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Cartas ao Editor

Vigilância da tuberculose em uma área endêmica do Nordeste brasileiro: O que revelam os indicadores epidemiológicos?

Tuberculosis surveillance in an endemic area of northeastern Brazil. What do the epidemiological indicators reveal?

Carlos Dornels Freire de Souza1,2,a, Thais Silva Matos3,4,b, Victor Santana Santos5,c, Franklin Gerônimo Bispo Santos2,d

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20180257

AO EDITOR,

A tuberculose é uma doença infecciosa crônica, cujo agente etiológico é o Mycobacterium tuberculosis, e configura-se ainda como um importante problema de saúde pública em diversos países do mundo.(1) Em 2015, foram detectados aproximadamente 10,4 milhões de casos novos, resultando em mais de um 1 milhão de óbitos.(2)

Para o período 2016-2020, a Organização Mundial de Saúde elencou três grupos de países prioritários na vigilância da tuberculose com base na incidência da doença (magnitude), tuberculose associada ao HIV e tuberculose multirresistente. No total, 48 países são considerados prioritários, alguns deles compondo mais de um grupo. O Brasil faz parte de dois grupos prioritários, ocupando a 20ª posição do grupo referente à magnitude e a 19ª posição devido ao elevado número de casos com a coinfecção HIV/tuberculose.(2)

Embora o Brasil tenha experimentado uma importante redução na incidência da tuberculose ao longo dos últimos anos, o problema ainda está longe de ser solucionado. Em 2015, foram diagnosticados mais de 63 mil casos novos de tuberculose, com 6,8 mil em pessoas vivendo com o HIV e 4,5 mil óbitos relacionados à doença.(3,4)

Todo esse contexto direciona para a necessidade de vigilância constante dos indicadores epidemiológicos. O monitoramento sistemático da doença permite avaliar tanto a magnitude do problema em uma dada localidade quanto os resultados das ações, planos e políticas de saúde que possam impactar na redução das taxas de incidência e de mortalidade.(5,6)

Desse modo, o presente trabalho objetivou analisar o comportamento temporal dos indicadores de monitoramento da tuberculose no município de Juazeiro, localizado no estado da Bahia. Para tanto, um estudo ecológico de séries temporais foi conduzido. Foram incluídos todos os casos novos de tuberculose diagnosticados entre 2006 e 2015 em residentes no município. Os dados clínicos foram obtidos a partir do Sistema Nacional de Agravos de Notificação. Os dados populacionais necessários para o cálculo dos indicadores foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, utilizando-se o censo de 2010 e as projeções intercensitárias para os demais anos da série temporal.

Foram selecionados os seguintes indicadores epidemiológicos:

 Grupo 1 - Indicadores de impacto das ações de controle da tuberculose
 Taxa de incidência de tuberculose/100 mil habitantes
 Taxa de incidência de tuberculose pulmonar ativa/100 mil habitantes
 Taxa de mortalidade por tuberculose/100 mil habitantes
 Grupo 2 - Indicadores de resultado das ações de controle da tuberculose
 Proporção de coinfecção HIV/tuberculose
 Proporção de casos de tuberculose curados
 Proporção de casos de tuberculose que abandonaram tratamento
 Proporção de casos de tuberculose que realizaram tratamento diretamente observado
 Proporção de casos de retratamento de tuberculose
 Proporção de contatos de casos de tuberculose examinados entre os registrados
 Para a análise de tendência foi aplicado o modelo de regressão linear com componente de tendência (Y = b0 + b1X), onde Y é a escala de valores da série temporal; b0 corresponde à interseção entre a reta e o eixo vertical; b1 corresponde à inclinação da reta; e X é a escala de tempo. Adotou-se um erro alfa de 5%. Os cálculos estatísticos foram realizados utilizando o programa R, versão 2.15.0 (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria).

Ao analisar os indicadores de impacto das ações de controle da tuberculose no município estudado, não foi encontrada tendência de mudança no comportamento temporal em nenhum dos três indicadores (Tabela 1). No período de 2006 a 2015, a taxa de incidência de tuberculose variou entre 18,10 e 34,54 casos novos/100 mil habitantes, a taxa de incidência de tuberculose pulmonar ativa variou entre 9,68 e 14,06 casos/100 mil habitantes, e a taxa de mortalidade por tuberculose variou entre 0,46 e 2,48 óbitos/100 mil habitantes. A manutenção da carga da doença no município ao longo da série temporal sugere que há atividade na cadeia de transmissão, indicando a persistência do problema. Comportamentos temporais semelhantes foram observados em São Paulo(7) e no Paraná.(8)
 



Em relação aos indicadores de resultado das ações de controle da tuberculose (Tabela 1), evidenciaram-se tendências crescentes significativas em quatro dos seis parâmetros estudados: coinfecção HIV/tuberculose, abandono de tratamento, realização de tratamento diretamente observado e retratamento de tuberculose.

Os indicadores de resultado das ações mostram as fragilidades dos serviços de saúde do município de Juazeiro (BA) em acompanhar os pacientes. As baixas proporções de cura da doença, cuja recomendação da Organização Mundial de Saúde é de que se atinja no mínimo 85% dos casos, podem ser resultado da baixa adesão ao tratamento, o que se materializa em abandono de tratamento e na necessidade de retratamento posterior, aumentando a possibilidade de resistência medicamentosa.(9) Vale destacar que a cura é uma das principais estratégias para a redução da morbidade e mortalidade por tuberculose.

O abandono de tratamento associado à baixa investigação de contatos corrobora a manutenção da cadeia de transmissão. Esse cenário é ainda mais preocupante quando observamos o crescimento da proporção de coinfectados por HIV/tuberculose. Por outro lado, o aumento da proporção de coinfecção pode ser decorrente da maior testagem dos pacientes, representando um avanço importante.(7) Resultados semelhantes foram observados em todo o país, com destaque para as regiões Norte e Nordeste.(10)

O que revelam, então, os indicadores aqui apresentados? Muito mais do que mostrar a persistência da doença no município, eles apontam as fragilidades locais e a necessidade urgente de desenvolvimento de ações sistemáticas que extrapolem a dimensão biológica da doença e alcancem os sujeitos e seus contextos de vulnerabilidade, permitindo um engajamento dos próprios pacientes e da sociedade civil em geral na luta contra a doença.

Paralelamente, a oferta de serviços menos burocráticos e mais acessíveis à comunidade, com integralidade e continuidade do tratamento, parece ser um caminho importante para a superação do problema. Nesse aspecto, destaca-se o fortalecimento da atenção primária à saúde.

Conclui-se que os indicadores epidemiológicos apresentados, além de revelar questões importantes da dinâmica da doença no município, reforçam a importância da própria vigilância em saúde no monitoramento dos problemas sanitários. O acesso escasso aos serviços diagnósticos pode indicar que a incidência real da doença seja ainda maior do que aquela aqui apresentada.

REFERÊNCIAS

1. Coutinho LASA, Oliveira DS, Souza GF, Fernandes Filho GMC, Saraiva MG. Perfil Epidemiológico da Tuberculose no Município de João Pessoa-PB, entre 2007-2010. Rev Bras. Ciencias Saude. 2012;16(1):35-42. https://doi.org/10.4034/RBCS.2012.16.01.06
2. World Health Organization. Global tuberculosis report 2016. Geneva: World Health Organization; 2016.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Vigilância à Saúde. Perspectivas brasileiras para o fim da tuberculose como problema de saúde pública. Brasília: o Ministério. Boletim Epidemiológico. 2016;47(13):1-15.
4. Gonzales RIC. A meta fim da tuberculose como problema de saúde pública no Brasil. J Nurs Health. 2016;6(1):1-3. https://doi.org/10.15210/jonah.v6i1.8114
5. Silva GDMD, Bartholomay P, Cruz OG, Garcia LP. Evaluation of data quality, timeliness and acceptability of the tuberculosis surveillance system in Brazil's micro-regions. Cienc Saude Colet. 2017;22(10):3307-3319. https://doi.org/10.1590/1413-812320172210.18032017
6. Albuquerque AC, Mota EL, Felisberto E. Decentralization of epidemiological surveillance in Pernambuco State, Brazil [Article in Portuguese]. Cad Saude Publica. 2015;31:861-73. https://doi.org/10.1590/1980-5497201700030016
7. Pinto PF, Silveira C, Rujula MJ, Chiaravalloti Neto F, Ribeiro MC. Epidemiological profile of tuberculosis in São Paulo municipality from 2006 to 2013 Rev Bras Epidemiol. 2017;20(3):549-57. https://doi.org/10.1590/1980-5497201700030016
8. Cecilio HPM, Marcon SS. Health personnel's views of directly observed treatment of tuberculosis [Article in Portuguese]. Rev Enferm Uerj. 2016;24(1):1-6. https://doi.org/10.12957/reuerj.2016.8425
9. Soares MLM, Amaral NACD, Zacarias ACP, Ribeiro LKNP. Sociodemographic, clinical and epidemiological aspects of Tuberculosis treatment abandonment in Pernambuco, Brazil, 2001-2014. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(2):369-378. https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000200014
10. Gaspar RS, Nunes N, Nunes M, Rodrigues VP. Temporal analysis of reported cases of tuberculosis and of tuberculosis-HIV co-infection in Brazil between 2002 and 2012. J Bras Pneumol. 2016;42(6):416-422. https://doi.org/10.1590/s1806-37562016000000054

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