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Síndrome de obesidade-hipoventilação: uma revisão atual

Obesity hypoventilation syndrome: a current review

Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde1,2,a, José Ricardo Bandeira de Oliveira Filho1,b, Geraldo Lorenzi Filho2,c, Pedro Rodrigues Genta2,d

ABSTRACT

Obesity hypoventilation syndrome (OHS) is defined as the presence of obesity (body mass index ≥ 30 kg/m²) and daytime arterial hypercapnia (PaCO2 ≥ 45 mmHg) in the absence of other causes of hypoventilation. OHS is often overlooked and confused with other conditions associated with hypoventilation, particularly COPD. The recognition of OHS is important because of its high prevalence and the fact that, if left untreated, it is associated with high morbidity and mortality. In the present review, we address recent advances in the pathophysiology and management of OHS, the usefulness of determination of venous bicarbonate in screening for OHS, and diagnostic criteria for OHS that eliminate the need for polysomnography. In addition, we review advances in the treatment of OHS, including behavioral measures, and recent studies comparing the efficacy of continuous positive airway pressure with that of noninvasive ventilation.

Keywords: Obesity; Obesity hypoventilation syndrome; Noninvasive ventilation.

RESUMO

A síndrome de obesidade-hipoventilação (SOH) é definida pela presença de obesidade (índice de massa corpórea ≥ 30 kg/m2) e hipercapnia arterial diurna (PaCO2 ≥ 45 mmHg), na ausência de outras causas. A SOH é frequentemente negligenciada e confundida com outras patologias associadas à hipoventilação, em particular à DPOC. A importância do reconhecimento da SOH se dá por sua elevada prevalência, assim como alta morbidade e mortalidade se não tratada. Na presente revisão, abordamos os recentes avanços na fisiopatologia e no manejo da SOH. Revisamos a utilidade da medição do bicarbonato venoso como rastreamento e os critérios diagnósticos que descartam a necessidade de polissonografia. Destacamos ainda os avanços no tratamento da SOH, incluindo medidas comportamentais, e estudos recentes que comparam a eficácia do uso de pressão positiva contínua nas vias aéreas e de ventilação não invasiva.

Palavras-chave: Obesidade; Síndrome de hipoventilação por obesidade; Ventilação não invasiva.

INTRODUÇÃO

A síndrome de obesidade-hipoventilação (SOH) é definida pela presença de obesidade e hipoventilação diurna (PaCO2 ≥ 45 mmHg) em pacientes sem doença central, pulmonar, neuromuscular, metabólica ou de caixa torácica que explique a hipercapnia.(1) Dessa forma, a SOH é um diagnóstico de exclusão e outras causas de hipercapnia devem ser pesquisadas. A obesidade é o marco principal da doença, existindo correlação entre o índice de massa corpórea (IMC) e a prevalência da doença.(1-5) A importância da identificação da SOH se deve à possibilidade de agudização do quadro com insuficiência respiratória e à alta mortalidade em pacientes não tratados. A apneia obstrutiva do sono (AOS) acompanha a SOH em mais de 90% dos casos, compartilhando o principal fator de risco, isto é, a obesidade, mas não é necessária para o diagnóstico. Tal fato justifica o motivo de a polissonografia não ser necessária para o diagnóstico da SOH. Sinais de insuficiência cardíaca direita podem estar presentes na SOH e são secundários a hipoxemia crônica e hipertensão pulmonar que podem acompanhar o quadro. A hipertensão arterial e a resistência à insulina também são mais prevalentes em portadores de SOH quando comparados com obesos sem SOH.(1-3)

Sendo a SOH associada a elevadas morbidade e mortalidade,(5-7) o objetivo do presente artigo foi realizar uma revisão atual da epidemiologia, da fisiopatologia e do tratamento da SOH.

HISTÓRICO

A sonolência associada à obesidade foi descrita em 1889, mesmo antes do reconhecimento da AOS.(8) Bickelmann et al. publicaram um relato de caso em 1956(3) e popularizaram a designação "síndrome de Pickwick" (epônimo já em desuso) numa referência ao folclórico personagem Fat Boy Joe, do livro "The Posthumous Papers of the Pickwick Club" de Charles Dickens, que se encontrava sempre sonolento, faminto e frequentemente dormia na realização de trabalhos diurnos.(9) O paciente relatado por Bickelmann et al.(3) possuía hipoventilação diurna, hipoxemia crônica, policitemia e hipertensão pulmonar, com evidências de cor pulmonale. A partir de então, diversos estudos caracterizaram a epidemiologia, o quadro clínico e a fisiopatologia da SOH.(1,2,4,7) Desde 1999, a American Academy of Sleep Medicine definiu os critérios diagnósticos da SOH.(10,11)

EPIDEMIOLOGIA
A prevalência da SOH é incerta pela ausência de estudos populacionais. A prevalência da SOH é estimada em 10-20% em pacientes com AOS(7,12-16) e ainda maior em pacientes com obesidade extrema.(7,14) Mokhlesi et al.(7) avaliaram uma população nos EUA encaminhada para a avaliação por suspeita de AOS em um centro especializado de medicina do sono - envolvendo 180 pacientes de forma retrospectiva e 410 pacientes de forma prospectiva. Dos pacientes diagnosticados com AOS nessas duas populações, 30% e 20% preenchiam os critérios para SOH, respectivamente, proporções essas que aumentavam de acordo com o IMC. Laaban et al.(14) avaliaram retrospectivamente pacientes sob tratamento domiciliar por AOS na França. A amostra incluiu 1.114 adultos, entre os quais aproximadamente 10% preenchiam os critérios diagnósticos de SOH, sendo também encontrada uma associação positiva com o IMC mais elevado.(14) Akashiba et al.(12) avaliaram 611 pacientes no Japão encaminhados por AOS para centros de referência em medicina do sono e diagnosticaram SOH em 9% dos pacientes. Os pacientes com SOH eram mais jovens, mais obesos e com AOS mais grave quando comparados aos pacientes sem SOH. Em uma abordagem diferente, Kessler et al.(17) avaliaram pacientes com SOH e detectaram AOS na maior parte dos pacientes (90%), sendo que os pacientes com SOH e AOS apresentavam piores parâmetros gasométricos e de hemodinâmica pulmonar do que os pacientes com SOH sem AOS.

Com o objetivo de mostrar a prevalência e, consequentemente, o subdiagnóstico da SOH, Nowbar et al.(5) realizaram um estudo com pacientes obesos hospitalizados por qualquer motivo em um serviços de medicina interna. Entre os 29 pacientes obesos com IMC > 50 kg/m2, 14 (48%) foram diagnosticados com SOH. No mesmo estudo, 31% dos 150 pacientes obesos que foram internados não tiveram o diagnóstico prévio de SOH, apesar de preencherem os critérios para tal.(5)

Pela ausência de estudos de prevalência na população geral, um exercício de correlações epidemiológicas tem sido repetidamente citado. Mokhlesi(18) infere que se aproximadamente 3% da população geral dos EUA apresentam obesidade grave (IMC > 40 kg/m2), metade desses indivíduos teria AOS. Mantendo, então, a estimativa de que 10-20% dos pacientes com obesidade grave e AOS teriam SOH, um cálculo conservador aponta para uma prevalência de SOH de 0,15-0,30% na população geral nos EUA (aproximadamente de 1:300 a 1:600 adultos).(18)

MORBIDADE E MORTALIDADE

O paciente com SOH utiliza mais recursos do sistema de saúde do que obesos sem SOH ou do que a população geral até o momento do diagnóstico.(19) A obesidade per se traz maior chance de doenças como hipertensão arterial sistêmica, diabetes, dislipidemias e hipotireoidismo. Comorbidades como insuficiência cardíaca, insuficiência coronariana e cor pulmonale são mais comuns no paciente com SOH, e sua chance de necessitar ventilação mecânica invasiva ou admissão em UTI também é aumentada.(5,20) Ainda, a hipertensão pulmonar é mais comum (50% vs. 15%) e mais grave em pacientes com SOH do que em pacientes com AOS.(16,21,22)

Berg et al.(19) realizaram um estudo com 20 pacientes com SOH, pareados por idade, sexo e código postal (para tentar equiparar fatores socioeconômicos). Comparados com o grupo controle, as morbidades mais encontradas foram as cardiovasculares: insuficiência cardíaca congestiva (OR = 9,0; IC95%: 2.3-35.0); angina pectoris (OR = 9,0; IC95%: 1.4-57.1) e cor pulmonale (OR = 9,0; IC95%: 1.4-57.1). Em um estudo retrospectivo realizado por Basoglu & Tasbakan, pacientes com IMC > 40 kg/m2 e complicações da obesidade apresentaram uma forte associação com um risco aumentado de morte prematura em pacientes internados.(2) Nowbar et al.(5) revelaram uma mortalidade de 23% ao décimo oitavo mês após a alta hospitalar, quase duas vezes maior que a mortalidade de pacientes obesos sem hipoventilação no mesmo período.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO

A SOH ocorre dentro de uma tríade: obesidade; alterações gasométricas diurnas (hipercapnia); e ausência de outras anormalidades que justifiquem os achados (Quadro 1).(23) A American Academy of Sleep Medicine define a SOH da seguinte maneira: presença de hipoventilação alveolar diurna aferida ao nível do mar (PaCO2 > 45 mmHg) com o paciente acordado, em pacientes com IMC ≥ 30 kg/m2, e ausência de outras causas de hipoventilação.(11)

A grande maioria dos pacientes com SOH apresenta sintomas de AOS, incluindo ronco, engasgos noturnos, apneias presenciadas, sono não restaurador, sonolência diurna excessiva e fadiga. Em contraste aos pacientes apenas com AOS, os pacientes com SOH se queixam de dispneia, são frequentemente hipoxêmicos e podem apresentar sinais de cor pulmonale. Ao exame físico, um paciente obeso, pletórico, hipoxêmico, com circunferência cervical aumentada, via aérea com área reduzida, P2 (hiperfonese da segunda bulha) proeminente na ausculta cardíaca e edema de membros inferiores tem risco de ser um portador de SOH.(1)

A SOH é um diagnóstico de exclusão. Devem ser descartadas outras causas de hipoventilação, como DPOC, doença pulmonar intersticial grave, limitações ventilatórias mecânicas (por exemplo, defeitos de caixa torácica como cifoescoliose), miopatias (por exemplo, miastenia gravis), doenças neurológicas, causas centrais (como doença cerebrovascular e hipotireoidismo não tratado) e causas congênitas (como síndrome de Ondine; Quadro 1).





O rastreio inicial dos pacientes suspeitos pode ser feito por oximetria de pulso e dosagem do bicarbonato sérico venoso. Valores limítrofes de oximetria são achados comuns. Pacientes com SOH raramente apresentam PaO2 > 70 mmHg quando a gasometria arterial é realizada. Consequentemente, SpO2 < 93% à oximetria de pulso seria sugestiva de hipoventilação. Porém, valores maiores não são excludentes, o que justifica que esse não é um critério necessário para se firmar o diagnóstico, apesar de auxiliar no rastreio. Oximetria noturna com hipoxemia sustentada e sem apneias associadas também aumenta a suspeição para hipoventilação. Um nível de bicarbonato sérico ≥ 27 mEq/l mostrou sensibilidade de 92% e especificidade de 50%, justificando seu uso para o rastreio.(7,24,25) Após esse rastreio, a realização de gasometria arterial é mandatória. Para a exclusão de outras causas de hipoventilação (Quadro 1), devem ser realizados prova de função pulmonar com avaliação de força muscular associada (como PImáx e PEmáx), radiografia de tórax, eletrocardiograma e função tireoidiana. Deve-se investigar ainda o uso de drogas e medicações, como sedativos, hipnóticos, opioides e abuso de álcool. A polissonografia não é necessária para o diagnóstico da SOH.(11) Porém, como se viu que esses indivíduos apresentam eventos obstrutivos, assim como piora de saturação no sono REM (Figura 1), para o tratamento de apneia do sono comórbida e para justificar possíveis terapêuticas, a polissonografia acaba sendo solicitada.(6)

Infelizmente, apesar de conceitualmente simples, o diagnóstico acaba sendo, na maioria das vezes, dado de modo tardio durante eventos agudos de insuficiência respiratória ou de descompensação cardíaca.(5,26)




FISIOPATOLOGIA

Diversos mecanismos estão relacionados à patogênese da SOH (Figura 2), incluindo uma resposta orgânica anormal do sistema respiratório em determinados indivíduos obesos, assim como uma resposta central deficiente a hipercapnia e hipoxemia, além de alterações neuro-humorais. Comparados com outros obesos, indivíduos portadores de SOH têm uma pior complacência pulmonar e apresentam reduções importantes da capacidade residual funcional, complacência da caixa torácica e aumento da resistência pulmonar.(23,27)



Alterações da função pulmonar

A obesidade e a maior espessura da caixa torácica resultante dessa em pacientes obesos impõem uma sobrecarga no trabalho ventilatório. Respirar em volumes menores afeta a mecânica ventilatória, reduzindo a complacência do sistema e aumentando sua resistência (cerca de 20% a mais em comparação com outros obesos e 60% a mais em comparação a indivíduos eutróficos).(23,27) A troca gasosa também é afetada, piorando a relação ventilação/perfusão. Indivíduos com SOH tendem a ter volume corrente menor e FR mais elevada, aumentando-se o efeito espaço morto. Consequentemente, a hipoxemia é um achado comum, o que também leva a um desfecho comum de hipertensão pulmonar secundária à hipóxia.(16,17) A deposição de gordura abdominal também prejudica a influência do diafragma na ventilação, causando prejuízo à função muscular. Ocorrem também adelgaçamento do diafragma e aumento do estresse oxidativo.(28)

Controle ventilatório

Pacientes com SOH apresentam retenção de CO2 arterial. Inicialmente, acreditava-se que uma possível redução da quimiossensibilidade ao CO2 fosse a causa desse achado, o que não se mostrou verdadeiro.(29-31) Ao contrário do que ocorre com a hipóxia crônica, a baixa saturação diurna e noturna pode ser a causa da redução da resposta ventilatória.(32) A quimiossensibilidade é progressivamente prejudicada pelo aumento do nível de CO2. Acredita-se que a hipercapnia crônica também possa resultar da incapacidade de eliminar o CO2 durante o dia, que é acumulado à noite em episódios de apneias e hipopneias (Figura 3).(30) Um mecanismo secundário que também prejudica a quimiossensibilidade é o aumento do nível de bicarbonato no soro e no líquido cefalorraquidiano.



Papel da leptina

A leptina é uma citocina produzida pelos adipócitos, podendo justificar uma relação causal entre obesidade, controle ventilatório e hipercapnia crônica. A maioria dos dados é derivada de estudos com camundongos. Esses animais quando obesos, à semelhança dos humanos, desenvolvem hipercapnia diurna e redução da resposta ventilatória ao CO2. Neles ocorre uma deficiência de leptina. A reposição de leptina reverte a hipoventilação em camundongos com deficiência de leptina.(33)

Ao contrário do modelo animal, não há deficiência, mas sim ocorre uma elevação dos níveis de leptina em humanos obesos. Acredita-se que a leptina teria inicialmente um efeito protetor, estimulando a resposta ventilatória. Com a manutenção da obesidade, ocorreria resistência à leptina (semelhante conceitualmente à resistência insulínica) e, assim, a consequente diminuição da resposta ventilatória ao CO2.(25,32,34)

MEDIDAS GERAIS DE TRATAMENTO

Perda ponderal

A perda ponderal significativa promove melhora dos parâmetros ventilatórios.(3,32) A cirurgia bariátrica é a intervenção de melhor resultado.(35) Porém, dietas com baixas calorias podem apresentar resultados satisfatórios. A cirurgia bariátrica é o tratamento de escolha no manejo de pacientes com obesidade mórbida, mas nem todo paciente é candidato ao procedimento já que o número de comorbidades que aumentam o risco cirúrgico é elevado. Alguns pacientes, inclusive, terão o procedimento contraindicado devido a essas comorbidades.

Apesar de melhorar as variáveis ventilatórias, nem sempre o tratamento é resolutivo. Em um estudo realizado por Dixon et al.(36) com 60 pacientes obesos com diagnóstico de AOS e divididos em dois grupos - um de restrição calórica e outro submetido à cirurgia bariátrica - o grupo operado teve maior perda ponderal, mas sem diferença estatisticamente significante em relação ao índice de apneia-hipopneia. Greenburg et al.(37) publicaram uma meta-análise que incluiu 12 estudos com 342 pacientes que realizaram polissonografia antes da cirurgia bariátrica e após ter sido atingida a maior perda ponderal. Houve uma redução de 71% do índice de apneia-hipopneia: de 55 eventos/h (IC95%: 49-60 eventos/h) para 16 eventos/h (IC95%: 13-19 eventos/h). Sabe-se que de 7% a 20% desses pacientes não conseguem manter a perda de pelo menos 20% do IMC após 5-10 anos,(38,39) o que demanda vigilância mesmo após o procedimento. Apenas um estudo avaliou o impacto da cirurgia bariátrica em pacientes com SOH. Sugerman et al.(40) avaliaram 61 pacientes com SOH submetidos ao procedimento. Em 31 pacientes, houve melhora da PaO2 (de 53 mmHg para 73 mmHg) e da PaCO2 (de 53 mmHg para 44 mmHg) após 1 ano. Após 5 anos, apenas 12 pacientes realizaram nova gasometria arterial, mas com notada piora (média de PaO2 = 68 mmHg e média de PaCO2 = 47 mmHg), assim como aumento da média do IMC (de 38 kg/m2 para 40 kg/m2), já elevado desde o primeiro ano pós-operatório.

Oxigenoterapia isolada

A oxigenoterapia isolada não é apropriada, mesmo em eventos agudos, por promover maior retenção de CO2 noturno (efeito Haldane e de ventilação "espaço morto"), o que piora a qualidade do sono, e é considerada um erro comum no manejo do paciente com SOH (tal assunto será discutido adiante).(41)

Flebotomia
Não existem estudos que avaliem a indicação de flebotomia em pacientes com SOH. Nosso grupo utiliza as indicações de flebotomia sugeridas para pacientes cardiopatas e pneumopatas (hematócrito > 56% ou sintomas de hiperviscosidade).(42)

Traqueostomia

A traqueostomia foi o primeiro tratamento instituído para SOH; porém, hoje tem seu espaço reservado apenas para aqueles casos refratários ao uso de ventilação não invasiva (VNI) em virtude de risco e de complicações inerentes ao procedimento e ao paciente obeso.(34)

Farmacoterapia

Diversas medicações (como medroxiprogesterona e acetazolamida) foram tentadas com o objetivo de aumentar a resposta ventilatória, sem sucesso, e não são indicadas para o tratamento de SOH.(25,32,34,43)

Pressão positiva

Continuous positive airway pressure (CPAP, pressão positiva contínua nas vias aéreas) é o tratamento de escolha para a SOH estável. A CPAP promove melhora da ventilação alveolar por meio de diminuição da resistência das vias aéreas superiores, alívio da carga muscular ventilatória e/ou aumento da atuação ventilatória central.(6,19,24,41,44-52) Pacientes com SOH devem ser inicialmente tratados com CPAP se clinicamente estáveis e se PaCO2 não estiver gravemente alterada (< 55 mmHg). Quando tal situação não é encontrada, deve-se promover o uso de VNI. Nos casos em que não há AOS, a VNI também deve ser utilizada. A terapia com CPAP é tipicamente administrada através de máscara nasal. Alguns estudos mostraram que as máscaras oronasais são menos eficazes e estão associadas a uma menor aderência e a maiores efeitos colaterais em comparação com máscaras nasais em portadores de AOS.(53) Dessa forma, a longo prazo, as máscaras nasais são recomendadas. No paciente crítico com insuficiência respiratória, máscaras oronasais são preferíveis.

Em um estudo multicêntrico randomizado na Espanha, que incluiu 221 pacientes, foram comparadas a utilização de VNI, de CPAP e mudança de estilo de vida. A VNI e a CPAP foram mais eficazes do que a modificação do estilo de vida com relação à melhoria dos sintomas clínicos e parâmetros polissonográficos. No entanto, não houve diferenças significativas entre o uso de VNI e CPAP, embora a VNI exibiu ligeiramente melhores valores de função pulmonar.(54) Howard et al.(55) realizaram um estudo duplo-cego, randomizado, comparando o uso de CPAP e VNI em 57 pacientes com SOH admitidos tanto em uma unidade de pronto-atendimento quanto em unidades ambulatoriais. Não houve diferenças entre CPAP e VNI em relação à falha de tratamento, e encontraram-se similaridades em relação a parâmetros ventilatórios, qualidade de vida e marcadores de risco cardiovascular após 3 meses, independentemente da gravidade da SOH. Apesar de uma tendência de melhora precoce no grupo submetido à VNI, a CPAP foi de uso seguro mesmo em pacientes mais graves, desde que utilizada na urgência após a estabilização com VNI e com critérios de falência ao tratamento sendo monitorados (PaCO2 > 60 mmHg após 3 meses de uso ou aumento na PaCO2 em 10 mmHg em qualquer momento).(55) No entanto, mais estudos comparativos de longo prazo são necessários para comparar o uso de VNI ao de CPAP em relação a variáveis como duração da hospitalização, eventos cardiovasculares e mortalidade. Em pacientes com hipoventilação refratária (manutenção de PaCO2 > 45 mmHg apesar de comprovada adesão ao tratamento e utilização de PAP obtida por exame de titulação, mesmo com a eliminação de eventos obstrutivos) ou dessaturação persistente (manutenção de SpO2 < 90% também com comprovada adesão ao tratamento e PAP obtida por exame de titulação apesar da eliminação de eventos obstrutivos), a VNI deve ser utilizada (43,46,47,49,52,56,57)

Objetivos de tratamento

O objetivo da terapia na SOH é reverter as principais anormalidades fisiológicas que dão origem à doença, ou seja, normalizar a ventilação durante o sono e reduzir o peso. As metas terapêuticas para pacientes com SOH incluem a normalização da PaCO2 durante a vigília e o sono; a prevenção da dessaturações durante o sono e a vigília; o controle da eritrocitose, da hipertensão pulmonar e de cor pulmonale; e o alívio da hipersonia. A fraca aderência à PAP está associada a uma melhora clínica incompleta. Essa pode ser avaliada através da revisão do cartão de memória dos dispositivos de VNI e CPAP.

Manejo na urgência: erros de conduta comuns em pacientes com SOH

Uso excessivo de oxigênio complementar

A hipercapnia pode ser agravada pela hiperóxia por vários mecanismos: o aumento da FiO2 pode levar a uma diminuição do volume minuto e, consequentemente, a uma diminuição do volume corrente por ação dos quimiorreceptores periféricos; a oxigenação de áreas hipóxicas causa vasodilatação que muda o fluxo sanguíneo para áreas antes pouco ventiladas, causando um aumento do espaço morto; e o efeito Haldane causa a redução da afinidade da hemoglobina pelo CO2 e diminui com a correção da hipóxia, causando uma maior liberação de CO2 no plasma, o que aumenta a hipercapnia.(29,41,58) Em virtude disso, a oxigenoterapia isolada é mais bem indicada em pacientes hemodinamicamente estáveis e sem trabalho ventilatório excessivo (FR ≤ 30 ciclos/min sem uso de musculatura acessória ou com presença de outros sinais de risco de falência ventilatória), sob vigilância clínica, com alvo de SpO2 entre 89-92%.(41)

Uso excessivo de diuréticos de alça

Portadores de SOH são comumente acometidos por quadros que causam edema devido a cor pulmonale. Por poder ser a descompensação de cor pulmonale o causador da busca de assistência médica, habitualmente utiliza-se um diurético de alça (furosemida) no tratamento inicial desses pacientes a fim de estabelecer um estado euvolêmico. Porém, o uso excessivo de diuréticos pode levar a um quadro de insuficiência renal aguda pré-renal. A alcalose de contração secundária ao uso de diuréticos pode piorar a retenção de CO2. Ainda, o uso excessivo de furosemida pode causar hipopotassemia. Indica-se o uso cauteloso de diuréticos na SOH, com a menor dose de diurético possível para uma melhor resposta clínica e menor impacto hidroeletrolítico e ácido-metabólico. (41) O uso de espironolactona para a prevenção da hipopotassemia é plausível.

Uso excessivo de psicotrópicos

O uso de drogas sedativas/hipnóticas tanto promove uma maior colapsabilidade da via aérea, como diminui a resposta ventilatória, que é prejudicial nesses pacientes.

Confusão diagnóstica com DPOC

Pacientes retentores crônicos de CO2, como os portadores de SOH, comumente são diagnosticados com DPOC, apesar de não apresentarem distúrbios ventilatório-obstrutivos documentados. Um estudo retrospectivo feito por Marik & Desai(59) mostrou que pacientes obesos mórbidos admitidos em UTI por insuficiência respiratória secundária à SOH receberam erroneamente o tratamento para DPOC em 75% dos casos, e 86% estavam sendo tratados para insuficiência cardíaca congestiva (Quadro 2).



PERIOPERATÓRIO DE PORTADORES DA SOH

Habitualmente, pacientes portadores de SOH comumente se apresentam para o pneumologista no período pré-operatório. Além dos cuidados com as comorbidades e da avaliação cardiovascular necessária no paciente obeso ou no já sabidamente ou com alta suspeita de AOS, cuidados específicos no perioperatório desses pacientes são necessários seja qual for o procedimento. Além dos já sugeridos rastreamentos com avaliação de oximetria de pulso e de bicarbonato sérico, outros cuidados se fazem necessários. Se o rastreamento for positivo e a SOH for confirmada por gasometria arterial, o tratamento deve ser iniciado imediatamente, mesmo que há poucos dias ou semanas do procedimento; há evidências significativas de melhora da troca gasosa e do controle ventilatório, seja com um ou dois níveis de pressão positiva.(60)
A obesidade é um fator de risco para a dificuldade de ventilação por máscara.(61) Um estudo retrospectivo feito por Rose & Cohen com 18.500 pacientes mostrou que a obesidade também é um fator de risco isolado para intubação difícil.(62) Kheterpal et al.,(63) ao avaliarem 22.660 procedimentos, identificaram cinco fatores de risco (protrusão mandibular limitada, circunferência cervical aumentada, AOS, ronco isolado e IMC ≥ 30 kg/m2) como preditores independentes de ventilação difícil por máscara e intubação difícil durante a indução anestésica. Isso sugere que os pacientes com SOH estão entre os grupos de maior risco para complicações das vias aéreas.(64) Durante a indução da anestesia, pacientes com SOH devem ser posicionados com elevação do torso e cabeça (de preferência com 25° de inclinação). Isso demonstrou melhorar a ventilação e a visualização glótica,(65) assim como a oxigenação nessa posição.(66)
Pacientes com SOH são mais sensíveis aos efeitos depressores respiratórios de agentes anestésicos e opioides devido à propensão de colapso das vias aéreas e de uma resposta fisiológica inadequada a hipercapnia e hipoxemia. Deve-se optar por bloqueios regionais quando possível. Também, se possível durante o procedimento, esses pacientes devem ser monitorados com um capnógrafo. Ao final do procedimento, o decúbito elevado ou lateral é recomendado para melhor oxigenação e manutenção das vias aéreas, assim como a extubação traqueal somente deve ser realizada após o paciente estar totalmente consciente.(64)
Em relação aos cuidados pós-operatórios, o uso de CPAP por 24-48 h após a extubação pode reduzir o risco de complicações pós-operatórias e de falha de extubação em pacientes com obesidade grave admitidos em UTI (redução absoluta do risco de 16%), com redução de mortalidade em pacientes com hipercapnia.(67,68) Também, o controle da dor tem impacto no status ventilatório. Logo, a analgesia otimizada também é necessária.
A Figura 4 traz uma sugestão de algoritmo para o rastreio e manejo perioperatório desses pacientes.





CONSIDERAÇÕES FINAIS
A SOH ainda é uma entidade pouco reconhecida em nosso meio. O diagnóstico tardio da SOH está associado ao aumento de morbidade, mortalidade e gastos com os cuidados necessários aos pacientes mais graves. No entanto, a quebra de mitos e paradigmas em relação ao diagnóstico, como a desnecessidade de polissonografia, a possibilidade de rastreamento com bicarbonato venoso e a possibilidade de tratamento com CPAP permitem o diagnóstico e o tratamento da SOH em um maior número de pacientes.

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