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Monitorização portátil no diagnóstico da apneia obstrutiva do sono: situação atual, vantagens e limitações

Portable monitoring devices in the diagnosis of obstructive sleep apnea: current status, advantages, and limitations

Jéssica Fábia Polese, Rogério Santos-Silva, Rafael Freire Kobayashi, Indira Nunes de Paula Pinto, Sérgio Tufik, Lia Rita Azeredo Bittencourt

ABSTRACT

Recent years have seen a growing interest in the use of portable monitoring devices for the diagnosis of obstructive sleep apnea syndrome. These have the potential to be used in lieu of the more complicated and uncomfortable alternative, polysomnography, which has long been considered to be the gold standard for the diagnosis of this relatively prevalent condition. Following their approval in 2008 by the Center of Medicare and Medicaid Services, the federal agency which administers Medicare and Medicaid in the United States, there has been extensive discussion about the utility and validity of these devices for use in the diagnosis of obstructive sleep apnea syndrome. Although there are various models of portable monitoring devices, the literature contains little information regarding how each device should be used in specific age groups, patients presenting comorbidities, and asymptomatic patients. Additionally, studies about the cost-effectiveness of this diagnostic method are scarce and conflicting. Therefore, this objective of this study was to review what has been learned about portable monitoring devices over time, as well as to examine the recent progress, advantages, limitations, and applications of these devices in the diagnosis of obstructive sleep apnea syndrome in different groups of patients.

Keywords: Sleep apnea, obstructive/diagnosis; Polysomnography; Diagnostic equipment; Monitoring, ambulatory.

RESUMO

Nos últimos anos, é crescente o interesse pela utilização de aparelhos de monitoramento portáteis para o diagnóstico da síndrome da apneia obstrutiva do sono, como uma alternativa mais simples e confortável à polissonografia, que é o exame considerado o padrão ouro para o diagnóstico dessa condição relativamente prevalente. A liberação do uso desses equipamentos pelo Center of Medicare and Medicaid Services, agência federal que administra os serviços médicos nos Estados Unidos da América, em 2008, resultou em ampla discussão sobre a utilidade e validade desses equipamentos para o diagnóstico de síndrome da apneia obstrutiva do sono. Apesar de haver vários modelos de equipamentos de monitorização portátil, há pouca informação na literatura a respeito de como cada equipamento deveria ser utilizado em grupos etários específicos, portadores de comorbidades e pacientes assintomáticos. Além disso, estudos de custo-efetividade desse método diagnóstico são escassos e conflitantes. Portanto, o objetivo do presente estudo foi revisar a evolução dos conhecimentos no uso de equipamentos de monitorização portátil, bem como examinar os avanços recentes, vantagens, limitações e aplicações desses equipamentos para o diagnóstico de apneia obstrutiva do sono em diferentes grupos de pacientes.

Palavras-chave: Apneia do sono tipo obstrutiva/diagnóstico; Polissonografia; Equipamentos para diagnóstico; Monitorização ambulatorial.

Introdução

A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é uma doença de elevada prevalência, observada em 1,2% a 7,5% da população geral,(1-9) principalmente em adultos e em homens obesos.(10) A SAOS é definida como um índice de apneia-hipopneia (IAH) de mais de cinco eventos por hora de sono e associada à sonolência diurna excessiva.(1-10) Um estudo epidemiológico recente, conduzido em São Paulo (SP),(11) demonstrou uma elevada prevalência de SAOS na população adulta (32,8%).(12) Nesse estudo, a SAOS foi definida de acordo com os critérios da versão mais recente da International Classification of Sleep Disorders, publicada pela American Academy of Sleep Medicine (AASM) em 2005.(13) De acordo com esses critérios, pode-se confirmar o diagnóstico de SAOS se o paciente apresentar um IAH de 5,0-14,9 eventos por hora de sono e pelo menos uma das seguintes queixas: ronco alto, sonolência diurna excessiva e fadiga. Além disso, pacientes com um IAH igual ou maior que 15, com ou sem quaisquer outras queixas, podem ser definidos como portadores de SAOS. Devido à elevada prevalência de SAOS, é provável que jamais haja laboratórios do sono suficientes para investigar e diagnosticar todos os casos.

Há uma associação bem estabelecida entre SAOS e sonolência diurna excessiva, que leva a acidentes de trânsito,(14-17) bem como entre SAOS e hipertensão.(18) Além disso, a SAOS é precursora do agravamento ou do início de doenças cardíacas, tais como arritmia, insuficiência coronariana, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral.(19-24)

Embora seja considerada o padrão ouro para o diagnóstico de SAOS, a polissonografia é cara e envolve um exame tecnicamente complexo.(25)

Há evidências de que a SAOS seja subdiagnosticada, porque nem os médicos nem os pacientes têm informações suficientes sobre a síndrome. Além disso, há poucos laboratórios especializados em polissonografia.(26,27) Consequentemente, nas últimas décadas, tem havido um crescente interesse em explorar métodos para diagnosticar a SAOS que apresentem bom custo-benefício, e, portanto, equipamentos portáteis de monitoramento (EPM) têm recebido maior atenção.(28)

Embora o uso de EPM tenha sido proposto para o diagnóstico de SAOS, a maioria dos estudos que tentaram determinar a acurácia desses aparelhos não seguiu as diretrizes de melhores práticas para a validação de um teste diagnóstico. Dois estudos recentes e bem delineados conduzidos no Brasil avaliaram a acurácia de registros domiciliares com EPM, comparando-os com registros polissonográficos feitos em um laboratório do sono.(29,30)

A utilidade, as vantagens e as limitações do uso de EPM para o diagnóstico domiciliar de SAOS, sem a supervisão de um profissional treinado, têm sido muito discutidas. O fato é que o uso de tais equipamentos não só facilita o acesso aos dados polissonográficos como também melhora a qualidade dos dados, já que são coletados no conforto das condições habituais de sono, auxiliando assim no diagnóstico de SAOS. Estudos conduzidos nos EUA, Brasil e Canadá, bem como em diversos outros países, demonstraram que, em pacientes com grande suspeita de SAOS, o monitoramento domiciliar é capaz de diagnosticar a síndrome.(31-33)

Revisamos aqui o que se sabe a respeito do uso de EPM no diagnóstico de SAOS, incluindo achados recentes, bem como as vantagens e limitações das aplicações dessa tecnologia.

Tipos de monitoramento usados no diagnóstico de SAOS

De acordo com a American Sleep Disorders Association (ASDA),(34,35) os métodos para investigar a SAOS podem ser classificados de acordo com o tipo de estudo do sono empregado.

Polissonografia de noite inteira em laboratório: estudos do sono do tipo 1

A polissonografia de noite inteira é o padrão com o qual outros tipos de estudo do sono são comparados. A polissonografia de noite inteira registra pelo menos sete parâmetros biológicos, incluindo eletroencefalograma (EEG), eletromiograma (EMG) submentoniano, eletro-oculograma (EOG), fluxo aéreo, esforço respiratório (medido por meio do registro de movimentos do tórax e do abdome), oximetria de pulso e eletrocardiografia (ECG). A posição do corpo também deve ser estabelecida de maneira objetiva e devidamente documentada.

Movimentos periódicos das pernas podem ser registrados, embora isso seja opcional. A polissonografia em laboratório exige um laboratório especializado, bem como um profissional treinado que intervenha caso ocorra um evento adverso durante o registro.

Polissonografia completa domiciliar: estudos do sono do tipo 2
Estudos do sono do tipo 2 medem os mesmos sete parâmetros biológicos medidos por equipamentos do tipo 1 (EEG, EMG submentoniano, EOG, fluxo aéreo, esforço respiratório, oximetria de pulso e ECG). A posição do corpo pode ser estabelecida objetivamente, e a aferição de movimentos periódicos das pernas é desejável, porém opcional. O exame não é supervisionado por um profissional treinado.

Teste domiciliar de apneia do sono modificado: estudos do sono do tipo 3

Estudos do sono do tipo 3 registram dados relacionados a pelo menos quatro parâmetros biológicos, incluindo ventilação (pelo menos dois parâmetros biológicos de movimento respiratório ou movimento respiratório e fluxo aéreo), FC ou ECG, e oximetria de pulso. O monitoramento pode incluir EMG das pernas, e não é necessária a presença de um profissional treinado.

Registro domiciliar contínuo de um ou dois parâmetros biológicos: estudos do sono do tipo 4

A maioria dos EPM empregados em estudos do sono do tipo 4 registra dados relacionados a apenas um ou dois parâmetros biológicos (fluxo aéreo, oximetria de pulso ou ambos). Mesmo estudos do sono conduzidos com equipamentos que registrem três ou mais parâmetros biológicos serão denominados estudos do tipo 4 caso o equipamento empregado não registre o fluxo aéreo. Estudos do sono do tipo 4 não exigem a presença de um profissional treinado.

Validação do uso de EPM: perspectiva histórica

As primeiras tentativas de revisão e padronização do uso de EPM no diagnóstico de SAOS foram feitas em 1994 pela ASDA.(34,35) Os autores concluíram que não havia padronização dos EPM e que os aparelhos variavam enormemente em complexidade, indo desde o registro de apenas um parâmetro biológico até a polissonografia completa. Na época, havia poucos estudos sobre o tópico, assim como poucas evidências para recomendar o uso de EPM em vez do método padrão.

Embora a conveniência para o paciente, os custos operacionais menores, a potencialmente maior adesão ao tratamento e a maior acessibilidade fossem considerados vantagens, a principal limitação do uso não supervisionado de EPM foi justamente a ausência de supervisão, que se traduz em inabilidade de corrigir as falhas que tendem a ocorrer durante o teste. Na época, portanto, a ASDA não recomendou o uso de EPM para pacientes instáveis, para pacientes com sintomas leves, para o rastreamento de pacientes assintomáticos de alto risco ou para a titulação de continuous positive airway pressure (CPAP, pressão positiva contínua nas vias aéreas).(34) O uso supervisionado de EPM foi indicado para pacientes com sintomas graves de SAOS para quem o tratamento fosse urgente e para pacientes que não tinham acesso a um laboratório do sono, bem como para aqueles que haviam sido previamente diagnosticados com SAOS por meio de polissonografia. Entretanto, o uso de equipamentos do tipo 4 para avaliar a SAOS foi considerado inaceitável.(32,33)

Em 1997, a ASDA agrupou uma nova força-tarefa para estabelecer a eficácia da polissonografia e procedimentos relacionados.(36) O estudo resultante revelou que tanto a sensibilidade como a especificidade dos EPM para o diagnóstico de SAOS eram menores que as da polissonografia. O estudo mencionou a necessidade de um melhor estabelecimento e validação dos parâmetros biológicos registrados por esse tipo de equipamento. O uso supervisionado de estudos do sono do tipo 3 continuou a ser indicado para pacientes com forte suspeita de SAOS. Caso os resultados de estudos do sono do tipo 3 fossem negativos para SAOS em pacientes assintomáticos, a indicação para polissonografia completa em laboratório era mantida. Estudos do sono do tipo 4 continuaram a ser contraindicados em tais casos. Uma revisão sistemática e meta-análise da literatura conduzida em 2000 chegou às mesmas conclusões.(37)

Em 2003, outro grupo de autores(38) avaliou a capacidade dos EPM para confirmar ou descartar o diagnóstico de SAOS. Estudos do sono do tipo 2, supervisionados ou não, não produziram nenhuma evidência a favor dessas funções. Estudos do sono do tipo 3 supervisionados produziram muitas evidências para descartar ou confirmar a SAOS, ao passo que estudos do sono do tipo 3 não supervisionados produziram pouquíssimas evidências. Em estudos do sono supervisionados, a possível vantagem dos EPM em relação à polissonografia foi uma diminuição do tempo gasto pelo técnico e pelo médico. A perda de dados também foi avaliada, e descobriu-se que houve uma perda de 20% relacionada a estudos do sono do tipo 2,(39) comparada com uma perda de 3-18% relacionada ao uso de estudos domiciliares do sono do tipo 3 e sem supervisão.(40-42) Quando estudos do sono do tipo 3
supervisionados foram realizados em um laboratório do sono, a perda de dados foi de 3% a 9%.(43,44) A necessidade de se realizar estudos que examinem grupos específicos, inclusive aqueles com comorbidades associadas à SAOS, também tem sido discutida.

Em 2003, a AASM(45) publicou diretrizes práticas para o uso de EPM no diagnóstico de SAOS, nas quais o uso de EPM para o rastreamento de SAOS não foi recomendado para pacientes sem sintomas que sugerissem a presença da doença. O uso de EPM também não foi recomendado para pacientes com comorbidades associadas, tais como insuficiência cardíaca, doença pulmonar, síndrome de hipoventilação e acidente vascular cerebral. A indicação para o uso de EPM limitou-se a casos nos quais os pacientes apresentassem sintomas graves de SAOS, nos quais os pacientes não pudessem ser examinados em um laboratório do sono ou nos quais já havia um diagnóstico definitivo de SAOS estabelecido por meio de polissonografia. Além disso, determinou-se que a pontuação manual era mais precisa, isto é, a pontuação automática foi rejeitada. Estudos do sono do tipo 1 (polissonografia de noite inteira em laboratório) foram recomendados para casos em que estudos do tipo 3 apresentaram resultados negativos para SAOS em pacientes sintomáticos. Estudos do sono do tipo 3 (split night ou de noite inteira) não foram recomendados para a titulação de CPAP. Estudos do sono do tipo 4 continuaram a ser contraindicados para o diagnóstico de SAOS. Em 2005, a AASM(46) publicou novas diretrizes práticas para a indicação de polissonografia e procedimentos relacionados, mantendo as recomendações que haviam sido propostas em 2003. Essas diretrizes reiteraram a declaração de que o paciente deveria ser submetido a estudos do sono do tipo 1 caso estudos do sono do tipo 3 produzissem resultados negativos para SAOS. Entretanto, em 2007, a AASM revisou suas recomendações a respeito do uso de EPM no diagnóstico de SAOS, particularmente no que tangia ao uso de estudos do sono do tipo 3 não supervisionados em indivíduos com mais de 18 anos que apresentassem sintomas de SAOS.(25) O padrão proposto então foi que os estudos do sono deveriam registrar, no mínimo, o fluxo aéreo, o esforço respiratório, a oximetria e a FC. As recomendações e contraindicações adicionais a respeito do uso de EPM foram as seguintes:

 Foi considerado aceitável o uso de EPM para o diagnóstico de SAOS em pacientes que muito provavelmente apresentam a síndrome, com base em um pré-teste para a SAOS e após uma avaliação clínica meticulosa.
 Os EPM deveriam ser usados apenas em pacientes adultos, já que, na época, não havia nenhum estudo a esse respeito com crianças e idosos.
 Foi considerado aceitável o uso de EPM para o diagnóstico de SAOS sempre que não seja possível realizar estudos do sono do tipo 1 devido à imobilidade ou à condição crítica do paciente.
 Os EPM foram recomendados como uma maneira de monitorar a resposta ao tratamento com um aparelho intraoral (embora não para CPAP) ou para procedimentos cirúrgicos envolvendo as vias aéreas superiores.
 O uso de EPM foi considerado um meio aceitável de monitoramento da perda de peso.
 Os EPM foram aprovados para uso seletivo em pacientes com sintomas de SAOS sem comorbidades.
 Não foi considerado aceitável o uso de EPM para o diagnóstico de outros distúrbios do sono, tais como apneia central, movimentos periódicos das pernas, parassonia, alterações no ritmo circadiano e narcolepsia.
 Os EPM não foram recomendados para o rastreamento de pacientes assintomáticos.

Não obstante as recomendações práticas da AAMS a respeito do uso de EPM no diagnóstico de SAOS, algumas empresas privadas da área de saúde, tais como a CIGNA (Philadelphia, PA, EUA)(47) e a Blue Cross of California (Thousand Oaks, CA, EUA),(48) cobriam o uso de EPM, mas apenas sob as condições específicas dispostas pela AASM. Portanto, a American Academy of Otolaryngology - Head and Neck Surgery solicitou ao Centers for Medicare and Medicaid Services (CMS) que reconsiderassem suas posições a respeito de estudos com EPM. O American College of Chest Physicians, a American Thoracic Society e a AASM, motivados pela ausência, previamente notada, de evidências que indicassem maior eficácia e custo-benefício, coordenaram argumentos de refutação para dissuadir o CMS de mudar sua posição. Por outro lado, um número significativo de médicos, a National Sleep Foundation e a Apria Health Care (Lake Forest, CA, EUA) argumentaram que estudos com EPM seriam benéficos para o diagnóstico e manejo da SAOS.(49)

Em 2007, com base nos relatórios da Agency for Healthcare Research and Quality,(50) o CMS aprovou o uso de estudos não supervisionados do sono com EPM para o diagnóstico de SAOS, com o objetivo de determinar se o tratamento com CPAP era justificado.(51) Os EPM aceitos sem restrições foram aqueles capazes de produzir estudos do sono do tipo 2 ou 3. Foram aceitos estudos do sono do tipo 4 que registrassem pelo menos três parâmetros biológicos (aqueles que registravam apenas a oximetria não foram endossados). Essa decisão provavelmente fará com que o uso de EPM para diagnosticar a SAOS seja mais difundido. Ainda assim, as vantagens e limitações desses aparelhos devem ser consideradas a fim de garantir os mais precisos resultados.(52,53)

Limitações à validação de EPM

A validação de EPM constitui uma tarefa desafiadora, já que tais aparelhos são geralmente comparados com a polissonografia. Embora seja considerada o padrão ouro, a polissonografia também apresenta limitações que devem ser levadas em consideração: a variabilidade dos resultados do IAH quando o paciente é observado ao longo de noites diferentes ou por observadores diferentes(54); o maior tempo que se passa em decúbito dorsal em comparação com o sono habitual(31); e a dificuldade em dormir em um ambiente desconhecido.(55) É relevante destacar o impacto de um resultado de polissonografia na qualidade de vida, morbidade e mortalidade, já que alguns estudos mostraram que o IAH apresenta fraca correlação com a qualidade de vida e a sonolência diurna, parâmetros que pesam consideravelmente no manejo de pacientes com SAOS.(38)

Outra dificuldade que surge quando se comparam resultados de polissonografia e de EPM diz respeito ao cálculo da taxa de eventos respiratórios anormais durante cada tipo de registro. Tradicionalmente, a polissonografia fornece o número médio de eventos respiratórios por hora de sono, isto é, o cálculo é feito por meio da divisão do número total de eventos respiratórios pelo tempo total de sono, em horas. Por outro lado, devido ao fato de que EPM não medem o tempo total de sono, o cálculo do número médio de eventos respiratórios anormais é baseado no tempo total de registro, o que pode subestimar a taxa desses eventos em comparação com a polissonografia.(52,53)

Quando se considera a identificação de eventos respiratórios por meio de polissonografia, a hipopneia recebe uma pontuação parcial se associada a um despertar no EEG ou à dessaturação da oxi-hemoglobina.(56)

Como os EPM não permitem uma avaliação do despertar, o número de eventos de hipopneia pode ser subestimado, uma possibilidade que prejudica a estimativa da gravidade da doença.

Vários aparelhos denominados "EPM" necessitam de validação individual, já que registram diferentes quantidades e tipos de parâmetros biológicos.(52,53) Portanto, não se devem extrair conclusões generalizadas sobre a validade de diferentes aparelhos com base em estudos que envolvam apenas um aparelho em particular ou uma situação em particular. Os estudos que examinam tal validação frequentemente o fazem utilizando uma população formada predominantemente por indivíduos com alto risco de SAOS. Além disso, há poucos estudos sobre o uso de EPM para o diagnóstico de SAOS em mulheres, pois elas normalmente desenvolvem formas mais leves da doença ou são assintomáticas.(52,53)

Não obstante a validação de alguns EPM, não há atualmente nenhuma evidência a favor do uso de rastreamento domiciliar de SAOS em crianças, idosos ou indivíduos com comorbidades, tais como doença pulmonar grave, doença neuromuscular e doenças cardíacas. Esses grupos são de significativa importância devido à maior dificuldade que enfrentam para ir a um laboratório do sono, e serão necessários mais estudos a fim de avaliar as necessidades diagnósticas desses grupos.

Custo-benefício do uso de EPM

A análise do custo-benefício do uso de EPM para o diagnóstico de SAOS depende particularmente de estudos clínicos. Entretanto, poucos foram os ensaios clínicos randomizados envolvendo diferentes estratégias para o diagnóstico e tratamento da SAOS que incluíram a coleta de dados sobre qualidade de vida, saúde e aspectos econômicos.(57-60) Uma revisão,(57) usando um modelo para a análise de custo-utilidade e comparando polissonografia em laboratório, monitoramento domiciliar e ausência de teste durante cinco anos após a avaliação inicial de SAOS, incluindo tratamento com CPAP, envolveu uma coorte hipotética de indivíduos com suspeita de SAOS. Para cada método diagnóstico, foram consideradas a qualidade de vida e a sobrevida, bem como os valores cobrados (esses como substitutos dos custos de cada método). Nos cinco anos que se seguiram à avaliação diagnóstica inicial, a polissonografia propiciou valores máximos de quality-adjusted life-years (QALYs, anos de vida ajustados pela qualidade). Os valores adicionais cobrados pela polissonografia em relação ao monitoramento domiciliar ou à ausência de teste (em dólares americanos) foram de $ 13.400 e $ 9.200, respectivamente, por QALY ganho durante o período. Os resultados do estudo sugerem que o teste mais preciso e caro (a polissonografia) não só propicia aos pacientes melhores resultados como também é, do ponto de vista societário, a opção de melhor custo-benefício em relação ao monitoramento domiciliar e à ausência de teste. Entretanto, os autores também sugeriram que estudos futuros deveriam ter como objetivo determinar de maneira mais precisa certas variáveis-chave nesse modelo.

Um estudo(59) utilizou um modelo de árvore de decisão que incorporava algoritmos clínicos típicos para avaliar a polissonografia do tipo split night e o monitoramento domiciliar em comparação com uma abordagem convencional usando a polissonografia de noite inteira, considerando o custo-benefício, do ponto de vista de um plano de saúde privado, ao longo de cinco anos. As probabilidades e as características dos testes foram originárias de dados publicados na literatura. As estimativas de custo basearam-se na Medicare Fee Schedule de 2004, e as taxas de sobrevida foram extraídas de dados provenientes do National Center for Health Statistics e de estudos publicados. A eficácia foi medida em QALYs, e foram identificados trade-offs entre custos totais e eficácia. A estratégia de monitoramento domiciliar foi mais econômica e menos eficaz que a polissonografia do tipo split night e a polissonografia de noite inteira, e a polissonografia do tipo split night foi mais econômica e menos eficaz que a polissonografia de noite inteira. Os custos de ganho adicional de QALYs ficaram abaixo dos limiares comumente aceitos. Uma análise probabilística sugeriu que a abordagem de monitoramento domiciliar apresentou o melhor custo-benefício nos níveis mais baixos da disposição para pagar do plano de saúde particular, ao passo que a polissonografia do tipo split night e a polissonografia de noite inteira foram as que apresentaram melhor custo-benefício em níveis mais altos de tal disposição. Portanto, o monitoramento domiciliar e a polissonografia do tipo split night são alternativas à polissonografia de noite inteira que apresentam bom custo-benefício.

Um grupo de autores(60) avaliou a confiabilidade e o custo-benefício de um EPM para o diagnóstico de SAOS comparando-o com a polissonografia. Os autores concluíram que o EPM avaliado era um dispositivo confiável para tal propósito. Para a análise de custo (e a fim de utilizar um algoritmo diagnóstico que incluísse todas as facetas do monitoramento domiciliar), os autores levaram em conta não só os custos dos acessórios descartáveis necessários, como também os salários da equipe médica e dos funcionários do centro do sono. Os autores constataram que o uso de monitoramento domiciliar representava uma economia de apenas 18% em comparação com a prática tradicional de polissonografia em laboratório.

A maioria dos estudos que avaliam o custo-benefício do monitoramento domiciliar não menciona o tipo específico de equipamento, um fator que deve ser levado em consideração, já que pode haver diferenças significativas entre os tipos de EPM no que tange aos custos. Estudos futuros devem também destacar a importância das complexidades inerentes à avaliação geral da SAOS ao comparar os custos de diferentes procedimentos.

Considerações finais

As atuais diretrizes a respeito de EPM permitem que pacientes sem comorbidades e com elevada probabilidade pré-teste de SAOS usem tais equipamentos. Com base nas recomendações do CMS, que permite o uso de EPM para o diagnóstico de SAOS, acredita-se que o uso de monitoramento domiciliar tornar-se-á mais difundido. Embora diversos modelos tenham sido apresentados a fim de satisfazer a crescente demanda, será necessário validar cada aparelho individualmente. Além disso, devem-se realizar ensaios clínicos randomizados que examinem os EPM em coortes específicas (crianças, idosos, mulheres, etc.) e em indivíduos com diversas comorbidades (tais como doença pulmonar grave, doenças cardíacas e neuropatia), bem como em pacientes assintomáticos ou com SAOS leve. As conclusões e a conduta recomendada dependerão, portanto, da análise dos dados do ponto de vista do custo-benefício do monitoramento domiciliar versus a polissonografia em laboratório.


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* Trabalho realizado na Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Lia R. A. Bittencourt. Rua Napoleão de Barros, 925, CEP 04024-002, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 2149-0155. Fax 55 11 55725092. E-mail: lia@psicobio.epm.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia (AFIP).
Recebido para publicação em 14/10/2009. Aprovado, após revisão, em 1/3/2010.



Sobre os autores

Jéssica Fábia Polese
Médica Pneumologista. Pós-Graduanda da Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.

Rogério Santos-Silva
Pesquisador. Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.

Rafael Freire Kobayashi
Acadêmico de Medicina. Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.

Indira Nunes de Paula Pinto
Acadêmica de Medicina. Escola de Medicina Santa Casa de Misericórdia, Vitória (ES) Brasil.

Sérgio Tufik
Professor Titular. Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.

Lia Rita Azeredo Bittencourt
Professora Livre docente. Disciplina de Medicina e Biologia do Sono, Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.

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