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ISSN (on-line): 1806-3756

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Mitos populares e características do tratamento da asma em crianças e adolescentes de zona urbana do sul do Brasil

Asthma treatment in children and adolescents in an urban area in southern Brazil: popular myths and features

Cristian Roncada1, Suelen Goecks de Oliveira1, Simone Falcão Cidade1, Joseane Guimarães Rafael1, Beatriz Sebben Ojeda1, Beatriz Regina Lara dos Santos1, Andréia da Silva Gustavo1, Paulo Márcio Pitrez1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562015000000166

ABSTRACT

Objective: To describe the frequency of popular myths about and features of asthma treatment in children and adolescents in an urban area in southern Brazil. Methods: The parents or legal guardians of public school students (8-16 years of age) completed a specific questionnaire regarding their understanding of asthma, asthma control, and treatment characteristics. The sample included parents or legal guardians of students with asthma (n = 127) and healthy controls (n = 124). Results: The study involved 251 parents or legal guardians, of whom 127 (68.5%) were the mothers and 130 (51.8%) were White. The mean age of these participants was 38.47 ± 12.07 years. Of the participants in the asthma and control groups, 37 (29.1%) and 26 (21.0%), respectively, reported being afraid of using asthma medications, whereas 61 (48%) and 56 (45.2%), respectively, believed that using a metered dose inhaler can lead to drug dependence. However, only 17 (13.4%) and 17 (13.7%) of the participants in the asthma and control groups, respectively, reported being afraid of using oral corticosteroids. In the asthma group, 55 students (43.3%) were diagnosed with uncontrolled asthma, only 41 (32.3%) had a prescription or written treatment plan, and 38 (29.9%) used asthma medications regularly. Conclusions: Popular myths about asthma treatment were common in our sample, as were uncontrolled asthma and inappropriate asthma management. Further studies in this field should be conducted in other developing countries, as should evaluations of pediatric asthma treatment programs in public health systems.

Keywords: Asthma/therapy; Asthma/prevention & control; Child health.

RESUMO

Objetivo: Descrever a frequência de mitos populares e as características do tratamento em asma em crianças e adolescentes em uma amostra urbana no sul do Brasil. Métodos: Foi aplicado um questionário específico, contendo perguntas sobre entendimento da doença, controle da asma e características do tratamento a pais/responsáveis de escolares da rede pública (8-16 anos de idade) com diagnóstico de asma (n = 127) e de controles saudáveis (n = 124). Resultados: Participaram do estudo 251 pais/responsáveis, com predomínio de mães como acompanhantes dos escolares (n = 127; 68,5%) e de etnia caucasiana (n = 130; 51,8%), com média de idade de 38,47 ± 12,07 anos. Sobre os mitos, 37 (29,1%) dos participantes do grupo asma e 26 (21,0%) dos do grupo controle relataram possuir receio de utilizar medicamentos para asma, e 61 (48%) e 56 (45,2%), respectivamente, acreditam que os inaladores pressurizados podem levar a dependência ao fármaco. No entanto, apenas 17 (13,4%) dos participantes do grupo asma e 17 (13,7%) dos do grupo controle relataram ter receio de utilizar corticoide oral. A ausência de controle da asma foi detectada em 55 (43,3%) dos escolares no grupo asma, apenas 41 (32,3%) possuíam uma receita ou um plano por escrito de como tratar da asma e 38 (29,9%) fazia uso contínuo de medicamentos para a doença. Conclusões: A presença de mitos populares sobre o tratamento da asma, a falta de controle da doença e seu manejo inadequado mostraram ser elevados nesta amostra. Nossos achados apontam para a necessidade de novos estudos nesse campo em países em desenvolvimento e de uma avaliação dos programas de manejo da asma pediátrica na saúde pública.

Palavras-chave: Asma/terapia; Asma/prevenção & controle; Saúde da criança.

INTRODUÇÃO

A asma é a doença crônica mais comum na infância.(1) Estudos do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) mostraram, nas últimas duas décadas, o impacto e a importância dessa doença infantil no mundo todo, a qual pode acometer de 15-25% de crianças escolares em muitas populações.(2,3) Além disso, apesar de exis-tirem medicamentos eficazes para controlar a doença da grande maioria dos pacientes, estudos mostram que muitas crianças com asma não têm sua doença controlada.(4) O controle da asma deve ser focado em medidas de controle ambiental, uso de medicamentos, apoio psicológico e educação em saúde ao paciente e familiares. No entanto, os pacientes precisam aderir ao tratamento de forma contínua.(1) Assim, um dos grandes desafios clínicos e de saúde pública é manter a criança com asma com sua doença controlada, resultando em melhoria importante da qualidade de vida desses pacientes.

Para manter a doença controlada, a adesão ao tratamento é essencial, independentemente da faixa etária e gravi-dade. Fatores para a não adesão são vários e complexos, tais como condição socioeconômica, relação entre médico e paciente, assim como aspectos culturais, psicológicos e individuais e, ainda, fatores associados ao entendimento sobre o tratamento da doença.(5,6) O paciente deve entender a doença e seu tratamento e ter um plano de ação por escrito para uso em caso de exacerbação da doença. O tratamento ideal é o que mantém o paciente controlado e estável com a menor dose de medicação (corticoide inalatório) possível.(1)

Nas crianças e adolescentes, o manejo da asma encontra-se sob responsabilidade dos pais ou cuidadores. O co-nhecimento dos pais em relação à doença, à identificação dos fatores agravantes, ao controle dos fatores desenca-deantes e ao uso adequado dos medicamentos pode influenciar na adesão ao tratamento e no manejo dos sintomas. A desinformação e, particularmente, os mitos populares podem ser considerados potenciais fatores responsáveis pela não adesão ao tratamento e, consequentemente, pelo aumento da demanda de internações hospitalares e de atendimentos em unidades de emergência, que, por sua vez, resultam em custos elevados para o sistema de saúde e a sociedade (custos diretos e indiretos).(7)

Dentre os vários fatores contribuintes para a deficiência de conhecimento e o apego a mitos populares sobre o tra-tamento da asma estão a falta de programas educacionais efetivos e a capacitação insuficiente dos profissionais de saúde para o tratamento da doença. Dessa forma, é necessário que, do ponto de vista geográfico e cultural, aspectos de entendimento da asma sejam conhecidos (incluindo seus mitos populares) em cada população distinta, para que esses sejam trabalhados em programas de educação com o objetivo de aumentar a adesão ao tratamento e o uso correto das medicações, resultando em um melhor prognóstico da doença e melhor qualidade e expectativa de vi-da.(8)

Assim, ainda que resultados de ensaios clínicos e diretrizes internacionais preconizem que o controle da asma pos-sa ser obtido, existe uma significativa lacuna entre as metas terapêuticas e o grau de controle da doença na "vida real".(1) Para isso, no entanto, é necessário conhecer em cada população, distinta sociogeograficamente, os mitos mais frequentes em relação ao manejo da asma em crianças/adolescentes. (9) Não existem estudos publicados espe-cificamente avaliando a frequência de mitos populares entre pais ou responsáveis de crianças/adolescentes com asma. Esses dados podem ser importantes para desenvolver estratégias que permitam educar e desfazer mitos populares, que podem dificultar o manejo adequado para o controle da asma. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a prevalência de mitos em relação ao entendimento e tratamento da doença em pais de crian-ças/adolescentes com asma, avaliando, ao mesmo tempo, as características dos tratamentos utilizados e o grau de controle da doença, em uma população urbana do sul do Brasil.

MÉTODOS

Este é um estudo transversal, descritivo e analítico, realizado no período entre fevereiro e dezembro de 2013, sen-do avaliados escolares da rede pública de Porto Alegre (RS), com idade entre 8 e 16 anos, com o objetivo principal de avaliar o impacto da asma em crianças/adolescentes em uma cidade no sul do Brasil. As coletas foram segmen-tadas em três fases: fase I: caracterização e prevalência de asma; fase II: fenótipos de asma; e fase III: mitos e verdades sobre o tratamento da doença.

Tanto as escolas quanto os escolares foram selecionados de forma randomizada (aleatória). No total, foram seleci-onadas sete escolas públicas de Porto Alegre, tendo como base para o cálculo amostral os estudos ISAAC,(2,3) pre-vendo um intervalo de confiança de pelo menos 95% e um erro amostral de até 5%. Para compor a fase I, seriam então necessários 2.500 escolares. Já para as fases II e III, o cálculo amostral estaria previsto em 576 escolares (288 com asma e 288 hígidos; 1:1).

O presente artigo aborda a avaliação da questão dos mitos populares no tratamento da asma nessa região do Bra-sil, coletada na Fase III do estudo, com pais de escolares. A caracterização dos grupos estudados (asmáticos e con-troles) deu-se a partir da fase I, com a análise da prevalência da doença, nível socioeconômico e classificação geral dos estudantes e cuidadores (sexo, idade, etnia, nível de escolaridade, nascimento prematuro do escolar, outras doenças crônicas, limitações físicas ou cognitivas, entre outros). Para a classificação econômica foi utilizado o ques-tionário Critério de Classificação Econômica Brasil,(10) dividindo os participantes em cinco categorias (A-E), na qual a classe A refere-se aos nível de classe econômica mais favorecida e a classe E ao grupo de classe econômica menos favorecida. Para a classificação da doença (asma), foram adotadas as perguntas e os critérios do ISAAC,(11) compos-to por quatro perguntas centrais sobre sintomas e diagnóstico médico de asma alguma vez na vida, assim como sintomas e uso de medicamentos para a doença nos últimos 12 meses. Para a classificação da raça/etnia, foram adotadas cinco categorias: caucasiana, negra, parda, indígena ou asiática, em forma de autorrelato (percepção do respondente sobre sua etnia). Como critério de exclusão, os escolares não poderiam apresentar nenhuma outra doença crônica (exceto asma), história de prematuridade ou possuir limitações cognitivas/motoras que pudessem interferir nos desfechos estudados.

Na fase III, o controle da doença foi avaliado por meio das perguntas específicas do Global Initiative for Asthma (GINA).(1) Para avaliação dos mitos e verdades a respeito do tratamento da asma foram aplicados dois questionários aos pais/responsáveis pelos escolares: um questionário clínico contendo perguntas sobre o estado de saúde e a adesão a tratamentos para a asma e um questionário com perguntas específicas sobre mitos e verdades para o tratamento da doença, elaborado pelo grupo de pesquisa e contendo seis perguntas, com respostas do tipo sim/não e pedido de justificativa para as respostas "sim" (Quadro 1). Nessa etapa, as entrevistas foram aplicadas aos respon-sáveis de ambos os grupos (asmáticos e saudáveis), sendo constatado durante a fase II que os pais do grupo contro-le também possuíam contato direto (ele próprio) ou indireto (outro familiar) com pacientes com asma. Nas questões sobre o tratamento, a entrevista foi aplicada apenas aos pais/responsáveis de crianças/adolescentes com asma.
 



O estudo obteve aprovação dos comitês de ética em pesquisa da instituição (no. 73585/12) e da Secretaria Munici-pal da Saúde do município de Porto Alegre (no. 793/12). Além disso, os responsáveis receberam e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Para fins de análise estatística, as variáveis descritivas e categóricas foram apresentadas por frequências absolutas e relativas. As descrições das variáveis contínuas foram apresentadas através de média e desvio-padrão. Para a comparação entre os grupos, os valores foram analisados utilizando o teste do qui-quadrado, com um valor de significância com p < 0,05.

RESULTADOS

A taxa de adesão ao estudo na fase I foi de 86,24% (2.500/2.899), com prevalência de asma estimada em 20,4% (511/2.500). Já para a fase 3 do estudo, do total estimado de 576 escolares, 251 participaram dessa etapa (adesão de 43,58%), sendo 127 do grupo asma e 124 do grupo controle, com média de idade 10,36 ± 2,05 anos, sendo 134 escolares do sexo feminino (53,4%). Em relação aos responsáveis participantes do estudo, 127 (68,5%) foram cons-tituídos pelas mães dos escolares, com média de idade de 38,47 ± 12,07 anos, com predominância socioeconômica para a classe C (181, 72,1%) e etnia caucasiana, em 51,8% (n = 130). Além disso, 51 (20,31%) dos responsáveis relataram que as mães apresentavam diagnóstico de asma. Dessas 51 mães, 41 (32,28%) e 10 (8,00%) eram do grupo asma e controle, respectivamente. Ainda nessa fase, a ausência de controle da asma nos escolares, segundo os critérios GINA, foi estimada em 60 crianças/adolescentes (52,6%). A Figura 1 mostra em detalhe o fluxo de pacientes dentro de cada fase do estudo.
 



Durante a etapa de avaliação de mitos sobre a asma em crianças/adolescentes no entendimento dos pais/responsáveis, a entrevista foi aplicada aos responsáveis de ambos os grupos (asma e controle). Quando esses foram perguntados sobre o medo de utilização de inaladores pressurizados (IP) como forma de tratamento para a doença, 37 (29,1%) e 26 (21,0%) participantes nos grupos asma e controle, respectivamente, relataram possuir medo ou receio de utilizar o medicamento como forma de tratamento. Quando perguntada sua opinião sobre o vício (dependência química) na utilização do IP, 61 (48,0%) e 56 (45,2%), respectivamente, acreditam que o IP pode levar a dependência ao fármaco. Quando questionados sobre o receio na utilização de corticoides orais para o tratamento da asma, apenas 17 (13,4%) e 17 (13,7%) participantes nos grupos asma e controle, respectivamente, relataram possuir medo ou receio na utilização do medicamento como forma de tratamento para a doença. A utilização de nebulizador com regularidade foi relatada por 84 (66,1%) e 63 (50,8%) dos pais/responsáveis dos grupos asma e controle, respectivamente. Por fim, 38 (29,1%) e 51 (41,7%) dos pais/responsáveis dos grupos asma e controle, respectivamente, acreditam que a prática de atividade física é prejudicial à saúde do asmático, não devendo ser prescrita como auxiliar no tratamento da asma. Esses resultados são apresentados na Tabela 1.
 



Na etapa de pesquisa sobre o tratamento da asma, as perguntas foram aplicadas apenas ao grupo asma; 67 (52,8%) dos pais/responsáveis relataram ter acompanhado o escolar à consulta médica ou emergência por causa da asma nos últimos 12 meses, e 9 (23,7%) dos responsáveis relataram ter feito consultas alternativas a "curandeiros ou benzedeiros" durante esse período. Apenas 41 (32,3%) possuíam receitas ou planos por escrito de como tratar da asma, e 38 (29,9%) faziam uso contínuo de medicamentos para a doença. Desses, 28 (72,4%) admitiram esquecer-se de usar o medicamento com regularidade, 37 (97,4%) utilizavam medicamentos fornecidos gratuitamente pela rede pública, e apenas 9 (23,7%) utilizavam espaçador para a aplicação do broncodilatador. Quando questionados sobre o uso de corticoides inalatórios nos últimos 12 meses, 52 (40,9%) fizeram seu uso, enquanto 57 (44,9%) fize-ram uso de corticoides orais. Além disso, 69 (54,3%) fizeram uso de nebulizador. Em relação à prática de atividade física, 17 (13,4%) dos escolares faziam uso de medicamento previamente ao exercício.

Na Figura 2 são demonstrados os resultados da análise da associação dos mitos e verdades para asma com o tra-tamento da doença, sendo as questões aplicadas aos pais e/ou cuidadores do grupo asma. Nas quatro variáveis comparadas, não houve associação nos últimos 12 meses em relação a: medo ou receio do uso de IP vs. uso de IP (29,1% vs. 40,9%; p = 0,782); medo ou receio do uso de corticoide oral vs. uso de corticoides orais (13,4% vs. 44,9%; p = 0,249); considerar o uso de nebulizador melhor que o de IP vs. uso de nebulizador (66,1% vs. 54,3%; p = 0,741); e considerar a atividade física como coadjuvante no tratamento da asma vs. uso de medicamento antes da prática de atividade física (70,1% vs. 13,4%; p = 0,519).
 



Na Tabela 2 são apresentadas as comparações entre mitos, tratamento, acompanhamento médico e crises entre os subgrupos de asma controlada (n = 54) e asma não controlada (n = 60), não sendo evidenciadas diferenças entre os mitos e verdades sobre o tratamento da asma nos últimos 12 meses, com exceção da utilização de IP (30,2% vs. 55,0%, respectivamente; p = 0,008). Nas respostas sobre exacerbações de asma nos últimos 12 meses, o grupo com asma não controlada apresentou maior recorrência nos escores de consulta médica por sintomas (sibilos, dispneia ou tosse) de asma quando comparado ao grupo asma controlada (45,3% vs. 66,7%, respectivamente; p = 0,023), sibilos durante ou após a prática de atividades físicas (41,5% vs. 71,2%, respectivamente; p = 0,002) e sibilos em repouso sem ter praticado atividade física (35,8% vs. 61,7%, respectivamente; p = 0,006).
 



DISCUSSÃO

Nossos resultados demonstraram que, pelo menos em uma capital no sul do Brasil, há um número elevado de pais de crianças/adolescentes com asma que acreditam em mitos populares em relação ao tratamento da asma. Além disso, a maioria admite esquecer-se de fazer o tratamento prescrito. A minoria dos escolares tem receita médica ou plano de tratamento para asma e menos de um terço está utilizando profilaxia; por outro lado, a maioria dos pais/responsáveis não tem receio de fazer uso de corticoide oral. Esses achados, em uma população com elevada prevalência de asma (20,4% das crianças/adolescentes estudados), na qual quase metade delas com asma não controlada, mostram um cenário bastante negativo para a saúde pública, o que exige mudanças de estratégias go-vernamentais nos programas de asma.

O desconhecimento da asma em crianças/adolescentes pelos pais parece ser importante, particularmente em paí-ses em desenvolvimento. Zhang et al.,(12) em estudo realizado no sul do Brasil, mostraram que mais de 90% dos pais de asmáticos apresentam conhecimento insuficiente sobre a doença. Esse é um cenário preocupante em países em desenvolvimento e deve ser mais bem estudado. Um maior número de pais de asmáticos no nosso estudo, quan-do comparado aos pais de crianças/adolescentes saudáveis, acredita que o uso de IP pode fazer mal para a saúde de forma significativa, e quase metade (48%) acredita que "a bombinha vicia" (sem diferença significativa na compa-ração com o grupo controle). Muitos pais/responsáveis de asmáticos têm receio de usar medicação para asma em suas crianças/adolescentes. Em contrapartida, a minoria desses (13%), em ambos os grupos, tem receio em adminis-trar corticoide oral como forma de tratamento para asma de suas crianças/adolescentes, sendo que quase metade do grupo de asmáticos fez uso do medicamento nos últimos 12 meses. Atualmente, nas exacerbações, o corticoide oral tem sido restrito somente a casos de exacerbações mais graves. Seu uso mais frequente parece estar associado a alterações em longo prazo de densidade mineral óssea em crianças/adolescentes.(13) A revisão das diretrizes de GINA de 2014 menciona a segurança dos β2-agonistas de curta duração em adultos e crianças/adolescentes e reco-menda o uso restrito de corticoide oral para episódios agudos mais graves ou complicados, que apresentaram res-posta incompleta ou piora dos sintomas após a utilização de β2-agonistas de curta duração.(1)

Outro achado interessante no nosso estudo é o fato de a grande maioria dos pais de asmáticos se sentirem mais confiantes e atuantes no tratamento da asma com a utilização de nebulizadores. Além disso, muitos relataram sentir maior segurança pelo fato de o tratamento ser mais "natural", não agredindo tanto a saúde das crian-ças/adolescentes como no caso do broncodilatador. Em um estudo de Zhang et al.,(12) o nebulizador mostrou ser a forma de tratamento mais prescrita pelos médicos não especialistas em crianças/adolescentes com asma. Apesar da facilidade técnica do uso, foi mostrado que 80,6% dos pais costumavam cometer erros na realização da nebulização domiciliar, como, por exemplo, a aplicação de nebulização durante o sono e a colocação inadequada da máscara no rosto da criança/adolescente. Há quase duas décadas o nebulizador não é mais a primeira escolha para a adminis-tração de medicamentos inalatórios em asma na criança/adolescentes, independentemente da faixa etária.(14) Assim, o uso de IP com espaçador deve ser incentivado, com contínuo treinamento dos pais e pacientes em relação ao seu uso.

No que diz respeito à prática regular da atividade física, a maioria, e em especial no grupo de asmáticos, considera que a prática regular dessa pode contribuir com o tratamento, melhorando o condicionamento físico e respiratório. Esse é um achado positivo em relação à potencial preocupação que poderia existir dos pais em relação ao risco de asma induzida pelo exercício, pois a atividade física pode auxiliar o desenvolvimento de hábitos saudáveis para o combate ao sedentarismo na asma.(1) Mesmo assim, aproximadamente um terço dos pais de asmáticos acredita que a atividade física pode não ser benéfica para o paciente.

Os resultados sobre o tratamento utilizado pelas crianças/adolescentes com asma no presente estudo não são ani-madores. Como mostrado na Figura 2, somente um terço das crianças/adolescentes com asma faz uso de profilaxia ou tem uma receita médica para um plano de tratamento da doença, quase metade utilizou corticoide oral pelo me-nos uma vez nos últimos 12 meses, e três quartos dos pais admitem esquecer-se de dar a medicação de forma contí-nua para suas crianças/adolescentes. Em relação aos mitos populares, comparando-os com os tratamentos utiliza-dos, não foram encontradas associações significativas. Quando o grupo asma foi estratificado entre asma controlada e asma não controlada, também não evidenciamos diferenças entre os mitos e os tratamentos utilizados, com exce-ção do uso de IP nos últimos 12 meses, demonstrando que crianças/adolescentes com asma não controlada fazem seu uso com maior frequência. Além disso, quando comparadas as variáveis entre consultas médicas por sintomas de asma e sintomas da doença em repouso ou durante a prática de atividades físicas, os valores se mostraram signi-ficativamente maiores para o grupo asma não controlada em comparação ao grupo asma controlada (Tabela 2).

Recentemente, um estudo realizado na Arábia Saudita(15) comparou o nível de conhecimento em asma de pais de crianças com asma com a prevalência de asma controlada e não controlada, sendo evidenciadas diferenças signifi-cativas entre os dois grupos quanto ao uso prolongado de IP, na justificativa que os IPs podem afetar ou prejudicar o coração, devendo ser administrados apenas no período intercrise. Como conclusão, o estudo encontrou uma lacuna substancial nos aspectos avaliados de conhecimento sobre a doença por parte dos pais, sendo que a incompreensão da doença, equívocos sobre inaladores para a asma e o uso de medicação estavam entre os principais fatores identi-ficados. Tais resultados não diferem dos relatos em nossa amostra, pois uma grande parte dos pais/cuidadores tem receio da aderência ao tratamento por IPs como forma preventiva, usando como justificativa o fato de que o medi-camento pode causar problemas no coração e sendo amplamente aplicado na forma de resgate em crian-ças/adolescentes com a asma não controlada (Tabela 2).

Quanto à aquisição dos medicamentos para o tratamento da asma, a maioria de nossa amostra demonstrou adqui-ri-los de forma gratuita. Esse é um dado indireto que mostra que o fornecimento gratuito de medicações pelo gover-no pode não ser suficiente para a manutenção da saúde de uma população. Políticas públicas eficientes de educação, diagnóstico e seguimento de crianças/adolescentes com asma, com um programa estruturado que capacite não só profissionais em saúde mas também os portadores da doença e seus responsáveis, contribuem para desmitificar conceitos inadequados que muito provavelmente prejudicam a adesão ao tratamento, que é essencial para a melho-ria da qualidade de vida dos pacientes.

Uma das limitações do nosso estudo foi a grande perda de pacientes na fase III do estudo: dos 605 escolares da fase anterior, apenas 251 participaram dessa etapa. Tal perda deveu-se ao fato de os escolares realizarem os testes em unidades básicas de saúde, em horário inverso ao de seu período escolar, necessitando da presença dos pais ou responsáveis, o que dificultou a vinda desses pacientes por motivos pessoais ou profissionais dos responsáveis. Esse viés do estudo pode ter selecionado, durante essa fase, pacientes com maior gravidade da doença; entretanto, acre-ditamos que os resultados levantados não prejudicam a validade interna do estudo se entendermos que essa amos-tra poderia ter selecionado crianças/adolescentes com asma mais grave. No entanto, a ausência de dados publicados sobre mitos populares em asma, tão presentes em países em desenvolvimento, justificam a importância da apresen-tação dos nossos resultados, o que pode resultar em novos estudos mais detalhados sobre esse tema com o objetivo de nortear programas públicos de manejo da asma na criança/adolescente.

Concluindo, nosso estudo mostra que os mitos populares em asma são frequentes nas famílias de crian-ças/adolescentes com asma em uma cidade no sul do Brasil. Alguns desses mitos podem impactar no tratamento e na qualidade de vida desses pacientes. Dessa forma, a ausência de associação entre os frequentes mitos populares e o uso de medicamentos específicos encontrada no presente estudo aponta para a necessidade de estudos com amostras maiores. O desenvolvimento continuado de programas educativos com pacientes e com a população em geral pode constituir em uma estratégia para ampliar os conhecimentos sobre a asma na infância e a melhoria do controle dessa doença na saúde pública em muitos países.

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