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Ensaio Pictórico

A etiologia do pneumotórax espontâneo primário

Etiology of primary spontaneous pneumothorax

Roberto de Menezes Lyra1,2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562015000000230

ABSTRACT

With the advent of HRCT, primary spontaneous pneumothorax has come to be better understood and managed, because its etiology can now be identified in most cases. Primary spontaneous pneumothorax is mainly caused by the rupture of a small subpleural emphysematous vesicle (designated a bleb) or of a subpleural paraseptal emphysematous lesion (designated a bulla). The aim of this pictorial essay was to improve the understanding of primary spontaneous pneumothorax and to propose a description of the major anatomical lesions found during surgery.

Keywords: Pneumothorax; Pulmonary emphysema; Tomography, X-ray computed.

RESUMO

Com o advento da TCAR, o pneumotórax espontâneo primário passou a ser mais bem entendido e conduzido, pois sua etiologia pode ser atualmente identificada na maioria dos casos. O pneumotórax espontâneo primário tem como principal causa a rotura de uma pequena vesícula enfisematosa subpleural, denominada bleb ou de uma lesão enfisematosa parasseptal subpleural, denominada bulla. O objetivo deste ensaio pictórico foi melhorar o entendimento do pneumotórax espontâneo primário e propor uma descrição das principais lesões anatômicas encontradas durante a cirurgia.

Palavras-chave: Pneumotórax; Enfisema pulmonar; Tomografia computadorizada por raios X.

INTRODUÇÃO

Quando o paciente tem pneumotórax espontâneo primário, geralmente sua quantificação e diagnóstico radiológico são realizados no atendimento do PS por meio de radiografia simples do tórax.(1,2) Porém, nem sempre é tarefa fácil a visualização das bolhas enfisematosas em radiografias simples de tórax. Essas são encontradas em aproximada-mente 15% dos casos e têm localização preferencial nos contornos apicais dos lobos pulmonares.(3)

Atualmente, a TCAR apresenta maior sensibilidade diagnóstica, permitindo então diagnosticar as lesões enfisema-tosas apicais presentes em cerca de 80% dos casos de pneumotórax espontâneo primário,(4,5) enquanto a prevalên-cia de enfisema parasseptal na população é de apenas 3%.(6)

PATOGENIA

A patogenia do pneumotórax espontâneo primário pode ser mais bem compreendida pelo entendimento das lesões enfisematosas do pulmão.

A descrição da lesão anatômica denominada bleb foi introduzida na literatura por Miller em 1947, distinguindo-a anatomicamente do enfisema bolhoso (bolhas enfisematosas subpleurais) denominado de bulla (bullae é o plural).(7)

Posteriormente, em 1967, Reid classificou o enfisema bolhoso, que origina as bolhas enfisematosas subpleurais (bullae), em três tipos: tipo I, pequena quantidade de tecido pulmonar hiperinsuflado com base estreita (pediculada) e sem parênquima pulmonar no interior; tipo II, hiperinsuflação relativamente menor com base larga (séssil), usu-almente com pulmão evanescente no interior; e tipo III, hiperinsuflação de uma grande porção do pulmão estenden-do-se até o hilo pulmonar, sem borda definida e com parênquima evanescente em toda bolha.(8)

O uso da TC de tórax ajudou sobremaneira na descrição da patologia pulmonar.(9)

Para melhor descrever essas lesões enfisematosas pulmonares faz-se necessário um glossário de termos para imagens torácicas.

Bleb

A tradução da palavra bleb, em português, é de vesícula enfisematosa subpleural. Essa tem origem na rotura alve-olar, na qual o ar segue através do septo interlobular que divide os lóbulos pulmonares secundários até a região subpleural, descolando-a e formando uma vesícula enfisematosa subpleural ou bleb. Geralmente, o descolamento provocado pelo enfisema intersticial subpleural é de pequeno tamanho, podendo atingir até 1-2 cm de diâmetro, diferentemente da bulla, que se trata de lesão enfisematosa pulmonar acinar distal ou parasseptal (Figura 1).
 



Na TC de tórax, a vesícula enfisematosa subpleural (bleb) aparece como um espaço de ar cístico de parede fina contíguo com a pleura. Porém, a utilização do termo bleb é desencorajada por radiologistas devido à distinção arbi-trária e de pouca importância clínica entre o que é uma bolha ou uma bleb.

ENFISEMA PULMONAR

O enfisema pulmonar é caracterizado pelo aumento irreversível dos espaços aéreos, distalmente ao bronquíolo terminal, com destruição das paredes alveolares.

O enfisema apresenta-se na TC como áreas focais ou regiões de baixa atenuação, usualmente sem paredes visí-veis. No caso de enfisema panacinar, há diminuição da atenuação de forma mais difusa. Este é geralmente classifi-cado de acordo com a porção do ácino que está predominantemente afetada, e didaticamente dividido em enfisema centroacinar (centrolobular), enfisema panacinar (panlobular), enfisema acinar distal (parasseptal) e enfisema irre-gular associado a fibrose.

Enfisema centroacinar ou centrolobular

Quando o enfisema é proximal, denomina-se centroacinar ou centrolobular; porém, é mais comumente denomina-do simplesmente enfisema.

O enfisema centrolobular caracteriza-se pela destruição das paredes centrolobulares dos alvéolos e pelo alarga-mento dos bronquíolos e alvéolos respiratórios associados. Essa é a forma mais comum de enfisema em fumantes de cigarro.

Nesses casos, o pneumotórax espontâneo costuma ter maior gravidade, pois está associado a uma doença pulmonar subjacente, sendo denominado pneumotórax espontâneo secundário, que poderá desencadear um grave quadro de insuficiência respiratória.

Os achados na TC são de áreas de enfisema centrolobulares que têm diminuição da atenuação, usualmente sem paredes visíveis, de distribuição não uniforme e predominantemente localizadas nos ápices dos pulmões.

Enfisema panacinar ou panlobular

Quando acomete todo o ácino, denomina-se panacinar ou, menos comumente, enfisema panlobular.

Enfisema acinar distal ou parasseptal

Quando o enfisema localiza-se distalmente, principalmente nos contornos dos lobos pulmonares, é denominado enfisema acinar distal ou parasseptal. Essa é a apresentação que mais se relaciona ao pneumotórax espontâneo primário.

Esse enfisema de comprometimento distal é multiforme e também pode acometer várias porções dos lobos pulmo-nares, ocorrendo preferencialmente nos ápices dos lobos. Suas principais apresentações/subtipos são descritos abaixo.

Bulla/bullae

A bolha (bolha enfisematosa subpleural) trata-se de uma lesão enfisematosa (espaço aéreo) medindo mais de 1 cm até, geralmente, vários centímetros de diâmetro, bem delimitada por uma parede fina com espessura menor que 1 mm.

Na TC, a bolha aparece como uma transparência arredondada em área focal com diminuição da atenuação, delimi-tada por uma parede fina, sendo mais frequente nos ápices dos lobos pulmonares (Figura 2).
 



Enfisema bolhoso

Usualmente, podem ocorrer várias bolhas coalescentes denotando o enfisema bolhoso. A destruição bolhosa do parênquima pulmonar frequentemente está associada a outros sinais adjacentes de enfisema pulmonar do tipo enfi-sema centrolobular ou paraseptal.

Enfisema irregular associado a fibrose

A ausência de "fibrose óbvia" na classificação do enfisema pulmonar foi historicamente considerada como um crité-rio adicional, mas a validade desse critério foi questionada porque algum grau de fibrose intersticial pode estar presente no enfisema secundário ao tabagismo.

FISIOPATOGENIA

A distensão da bolha de enfisema promove um extremo adelgaçamento na sua estrutura (Figura 3).
 



A ausência de células mesoteliais pleurais na sua histologia foi demonstrada através da microscopia eletrônica de varredura. Essa ocorre, principalmente, na fina superfície externa das bolhas do tipo I e em algumas áreas na super-fície nas bolhas do tipo II.(10) Assim, atribui-se que a distensão da bolha enfisematosa ocorra devido à menor tensão superficial de sua parede, o que pode ser explicado pela lei de Laplace.(11) Além disso, existem evidências da etiolo-gia congênita; entretanto, a patogênese das bolhas enfisematosas subpleurais permanece discutível.(12)

ANATOMIA

As bolhas enfisematosas subpleurais são encontradas em aproximadamente 85% dos casos de pneumotórax es-pontâneo primário quando submetidos à cirurgia (Figura 4).(13,14) Entretanto, ainda não existe consenso na literatura sobre a classificação anatômica das lesões enfisematosas subpleurais quanto ao aspecto cirúrgico. Durante a explo-ração cirúrgica, os achados mais frequentes são assim elencados e descritos:

Pulmão com a aparência normal
Pulmão com complexo cicatricial apical, no qual o pneumotórax espontâneo primário pode ter origem em pequena fístula bronquioloalveolar, circundada por tecido fibrótico, com aproximadamente 1 mm de diâmetro
Pequena vesícula enfisematosa subpleural (bleb) única ou múltipla e menor que 2 cm de diâmetro
Bolha(s) enfisematosa subpleural única ou múltiplas (aglomeradas em forma de cacho) e maior que 2 cm de diâ-metro, localizadas em um único segmento pulmonar
Bolha gigante(15)
Bolha enfisematosa subpleural de múltipla localização no mesmo lobo ou em lobos diversos
Bolha enfisematosa subpleural de múltipla localização e bilateral
Enfisema lobar
Pneumotórax recidivante, que pode apresentar aderências pleuropulmonares membranosas multiformes e multis-septadas, localmente na região das bolhas enfisematosas subpleurais
Pneumotórax crônico membranoso multiloculado que pode comprometer grande parte da cavidade pleural
Hemopneumotórax espontâneo relacionado à rotura de aderências vascularizadas pleuropulmonares em forma de corda durante o colapso pulmonar (Figura 3)(16)
 



CIRURGIA

O emprego da TC no pré-operatório permite identificar as bolhas enfisematosas (Figura 5). Atualmente, a grande maioria das bolhas enfisematosas subpleurais é visualizada e ressecada por cirurgia torácica videoassistida com o uso de grampeador cirúrgico. A linha de grampeamento dever ser preferencialmente posicionada em parênquima sadio, ou seja, em área sem enfisema bolhoso (Figura 6). Deste modo, minimiza-se a possibilidade de fuga aérea no pós-operatório imediato. Porém, no pós-operatório tardio, já está demonstrada a possibilidade de neoformação de lesões enfisematosas na linha do grampeamento no seguimento tomográfico tardio em 37,1% dos casos, e isto é sugerido como sendo um dos fatores para a recorrência do pneumotórax espontâneo primário.(17,18)
 

 




REFERÊNCIAS

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2. Bobbio A, Dechartres A, Bouam S, Damotte D, Rabbat A, Régnard JF, et al. Epidemiology of spontaneous pneumothorax: gender-related differences. Thorax. 2015;70(7):653-8. http://dx.doi.org/10.1136/thoraxjnl-2014-206577
3. Silva CI, Marchiori E, Souza Júnior AS, Müller NL; Comissão de Imagem da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Illustrated Brazilian consensus of terms and fundamental patterns in chest CT scans. J Bras Pneumol. 2010;36(1):99-123. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132010000100016
4. Lesur O, Delorme N, Fromaget JM, Bernadac P, Polu JM. Computed tomography in the etiologic assessment of idiopathic spontaneous pneumothorax. Chest. 1990;98(2):341-7. http://dx.doi.org/10.1378/chest.98.2.341
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7. Miller WS. The Pleura. In: Miller WS, editor. The Lung. 2nd ed. Springfield, IL: Charles C. Thomas; 1947. p.145-58.
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