A ventilação não invasiva (VNI) é uma importante medida de suporte em diferentes condições de insuficiência respira-tória aguda. Em algumas delas, como na exacerbação da DPOC e no edema agudo cardiogênico de pulmão, seu emprego está associado à redução de mortalidade e de necessidade de intubação, sendo então recomendado.(1) Em outras, como na asma, na pneumonia e na prevenção de falência de desmame, ela associa-se à melhora de parâmetros clínicos e funcionais, podendo ser empregada conforme o julgamento clínico.(2)
Apesar de toda sua importância no tratamento da insuficiência respiratória aguda, a VNI tem taxas de falha que podem ser consideradas altas, variando de 5% a 40%.(3) Além disso, entre os pacientes que falham na VNI, a mortalidade tende a ser mais elevada do que a apresentada por aqueles que são intubados diretamente, sem passar pelo suporte ventilató-rio não invasivo.(4) Por essas razões, reconhecer os fatores associados a um maior risco de falha na VNI é de fundamen-tal importância.
Entre as causas de falência da VNI, destacam-se os problemas com os ajustes da interface, entre eles, a presença de vazamentos.(3) Muitas vezes, na tentativa de reduzir o vazamento, o ajuste da interface é feito de forma incorreta, deter-minando altas pressões sobre a pele subjacente, o que pode culminar com o surgimento de úlceras de pressão, sobretudo sobre o dorso do nariz, área menos vascularizada e com pouca espessura de tecido entre a pele e o osso.(5)
No presente número do JBP, Pontes et al.(6) publicaram os resultados de um estudo clínico no qual empregaram uma nova tecnologia, a termometria cutânea ou termografia por imagem infravermelha, para avaliar o comportamento da pele em contato com a máscara para a oferta de VNI. Os autores avaliaram esse comportamento em duas regiões, o dorso do nariz e a superfície de contato oronasal, e em duas condições de VNI, continuous positive airway pressure (CPAP, pres-são positiva contínua das vias aéreas) ou bilevel positive airway pressure (BiPAP, pressão positiva das vias aéreas em dois níveis). Para tanto, 20 indivíduos saudáveis, sem doença dermatológica, doença neurológica, diabetes, distúrbios de nutrição e desidratação; que não fizessem uso de cremes ou de substâncias químicas na face; que não estivessem em uso de corticoides, anti-inflamatórios ou anti-histamínicos; que não estivessem com febre; e que não tivessem exposição solar intensa nos últimos 30 min antes do teste foram randomizados a receberem CPAP ou BiPAP por 60 min. A CPAP foi ajustada no nível de 10 cmH2O e a BiPAP com pressão expiratória de 5 cmH2O e pressão inspiratória de 20 cmH2O (varia-ção de 15 cmH2O). Ambos os modos foram ofertados através de máscara oronasal. Basicamente, os autores fizeram as seguintes análises: ocorrência de efeitos adversos com base em um questionário, os quais foram categorizados em lesão de pele, dor e outros; registro da temperatura da pele a partir da interpretação de imagens termográficas; e correlação entre as temperaturas verificadas e a ocorrência de eventos adversos.
Em relação aos efeitos adversos, os autores os encontraram em maior intensidade nos pacientes recebendo a modali-dade BiPAP. É provável que o emprego de maiores pressões nesse grupo tenha contribuído para esse achado, visto que o ajuste das pressões era pré-determinado, não levando em conta o conforto do paciente; além disso, aqueles randomiza-dos para a modalidade BiPAP receberam níveis mais elevados de pressões (pressão inspiratória de vias aéreas de 20 cmH2O). Um grupo de autores, em um artigo publicado em 2009, demonstrou que o emprego de níveis mais elevados de pressão inspiratória associa-se à ocorrência de efeitos colaterais relacionados com a interface, achado também confirma-do por outros autores.(7,8)
A grande contribuição do estudo de Pontes et al.(6) foi avaliar o comportamento da temperatura da pele em contato com a interface, com o objetivo de tentar entender o impacto dos ajustes da VNI sobre a microcirculação nessa área, mesmo que de uma forma indireta, por termografia por imagem infravermelha. O primeiro achado interessante encontrado foi a redução da temperatura nas áreas de contato com a interface, tanto no dorso do nariz, quanto no contato oronasal. Como a temperatura no dorso do nariz já era inicialmente mais baixa, sua redução com a aplicação da VNI foi menor. Esse achado, já esperado, sugere uma redução do fluxo sanguíneo, provavelmente em função da pressão exercida pela más-cara. Entretanto, não se pode descartar a possibilidade de o fluxo de ar fornecido pela VNI ter contribuído para o resfria-mento da pele. Um dado que fala contra a relevância dessa contribuição, reforçando a isquemia como causa provável do resfriamento, é que os autores encontraram menor redução da temperatura com CPAP do que com BiPAP. Como o fluxo de ar ofertado com BiPAP tende a ser maior do que com CPAP, sobretudo com as pressões elevadas empregadas no estudo de Pontes et al.(6), se sua contribuição para resfriamento da pele fosse importante, esperar-se-ia um maior impac-to no grupo BiPAP, e não no CPAP, como ocorrido.
O segundo achado interessante em relação à temperatura foi o seu comportamento após a retirada da máscara. Na área de contato oronasal, a temperatura elevou-se após 5 min e assim se manteve durante o seguimento de 30 min, mostrando o aquecimento da região, provavelmente em função da restauração de níveis adequados de perfusão, ou até mesmo um aumento da mesma, por hiperemia reativa ao fenômeno isquêmico prévio. Esse padrão de resposta, a princí-pio esperado nessas situações, não se repetiu no dorso do nariz, onde a temperatura manteve-se baixa ao longo dos 30 min de monitorização após a suspensão da VNI. Esse achado sugere uma menor eficiência da perfusão da pele sobre o dorso do nariz, sobretudo quando exposta a uma pressão que pode causar isquemia, e explica a maior predisposição dessa área ao desenvolvimento de úlceras de pressão durante a VNI, sendo, a meu ver, a grande contribuição do estudo.
Algumas limitações foram comentadas pelos próprios autores, como o número pequeno de pacientes avaliados, sobre-tudo considerando-se o fato de que a resposta entre eles não foi uniforme. Outra limitação seria a possibilidade de inter-ferência da temperatura do ar fornecido sobre a termografia. Nesse caso, o emprego de umidificação aquecida e a avali-ação de áreas que receberam o ar, mas não a pressão da máscara, poderiam ajudar a entender essa participação. Por fim, algumas características do estudo limitam sua aplicabilidade clínica: o tempo de VNI foi curto para avaliar o tipo de complicação estudada; foram avaliados pacientes saudáveis (embora, neste caso, seja possível que, em situações de doença, a resposta da microcirculação seja ainda pior). Essas limitações, entretanto, não reduzem a relevância do estudo, em função de seu pioneirismo em lançar mão de uma tecnologia nova e não invasiva para monitorizar um efeito colateral relevante da VNI.
REFERÊNCIAS
1. Barbas CS, Isola AM, Farias AM, Cavalcanti AB, Gama AM, Duarte AC, et al. Brazilian recommendations of mechanical ventilation 2013. Part I. Rev Bras Ter Intensiva. 2014; 26(2):89-121. https://doi.org/10.5935/0103-507X.20140017
2. Cabrini L, Landoni G, Oriani A, Plumari VP, Nobile L, Greco M, et al. Noninvasive ventilation and survival in acute care settings: a comprehensive systematic review and metaanalysis of randomized controlled trials. Crit Care Med. 2015; 43(4):880-8. https://doi.org/10.1097/CCM.0000000000000819
3. Hess DR. Noninvasive ventilation for acute respiratory failure. Respir Care. 2013; 58(6):950-72. https://doi.org/10.4187/respcare.02319
4. Stefan MS, Nathanson BH, Higgins TL, Steingrub JS, Lagu T, Rothberg MB, et al. Comparative effectiveness of noninvasive and invasive ventilation in critically ill patients with acute exacerbation of chronic obstructive pulmonary disease. Crit Care Med. 2015;43(7):1386-94. https://doi.org/10.1097/CCM.0000000000000945
5. Nava S, Navalesi P, Gregoretti C. Interfaces and humidification for noninvasive mechanical ventilation. Respir Care. 2009;54(1):71-84.
6. Pontes SM, Melo LH, Maia NP, Nogueira AN, Vasconcelos TB, Pereira ED, et al. Influence that the ventilatory mode has on acute adverse effects and facial thermography after noninvasive ventilation. J Bras Pneumol. 2017;43(2):87-94.
7. Holanda MA, Reis RC, Winkeler GF, Fortaleza SC, Lima JW, Pereira ED. Influence of total face, facial and nasal masks on short-term adverse effects during noninvasive ventilation. J Bras Pneumol. 2009;35(2):164-73. https://doi.org/10.1590/S1806-37132009000200010
Hess DR. Patient-ventilator interaction during noninvasive ventilation. Respir Care. 2011;56(2):153-65; discussion 165-7. https://doi.org/10.4187/respcare.01049