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Artigo Original

Comparação de duas intervenções de cessação do tabagismo em pacientes internados

Comparison of two smoking cessation interventions for inpatients

Antonio Carlos Ferreira Campos1,a, Angela Santos Ferreira Nani2,b, Vilma Aparecida da Silva Fonseca3,c, Eduardo Nani Silva1,2,d, Marcos César Santos de Castro2,4,e, Wolney de Andrade Martins1,2,f

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562017000000419

ABSTRACT

Objective: This study aimed to compare the effectiveness of two cognitive behavioral therapy-based smoking cessation interventions initiated during hospitalization and to evaluate the factors related to relapse after discharge. Methods: This was a prospective randomized study involving 90 smokers hospitalized in a university hospital. We collected data related to sociodemographic characteristics, reasons for admission, smoking-related diseases, smoking history, the degree of nicotine dependence (ND), and the level of craving. Patients were divided into two treatment groups: brief intervention (BrInter, n = 45); and intensive intervention with presentation of an educational video (InInterV, n=45). To assess relapse, all patients were assessed by telephone interview in the first, third, and sixth months after discharge. Abstinence was confirmed by measurement of exhaled carbon monoxide (eCO). Results: Of the 90 patients evaluated, 55 (61.1%) were male. The mean age was 51.1 ± 12.2 years. The degree of ND was elevated in 39 (43.4%), and withdrawal symptoms were present in 53 (58.9%). The mean eCO at baseline was 4.8 ± 4.5 ppm. The eCO correlated positively with the degree of ND (r = 0.244; p = 0.02) and negatively with the number of smoke-free days (r = −0.284; p = 0.006). There were no differences between the groups in terms of the variables related to socioeconomic status, smoking history, or hospitalization. Of the 81 patients evaluated at 6 months, 33 (40.7%) remained abstinent (9 and 24 BrInter and InInterV group patients, respectively; p = 0.001), and 48 (59.3%) had relapsed (31 and 17 BrInter and InInterV group patients, respectively; p= 0.001). Moderate or intense craving was a significant independent risk factor for relapse, with a relative risk of 4.0 (95% CI: 1.5-10.7; p < 0.00001). Conclusions: The inclusion of an educational video proved effective in reducing relapse rates. Craving is a significant risk factor for relapse.

Keywords: Smoking cessation; Tobacco use disorder; Inpatients; Hospitalization.

RESUMO

Objetivo: Comparar a eficácia de duas intervenções de cessação de tabagismo baseadas na terapia cognitivo-comportamental em pacientes internados e avaliar os fatores relacionados à recaída após a alta hospitalar. Métodos: Estudo prospectivo, randomizado, com 90 tabagistas internados em um hospital universitário. Foram coletados dados relacionados a características sociodemográficas, motivo da internação, doenças relacionadas ao tabagismo, carga tabágica, grau de dependência de nicotina (DN) e grau de fissura. Os pacientes foram distribuídos em dois grupos de tratamento: intervenção breve (InB; n = 45) e intervenção intensiva com apresentação de um vídeo educativo (InIV; n = 45). Para avaliar recaídas, todos os pacientes foram entrevistados por contato telefônico no primeiro, terceiro e sexto mês após a alta. A abstinência foi confirmada pela medida de monóxido de carbono no ar expirado (COex). Resultados: Dos 90 pacientes avaliados, 55 (61,1%) eram homens. A média de idade foi de 51,1 ± 12,2 anos. O grau de DN foi elevado em 39 (43,4%), e sintomas de abstinência estavam presentes em 53 (58,9%). A média de COex inicial foi de 4,8 ± 4,5 ppm. O COex se correlacionou positivamente com o grau de DN (r = 0,244; p = 0,02) e negativamente com o número de dias sem fumar (r = −0,284; p = 0,006). Não houve diferenças entre os grupos quanto a variáveis relacionadas com nível socioeconômico, carga tabágica ou internação. Dos 81 pacientes avaliados após 6 meses de segmento, 33 (40,7%) continuaram abstinentes (9 e 24 nos grupos InB e InIV, respectivamente; p = 0,001) e 48 (59,3%) recaíram (31 e 17 nos grupos InB e InIV, respectivamente; p = 0,001). O grau de fissura (moderado ou intenso) foi um fator de risco independente significativo para a recaída, com um risco relativo de 4,0 (IC95%: 1,5-10,7; p < 0,00001). Conclusões: A inclusão de um vídeo educativo provou ser eficaz na redução das taxas de recaída. O grau de fissura foi um fator de risco significativo para a recaída.

Palavras-chave: Abandono do hábito de fumar; Tabagismo; Pacientes internados; Hospitalização.

INTRODUÇÃO

As doenças relacionadas ao tabaco são uma das principais causas de internação hospitalar.(1-3) Quando pacientes tabagistas são internados, recomenda-se que recebam aconselhamento e tratamento para dependência de nicotina durante a internação e por pelo menos quatro semanas após a alta.(4) No entanto, pouquíssimos hospitais tratam os pacientes dependentes de nicotina durante a internação. Em razão das restrições ao fumo nas dependências dos hospitais, esses pacientes se veem forçados a parar de fumar, independentemente do grau de motivação. Sendo assim, a internação oferece uma oportunidade única para abordar os pacientes que desejam parar de fumar.(5) Diversos estudos(3,6-8) mostram que, apesar de ser proibido fumar em hospitais, 25% dos pacientes dependentes de nicotina fumam durante a internação; 55% dos pacientes fumantes relatam sintomas de abstinência durante a internação; apenas 6% desses pacientes fazem uso de terapia de reposição de nicotina (TRN); e 63% dos pacientes em uso de TRN recaem na primeira semana após a alta hospitalar (sendo que 45% recaem no primeiro dia).

Dados sugerem que 50% dos tabagistas param de fumar sem auxílio imediatamente após um evento cardiovascular que resulta em internação. No entanto, a taxa de recaída ao tabagismo após internação por evento cardiovascular é de 50%. A ocorrência de sintomas de abstinência imediatamente após a alta e de sintomas depressivos 3-6 meses depois são os principais fatores relacionados à recaída ao tabagismo após a internação.

Muitos tipos de recursos são utilizados no tratamento ambulatorial para cessação do tabagismo, incluindo materiais de autoajuda, aconselhamento, terapia cognitivo-comportamental e tratamento medicamentoso.(9) Todavia, existem poucos dados disponíveis sobre terapia intra-hospitalar para cessação do tabagismo. De acordo com uma recente meta-análise,(10) a intervenção de cessação do tabagismo durante a internação deve ser intensiva para ser eficaz. O objetivo deste estudo foi comparar duas intervenções de cessação do tabagismo baseadas na terapia cognitivo-comportamental em pacientes internados, quanto à eficácia, e avaliar os fatores relacionados à recaída após a alta hospitalar. Um objetivo secundário foi avaliar a eficácia de uma intervenção de aconselhamento em forma de vídeo, que foi testada porque é viável, exige menos recursos e, se eficaz, seria uma ferramenta útil em todo tipo de hospital, mesmo quando especialistas não estão disponíveis.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo, randomizado, com tabagistas internados entre janeiro e dezembro de 2016 na enfermaria clínica ou cirúrgica do Hospital Universitário Antônio Pedro, um hospital-escola comunitário com 232 leitos localizado na cidade de Niterói (RJ). Para os fins deste estudo, excluiu-se um total de 108 desses leitos, dos departamentos de obstetrícia, de cuidados neonatais e de pediatria, bem como do bercário, da UTI de adultos e da emergência.

Para serem elegíveis para o estudo, os participantes tinham que ser fumantes atuais de cigarro, ter entre 18 e 80 anos de idade e estar motivados a permanecer abstinentes do tabagismo após a alta hospitalar. Os indivíduos que haviam fumado regularmente (pelo menos um cigarro por dia) por pelo menos 30 dias antes da internação foram classificados como fumantes atuais.(11) Potenciais participantes foram excluídos se estivessem recebendo cuidados de fim de vida, estivessem clinicamente instáveis, tivessem déficits cognitivos ou de memória, apresentassem algum transtorno psiquiátrico ou fossem gestantes.

Os pacientes foram incluídos nas primeiras 48 h após a internação hospitalar, ocasião na qual um entrevistador coletou dados relacionados a características sociodemográficas, histórico médico, carga tabágica, intenção de parar de fumar durante a internação/após a alta e sintomas de abstinência de nicotina. O grau de dependência de nicotina foi avaliado com o Fagerström Test for Nicotine Dependence (FTND).(12) Para avaliar o grau de fissura pela nicotina, utilizou-se o Brief Questionnaire of Smoking Urges (QSU-brief),(13) enquanto o uso/abuso de álcool foi avaliado com o questionário Cut down, Annoyed, Guilty, and Eye-opener.(14) Os prontuários dos pacientes foram avaliados a fim de confirmar e complementar os dados.

Intervenções

Calculou-se que seria necessária uma amostra de 90 indivíduos para alcançar um poder estatístico suficiente para identificar diferenças entre os dois grupos. Portanto, 90 pacientes internados foram aleatoriamente designados para um dos seguintes grupos de tratamento: intervenção breve (InB; n = 45) e intervenção intensiva com um vídeo educativo (InIV; n = 45).

Grupo InB

Os pacientes do grupo InB receberam aconselhamento sobre os perigos do tabagismo e os benefícios de parar de fumar em uma sessão comum com duração de 10 min. Não foi utilizado nenhum recurso audiovisual, nem foi proposta qualquer intervenção medicamentosa.

Grupo InIV

A intervenção intensiva baseada na terapia cognitivo-comportamental foi realizada por um pesquisador previamente treinado em tratamento para cessação do tabagismo no Instituto Nacional de Câncer. Os pacientes designados para o grupo InIV receberam aconselhamento em uma sessão com duração de aproximadamente 40 min, compreendendo uma intervenção oral de 10 min e a apresentação de um vídeo educativo de 30 min. Nessa sessão, o conselheiro revisou os perigos do tabagismo e os benefícios de parar de fumar; avaliou o conhecimento e as crenças do participante, bem como as potencias barreiras à cessação do tabagismo; explicou os mecanismos da dependência de nicotina e os sintomas de abstinência; apresentou contra-argumentos às barreiras de crenças; e discutiu estratégias de autogestão comportamental para combater os gatilhos de recaída. Nenhuma intervenção medicamentosa foi proposta. Uma equipe de pesquisadores, composta por um cardiologista, um pneumologista e um psiquiatra, criou o conteúdo intelectual e produziu o vídeo. A apresentação do vídeo foi realizada com um notebook instalado à beira do leito. Esse vídeo será disponibilizado mediante solicitação.

Seguimento

Todos os participantes foram contatados por telefone 1, 3 e 6 meses após a alta hospitalar. Durante a internação e 6 meses após a alta, o status tabágico foi avaliado e a abstinência autorreferida foi bioquimicamente validada pela medição do monóxido de carbono no ar expirado (COex) com um bafômetro portátil (Micro CO; Micro Medical Ltd, Rochester, Reino Unido). Valores de COex acima de ppm foram considerados indicativos de tabagismo recente.(15)

Nas entrevistas por telefone realizadas 6 meses após a alta, foram obtidos dados adicionais. Perguntou-se aos pacientes sobre possíveis melhoras em suas vidas após a cessação do tabagismo, tais como as relacionadas a sintomas respiratórios, relacionamentos familiares, atividades físicas e bem-estar financeiro. Os pacientes também foram convidados a marcar uma consulta em nosso hospital nos próximos sete dias, para a avaliação do COex.

Para os pacientes que não podiam ir ao hospital, a medição do COex foi realizada em domicílio. Pacientes que não puderam ser contatados após pelo menos dois telefonemas foram considerados perda de seguimento. Os participantes que recaíram foram encorajados a se submeter a tratamento ambulatorial em nossa instituição.

Análise estatística

O tamanho amostral (n = 90) foi calculado de acordo com a prevalência esperada de tabagismo entre pacientes internados. Esse cálculo foi baseado em dados coletados em um estudo anterior realizado por nosso grupo, no qual essa prevalência foi de 13%.(16)

As variáveis contínuas foram apresentadas como média e desvio-padrão ou como mediana, conforme apropriado. As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências absolutas e relativas. Para a comparação entre os dois grupos, o teste U de Mann-Whitney foi utilizado para as variáveis contínuas, enquanto o teste do qui-quadrado e o teste exato de Fisher foram utilizados para as variáveis categóricas. A análise de regressão logística foi utilizada para a identificação de preditores independentes de recaída. O método de Kaplan-Meier e o teste de log-rank foram utilizados para a identificação de pacientes livres de eventos. Evento foi definido como qualquer recaída após a intervenção inicial. A força das associações entre as variáveis contínuas foi determinada pelo coeficiente de correlação de Spearman. Para a avaliação da distribuição dos dados coletados, utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov. Para as variáveis que não apresentaram distribuição normal, devido à dispersão, utilizaram-se métodos não paramétricos de análise. Foi adotado um nível de significância de 5%. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o programa Statistical Analysis System, versão 6.11 (SAS Institute Inc., Cary, NC, EUA) e o programa IBM SPSS Statistics, versão 18.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (Referência nº 0008.0.258.000-10). Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Dos 90 tabagistas internados avaliados, 55 (61,1%) eram homens; 47 (52,2%) não eram casados; apenas 30 (32,3%) haviam completado o ensino médio; 65 (72,2%) ganhavam menos que um salário mínimo; 47 (52,2%) foram internados em enfermarias clicas; e 43 (47,8%) foram internados em enfermarias cirúrgicas. A média de idade dos pacientes foi de 51 ± 12,2 anos (variação, 20-72 anos). Os motivos da internação foram os seguintes: câncer (em 23,3%); doenças cardiovasculares (em 21,1%), principalmente doença arterial coronariana; doenças respiratórias (em 14,4%); e doenças osteoarticulares (em 13,4%). Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto aos motivos da internação.

As doenças relacionadas ao tabagismo mais prevalentes antes da internação foram hipertensão (em 51,1%), gastrite (em 33,3%), DPOC (em 28,8%) e diabetes mellitus (em 26,6%). Dos 35 tabagistas do sexo feminino, 14 (40%) relataram ter tido pelo menos um aborto espontâneo. Dos 90 pacientes avaliados, 16 (17,8%) relataram dependência de álcool e 19 (21,1%) relataram dependência de uma ou mais drogas. Setenta e oito (86,7%) relataram estilo de vida sedentário.

Entre os pacientes avaliados, a média de cigarros fumados por dia foi de 20,7 ± 13,1, o tempo médio desde o início do hábito de fumar foi de 34,8 ± 13,5 anos, a carga tabágica média foi de 38,8 ± 31,4 anos-maço e a média de idade de início do tabagismo foi de 15,9 ± 5,4 anos. Além disso, o grau de dependência de nicotina foi classificado como alto ou muito alto em 40 (43,4%) dos pacientes, e 58 (64,5%) já haviam tentado parar de fumar pelo menos uma vez. Os pacientes alegaram os seguintes motivos para permanecerem abstinentes após a alta hospitalar: preocupações com a saúde (em 85 pacientes); preocupações relacionadas à família (em 13); problemas financeiros (em 8); preocupações estéticas (em 3); melhora da qualidade de vida (em 2); aceitação social (em 2); melhor higiene pessoal (em 2); e preocupações religiosas (em 1). Todos os pacientes relataram precisar de ajuda para permanecerem abstinentes. Durante a internação, 53 (58,9%) dos 90 pacientes relataram pelo menos um sintoma de abstinência de nicotina e apresentaram pelo menos grau mínimo ou leve de fissura de acordo com o QSU-brief. A média de COex na avaliação inicial foi de 4,8 ± 4,5 ppm, sendo que o COex se correlacionou positivamente com a pontuação no FTND (r = 0,244; p = 0,02) e negativamente com o número de dias sem fumar no momento da inclusão (r = −0,284; p = 0,006).

Dos 90 pacientes avaliados, 9 foram excluídos da avaliação dos 6 meses: 5 (3 do grupo InB e 2 do grupo InIV) por morte; e 4 (2 do grupo InB e 2 do grupo InIV) por perda de seguimento. Portanto, um total de 81 pacientes foi avaliado 6 meses após a alta. Não foi observada nenhuma diferença significativa entre os dois grupos quanto a características demográficas, variáveis socioeconômicas ou carga tabágica (Tabelas 1 e 2).
 

 




Após 6 meses de seguimento, a taxa total estimada de abstinência foi de 40,7%, com 9 e 24 pacientes dos grupos InB e InIV, respectivamente, permanecendo abstinentes, enquanto a taxa total estimada de recaída foi de 59.3%, com 31 e 17 pacientes dos grupos InB e InIV, respectivamente, apresentado recaída. A média de COex após 6 meses foi de 0,7 ± 0,6 ppm (variação, 0-2 ppm). Como se pode observar na Figura 1, houve menos casos de recaída no grupo InIV do que no grupo InB.
 



Dos 48 pacientes que recaíram, 38 (79,1%) haviam voltado a fumar no primeiro mês após a alta - 27 na primeira semana (15 no primeiro dia); 8 (16,6%) haviam voltado a fumar entre o primeiro e o terceiro mês; e 2 (4.1%), entre o quarto e o sexto mês. Como mostra a Figura 2, houve uma diferença significativa entre os grupos InB e InIV quanto à curva livre de eventos (p = 0,002), sendo que o grupo InIV apresentou uma maior taxa livre de eventos. O tempo médio para a recaída foi de aproximadamente 24 dias. O principal motivo para a recaída, relatado por 37 pacientes (77,0%), foi a fissura.
 



Na comparação entre os pacientes que haviam e os que não haviam recaído em até 6 meses após a alta (Figura 3), os primeiros apresentaram pontuações significativamente maiores no QSU-brief (p = 0,001). As diferenças entre os pacientes com recaída e os abstinentes não foram significativas para nenhuma das outras variáveis avaliadas: condição que motivou a internação (p = 0,75); dependência de álcool (p = 0,31); dependência de drogas (p = 0,47); e estilo de vida sedentário (p = 0,59).
 



Houve uma correlação positiva significativa entre a pontuação no FTND e a pontuação no QSU-brief (r = 0,209; p = 0,048), enquanto houve uma correlação negativa significativa entre o número de dias sem fumar e a pontuação no QSU-brief (r = −0,353; p = 0,001). A Figura 4 mostra a curva ROC para as pontuações no QSU-brief, em relação à recaída. A melhor pontuação de corte no QSU-brief para identificar recaída foi 20, com sensibilidade de 66,7% e especificidade de 72,7%. De acordo com a regressão logística, os preditores independentes de recaída foram ser do grupo InB (p = 0,008) e ter grau moderado ou intenso de fissura (p = 0,034), com riscos relativos de 3,9 e 3,0, respectivamente.
 



Dos 33 pacientes que haviam permanecido abstinentes durante todo o período de seguimento de 6 meses, 18 (54,5%) relataram melhora dos sintomas respiratórios; 15 (45,4%), melhora da situação financeira; 13 (39,3%), melhora do olfato; e 10 (30,3%), melhora do paladar. Apenas um paciente relatou não ter observado nenhuma melhora.

DISCUSSÃO

A cada ano, milhões de tabagistas são internados por doenças relacionadas ao tabagismo. Essas internações são uma janela de oportunidade para a implementação de programas de cessação do tabagismo.(7) Os tabagistas internados são mais suscetíveis às mensagens antitabagismo por uma série de motivos(17): fragilidade; medo de complicações ou morte decorrentes da doença que motivou a internação; e o fato de serem forçados a se abster de fumar por causa da proibição do fumo nos hospitais. São poucos os hospitais que identificam os tabagistas durante a internação, e são raros os que oferecem tratamento para cessação do tabagismo e seguimento após a alta.(5) Neste estudo, todos os tabagistas internados relataram estar motivados a parar de fumar para sempre, embora tenham afirmado que precisavam de ajuda para permanecer abstinentes, apoiando o conceito de que a internação é um momento oportuno para iniciar o tratamento para cessação do tabagismo.

Existem poucos estudos epidemiológicos sobre o tratamento intra-hospitalar para cessação do tabagismo e o manejo desse tratamento. Em um estudo anterior realizado pelo nosso grupo com 136 pacientes internados,(16) 18 (13,2%) dos pacientes eram tabagistas. Desses 18 pacientes, 16 (88,9%) apresentaram sintomas de abstinência durante a internação. No presente estudo, a prevalência de tabagismo foi menor (8,1%) e apenas 53 (58,9%) dos 90 pacientes apresentaram sintomas de abstinência, sendo que fissura de grau mínimo ou leve foi o sintoma predominante. Warner et al.(18) não observaram sintomas intensos de abstinência em tabagistas internados para cirurgia eletiva. Os autores sugerem que o estresse psicológico causado pelo procedimento cirúrgico reduziu os sintomas de abstinência. Um estudo realizado em um hospital nos Estados Unidos avaliou 650 tabagistas internados e constatou uma prevalência de 25% de tabagismo atual entre os pacientes internados, sendo que 55% dos tabagistas relataram sintomas de abstinência durante a internação hospitalar.(19) Em hospitais psiquiátricos livres do tabaco, quase 50% dos pacientes internados são tabagistas.(20) Emmons & Goldstein(5) constataram uma prevalência de tabagismo de 16% entre 304 pacientes internados em uma enfermaria de doenças cardiovasculares. A prevalência relatada de tabagismo em diversos hospitais varia de 12,1% a 34,0%.(21-23)

Programas de tratamento para cessação do tabagismo para pacientes internados têm sido implementados em todo o mundo,(24,25) com variação significativa nas taxas de sucesso. Estudos sobre diferentes técnicas de intervenção para a cessação do tabagismo entre pacientes internados têm produzido resultados inconsistentes e não confiáveis.(25,26) Em uma revisão de vários estudos de intervenção sobre tabagismo entre pacientes internados,(17) constatou-se que o seguimento do paciente após a alta hospitalar reduz significativamente a taxa de recaída nos 6 meses seguintes. Isso indica a necessidade estratégica de monitorar os pacientes após a alta hospitalar. Hajek et al.(27) avaliaram 540 tabagistas internados após infarto do miocárdio ou para cirurgia de revascularização miocárdica e concluíram que a intervenção breve durante a internação foi insuficiente para prevenir a recaída. Simon et al.(7) demonstraram que a orientação médica intensiva durante a internação, juntamente com o uso de TRN por 2 meses e apoio por telefone após a alta hospitalar, aumentou a cessação do tabagismo em comparação ao aconselhamento mínimo intra-hospitalar. Wolfenden et al.(28) mostraram que uma intervenção hospitalar com mais de 20 min de duração, seguida de pelo menos cinco telefonemas após a alta, durante um período mínimo de 3 meses, é eficaz para aumentar as taxas de cessação do tabagismo. Em duas revisões sistemáticas de estudos sobre intervenções de cessação do tabagismo em pacientes internados - publicadas em 2003 e 2007, com 17 e 33 ensaios, respectivamente(29,30) - os autores concluíram que intervenções comportamentais que são iniciadas durante a internação hospitalar e se estendem por pelo menos 30 dias após a alta aumentam as taxas de cessação do tabagismo. Essas intervenções são eficazes independentemente do diagnóstico de internação. Não há relatos de que intervenções breves proporcionem benefícios significativos do ponto de vista estatístico. Resultados semelhantes foram obtidos em tabagistas hospitalizados por doenças cardiovasculares. Nesse subgrupo, a intervenção intensiva com apoio após a alta aumentou a taxa de cessação do tabagismo, sendo que tal aumento não foi observado após a intervenção breve.(19) Uma revisão atualizada, com 50 ensaios, publicada em 2012,(10) confirmou esses achados e mostrou que as taxas de cessação do tabagismo foram significativamente maiores após aconselhamento intensivo e TRN do que após o aconselhamento apenas, embora não haja evidências suficientes para concluir que o acréscimo de bupropiona ou vareniclina ao aconselhamento intensivo resulte em taxas de cessação maiores do que as alcançadas apenas com o aconselhamento. No presente estudo, o uso da abordagem intensiva com apresentação de um vídeo educativo, seguido de contato por telefone, foi superior à intervenção breve quanto à taxa de recaída após 6 meses de seguimento.

A recaída é um evento comum entre ex-tabagistas. Setenta e cinco por cento dos indivíduos abstinentes recaem nos primeiros 12 meses, sendo que a maioria recai nos primeiros 6 meses, independentemente da natureza da intervenção inicial.(31,32) Em nosso estudo, 48 (59,3%) dos 81 tabagistas avaliados 6 meses após a alta haviam recaído. Desses 48 pacientes, 38 (79,1%) voltaram a fumar no primeiro mês após a alta hospitalar, sendo que a taxa de recaída diminuiu progressivamente ao longo do tempo, à semelhança do que foi relatado em outros ensaios.(32,33) Hawkins et al.(33) mostraram que a taxa de recaída diminui em proporção direta à duração da abstinência, como também foi mostrado por Hughes et al.(34) em uma meta-análise sobre recaída ao tabagismo após 12 meses de abstinência. Esses dados demonstram a necessidade de maior apoio durante os primeiros meses de abstinência do tabagismo. Goodman et al.(35) revisaram a história da cessação do tabagismo durante a internação em um hospital livre do tabaco e mostraram que apenas 7% dos pacientes permaneciam abstinentes 6 meses após a alta. Entre os pacientes que recaíram naquele estudo, 45% o fizeram no primeiro dia após a alta.

Os potenciais preditores de recaída ao tabagismo variam entre os centros de tratamento. No presente estudo, apenas o grau de fissura foi preditor independente de recaída, o que difere dos achados de estudos anteriores.(33,36-38)

O conhecimento das taxas de abstinência em longo prazo após a alta é extremamente importante para a avaliação da eficácia dos tratamentos hospitalares. No presente estudo, a taxa de abstinência entre os pacientes avaliados 6 meses após a alta foi de 40,7%, maior do que a relatada na literatura.(31-33)

Aqui, apresentamos uma técnica baseada na terapia cognitivo-comportamental que é de fácil acesso e baixo custo. Essa intervenção, que pode ser aplicada por médicos e outros profissionais da saúde, provou ser eficaz na redução das taxas de recaída em longo prazo. Como o grau de fissura no momento da internação foi o principal preditor de recaída, a técnica poderia ser complementada com medicação (TRN, bupropiona ou vareniclina) ou tratamento dos transtornos psiquiátricos comórbidos que surgem com a abstinência, de forma individual e seletiva.

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