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ISSN (on-line): 1806-3756

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Todos os que param de fumar ganham peso? Estudo prospectivo de coorte do mundo real

Does everyone who quit smoking gain weight? A real-world prospective cohort study

Edna Jeremias-Martins1,2,a, José Miguel Chatkin1,3,b

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20180010

ABSTRACT

Objective: To evaluate weight changes after 12 months of biochemically confirmed smoking abstinence, comparing patients who lost weight or maintained their baseline weight with those who gained weight. Methods: This was a real-world prospective cohort study conducted at the Outpatient Smoking Cessation Clinic of São Lucas Hospital, in the city of Porto Alegre, Brazil, between 2010 and 2016. The patients evaluated received intensive smoking cessation counseling, focused especially on weight issues, together with pharmacotherapy, and were followed for 12 months. The baseline and final weights were measured. Continuous abstinence was confirmed by determining the concentration of exhaled carbon monoxide (eCO). Results: Of a total of 348 patients evaluated, 161 (46.2%) achieved continuous abstinence (eCO < 10 ppm) over the 12-month follow-up period. Of those 161 patients, 104 (64.6%) maintained their initial weight or had a weight change of no more than 5% in relation to their baseline weight, whereas the remaining 57 (35.4%) had a weight gain of more than 5%, 18 of those patients showing a > 10% increase over their baseline weight. The number needed to harm (i.e., the number of patients required in order to detect one patient with a weight increase) was calculated to be 3.6 (95% CI: 2.8-5.4). Conclusions: Weight gain is not necessarily associated with smoking cessation, and smokers who are motivated to quit should be informed of that fact. This information could also be useful for addressing smokers who are still undecided because of possibility of weight gain.

Keywords: Weight loss; Smoking cessation; Tobacco smoking; Treatment outcome.

RESUMO

Objetivo: Avaliar as alterações de peso após 12 meses de abstinência do tabagismo confirmada bioquimicamente, comparando pacientes que perderam peso ou mantiveram o peso basal com os que ganharam peso. Métodos: Estudo prospectivo de coorte do mundo real realizado no Ambulatório de Cessação do Tabagismo do Hospital São Lucas, em Porto Alegre (RS), entre 2010 e 2016. Os pacientes avaliados receberam aconselhamento intensivo sobre cessação do tabagismo, focado especialmente em questões do peso, bem como farmacoterapia, e foram acompanhados durante 12 meses. Foram medidos os pesos basal e final. A abstinência contínua foi confirmada pela determinação da concentração de monóxido de carbono no ar exalado (COex). Resultados: Do total de 348 pacientes avaliados, 161 (46,2%) alcançaram abstinência contínua (COex < 10 ppm) durante os 12 meses de acompanhamento. Desses 161 pacientes, 104 (64,6%) mantiveram o peso inicial ou tiveram alteração de peso de não mais de 5% em relação ao peso basal, enquanto os 57 restantes (35,4%) tiveram ganho de peso de mais de 5%, com 18% deles apresentando aumento > 10% em relação ao peso basal. O número necessário para causar dano (isto é, o número de pacientes necessário para detectar um paciente com aumento de peso) foi calculado em 3,6 (IC95%: 2,8-5,4). Conclusões: O ganho de peso não está necessariamente associado à cessação do tabagismo, e os fumantes que estão motivados para parar de fumar devem ser informados desse fato. Essa informação também pode ser útil para abordar os fumantes que ainda estão indecisos em razão da possibilidade de ganho de peso.

Palavras-chave: Perda de peso; Abandono do hábito de fumar; Fumar tabaco; Resultado do tratamento.

INTRODUÇÃO

O tabagismo continua sendo a principal causa evitável de morte na maioria dos países.(1) Associa-se a altas taxas de morbidade e gera custos financeiros significativamente altos para o sistema de saúde.(2) Promover a cessação do tabagismo é uma estratégia importante para a redução da morbidade e mortalidade associadas às doenças relacionadas ao tabagismo. No Brasil, o tabagismo também é um grande problema de saúde pública, embora haja uma grande tendência de diminuição da proporção de fumantes. Dados recentes mostram que a prevalência de tabagismo entre indivíduos ≥ 18 anos de idade diminuiu de 15,6% em 2006 para 10,8% em 2015 (p < 0,05), correspondendo a uma redução de 30,7%.(3)

A relação inversa entre peso corporal e tabagismo é bem reconhecida.(4-6) Os fumantes normalmente apresentam menor peso corporal que os não fumantes.(7,8) A redução da ingestão de alimentos em fumantes tem sido atribuída a diversos mecanismos(7,9,10): aumento da estimulação do sistema adrenérgico; lipólise e termogênese secundárias ao aumento da taxa metabólica basal; aumento do gasto energético; e supressão do apetite induzida pela nicotina. Há também evidências de que alguns aditivos empregados na produção industrial de cigarros são supressores de apetite, tais como ácido tartárico e 2-acetilpiridina.(11) Por outro lado, a cessação do tabagismo está associada ao ganho de peso,(10) e os ex-fumantes geralmente pesam mais que os fumantes e os que nunca fumaram.(5,12-14) Quando um indivíduo para de fumar, os mecanismos acima mencionados deixam de funcionar, levando a um aumento do peso corporal. O baixo nível socioeconômico (NSE) também é um fator contribuinte para o ganho de peso. Atualmente, a maioria dos fumantes apresenta menor NSE, pratica menos atividade física e tem uma dieta rica em calorias/gordura. O aumento da ingestão de calorias é provavelmente responsável pelo maior ganho proporcional de peso observado durante os 3 primeiros meses após a cessação do tabagismo.(10) Além disso, ex-fumantes buscam recompensas orais por meio do consumo de alimentos com alto teor de açúcar e gordura. Há também uma rápida recuperação dos sentidos do olfato e paladar, o que estimula a ingestão de alimentos.(11)

Há evidências de que uma proporção considerável de fumantes ganha peso quando param de fumar. (8,15-17) Aproximadamente 50% das mulheres e 26% dos homens afirmam que a principal preocupação em parar de fumar é o ganho de peso, que também é um grande fator de risco para a recaída.(18) A significativa proporção de ex-fumantes que mantêm o peso original ou não apresentam variação maior que 5% em relação ao peso basal geralmente não é enfatizada durante o aconselhamento de fumantes que estão prestes a iniciar uma tentativa de parar de fumar.

O objetivo deste estudo foi avaliar as alterações de peso durante o processo de cessação do tabagismo e identificar os fatores envolvidos nessas alterações. Tivemos especial interesse no subgrupo de pacientes que mantiveram o peso ou apresentaram variação de não mais de 5% em relação ao peso basal.(19) Também calculamos o número necessário para causar dano (NND), o qual, para os propósitos do presente estudo, foi o número de pacientes necessário para identificar um paciente com ganho de peso clinicamente significativo em relação ao peso basal entre os fumantes que tiveram sucesso em parar de fumar.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo de coorte envolvendo fumantes que buscaram tratamento no Ambulatório de Cessação do Tabagismo do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (HSL-PUCRS) em Porto Alegre (RS). O período de seleção foi de junho de 2010 a junho de 2016.

Os critérios de inclusão foram ser fumante, ter carga tabágica ≥ 10 anos-maço, estar motivado para parar de fumar e não haver estado em tratamento para cessação do tabagismo nos últimos 6 meses. Os critérios de exclusão foram ter doença clínica ou psiquiátrica grave, incluindo consumo excessivo de álcool ou drogas ilícitas autorrelatado, bem como ser analfabeto, ser gestante e estar amamentando.

O estudo foi aprovado pelo Comitê Científico e de Ética do HSL-PUCRS e está em conformidade com as diretrizes regulatórias brasileiras para pesquisas envolvendo seres humanos (resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde). Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

O programa de cessação do tabagismo do HSL-PUCRS é um programa de 12 meses e é representativo da prática clínica diária no tratamento do tabagismo no Brasil. Os médicos envolvidos no estudo foram responsáveis pela alocação dos pacientes para cada um dos braços de tratamento farmacológico do estudo: sem tratamento farmacológico, bupropiona, nortriptilina, terapia de reposição de nicotina e vareniclina. Para isso, os médicos consideraram o nível de dependência de nicotina, determinado pelo Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina (TFDN); a tolerância a medicamentos em qualquer tratamento anterior do tabagismo; a preferência do paciente por um determinado medicamento; e a capacidade financeira do paciente para adquirir a medicação proposta, já que os pacientes não receberam as medicações gratuitamente. Todos os pacientes receberam o mesmo esquema de aconselhamento. O programa consistiu em uma entrevista médica inicial, na qual o paciente preencheu um questionário padronizado sobre carga tabágica e grau de motivação para parar de fumar. O médico então aumentou os registros com dados sobre a história médica geral, exame físico, peso corporal basal, sintomas respiratórios e uso de medicações para o tratamento de comorbidades. O grau de dependência de nicotina foi então avaliado com o TFDN, que o classifica como baixo (pontuação ≤ 3), médio (pontuação de 4-7) ou alto (pontuação ≥ 8).(20)

A concentração de monóxido de carbono no ar exalado (COex) foi medida com um monoxímetro portátil (MicroCO; Micro Medical Limited, Rochester, Inglaterra). Por fim, o paciente, o médico e um enfermeiro acordaram o dia da parada, normalmente agendado para 8-9 dias após a avaliação inicial. Durante os primeiros três meses de tratamento, os pacientes passaram por sessões de tratamento individuais, com intervalo de 15 dias, todas conduzidas pelo mesmo médico. Após esse período inicial, os pacientes retornaram uma vez por mês até completarem 12 meses de abstinência. Em todas as consultas, os pacientes relataram seus hábitos tabágicos e determinou-se o nível de COex para confirmação do status tabágico. Também houve consultas com um enfermeiro treinado, especificamente relacionadas a prevenção da alteração de peso e desenvolvimento de estratégias para lidar com esse problema. Os sintomas de abstinência também foram totalmente discutidos em todas as sessões. A última consulta de acompanhamento foi aos 12 meses de abstinência contínua, momento em que se registrou o peso final. O peso corporal foi sempre determinado com a mesma balança (Filizola eletrônica digital; Indústria Filizola, São Paulo, Brasil), calibrada conforme recomendado pelo fabricante.

Definiu-se sucesso do tratamento como abstinência contínua (COex < 10 ppm em todas as consultas). Os indivíduos que suspenderam o tratamento ou foram perdidos durante o acompanhamento foram classificados como casos de insucesso do tratamento e não foram incluídos na análise. Qualquer paciente que não comparecesse a uma consulta agendada recebia um telefonema do ambulatório, como procedimento de rotina.

Para a avaliação dos desfechos, os pacientes foram estratificados em dois grupos, de acordo com as alterações do peso corporal: Sem Alteração (peso inalterado ou variação de não mais de 5% em relação ao peso basal); e Alteração (ganho de peso de mais de 5%). Variações do peso corporal acima de 5% foram consideradas clinicamente relevantes.(19)

As variáveis contínuas foram descritas em médias ± desvios-padrão quando os dados apresentaram distribuição normal e em medianas e intervalos interquartis em caso de distribuição não normal. As variáveis categóricas foram descritas em frequências absolutas e relativas. O teste t de Student foi utilizado para comparar médias, e o teste não paramétrico de Mann-Whitney, para comparar medianas. Para comparações de dados categóricos, foi utilizado o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher.

Para avaliar a alteração do peso durante o período de acompanhamento, foi utilizado um modelo de regressão de Poisson com erro padrão robusto para estimar o risco relativo, calculando-se os respectivos intervalos de confiança de 95% e ajustando para vários potenciais fatores de confusão. Além disso, para determinar a magnitude do impacto da cessação do tabagismo no ganho de peso, foram calculados o NND e o respectivo intervalo de confiança de 95%. O nível de significância adotado foi de p < 0,05. Os dados foram analisados com o pacote estatístico SPSS Statistics, versão 21.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA).

RESULTADOS

Foram triados 450 pacientes, dos quais 102 foram excluídos (Figura 1). Portanto, a amostra final do estudo compreendeu 348 pacientes, 161 (46,3%) dos quais ficaram abstinentes ao longo do período de acompanhamento de 12 meses (Figura 1).
 



A Tabela 1 apresenta as características dos pacientes avaliados, segundo o desfecho do tratamento (sucesso vs. insucesso em parar de fumar) e o grupo de alteração do peso (Sem Alteração vs. Alteração). Para manter os números de pacientes em ambos os grupos, foi utilizada uma idade de corte de 50 anos, em vez dos tradicionais 60 anos. A idade de corte de 50 anos já foi utilizada anteriormente.(21) Entre os 161 pacientes nos quais o tratamento foi bem sucedido, 104 (64,6%) eram do grupo Sem Alteração e 57 (35,4%), do grupo Alteração. Entre os 187 pacientes nos quais o tratamento falhou, 172 (92,0%) eram do grupo Sem Alteração e 15 (8,0%), do grupo Alteração.
 



Entre os pacientes nos quais o tratamento foi bem sucedido, o peso corporal basal foi maior nos pacientes do grupo Sem Alteração que nos do grupo Alteração, havendo, como esperado, menor ganho de peso no primeiro grupo (p < 0,001 para ambos). Em geral, houve uma fraca correlação entre ser jovem e ser do grupo Sem Alteração (p = 0,058). Entre os pacientes nos quais o tratamento falhou, os do grupo Sem Alteração eram significativamente mais jovens que os do grupo Alteração, bem como apresentaram ganho de peso significativamente menor (p = 0,05 para ambos). Não foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos quanto às demais características avaliadas. Como se pode observar na Tabela 2, os pacientes também foram agrupados em sete categorias, de acordo com a variação percentual do peso em relação ao peso basal. A Tabela 2 também apresenta a distribuição da variação percentual do peso em relação ao peso basal segundo o desfecho do tratamento. Detectamos diferenças significativas entre os dois desfechos do tratamento apenas para as categorias 3, 4, 6 e 7.
 



A Tabela 3 demonstra os fatores de risco para os pacientes do grupo Alteração, na análise univariada e na regressão de Poisson multivariada (ajustados para sexo, idade, grau de dependência de nicotina, tratamento farmacológico recebido, número de visitas clínicas e peso corporal basal). Verificou-se que nenhum dos fatores avaliados conferiu risco ou proteção significativa contra ganho de peso > 5% em relação ao peso basal. A Figura 2 apresenta os fatores de risco e de proteção em um gráfico de floresta. O NND para ganho de peso > 5% em relação ao peso basal foi de 3,6 (IC95%: 2,8-5,4).
 

 




DISCUSSÃO

Neste estudo, a maioria dos pacientes que alcançaram a abstinência contínua após pararem de fumar não apresentou alterações significativas de peso ou manteve o peso inicial. Embora muitos fumantes ganhem peso após pararem de fumar, o ganho de peso geralmente é mínimo,(5,12,22) como constatamos em nossa amostra. Portanto, a noção generalizada na população leiga e entre alguns profissionais da saúde de que a cessação do tabagismo está necessariamente associada ao ganho de peso não é totalmente verdadeira.

Aubin et al.(12) constataram que parar de fumar se associou a uma média de ganho de peso de 4,7 kg após 12 meses da cessação do tabagismo, sendo que 13% dos fumantes abstinentes haviam ganhado mais de 10 kg. No entanto, uma proporção significativa dos ex-fumantes avaliados naquele estudo realmente perdeu peso. Tian et al.(23) analisaram dados de 63.403 indivíduos que pararam de fumar, avaliando 388.432 fumantes como grupo controle. Os ex-fumantes apresentaram uma média de ganho de peso de 4,10 kg (IC95%: 2,69-5,51), a qual foi significativamente maior do que a observada nos fumantes (p < 0,001).

Dos 187 pacientes nos quais o tratamento falhou no presente estudo, 164 (87,7%) apresentaram alteração de peso < 5% em relação ao peso basal. A falta de alterações relevantes nesse grupo pode estar relacionada à tentativa de parar de fumar ou à variação natural do peso dos indivíduos durante o período estudado.

Nossos achados são consistentes com os de outros estudos na literatura. Aubin et al.(12) mostraram que a maioria (84%) de seus pacientes abstinentes ganhou peso, enquanto 16% perderam peso. No presente estudo, essas proporções foram de 78,9% e 15,5%, respectivamente, e 5,6% dos nossos pacientes mantiveram o peso basal.

Sabe-se que alguns dos medicamentos receitados para cessação do tabagismo podem promover alterações de peso. A bupropiona é amplamente utilizada para emagrecimento bem como para cessação do tabagismo. (19) Embora a nortriptilina se associe a ganho de peso quanto utilizada para tratar depressão,(24) seu papel específico nas alterações de peso quando utilizada no tratamento do tabagismo ainda não foi totalmente testado. No entanto, não encontramos diferenças significativas entre os braços de tratamento farmacológico em termos de alterações de peso. Aubin et al.(12) relataram achados semelhantes em um estudo comparando o uso de terapia de reposição de nicotina, bupropiona, vareniclina e nenhuma farmacoterapia.

Os fatores associados a ganho de peso após a cessação do tabagismo incluem sexo masculino, maior grau de dependência de nicotina e idade avançada.(22) Também há estudos mostrando que idade < 55 anos e menor NSE são fatores de risco significativos para ganho de peso após a cessação do tabagismo.(25) As discrepâncias entre os estudos provavelmente estão relacionadas a diferenças na duração do período de acompanhamento.

Em média, os fumantes pesam menos que os não fumantes. A proporção de fumantes com sobrepeso ou obesos em uma determinada população reflete os hábitos alimentares do respectivo país ou região. Muitos fumantes já apresentam sobrepeso ou mesmo obesidade classe III ao tentarem parar de fumar. O tabagismo é especialmente comum entre indivíduos que estão se preparando para passar por procedimentos bariátricos. Em um estudo anterior realizado em nosso serviço,(7) foi avaliada a relação entre obesidade classe III e tabagismo, e constatou-se que os pacientes com obesidade classe III tinham duas vezes mais chance de serem fumantes que os com menor IMC.(7) Esses achados podem ser consequência da sobreposição de diversos comportamentos de risco, pois os fumantes normalmente são menos ativos fisicamente e preferem uma dieta menos saudável, bem como consomem maiores quantidades de álcool, em comparação com os não fumantes. Em um estudo subsequente, envolvendo 536 indivíduos com obesidade classe III, constatou-se que o tabagismo apresentou correlação positiva com IMC, circunferência abdominal e percentual de gordura corporal entre os pacientes com obesidade classe III do sexo masculino.(9) Embora nossos achados confirmem resultados publicados anteriormente, nosso estudo acrescenta algumas informações inovadoras. Até onde sabemos, este é o primeiro trabalho a utilizar o cálculo do NND, uma técnica simples, para determinar o número de pacientes tratados necessário para detectar um com alteração significativa de peso. O fato de calcularmos um NND de 3,6 significa que para cada 3,6 pessoas tratadas, apenas uma apresentará ganho de peso de mais de 5%, enquanto 2,4 manterão o peso basal ou até perderão uma pequena proporção. A divulgação dos nossos achados pode ser útil para encorajar os fumantes a parar de fumar. Os pacientes devem ser informados de que o ganho de peso não é um problema significativo na maioria dos casos.(24) Os benefícios de parar de fumar superam qualquer potencial risco relacionado ao ganho de peso. Os pacientes também devem ser informados de que a hipertensão arterial sistêmica e o diabetes mellitus tipo 2, como efeitos colaterais do ganho de peso - frequentemente mencionados pelos pacientes como principais preocupações - são incomuns, e que os benefícios de parar de fumar sem dúvida compensam as consequências do ganho de peso relacionado à cessação do tabagismo.(26,27) Todavia, em nossa amostra, 11% dos pacientes nos quais se alcançou sucesso do tratamento apresentaram ganhos de peso que podem ser prejudiciais à saúde (mais de 10% em relação ao peso basal). Dos pacientes nos quais o tratamento falhou, apenas 1,1% apresentou esses ganhos de peso.

Este estudo apresenta diversos pontos fortes. Por ter sido empregado um desenho prospectivo de coorte do mundo real, nossos achados refletem o cenário rotineiro do tratamento do tabagismo nos ambulatórios do Brasil. Nossa amostra é representativa dos pacientes tratados no Sistema Único de Saúde. Outro ponto positivo é que conseguimos realizar a verificação bioquímica da abstinência do tabagismo em todos os casos, apesar do longo período de acompanhamento. Todos os pacientes tiveram que comprar sua própria medicação, o que pode ser um indicador de boa adesão ao tratamento e de forte motivação para tentar completar a tarefa de parar de fumar. Outro ponto forte é que a alteração do peso foi expressa em percentual do peso basal e não em valor absoluto. Essa estratégia inovadora foi implementada para evitar interpretações equivocadas. Para evitar erros de medição,(14,28) os pesos corporais foram verificados por um profissional de saúde.

Nosso estudo apresenta algumas limitações. A alta proporção de pacientes tratados com bupropiona pode ter introduzido um viés. No entanto, após ajuste para vários fatores, constatamos que o tratamento com bupropiona não teve influência significativa nos resultados. Em termos do tratamento recebido, os pacientes nos quais se alcançou sucesso do tratamento foram comparáveis aos pacientes nos quais o tratamento falhou. No entanto, ao estratificarmos os pacientes segundo o grupo de alteração do peso (Sem Alteração e Alteração), detectamos diferenças nos dois grupos que eram controladas pela regressão multivariada de Poisson. Outra limitação é que não foram avaliadas possíveis modificações na atividade física ou no estilo de vida. Os pacientes podem ter ganhado peso em razão de alterações no estilo de vida, tais como se tornar mais sedentário, ou podem ter perdido peso porque começaram a praticar atividade física regular. Além disso, os pacientes que se exercitaram podem ter aumentado sua massa muscular, com consequente aumento do peso, o que poderia ser mais bem avaliado pela bioimpedância. Infelizmente, quando este estudo foi iniciado, não tínhamos acesso aos equipamentos necessários para avaliar a composição corporal ou determinar a distribuição proporcional de massa magra e gorda em cada segmento corporal. Na análise multivariada, ajustamos para o possível viés do uso de medicamentos que podem afetar o apetite. Como este foi um estudo do mundo real, os pacientes não foram aleatorizados para os vários tratamentos, o que pode representar um viés relacionado à seleção dos medicamentos com base no preço pelos pacientes. No entanto, isso reflete o que acontece na prática diária: os pacientes não recebem a medicação gratuitamente. Como nossos achados estão de acordo com os de outros estudos na literatura,(27,29) estamos confiantes de que essas limitações não tiveram influência significativa em nossos resultados.

A ideia de que o ganho de peso após a cessação do tabagismo pode ser insignificante quando são tomadas medidas específicas para o controle do peso deve ser amplamente divulgada. Os profissionais de saúde, especialmente os que trabalham em unidades básicas de saúde ou centros de tratamento do tabagismo, devem utilizar essas informações como ferramenta para enfatizar aos pacientes que, embora realmente haja a possibilidade de ganho de peso durante o tratamento do tabagismo, com esse ganho de peso ocorrendo em uma proporção não desprezível de pacientes, uma proporção maior de pacientes mantém o peso inicial ou até perde peso. Os profissionais de saúde devem ainda explicar que alterações de peso não serão um grande problema se foram tomadas certas precauções. (27,30,31) Eles devem transmitir ao fumante a ideia de que é possível parar de fumar sem grande risco de ganho de peso ou de comorbidades específicas geralmente associadas à obesidade, tais como hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus.(29) Essa estratégia pode ajudar os fumantes motivados a superar barreiras e encorajá-los a abandonar o hábito. Ela também pode ser útil para abordar os fumantes indecisos que estão preocupados com o possível ganho de peso.

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