13,6%, sendo de 12,8% e 13,9% nos grupos com TEP e sem TEP, respectivamente (p > 0,05).
 



Uma avaliação objetiva e sistemática de probabilidade pré-teste de TEP, usando o escore clínico, foi encontrada em 14 dos 191 prontuários (7,3%). O escore de Genebra, calculado retrospectivamente, foi de 5,9 ± 3,2 pontos nos pacientes com TEP e de 5,0 ± 2,6 pontos nos pacientes sem TEP (p = 0,06). Na estratificação de probabilidade clínica de risco em três níveis, 26,2% dos pacientes apresentavam risco baixo, 70,2% apresentavam risco intermediário, e 3,7%, risco alto. Não houve diferenças significativas na estratificação de risco nos pacientes com TEP e sem TEP (p = 0,07).

A revisão das angio-TCs de tórax identificou seis exames com má qualidade técnica, mas que permitiram uma in-terpretação conclusiva. Achados anormais foram observados em 167 casos. O diagnóstico de TEP foi realizado em 47 pacientes (24,6%) e, na maior parte dos casos, os trombos eram periféricos, com localização à direita ou bilaterais (Tabela 3). Dos 47 pacientes com TEP, 31 apresentaram outros achados na TC de tórax. Os achados mais frequentes foram atelectasia, em 31,9%; derrame pleural, em 25,5%; consolidação, em 17,0%; adenomegalias mediastinais, em 14,9%; nódulo pulmonar, em 12,8%; e aumento de área cardíaca, em 6,4%.
 



Das 144 angio-TCs entre as quais não se pôde visualizar TEP, o exame foi considerado completamente normal, em 24 casos; apresentou uma alteração, em 21; ou apresentou múltiplos achados, em 99. Os achados mais frequentes foram atelectasia, em 48,6%; nódulo pulmonar, em 30,6%; derrame pleural, em 29,9%; consolidação, em 21,5%; e enfisema, em 21,5%. Foram identificadas alterações extratorácicas menos frequentemente (Tabela 4).
 



Das 120 angio-TCs negativas para TEP que mostraram anormalidades, 75 foram compatíveis com um diagnóstico alternativo que explicava o quadro clínico dos pacientes. Entretanto, em apenas 39 exames (20,4%), os achados não haviam sido visualizados previamente na radiografia de tórax (Tabela 3). Os principais diagnósticos corroborados pela angio-TC, na ausência de alterações na radiografia de tórax, são mostrados na Tabela 5. Em 31 casos, a anor-malidade foi pulmonar e, em 8, essa foi cardíaca; o diagnóstico mais prevalente foi pneumonia, em 20 casos.
 



DISCUSSÃO

Nosso estudo avaliou 191 angio-TCs realizadas consecutivamente por suspeita de TEP e os principais achados fo-ram os seguintes: 1) a prevalência de TEP foi de 24,6%; 2) as queixas clínicas, os fatores de risco, as comorbidades e a proporção de óbitos foram semelhantes nos grupos com angio-TC positiva e negativa para TEP; porém, o tempo de internação foi maior no primeiro grupo; 3) nas angio-TCs negativas para TEP foram identificados achados compa-tíveis com um diagnóstico alternativo que explicava os sintomas dos pacientes em 39,3% dos casos; entretanto, essa proporção caiu para 20,4% quando foram considerados apenas os achados não visualizados na radiografia de tórax.

A prevalência de TEP observada em nosso estudo foi comparável à de outras séries (19.0-24,3%),(11,20,21,23) mas foi superior à descrita por outros autores (8,6-9,5%).(16,18,24) Fatores como o grau de suspeita clínica e o seguimento de diretrizes para a investigação de TEP podem influenciar na taxa de prevalência da doença. Uma avaliação objeti-va e sistemática de probabilidade pré-teste de TEP estava descrita em apenas 7,3% dos prontuários no nosso estudo. Num estudo recente que revisou 641 angio-TCs de tórax, a prevalência de TEP diagnosticada por angio-TC de tórax foi relativamente baixa (9,5%). Uma revisão criteriosa feita pelos autores mostrou que em 90 casos da série os pacientes tinham baixa probabilidade de apresentar TEP (dímeros-D < 500 ng/ml, e escore de Wells ≤ 4), não ha-vendo indicação formal de investigação com angio-TC. Apenas 2 daqueles casos apresentavam TEP.(18) Paralela-mente, uma alta positividade de TEP na angio-TC pode refletir uma baixa suspeita clínica da doença. Portanto, além da prevalência de TEP, é importante avaliar simultaneamente o grau de adesão ao algoritmo diagnóstico proposto por diretrizes de manejo da TEP.(8,25) Embora no nosso estudo não tenha sido avaliado o grau de adesão ao protoco-lo institucional para TEP, nossos dados de prevalência são semelhantes ao de outro estudo (23,3%).(26)

Os sintomas e os sinais de TEP são bem conhecidos. Dispneia, dor torácica e tosse foram os principais sintomas relatados por pacientes com suspeita de TEP no nosso estudo, sem diferença entre os pacientes com angio-TC positi-va ou negativa para TEP, sugerindo que os sintomas não são específicos para a doença. Os mesmos sintomas des-pontam como os mais frequentes em outras séries(9,27); porém, com uma frequência maior de dor pleurítica (76%) e tosse (44%) numa delas(27) e frequência menor de tosse na outra (10,8%). (9) Em outro estudo, a dor torácica foi o sintoma mais frequente (41,4%), e a dispneia foi observada em apenas 10% dos pacientes.(24) A grande discrepância entre os dados das diferentes séries pode, ao menos em parte, estar associada ao registro dos sintomas, uma vez que em estudos retrospectivos, como nesse último,(24) as queixas podem ter sido subestimadas. A hemoptise obser-vada nos pacientes no nosso estudo está dentro da margem de prevalência em outros estudos prévios em pacientes com TEP (1,9%-6,0%).(4,9,18,23,27)

História de câncer, hospitalização prévia e imobilização foram os principais fatores de risco para TEP identificados na nossa série e também relatados por outros autores.(9) Cirurgia recente foi o sétimo fator de risco em frequência na nossa casuística (13,1%), embora essa proporção seja comparável à reportada em dois estudos (11,8% e 14,4%)(26,28) mas inferior à reportada em outro estudo.(18) A menor proporção de pacientes em situação pós-operatória no nosso estudo pode estar associada à origem dos casos, uma vez que a maioria era oriunda do setor de emergência.

Embora tanto os fatores de risco como as comorbidades tenham sido altamente prevalentes na nossa série, não se observaram diferenças significativas entre os grupos de pacientes com angio-TC positiva e negativa para TEP. Do mesmo modo, não foi identificada diferença na mortalidade entre os dois grupos. A mortalidade intra-hospitalar dos pacientes com angio-TC positiva para TEP na nossa série foi de 12,8%, variando de 6,4% a 11,4% em outros estu-dos.(3-5) Por outro lado, pacientes com angio-TC positiva para TEP tiveram um tempo de internação significativamen-te maior que os pacientes com investigação negativa para TEP. A TEP por si só pode prolongar o tempo de interna-ção, mas também pode ser um marcador de gravidade do paciente, que se associa à permanência hospitalar.

A proporção de angio-TCs normais foi 12,6% no nosso estudo; em outras séries, essa variou de 12,5% a 29,3%.(18,21,23) Os nossos principais achados anormais nos exames negativos para TEP foram atelectasia, nódulo pulmonar, derrame pleural, consolidação e enfisema. Chama a atenção a significativa proporção de nódulos e mi-cronódulos na nossa série em relação às demais,(16,18,20,23,24) o que pode estar relacionado com a alta prevalência de doenças granulomatosas no nosso meio.(29) Esses achados incidentais, que não estavam associados ao quadro agudo dos pacientes, com frequência podem necessitar de investigação adicional ou seguimento em longo pra-zo.(18,20)

Avaliamos a relevância clínica dos achados tomográficos para estabelecer um diagnóstico alternativo nos casos com angio-TC negativa para TEP. Os achados tomográficos corroboraram um diagnóstico alternativo, que explicava os sintomas do paciente, em 39,3% dos nossos pacientes (14,3-33,0% dos casos em outros estudos).(16,18-21) Entre-tanto, os achados foram identificados somente na angio-TC, isto é, não estavam evidentes simultaneamente na radi-ografia de tórax, em 20,4% dos casos. No nosso conhecimento, apenas três estudos consideraram os achados con-comitantes da radiografia de tórax na análise de diagnósticos alternativos. Num estudo, um diagnóstico alternativo foi estabelecido com base nos achados na angio-TC em 33% dos casos; porém, em cerca da metade desses, as mesmas alterações já haviam sido identificadas na radiografia de tórax.(16) Outros autores identificaram um diagnós-tico alternativo em 14,3% dos pacientes, sendo que a radiografia havia mostrado os mesmos achados em 9,8% dos casos.(18) Ainda, em outra série, a angio-TC mostrou achados que suportavam um diagnóstico alternativo em 28% de 203 pacientes, sendo o achado não suspeitado antes da angio-TC em apenas 8,8% dos casos.(20) Pneumonia foi o diagnóstico alternativo mais frequente no nosso e em outros estudos,(18,20,21) enquanto derrame pleural predominou em outras duas séries.(16,19)

Algumas limitações de nosso estudo precisam ser levadas em consideração. O estudo foi realizado em um único centro, o que limita a generalização dos resultados, e a coleta dos dados foi retrospectiva. Estudos retrospectivos correm risco de vieses de seleção (por perda de casos), bem como de aferição (dados obtidos de prontuários médi-cos). Entretanto, a forma sequencial de seleção dos nossos casos, a partir do registro de todas as angio-TCs realiza-das na instituição, minimizou o risco de viés de seleção. Uma limitação adicional é que o seguimento dos pacientes foi realizado apenas durante a internação, fornecendo apenas dados de mortalidade intra-hospitalar, sem dados de sobrevida em médio e longo prazo. Por outro lado, um aspecto positivo do estudo foi a interpretação dos exames de imagem, de forma independente, por dois radiologistas experientes na interpretação de angio-TC. Ainda, todos os casos com angio-TC negativa para TEP foram revisados por dois pneumologistas, do ponto de vista clínico e radioló-gico, obtendo-se uma opinião de consenso no final, o que permitiu um maior rigor diagnóstico.

Em conclusão, a angio-TC de tórax foi positiva para TEP em 24,6% dos casos. Não houve diferenças nos achados clínicos e na mortalidade intra-hospitalar quando comparados os grupos de pacientes com e sem TEP, exceto pelo maior tempo de internação nos pacientes com angio-TC positiva para TEP. Observamos um grande número de angio-TCs com achados anormais, sendo os mesmos compatíveis com um diagnóstico alternativo que explicasse o quadro clínico dos pacientes em 39,3% dos casos. Entretanto, em cerca de metade desses casos, os mesmos achados já haviam sido identificados na radiografia de tórax. Resumindo, nossos resultados demonstram que a angio-TC de tórax é útil na em casos com suspeita de TEP, pois pode confirmar o diagnóstico e evidenciar achados sugestivos de um diagnóstico alternativo em um significativo número de pacientes.

REFERÊNCIAS

1. Heit JA. The epidemiology of venous thromboembolism in the community. Arterioscler Thromb Vasc Dis. 2008;28(3):370-2. http://dx.doi.org/10.1161/ATVBAHA.108.162545
2. Cohen AT, Agnelli G, Anderson FA, Arcelus JI, Bergqvist D, Brecht JG, et al. Venous thromboembolism (VTE) in Europe. The number of VTE events and associated morbidity and mortality. Thromb Haemost. 2007;98(4):756-64. http://dx.doi.org/10.1160/th07-03-0212
3. Aujesky D, Obrosky DS, Stone RA, Auble TE, Perrier A, Cornuz J, et al. A prediction rule to identify low-risk patients with pulmonary embolism. Arch Intern Med. 2006;166(2):169-75. http://dx.doi.org/10.1001/archinte.166.2.169
4. Casazza F, Becattini C, Bongarzoni A, Cuccia C, Roncon L, Favretto G, et al. Clinical features and short term outcomes of patients with acute pulmonary embolism. The Italian Pulmonary Embolism Registry (IPER). Thromb Res. 2012;130(6):847-52. http://dx.doi.org/10.1016/j.thromres.2012.08.292
5. Goldhaber SZ, Visani L, De Rosa M. Acute pulmonary embolism: clinical outcomes in the International Cooperative Pulmonary Embolism Registry (ICOPER). Lancet. 1999;353(9162):1386-9. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(98)07534-5
6. Kim KI, Müller NL, Mayo JR. Clinically suspected pulmonary embolism: utility of spiral CT. Radiology. 1999;210(3):693-7. http://dx.doi.org/10.1148/radiology.210.3.r99mr01693
7. Torbicki A, Perrier A, Konstantinides S, Agnelli G, Galiè N, Pruszczyk P, et al. Guidelines on the diagnosis and management of acute pulmonary embolism: the Task Force for the Diagnosis and Management of Acute Pulmonary Embolism of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2008;29(18):2276-315. http://dx.doi.org/10.1093/eurheartj/ehn310
8. Konstantinides SV, Torbicki A, Agnelli G, Danchin N, Fitzmaurice D, Galiè N, et al. 2014 ESC guidelines on the diagnosis and management of acute pulmonary embolism. Eur Heart J. 2014 Nov 14;35(43):3033-69, 3069a-3069k.
9. Chandra S, Sarkar PK, Chandra D, Ginsberg NE, Cohen RI. Finding an alternative diagnosis does not justify increased use of CT-pulmonary angiography. BMC Pulm Med. 2013;13:9. http://dx.doi.org/10.1186/1471-2466-13-9
10. Musset D, Parent F, Meyer G, Maître S, Girard P, Leroyer C, et al. Diagnostic strategy for patients with suspected pulmonary embolism: A prospective multicentre outcome study. Lancet. 2002;360(9349):1914-20. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(02)11914-3
11. van Strijen MJ, de Monyé W, Schiereck J, Kieft GJ, Prins MH, Huisman MV, et al. Single-detector helical computed tomography as the primary diagnostic test in suspected pulmonary embolism: a multicenter clinical management study of 510 patients. Ann Intern Med. 2003;138(4):307-14. http://dx.doi.org/10.7326/0003-4819-138-4-200302180-00009
12. de Monyé W, Pattynama PM. Contrast-enhanced spiral computed tomography of the pulmonary arteries: an overview. Semin Thromb Hemost. 2001;27(1):33-9. http://dx.doi.org/10.1055/s-2001-12845
13. Mullins MD, Becker DM, Hagspiel KD, Philbrick JT. The role of spiral volumetric computed tomography in the diagnosis of pulmonary embolism. Arch Intern Med. 2000;160(3):293-8. http://dx.doi.org/10.1001/archinte.160.3.293
14. Rathbun SW, Raskob GE, Whitsett TL. Sensitivity and specificity of helical computed tomography in the diagnosis of pulmonary embolism: a systematic review. Ann Intern Med. 2000;132(3):227-32. http://dx.doi.org/10.7326/0003-4819-132-3-200002010-00009
15. Deonarine P, de Wet C, McGhee A. Computed tomographic pulmonary angiography and pulmonary embolism: predictive value of a d-dimer assay. BMC Res Notes. 2012;5:104. http://dx.doi.org/10.1186/1756-0500-5-104
16. Hall WB, Truitt SG, Scheunemann LP, Shah SA, Rivera P, Parker LA, et al. The prevalence of clinically relevant incidental findings on chest computed tomographic angiograms ordered to diagnose pulmonary embolism. Arch Intern Med. 2009;169(21):1961-5. http://dx.doi.org/10.1001/archinternmed.2009.360
17. Lamare G, Schorr A, Chan C. Chest radiographs can minimize the use of computed tomography of the chest when combined with screening scores for pulmonary embolism evaluation. Chest. 2012;142(4_MeetingAbstracts):853A.
18. Perelas A, Dimou A, Saenz A, Rhee JH, Teerapuncharoen K, Rowden A, et al. Incidental findings on computed tomography angiography in patients evaluated for pulmonary embolism. Ann Am Thorac Soc. 2015;12(5):689-95. http://dx.doi.org/10.1513/AnnalsATS.201404-144OC
19. Sodhi KS, Gulati M, Aggarwal R, Kalra N, Mittal BR, Jindal SK, et al. Computed tomographic pulmonary angiography: utility in acute pulmonary embolism in providing additional information and making alternative clinical diagnosis. Indian J Med Sci. 2010;64(1):26-32. http://dx.doi.org/10.4103/0019-5359.92484
20. van Es J, Douma RA, Schreuder SM, Middeldorp S, Kamphuisen PW, Gerdes VE, et al. Clinical impact of findings supporting an alternative diagnosis on CT pulmonary angiography in patients with suspected pulmonary embolism. Chest. 2013;144(6):1893-9. http://dx.doi.org/10.1378/chest.13-0157
21. van Strijen MJ, Bloem JL, de Monyé W, Kieft GJ, Pattynama PM, van den Berg-Huijsmans A, et al. Helical computed tomography and alternative diagnosis in patients with excluded pulmonary embolism. J Thromb Haemost 2005;3(11):2449-56. http://dx.doi.org/10.1111/j.1538-7836.2005.01596.x
22. Schattner A. Computed tomographic pulmonary angiography to diagnose acute pulmonary embolism: the good, the bad, and the ugly: comment on "The prevalence of clinically relevant incidental findings on chest computed tomographic angiograms ordered to diagnose pulmonary embolism". Arch Intern Med. 2009;169(21):1966-8. http://dx.doi.org/10.1001/archinternmed.2009.400
23. Ozakin E, Kaya FB, Acar N, Cevik AA. An analysis of patients that underwent computed tomography pulmonary angiography with the prediagnosis of pulmonary embolism in the emergency department. ScientificWorldJournal. 2014;2014:470358. http://dx.doi.org/10.1155/2014/470358
24. Tresoldi S, Kim YH, Baker SP, Kandarpa K. MDCT of 220 consecutive patients with suspected acute pulmonary embolism: incidence of pulmonary embolism and of other acute or non-acute thoracic findings. Radiol Med. 2008; 113(3):373-84. http://dx.doi.org/10.1007/s11547-008-0262-9
25. Terra-Filho M, Menna-Barreto SS; Comissão de Circulação Pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia - SBPT. Recommendations for the management of pulmonary thromboembolism, 2010 [Article in Portuguese]. J Bras Pneumol. 2010;36 Suppl 1:S1-68.
26. Stein PD, Fowler SE, Goodman LR, Gottschalk A, Hales CA, Hull RD, et al. Multidetector computed tomography for acute pulmonary embolism. N Engl J Med. 2006;354(22):2317-27. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa052367
27. Stein PD, Matta F, Sedrick JA, Saleh T, Badshah A, Denier JE. Ancillary findings on CT pulmonary angiograms and abnormalities on chest radiographs in patients in whom pulmonary embolism was excluded. Clin Appl Thromb Hemost. 2012;18(2):201-5. http://dx.doi.org/10.1177/1076029611416640
28. Pollack CV, Schreiber D, Goldhaber SZ, Slattery D, Fanikos J, O'Neil BJ, et al. Clinical characteristics, management, and outcomes of patients diagnosed with acute pulmonary embolism in the emergency department: initial report of EMPEROR (Multicenter Emergency Medicine Pulmonary Embolism in the Real World Registry). J Am Coll Cardiol. 2011;57(6):700-6. http://dx.doi.org/10.1016/j.jacc.2010.05.071
29. Conde MB, Melo FA, Marques AM, Cardoso NC, Pinheiro VG, Dalcin Pde T, et al. III Brazilian Thoracic Association Guidelines on tuberculosis. J Bras Pneu-mol. 2009;35(10):1018-48.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia