Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
5833
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Comunicação Breve

Relação da tuberculose com multimorbidade e redes sociais

Association of tuberculosis with multimorbidity and social networks

Hiram Valenzuela-Jiménez1, Edgar Fabian Manrique-Hernández2, Alvaro Javier Idrovo2

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562016000000075

ABSTRACT

The combination of tuberculosis with other diseases can affect tuberculosis treatment within populations. In the present study, social network analysis of data retrieved from the Mexican National Epidemiological Surveillance System was used in order to explore associations between the number of contacts and multimorbidity. The node degree was calculated for each individual with tuberculosis and included information from 242 contacts without tuberculosis. Multimorbidity was identified in 49.89% of individuals. The node degrees were highest for individuals with tuberculosis + HIV infection (p < 0.04) and lowest for those with tuberculosis + pulmonary edema (p < 0.07). Social network analysis should be used as a standard method for monitoring tuberculosis and tuberculosis-related syndemics.

Keywords: Tuberculosis/epidemiology; HIV; Nutrition, public health.

RESUMO

A combinação de tuberculose e outras doenças pode afetar o tratamento da tuberculose nas populações. No presente estudo, a análise de redes sociais de dados extraídos do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica do México foi usada para explorar as relações entre o número de contatos e a multimorbidade. O grau do nó foi calculado para cada indivíduo com tuberculose e incluiu informações a respeito de 242 contatos sem tuberculose. A multimorbidade foi identificada em 49,89% dos indivíduos. Os maiores graus dos nós foram os referentes a indivíduos com tuberculose + infecção pelo HIV (p < 0,04), e os menores foram os referentes a indivíduos com tuberculose + edema pulmonar (p < 0,07). A análise de redes sociais deve ser usada como método-padrão para monitorar a tuberculose e a sindemia relacionada com a tuberculose.

Palavras-chave: Tuberculose/epidemiologia; HIV; Nutrição em saúde pública.

A tuberculose é a segunda principal causa de morte por doença infecciosa em todo o mundo e ocorre principalmente em países em desenvolvimento.(1) No México, as maiores taxas de morbidade e mortalidade por tuberculose ocorrem em apenas 0,95% do total de municípios, um dos quais é Hermosillo, a capital do estado de Sonora, no noroeste do México, perto da fronteira entre os Estados Unidos e o México. A análise espacial revelou agrupamentos (clusters) de casos de tuberculose lá, em áreas de grande privação social.(2) Outros fatores de risco de tuberculose são pertencer a uma minoria étnica, consumir drogas ou álcool, ter estado na prisão, ser um mendigo, ser HIV positivo, ser do sexo masculino e ser jovem.(3) A migração transnacional e a dinâmica populacional complexa de áreas fronteiriças, tais como a cidade de Hermosillo, também foram consideradas particularmente importantes, pois podem contribuir para a resistência aos medicamentos.(4)

Embora as relações entre certos determinantes sociais e a ocorrência da tuberculose tenham sido exploradas,(5) as relações entre indivíduos foram menos estudadas. Embora um estudo recente tenha explorado grupos sociais (redes sociais) em indivíduos com tuberculose,(6) não foram usados métodos de análise de redes sociais (ARS). Esse tipo de análise é importante porque explora uma nova dimensão de variáveis que vai além da abordagem epidemiológica tradicional baseada no estudo das diferenças entre pessoas, momentos e lugares. A ARS é a abordagem quantitativa padrão do estudo das relações entre nós, como no caso de indivíduos com tuberculose. Por exemplo, essa metodologia já foi usada para estudar como a tuberculose é transmitida durante períodos endêmicos e epidêmicos,(7-12) possibilitando a identificação dos indivíduos e características que facilitam a transmissão.

A tuberculose já foi relacionada com desnutrição, diabetes, tabagismo, alcoolismo, doença pulmonar crônica e infecção pelo HIV.(13,14) A combinação de tuberculose e outras doenças, atualmente denominada "multimorbidade",(15) é importante porque pode complicar o tratamento clínico e aumentar os custos, entre outros motivos.(14) Como ARS anteriores de indivíduos com tuberculose não abordaram o tema da multimorbidade, o objetivo do presente estudo foi explorar possíveis relações entre o número de contatos e a multimorbidade.

Dados de vigilância epidemiológica referentes à cidade de Hermosillo foram analisados por meio da Plataforma Integrada de Informação do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica do México (módulo de tuberculose). Dados gerais a respeito de pacientes registrados no Departamento Médico do Estado de Sonora foram extraídos do sistema supracitado durante um período de cinco meses. Além disso, foram colhidos dados relatados a respeito de contatos e comorbidades em todos os pacientes internados para a realização de exames médicos.

Algumas das características dos participantes do estudo foram descritas por medidas de tendência central e dispersão. Foi então construída uma tabela da verdade para descrever as diferentes apresentações de multimorbidade nos indivíduos com tuberculose. Com esses dados, foram construídas redes sociais egocêntricas de primeira ordem de indivíduos com tuberculose; para essas redes, uma matriz simétrica foi gerada e, em seguida, convertida em gráficos por meio do programa NetDraw, versão 2.111.(16) O grau de cada nó da rede foi então calculado por meio do programa UCINET, versão 6.232.(17) O grau de um nó é uma medida de centralidade que corresponde ao número de arestas conectadas a determinado nó (isto é, seu número de contatos diretos).(18) Finalmente, o teste U de Mann-Whitney foi usado para comparar os grupos de indivíduos com e sem cada um dos diagnósticos secundários; para isso, foi usado o programa Stata, versão 13 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA).

Dos indivíduos com tuberculose (n = 90), a maioria (76,67%) era do sexo masculino, ao passo que, dos que não tinham tuberculose (n = 242), cerca de metade (50,40%) era do sexo feminino (p < 0,001). A idade dos indivíduos com tuberculose variou amplamente (de 3 a 79 anos); a mediana da idade foi de 30,5 anos. A Tabela 1 mostra a distribuição de multimorbidade entre os indivíduos com tuberculose, 49,89% dos quais tinham tuberculose e outra doença. As comorbidades (e combinações de comorbidades) mais comuns foram diabetes, desnutrição, infecção pelo HIV, desnutrição + alcoolismo e insuficiência cardíaca + edema pulmonar, que juntas corresponderam a cerca de três quintos de todas as comorbidades.
 



A Figura 1 mostra todas as redes sociais egocêntricas de primeira ordem de indivíduos com tuberculose na cidade de Hermosillo. A baixa densidade da rede é notável, assim como o é a variação de graus dos nós (de 0 a 9). A comparação dos graus dos nós referentes a todos os tipos de multimorbidade (ou à ausência de multimorbidade) revelou diferenças significativas apenas entre o grau do nó referente a tuberculose + infecção pelo HIV e o grau do nó referente a tuberculose + edema pulmonar. O grau do nó referente a tuberculose + infecção pelo HIV foi maior do que os graus dos nós referentes a tuberculose + qualquer outra doença, ao passo que o grau do nó referente a tuberculose + edema pulmonar foi menor do que o grau do nó referente a tuberculose sem edema pulmonar.
 



Até onde sabemos, este estudo apresenta os primeiros resultados de ARS de indivíduos com tuberculose apenas ou com tuberculose e outras doenças no México. A comorbidade foi comum, e as comorbidades mais comuns foram desnutrição, alcoolismo, infecção pelo HIV e diabetes, achados que estão de acordo com a literatura.(14) Além disso, os indivíduos com tuberculose + infecção pelo HIV tenderam a ter mais contatos do que aqueles com tuberculose + qualquer outra doença, ao passo que o oposto foi verdadeiro para aqueles com tuberculose + edema pulmonar. Com base em nossos dados, é possível que isso esteja relacionado com a idade dos indivíduos com tuberculose; aqueles com tuberculose + infecção pelo HIV tenderam a ser mais jovens, ao passo que aqueles com tuberculose + edema pulmonar tenderam a ser mais velhos. Outra explicação possível é que os indivíduos com tuberculose + infecção pelo HIV podem facilmente viver na comunidade durante o tratamento, ao passo que aqueles com tuberculose + edema pulmonar geralmente necessitam de tratamento hospitalar e, portanto, tornam-se isolados de suas redes sociais.

Algumas das limitações mais importantes do presente estudo estão relacionadas com problemas inerentes ao modo como os dados são compilados no Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica do México e aos protocolos do sistema. O sistema baseia-se na Norma Oficial Mexicana NOM-017-SSA2-1994 e inclui relativamente poucas variáveis. Além disso, a rede completa não estava disponível; apenas redes imediatas (isto é, de grau 1) estavam disponíveis. Como se tratou de um estudo transversal, não foi possível estabelecer a temporalidade entre a rede de contatos e a infecção. Isso é importante porque diferenças no número de contatos podem refletir eventos que ocorreram antes ou depois do diagnóstico de tuberculose ou de algumas das doenças concomitantes.

Este é um estudo pioneiro de multimorbidade e das redes sociais de indivíduos com tuberculose. Ao incorporar a importância das diferentes posições e papéis dos indivíduos em suas relações sociais, é possível começar a ir além da visão de variáveis do tipo pessoa-tempo-lugar como previdentes de doença. Isso significa que a análise começa a deixar de ser uma análise de comorbidade para se tornar uma análise de sindemia. Esse termo, cunhado por Merill Singer e Scott Clair,(19) possibilita a descrição da coocorrência de doenças e seu reforço mútuo em epidemias ou agrupamentos. Também contribui para a compreensão de sua presença em termos das consequências das desigualdades e injustiças sociais. (20) Esse tipo de abordagem tem sido recomendado para complementar os métodos convencionais usados em investigações de contatos,(11) e os sistemas de vigilância devem, portanto, incorporar ferramentas de redes sociais como um primeiro passo em direção à exploração de determinantes não biológicos.

REFERÊNCIAS

1. Falzon D, Mirzayev F, Wares F, Baena IG, Zignol M, Linh N, et al. Multidrug-resistant tuberculosis around the world: what progress has been made? Eur Respir J. 2015;45(1):150-60. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00101814
2. Alvarez-Hernández G, Lara-Valencia F, Reyes-Castro PA, Rascón-Pacheco RA. An analysis of spatial and socio-economic determinants of tuberculosis in Hermosillo, Mexico, 2000-2006. Int J Tuberc Lung Dis. 2010;14(6):708-13.
3. Nava-Aguilera E, Andersson N, Harris E, Mitchell S, Hamel C, Shea B, et al. Risk factors associated with recent transmission of tuberculosis: systematic review and meta-analysis. Int J Tuberc Lung Dis. 2009;13(1):17-26.
4. Fitchett JR, Vallecillo AJ, Espitia C. Tuberculosis transmission across the United States-Mexico border. Rev Panam Salud Publica. 2011;29(1):57-60. http://dx.doi.org/10.1590/S1020-49892011000100009
5. Marais BJ, Hesseling AC, Cotton MF. Poverty and tuberculosis: is it truly a simple inverse linear correlation? Eur Resp J. 2009;33(4):943-44. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00173608
6. Peñuelas-Urquides K, Martínez-Rodríguez HG, Enciso-Moreno JA, Molina-Salinas GM, Silva-Ramírez B, Padilla-Rivas GR, et al. Correlations between major risk factors and closely related Mycobacterium tuberculosis isolates grouped by three current genotyping procedures: a population-based study in northeast Mexico. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2014;109(6):814-819. http://dx.doi.org/10.1590/0074-0276130550
7. McElroy PD, Rothenberg RB, Varghese R, Woodruff R, Minns GO, Muth SQ, et al. A network-informed approach to investigating a tuberculosis outbreak: implications for enhancing contact investigations. Int J Tuberc Lung Dis. 2003;7(12 Suppl 3):S486-93.
8. Cook VJ, Sun SJ, Tapia J, Muth SQ, Arguello DF, Lewis BL, et al. Transmission network analysis in tuberculosis contact investigations. J Infect Dis. 2007;196(10):1517-27. http://dx.doi.org/10.1086/523109
9. Gardy JL, Johnston JC, Ho Sui SJ, Cook VJ, Shah L, Brodkin E, et al. Whole-genome sequencing and social-network analysis of a tuberculosis outbreak. N Engl J Med. 2011;364(8):730-9. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa1003176
10. Cook VJ, Shah L, Gardy J, Bourgeois AC. Recommendations on modern contact investigation methods for enhancing tuberculosis control. Int J Tuberc Lung Dis. 2012;16(3):297-305. http://dx.doi.org/10.5588/ijtld.11.0350
11. Cook VJ, Shah L, Gardy J. Modern contact investigation methods for enhancing tuberculosis control in aboriginal communities. Int J Circumpolar Health. 2012;71:18643. http://dx.doi.org/10.3402/ijch.v71i0.18643
12. Kawatsu L, Izumi K, Uchimura K, Urakawa M, Ohkado A, Takahashi I. Can social network analysis assist in the prioritisation of contacts in a tuberculosis contact investigation? Int J Tuberc Lung Dis. 2015;19(11):1293-9. http://dx.doi.org/10.5588/ijtld.15.0378
13. Bates M, Marais BJ, Zumla A. Tuberculosis Comorbidity with Communicable and Noncommunicable Diseases. Cold Spring Harb Perspect Med. 2015;5(11). pii: a017889. http://dx.doi.org/10.1101/cshperspect.a017889
14. Marais BJ, Lönnroth K, Lawn SD, Migliori GB, Mwaba P, Glaziou P, et al. Tuberculosis comorbidity with communicable and non-communicable diseases: integrating health services and control efforts. Lancet Infect Dis. 2013;13(5):436-48. http://dx.doi.org/10.1016/S1473-3099(13)70015-X
15. Fernández-Niño JA, Bustos-Vázquez E. Multimorbidity: conceptual basis, epidemiological models and measurement challenges. Biomedica. 2016;36(2):188-203.
16. Borgatti SP. NetDraw: Graph visualization software. Harvard, MA: Harvard Analytic Technologies; 2002.
17. Borgatti SP, Everett MG, Freeman LC. Ucinet for Windows: Software for social network analysis. Harvard, MA: Harvard Analytic Technologies; 2002.
18. Freeman LC. Centrality in social networks conceptual clarification. Social Networks. 1978-9;1(3):215-39.
19. Singer M, Clair S. Syndemics and public health: reconceptualizing disease in bio-social context. Med Anthropol Q. 2003;17(4):423-41. http://dx.doi.org/10.1525/maq.2003.17.4.423
Littleton J, Park J. Tuberculosis and syndemics: Implications for Pacific health in New Zealand. Soc Sci Med. 2009;69(11):1674-80. http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.2009.08.042

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia