Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
5664
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Musculatura respiratória em doença pulmonar intersticial: pouco explorada e pouco compreendida

Respiratory muscles in interstitial lung disease: poorly explored and poorly understood

Bruno Guedes Baldi1, João Marcos Salge1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562016000200002

As doenças pulmonares intersticiais (DPIs) representam um grupo heterogêneo de afecções do parênquima pul-monar, caracterizadas por alterações estruturais definitivas que resultam em modificações mecânicas, notadamente uma significativa redução de sua complacência.(1) Dispneia e menor tolerância aos esforços são queixas bastante frequentes dos portadores de DPIs, apresentam gravidade variável e geram repercussões psicossociais e sobre a qualidade de vida, afligindo pacientes e seus familiares. (2) Múltiplos fatores, isolados ou em associação, podem contribuir para essas manifestações, incluindo alterações de trocas gasosas, limitação ventilatória, acometimento vascular pulmonar (geralmente por destruição capilar pulmonar e vasoconstrição por hipoxemia), disfunção do ventrículo esquerdo e comprometimento da musculatura respiratória e periférica,(1-8) além de eventuais mecanismos especificamente relacionados à etiologia da DPI em questão.

Em função da típica predominância das alterações parenquimatosas que ocorre nas DPIs, a contribuição de fatores extrapulmonares na fisiopatologia da intolerância aos esforços é frequentemente negligenciada. A despeito de sua potencial relevância, a avaliação da musculatura respiratória foi muito pouco explorada em estudos prévios que abordaram mecanismos de dispneia nas DPIs em particular, assim como na investigação de intolerância aos esfor-ços em geral.(9) Nessa condição, o aumento do recolhimento elástico determina sobrecarga da musculatura respirató-ria, gerando um aumento de sua atividade e do trabalho respiratório.(4) Frequentemente, a pressão inspiratória está preservada em fases mais precoces das DPIs,(10) em grande parte graças ao menor impacto sobre o posicionamento do diafragma quando comparado, por exemplo, com a DPOC, de modo que a relação comprimento-tensão da fibra muscular fique mantida e não ocorra desvantagem mecânica para gerar força inspiratória. Entretanto, em fases mais avançadas da doença, com a progressão da perda volumétrica, ocorre um desarranjo desse posicionamento, propor-cionando a ocorrência de dissociação neuromuscular, ou seja, redução da capacidade de gerar deslocamento pela musculatura ventilatória frente à demanda aumentada do centro respiratório, o que frequentemente se exacerba durante os esforços.(3,6,10)

No artigo publicado no atual número do JBP, Santana et al.(11) demonstram que a alteração de mobilidade do dia-fragma durante a respiração profunda, avaliada por ultrassonografia, é bastante prevalente (60%) em pacientes com DPI de diferentes etiologias e níveis de gravidade funcional. Trata-se do primeiro estudo que avaliou o espessamen-to do diafragma na respiração corrente em portadores de DPIs e ainda estabeleceu um ponto de corte derivado de uma medida espirométrica simples (CVF < 60% do predito) como preditor de maior risco de redução da mobilidade diafragmática.(11)

Raros estudos haviam avaliado anteriormente, por medidas invasivas ou não, a disfunção da musculatura respira-tória, inclusive a do diafragma, em portadores de DPI, ainda assim apresentando resultados discrepantes. He et al.(12) demonstraram que a mobilidade do diafragma avaliada por ultrassonografia durante a respiração profunda foi reduzida somente em pacientes com fibrose pulmonar combinada a enfisema e não em portadores de fibrose pulmo-nar idiopática (FPI) isolada, não se estabelecendo, portanto, uma correlação entre DPI e redução da mobilidade diafragmática. Entretanto, naquele estudo, um fator limitante na interpretação dos resultados foi o fato de que os pacientes com FPI apresentavam limitação funcional leve.(12) No estudo de Elia et al., no qual o diafragma de 16 pacientes com DPI foi avaliado por medida de pressão por cateteres localizados no estômago e esôfago, não se observou fadiga diafragmática em repouso ou após exercício.(13) Por outro lado, no estudo de Walterspacher et al., houve uma redução da força diafragmática em 25 pacientes com DPI na avaliação com medidas não volitivas.(6) No estudo de Faisal et al., observou-se um aumento da atividade diafragmática na avaliação por eletromiografia em repouso e durante o exercício em pacientes com DPI em comparação a controles e a pacientes com DPOC.(10)

Conforme destacado no artigo da presente edição, a ultrassonografia é um método com diversas vantagens na avaliação do diafragma, especialmente pelo fato de não ser invasivo, ser de fácil realização e de não utilizar radia-ção ionizante, além de permitir a avaliação da mobilidade e do espessamento do diafragma.(11) Entretanto, faltam ainda o desenvolvimento de valores de referência e a disseminação da experiência clínica para que os marcadores ultrassonográficos mensurados sejam robustamente incorporados na prática médica para o manejo clínico de pacien-tes. Além disso, essa técnica não se aplica à observação da musculatura respiratória também durante o exercício, atributo muito desejável na pesquisa da correlação entre alteração muscular e redução da capacidade de exercí-cio.(13)

Apesar de o comprometimento muscular ser frequente nessa população de pacientes, como evidenciado tanto no estudo conduzido por Santana et al.(11) quanto em trabalhos anteriores, existem diversas lacunas ainda não explora-das em relação ao tema. Do ponto de vista fisiopatológico, cabe o questionamento acerca do significado das altera-ções de função muscular observadas; se consistiriam de fato mecanismo muscular primariamente associado à gêne-se da dispneia ou se seriam apenas alterações secundárias adaptativas à redução volumétrica dos pulmões, obser-vada na progressão das DPIs. Nesse contexto, não parece completamente estabelecido se a gravidade da doença de base pode atuar como um fator de confusão na interpretação dos dados da avaliação da musculatura respiratória. Em relação às implicações clínicas, é fundamental que futuramente a investigação da musculatura respiratória seja realizada separadamente em subgrupos específicos de DPI, uma vez que pode haver diferenças relacionadas às peculiaridades de cada doença com repercussão sobre os resultados, incluindo o fato de o processo inflamatório sistêmico, associado a doenças como miopatias inflamatórias e sarcoidose, ter o potencial de envolver diretamente esse grupo muscular.(3,4,6,8) Ademais, está por ser explorado o real impacto dessa modalidade diagnóstica na avali-ação longitudinal dos pacientes, suas implicações prognósticas e seu valor no acompanhamento evolutivo, como ocorre com outros indicadores, como, por exemplo, o grau de dispneia, a CVF, a DLCO e a SpO2.(1,14)

É claro que diversas lacunas persistem na determinação do papel da musculatura respiratória na fisiopatologia da limitação funcional e de sua monitorização no manejo clínico das DPIs. Ademais, ressaltamos que medidas deriva-das da técnica de ultrassonografia, isoladamente, não são capazes de expressar a função muscular respiratória em todos os seus aspectos, sendo desejável sua utilização em combinação com outros métodos complementares, como medidas de pressões (invasivas ou não invasivas) de força ou a eletroneuromiografia, de modo a constituir a forma de avaliação ideal. É inegável, no entanto, que o estudo conduzido por Santana et al.(11) representa uma contribuição relevante e robusta nesse sentido, encorajando futuras pesquisas que complementem o conhecimento nessa área.

REFERÊNCIAS

1. Baldi BG, Pereira CA, Rubin AS, Santana AN, Costa AN, Carvalho CR, et al. Highlights of the Brazilian Thoracic Association guidelines for interstitial lung diseases. J Bras Pneumol. 2012;38(3):282-91. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132012000300002
2. Collard HR, Pantilat SZ. Dyspnea in interstitial lung disease. Curr Opin Support Palliat Care. 2008;2(2):100-4. http://dx.doi.org/10.1097/SPC.0b013e3282ff6336
3. O'Donnell DE, Ora J, Webb KA, Laveneziana P, Jensen D. Mechanisms of activity-related dyspnea in pulmonary diseases. Respir Physiol Neurobiol. 2009;167(1):116-32. http://dx.doi.org/10.1016/j.resp.2009.01.010
4. Panagiotou M, Polychronopoulos V, Strange C. Respiratory and lower limb muscle function in interstitial lung disease. Chron Respir Dis. 2016 Jan 14. pii: 1479972315626014. [Epub ahead of print] http://dx.doi.org/10.1177/1479972315626014
5. Holland AE. Exercise limitation in interstitial lung disease - mechanisms, significance and therapeutic options. Chron Respir Dis. 2010;7(2):101-11. http://dx.doi.org/10.1177/1479972309354689
6. Walterspacher S, Schlager D, Walker DJ, Müller-Quernheim J, Windisch W, Kabitz HJ. Respiratory muscle function in interstitial lung disease. Eur Respir J. 2013;42(1):211-9. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00109512
7. Ryerson CJ, Collard HR, Pantilat SZ. Management of dyspnea in interstitial lung disease. Curr Opin Support Palliat Care. 2010;4(2):69-75. http://dx.doi.org/10.1097/SPC.0b013e3283392b51
8. Kabitz HJ, Lang F, Walterspacher S, Sorichter S, Müller-Quernheim J, Windisch W. Impact of impaired inspiratory muscle strength on dyspnea and walking capacity in sarcoidosis. Chest. 2006;130(5):1496-502. http://dx.doi.org/10.1378/chest.130.5.1496
9. Caruso P, Albuquerque ALP, Santana PV, Cardenas LZ, Ferreira JG, Prina E, et al. Diagnostic methods to assess inspiratory and expiratory muscle strength. J Bras Pneumol. 2015;41(2):110-23. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000004474
10. Faisal A, Alghamdi BJ, Ciavaglia CE, Elbehairy AF, Webb KA, Ora J, et al. Common Mechanisms of Dyspnea in Chronic Interstitial and Obstructive Lung Disorders. Am J Respir Crit Care Med. 2016;193(3):299-309. http://dx.doi.org/10.1164/rccm.201504-0841OC
11. Santana PV, Prina E, Albuquerque AL, Carvalho CR, Caruso P. Identifying decreased diaphragmatic mobility and diaphragm thickening in interstitial lung disease: the utility of ultrasound imaging J Bras Pneumol. 2016;42(2):88-94.
12. He L, Zhang W, Zhang J, Cao L, Gong L, Ma J, et al. Diaphragmatic motion studied by M-mode ultrasonography in combined pulmonary fibrosis and emphysema. Lung. 2014;192(4):553-61. http://dx.doi.org/10.1007/s00408-014-9594-5
13. Elia D, Kelly JL, Martolini D, Renzoni EA, Boutou AK, Chetta A, et al. Respiratory muscle fatigue following exercise in patients with interstitial lung disease. Respiration. 2013;85(3):220-7. http://dx.doi.org/10.1159/000338787
14. Latsi PI, du Bois RM, Nicholson AG, Colby TV, Bisirtzoglou D, Nikolakopoulou A, et al. Fibrotic idiopathic interstitial pneumonia: the prognostic value of longi-tudinal functional trends. Am J Respir Crit Care Med. 2003;168(5):531-7. http://dx.doi.org/10.1164/rccm.200210-1245OC

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia