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Editorial

Eliminação da tuberculose na América Latina: considerações

Eliminating tuberculosis in Latin America: making it the point

Raquel Duarte1,2,3,a, Denise Rossato Silva4,b, Adrian Rendon5,c, Tatiana Galvẫ,o Alves6,d, Marcelo Fouad Rabahi7,e, Rosella Centis8,f, Afrânio Kritski9,g, Giovanni Battista Migliori8,h

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562017000000449

Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a estratégia End TB, a qual tem três pilares - atenção e prevenção integradas, centradas no paciente; políticas arrojadas e sistemas de apoio; e intensificação da pesquisa e inovação - e tem o conceito intrínseco da eliminação da tuberculose.(1-4) A eliminação da tuberculose foi definida como < 1 caso por milhão de habitantes, sendo que a pré-eliminação foi definida como < 10 casos por milhão. Desde então, os três pilares foram oficialmente adotados por diversos países(5): em 2015, pelo Brasil, a Etiópia, a Federação Russa, a África do Sul e o Vietnã; e, em 2016, pela Índia, a Indonésia, a Suazilândia e a Tailândia.

Após uma consulta conjunta da OMS/European Respiratory Society (ERS) com países com baixa incidência de tuberculose (< 10 casos por 100.000 habitantes), realizada em Roma em 2014, a OMS lançou seu Quadro para a Eliminação da Tuberculose em Países de Baixa Incidência.(1) O documento identificou oito áreas principais a serem abordadas a fim de eliminar a tuberculose em tais países.(1)

Em termos epidemiológicos, as estratégias de controle da tuberculose se concentram na identificação precoce e no tratamento efetivo dos casos de tuberculose infecciosa (para quebrar a cadeia de transmissão e reduzir a incidência); a eliminação da tuberculose é uma estratégia adicional que tem como ponto central a identificação de indivíduos latentemente infectados e seu tratamento (para esterilizar o "reservatório" de pessoas infectadas e garantir futuras gerações de indivíduos livres de infecção),(1,6,7) investindo hoje para prevenir casos de tuberculose amanhã.(1,6,7) Há evidências de que, quando aplicada de forma consistente, a estratégia de eliminação da tuberculose é efetiva. Inuit Por exemplo, foi relatado que a mesma reduziu a incidência de tuberculose em até 17% ao ano em populações inuit ("esquimós").(8)

Uma questão inicial a ser respondida é se há algum relato de experiências com a estratégia de eliminação da tuberculose em países com alta carga da doença. Estudos recentes realizados no Chipre e em Omã mostraram que a implementação adequada dos elementos básicos da estratégia End TB pode conduzir a epidemiologia da tuberculose rumo ao limiar de pré-eliminação.(9,10) Uma segunda pergunta é até que ponto a estratégia de eliminação da tuberculose pode ser aplicada na América Latina e no Caribe, onde há diversos países de baixa incidência - incluindo as Bahamas, o Chile, a Costa Rica, Cuba, a República Dominicana, a Jamaica e Porto Rico, bem como Trinidad e Tobago - e outros que estão se aproximando desse limiar - incluindo o Brasil, o Uruguai e a Colômbia - sendo que estes na última categoria também foram convidados para a consulta técnica da OMS/ERS em Roma em 2014.

Paralelamente à publicação do quadro da OMS,(1) a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) elaborou dois importantes documentos. Em 2015, a organização emitiu um documento incluindo os três pilares da estratégia End TB, o Plano Estratégico da OPAS,(11) que foi subsequente ao seu Plano de Ação para a Prevenção e Controle da Tuberculose. cross-cuttingLançado em 2013, o plano de ação da OPAS concentrava-se apenas no controle da tuberculose, utilizando indicadores epidemiológicos (isto é, aumento do número de pacientes com tuberculose confirmada bacteriologicamente que foi tratada com sucesso), promovendo abordagens transversais em saúde e cobrindo comorbidades (por ex., infecção pelo HIV e transtornos de saúde mental).(12) Esses documentos foram seguidos pelo Roteiro para Eliminação da Tuberculose na América Latina e no Caribe, elaborado em conjunto pela ERS e a Asociación Latinoamericana del Tórax (ALAT), para orientar os programas nacionais de tuberculose no sentido da implementação das estratégias da OPAS. É claro que há uma considerável heterogeneidade na América Latina em termos de ações e programas epidemiológicos, e, portanto, os objetivos estratégicos mencionados acima foram atingidos em ritmos diferentes.(3,4) Um exemplo é fornecido pela epidemiologia da tuberculose no México (Figura 1), onde a incidência relatada da doença está abaixo do limiar de baixa incidência em um terço dos estados, é < 20 por 100.000 habitantes em outro terço e é maior que isso no terço restante.
 



Em 2017, o Ministério da Saúde do Brasil emitiu um documento visando à eliminação da tuberculose, o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública. O plano foi concebido com o objetivo de reduzir a incidência da tuberculose (para < 10 casos/100.000 habitantes) e a mortalidade (para < 1 óbito/100.000 habitantes) até 2035, definindo as abordagens para a implementação de cada um dos três pilares da estratégia End TB da OMS.(13)

Na América Latina, fez-se um visível progresso em relação aos objetivos estabelecidos para a incidência, prevalência e mortalidade da tuberculose.(3,4) Entre os notáveis sucessos obtidos estão o aumento das taxas de detecção, a melhora da garantia de qualidade laboratorial, um melhor manejo sistemático dos casos de tuberculose multirresistente (TBMR) e a promoção do envolvimento da comunidade, bem como a coordenação de parceiros técnicos e financeiros.(3,4)

Embora tenha havido uma diminuição do número relatado de novos casos no Brasil, essa diminuição foi modesta (apenas 1,5% ao ano), e mais precisa ser feito para melhorar os desfechos do tratamento, reduzir as perdas de acompanhamento e prevenir o surgimento de TBMR.(14) É evidente que há necessidade de compromisso político (com financiamentos adequados e arcabouço legal), de cuidados verdadeiramente centrados no paciente e de atenção às comorbidades, bem como de controle de fatores de risco, como diabetes, infecção pelo HIV, uso de drogas ilícitas, tabagismo e transtornos mentais.(15) Também se deve dar atenção especial a grupos vulneráveis (por ex., migrantes da zona rural para as grandes cidades, migrantes Sul-Sul (isto é, migrantes entre países em desenvolvimento), pessoas que vivem em favelas, populações indígenas desassistidas, moradores de rua e pessoas privadas de liberdade).(16)

As oito áreas centrais identificadas no Roteiro para Eliminação da Tuberculose na América Latina e no Caribe fornecem um guia claro para se alcançar as metas de eliminação da tuberculose na região:

1. identificação e apoio a populações vulneráveis
2. abordagem de questões migratórias e transfronteiriças
3. reforço da pesquisa operacional, canalizando-a por meio de planos de pesquisa nacionais acordados, pri-orizados pelas redes nacionais de pesquisa de tuberculose e adequadamente financiados para abordar o pilar "intensificação da pesquisa/inovação" da estratégia End TB
4. promoção do compromisso político para os cuidados e prevenção da tuberculose, a fim de implementar elementos do pilar "políticas arrojadas/sistemas de apoio" da estratégia End TB
5. adaptação da estratégia em nível nacional e regional, promovendo ao mesmo tempo a colaboração global
6. aumento da detecção e tratamento ativos da tuberculose latente, bem como da tuberculose ativa, de acor-do com os princípios da eliminação da tuberculose(5,17)
7. garantia de tratamento precoce e de alta qualidade dos casos de tuberculose resistente e de TBMR, ao mesmo tempo assegurando, para todos, testes de sensibilidade aos fármacos com métodos moleculares convencionais e/ou novos e a disponibilidade dos fármacos de segunda linha necessários (para abordar, com a área central 1, as ações incluídas no pilar "atenção/prevenção integrada, centrada no paciente" da estratégia End TB
8. melhora da vigilância contínua, monitoramento e avaliação das atividades para verificação do progresso em relação às metas planejadas e à eliminação da tuberculose

Também são propostos indicadores para o monitoramento e a avaliação de cada um desses componentes (Tabela 1).(3,4)
 



A contribuição das redes de pesquisa em tuberculose, conforme proposto pela OMS em 2015, é fundamental para se trabalhar de acordo com as prioridades regionais. (18) O projeto conjunto da ERS/ALAT/Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia em tuberculose e a Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose estão fazendo contribuições significativas gerando as evidências necessárias para a implementação bem-sucedida da estratégia de eliminação da tuberculose. (19) Alguns dos resultados preliminares são bastante encorajadores,(20-35) mostrando a importância da implementação dos três pilares da estratégia End TB da OMS na América Latina.

REFERÊNCIAS

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