O uso de trombolítico sistêmico para o tratamento da embolia pulmonar aguda é um assunto polêmico, em que a evidência e a crença eventualmente se chocam. Enquanto não há discussão quanto ao benefício do procedimento para os pacientes de alto risco,(1) essa indicação é muito mais questionável para pacientes de risco intermediário alto. Esses pacientes se caracterizam por manterem níveis de perfusão tecidual adequados, à custa de sofrimento do ventrículo direito. É bastante tentador imaginar que a intervenção farmacológica nesse momento impediria a evolução para insuficiência ventricular direita, colapso cardiocirculatório e morte. Também é intuitivo buscar um benefício de longo prazo com a trombólise no risco intermediário alto; afinal, reduzindo-se a carga trombótica, seria possível reduzir a eventual obstrução vascular residual, reduzindo-se o risco de hipertensão pulmonar tromboembólica crônica. Por outro lado, o tratamento utilizado para esse fim aumenta, de forma incontestável, o risco de sangramento. Como proceder, então? Seguir o racional fisiológico nem sempre é o melhor caminho. Nessa situação, buscar a melhor evidência disponível pode prover melhores respostas.
O estudo de Meyer et al.(2) é o maior e o melhor estudo a avaliar de forma sistemática a trombólise contra a heparinização nesse grupo de pacientes, mas não é o único.(1) O número de pacientes avaliado no estudo de Meyer et al.(2) é maior do que o número de todos os outros estudos somados que avaliaram alteplase, a droga mais tradicionalmente utilizada nessa situação (1.006 vs. 657). Isso faz com que a tenecteplase seja hoje o trombolítico mais avaliado em estudos de fase III na embolia pulmonar. Além disso, por conta do elevado número de pacientes, o estudo de Meyer et al.(2) possui um poder de detecção de diferença de 80% entre os grupos. Todos os estudos, sendo o de Meyer et al.(2) o mais representativo deles, tendem a convergir para o mesmo resultado: enquanto há um aumento do risco de sangramento com o uso de trombolíticos, maior na população sabidamente de risco, como os idosos, os benefícios da trombólise, seja com alteplase, tenecteplase, uroquinase ou estreptoquinase, parecem bastante modestos. A terapêutica tradicional com heparina parece ser bastante segura, com uma taxa de mortalidade de 1,8% caso boas práticas médicas sejam seguidas. A monitorização do paciente de risco intermediário alto em terapia intensiva e a reperfusão ao primeiro sinal de instabilidade hemodinâmica são pré-requisitos mandatórios. No entanto, se essas condições são possíveis, e com taxas de mortalidade tão baixas, vale a pena realizar a trombólise, sendo que o tratamento convencional é eficiente? A solução mais razoável parece ser o tratamento convencional, monitorização intensiva e reperfusão precoce, caso haja algum sinal de instabilidade hemodinâmica. E, como sugerido, é possível que o nível de lactato tenha um papel nessa monitorização.
Os benefícios de longo prazo também não justificam o uso da trombólise. Dados do estudo de Konstantinides et al.(3) não identificaram benefícios em taxas de mortalidade, dispneia residual e diagnóstico de hipertensão pulmonar tromboembólica crônica. Se o benefício de curto prazo é pequeno, o de médio prazo é nulo, e há um risco de se acrescentar uma morbidade, como sangramento, por que fazê-lo, de forma indiscriminada? Evidentemente, se a opção for pela trombólise, a prevenção de hemorragia deve ser realizada, com o ajuste de dose para peso e idade, controle pressórico e uso de inibidor de bomba de prótons. Mas ainda assim, o benefício justifica o risco? Até hoje, a melhor evidência disponível nos diz que não.
REFERÊNCIAS
1. Fernandes CJCDS, Jardim CVP, Alves JL Jr, Oleas FAG, Morinaga LTK, Souza R. Reperfusion in acute pulmonary thromboembolism. J Bras Pneumol. 2018;44(3):237-243. https://doi.org/10.1590/s1806-37562017000000204
2. Meyer G, Vicaut E, Danays T, Agnelli G, Becattini C, Beyer-Westendorf J, et al. Fibrinolysis for patients with intermediate-risk pulmonary embolism. N Engl J Med. 2014;370(15):1402-11. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1302097
3. Konstantinides SV, Vicaut E, Danays T, Becattini C, Bertoletti L, Beyer-Westendorf J, et al. Impact of Thrombolytic Therapy on the Long-Term Outcome of Intermediate-Risk Pulmonary Embolism. J Am Coll Cardiol. 2017 Mar 28;69(12):1536-1544. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2016.12.039