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Cartas ao Editor

Pneumonia eosinofílica: lembre-se de medicamentos tópicos como possível etiologia

Eosinophilic pneumonia: remember topical drugs as a potential etiology

Olívia Meira Dias1,a, Ellen Caroline Toledo do Nascimento2,b, Rodrigo Caruso Chate3,c, Ronaldo Adib Kairalla1,d, Bruno Guedes Baldi1,e

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562018000000028

AO EDITOR:

Uma paciente de 32 anos foi admitida no pronto-socorro com astenia, mialgia, febre e tosse seca havia 20 dias. Ela não relatou nem dispneia nem sibilância. Não havia histórico de exposição relevante, à exceção do uso de minociclina tópica durante 1 mês para o tratamento de acne facial. A paciente não relatou uso prévio de medicamentos, alergias, tabagismo ou uso de drogas ilícitas.

O exame físico realizado no momento da admissão foi normal; a paciente estava afebril. Não havia erupção cutânea. A ausculta pulmonar foi normal. A paciente apresentava frequência cardíaca de 87 bpm, frequência respiratória de 18 ciclos/min e SpO2 de 98% em ar ambiente.

Os exames laboratoriais revelaram leucocitose (13 × 109 células/l), com contagem de eosinófilos de 1.300 células/µl. Os níveis de proteína C reativa estavam elevados (206 mg/dl; valor de referência: < 10 mg/dl). A contagem de plaquetas, os níveis de eletrólitos, a função renal e a função hepática estavam normais. Testes de influenza e dengue realizados no local de atendimento apresentaram resultados negativos. Os resultados do exame de urina tipo I também foram negativos. Os resultados dos testes de fator reumatoide, fator antinuclear e anticorpo anticitoplasma de neutrófilos foram todos negativos. Os níveis de IgE estavam elevados (374 kU/l; valor de referência: < 100 kU/l). O exame de fezes para a identificação de ovos e parasitas apresentou resultado negativo.
A TCAR de tórax revelou consolidações bilaterais com margens mal definidas, predominantemente nos ápices pulmonares e na periferia pulmonar (Figuras 1A, B e C). A paciente foi submetida a broncoscopia com LBA e biópsia transbrônquica. A citologia do lavado broncoalveolar revelou predomínio de eosinófilos (35%), com resultado negativo para células malignas. Além disso, a análise microbiológica do lavado broncoalveolar apresentou resultado negativo. A biópsia transbrônquica revelou infiltrado inflamatório alveolar/intersticial (com predomínio de eosinófilos e linfócitos), além de focos de inflamação granulomatosa não necrosante nas paredes das arteríolas (Figuras 1D e E). O diagnóstico de pneumonia eosinofílica (PE) crônica induzida por minociclina foi feito após a exclusão de outras causas de eosinofilia periférica e pulmonar e baseou-se em achados de TCAR consistentes com a doença. A eosinofilia periférica, a dispneia e as alterações tomográficas resolveram após a suspensão da minociclina e o início do tratamento com prednisona a 30 mg/dia.
 




A PE compreende um grupo heterogêneo de doenças cuja característica comum é a eosinofilia pulmonar. O diagnóstico de PE pode ser feito com base em pelo menos um dos seguintes critérios: eosinofilia periférica com opacidades pulmonares em exame de imagem; achados de eosinofilia em espécimes cirúrgicos ou de biópsia transbrônquica; aumento da proporção de eosinófilos no lavado broncoalveolar.(1)

Embora a PE possa se apresentar em forma de insuficiência respiratória aguda (especialmente em pacientes com PE aguda), o prognóstico é geralmente bom. A história clínica, a investigação do envolvimento extrapulmonar e a avaliação da exposição do paciente são essenciais para o diagnóstico de PE. Em virtude da presença de sintomas inespecíficos, é comum que haja demora no diagnóstico.(1)

Embora a PE possa ser idiopática, fatores epidemiológicos devem ser levados em conta quando se investiga a eosinofilia pulmonar: exposição a parasitas (incluindo Ascaris spp., Ancylostoma spp., Necator spp. e Strongyloides spp.), exposição a agentes inalatórios, fumar pela primeira vez, mudanças no hábito de fumar, inalação tóxica, uso de medicamentos e uso de drogas ilícitas, bem como histórico de asma e atopia.(1-4) A relação entre medicamentos e PE aumenta cada vez mais; uma lista completa e atualizada pode ser encontrada no site www.pneumotox.com.(5)

Embora tenha havido relatos de eosinofilia periférica em pacientes com PE, ela nem sempre é observada nesses pacientes, especialmente naqueles com PE aguda.(6) Nesses pacientes, a LBA ou a biópsia podem fornecer informações sobre a probabilidade de eosinofilia periférica (níveis de eosinófilos acima de 25% na contagem diferencial de células no lavado broncoalveolar).

No caso aqui relatado, o diagnóstico final foi PE crônica, uma doença insidiosa com sintomas cuja duração varia de 2 a 4 semanas. Em pacientes com PE secundária, os sintomas geralmente aparecem após a radioterapia para câncer de mama e exposição a medicamentos ou parasitas, e podem estar relacionados com doenças do colágeno, tais como a artrite reumatoide. Pacientes do sexo feminino na faixa etária de 30 a 40 anos são mais comumente afetadas. Os principais sintomas são tosse seca, dispneia, febre, astenia e perda de peso. Diferentemente dos pacientes com PE aguda, aqueles com PE crônica raramente apresentam insuficiência respiratória aguda.(3)
A PE causada por minociclina é rara; a subnotificação ocorre porque a minociclina é usada como agente tópico no tratamento da acne vulgar e, portanto, não é considerada uma droga ou medicamento. O prognóstico da PE induzida por minociclina é frequentemente bom.(7)

A PE induzida por medicamentos pode simular a PE aguda ou crônica idiopática em exames de imagem. Em pacientes com PE aguda idiopática, os achados tomográficos característicos incluem infiltrados intersticiais difusos, infiltrados alveolares irregulares e infiltrados em vidro fosco difusos. O padrão de pavimentação em mosaico e derrames pleurais bilaterais também são observados em alguns casos.(8)

No caso aqui relatado, as consolidações pulmonares apresentavam distribuição periférica irregular. Além disso, consolidações confluentes subpleurais foram encontradas nos ápices pulmonares, semelhantes a um negativo fotográfico de edema pulmonar cardiogênico, classicamente descrito na PE crônica idiopática.(9,10) Outros achados tomográficos comuns incluem o sinal do halo invertido, nódulos pequenos, espessamento septal e reticulação.(8) O diagnóstico diferencial radiológico mais comum é a pneumonia em organização criptogênica, na qual consolidações pulmonares e infiltrados alveolares migratórios também podem ocorrer.(11)
Histopatologicamente, a PE é caracterizada por infiltração eosinofílica proeminente dos espaços alveolares e interstício associado, acompanhada por exsudato fibrinoso. A arquitetura pulmonar é tipicamente preservada. É também possível observar microabscessos eosinofílicos, vasculite não granulomatosa não necrosante e, às vezes, células gigantes multinucleadas. A infiltração vascular observada em pacientes com PE não deve ser confundida com a observada em pacientes com síndrome de Churg-Strauss. Nestes, a vasculite é caracterizada por infiltração íntima e medial por células inflamatórias crônicas, incluindo numerosos eosinófilos; pode apresentar características granulomatosas ou conter numerosas células gigantes que lembram a arterite de células gigantes, e, às vezes, necrose fibrinoide está presente.(12) Além disso, granulomas necrosantes são tipicamente encontrados no parênquima adjacente, sendo compostos por grandes focos de necrose circuncidados por um aro de histiócitos epitelioides (isto é, "granulomas circundados por paliçada").(12)

O diagnóstico diferencial de PE inclui pneumonia em organização criptogênica, particularmente no contexto clínico de doenças vasculares do colágeno como miosite, doença mista do tecido conjuntivo e lúpus eritematoso sistêmico; síndrome hipereosinofílica idiopática e síndrome de Churg-Strauss. As duas últimas estão geralmente relacionadas com maior comprometimento extratorácico e maior duração dos sintomas.

O prognóstico da PE é geralmente excelente, em virtude de sua resposta aos corticosteroides. Em geral, a prednisona é usada a 0,5 mg  kg−1  dia−1 de duas semanas a seis meses com redução progressiva, dependendo da gravidade da doença. Em alguns casos, a interrupção da exposição é suficiente para que haja melhora clínica. A re-exposição resulta em recidiva.(4)

REFERÊNCIAS

1. Campos LE, Pereira LF. Pulmonary eosinophilia. J Bras Pneumol. 2009;35(6):561-73. https://doi.org/10.1590/S1806-37132009000600010
2. Cottin V, Cordier JF. Eosinophilic pneumonias. Allergy. 2005;60(7):841-57. https://doi.org/10.1111/j.1398-9995.2005.00812.x
3. Katz U, Shoenfeld Y. Pulmonary eosinophilia. Clin Rev Allergy Immunol. 2008;34(3):367-71. https://doi.org/10.1007/s12016-007-8053-y
4. De Giacomi F, Decker PA, Vassallo R, Ryu JH. Acute Eosinophilic Pneumonia: Correlation of Clinical Characteristics With Underlying Cause. Chest. 2017;152(2):379-385. https://doi.org/10.1016/j.chest.2017.03.001
5. PNEUMOTOX ON LINE: The Drug-Induced Respiratory Disease Website [homepage on the Internet]. Dijon, France: Phillippe Camus; v2.2 [cited 2017 Oct 7]. Available from: www.pneumotox.com
6. Buelow BJ, Kelly BT, Zafra HT, Kelly KJ. Absence of Peripheral Eosinophilia on Initial Clinical Presentation Does Not Rule Out the Diagnosis of Acute Eosinophilic Pneumonia. J Allergy Clin Immunol Pract. 2015;3(4):597-8. https://doi.org/10.1016/j.jaip.2015.01.008
7. Cottin V. Eosinophilic Lung Diseases. Clin Chest Med. 2016;37(3):535-56. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2016.04.015
8. Price M, Gilman MD, Carter BW, Sabloff BS, Truong MT, Wu CC. Imaging of Eosinophilic Lung Diseases. Radiol Clin North Am. 2016;54(6):1151-1164. https://doi.org/10.1016/j.rcl.2016.05.008
9. Jeong YJ, Kim KI, Seo IJ, Lee CH, Lee KN, Kim KN, et al. Eosinophilic lung diseases: a clinical, radiologic, and pathologic overview. Radiographics. 2007;27(3):617-37; discussion 637-9. https://doi.org/10.1148/rg.273065051
10. Cherian SV, Thampy E. 'Photographic negative of pulmonary oedema': a classical radiographic pattern of chronic eosinophilic pneumonia. Postgrad Med J. 2015;91(1077):411-2. https://doi.org/10.1136/postgradmedj-2015-133443
11. Drakopanagiotakis F, Paschalaki K, Abu-Hijleh M, Aswad B, Karagianidis N, Kastanakis E, et al. Cryptogenic and secondary organizing pneumonia: clinical presentation, radiographic findings, treatment response, and prognosis. Chest. 2011;139(4):893-900. https://doi.org/10.1378/chest.10-0883
12. Katzenstein AL. Diagnostic features and differential diagnosis of Churg-Strauss syndrome in the lung. A review. Am J Clin Pathol. 2000;114(5):767-72. https://doi.org/10.1309/F3FW-J8EB-X913-G1RJ

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