Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
6034
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Deficiência e seus correlatos clínicos na hipertensão pulmonar medidos pelo World Health Organization Disability Assessment Schedule 2.0: um estudo prospectivo e observacional

Disability and its clinical correlates in pulmonary hypertension measured through the World Health Organization Disability Assessment Schedule 2.0: a prospective, observational study

Abílio Reis1,a, Mário Santos1,2,3,b, Inês Furtado4,c, Célia Cruz4,d, Pedro Sa-Couto5,e, Alexandra Queirós6,7,f, Luís Almeida8,g, Nelson Rocha7,9,h

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20170355

ABSTRACT

Objective: To characterise the degree of disability in pulmonary hypertension (PH) patients based on the World Health Organisation Disability Assessment Schedule 2.0 (WHODAS 2.0). Method: A prospective and observational study of patients with documented PH (N = 46). Patients completed the WHODAS 2.0 questionnaire during a scheduled routine clinical visit, and their demographic and clinical characteristics were retrieved from electronic medical records (EMR). In subsequent visits, selected clinical variables were registered to assess disease progression. Results: WHODAS 2.0 scores were indicative of mild to moderate disability for the domains of mobility (22.0 ± 23.2), life activities (23.7 ± 25.5), and participation in society (17.2 ± 15.9), as well as total WHODAS 2.0 score (15.3 ± 15.2). For the domains of cognition (9.1 ± 14.1), self-care (8.3 ± 14.4), and interpersonal relationships (11.7 ± 15.7), scores were lower. Disability scores were, generally, proportional to the PH severity. The main baseline correlates of disability were World Health Organisation (WHO) functional class, fatigue, dyspnoea, 6-minute walking distance (6MWD), and N-terminal pro b-type natriuretic peptide (NT-proBNP). Baseline WHODAS 2.0 scores showed significant associations with disease progression. However, this effect was not transversal to all domains, with only a few domains significantly associated with disease progression variables. Conclusions: This PH population shows mild disability, with higher degree of disability in the domains of mobility and life activities. This study is the first one to assess disability in PH using WHODAS 2.0. Further studies should apply this scale to larger PH populations with suitable representations of more severe PH forms.

Keywords: Pulmonary hypertension; International Classification of Functioning, Disability and Health; Disability evaluation; Quality of Life.

RESUMO

Objetivo: Caracterizar o nível de deficiência em pacientes com hipertensão pulmonar (HP) com base no World Health Organization Disability Assessment Schedule 2.0 (WHODAS 2.0). Método: Estudo prospectivo e observacional em pacientes com HP documentada (N = 46). Os pacientes completaram o questionário WHODAS 2.0 durante uma consulta de rotina, e seus dados demográficos e clínicos foram retirados de prontuários médicos eletrônicos. Nas visitas subsequentes, variáveis clínicas específicas foram registradas para avaliar a progressão da doença. Resultados: a pontuação no WHODAS 2.0 indicaram deficiência leve a moderada para os domínios de mobilidade (22,0 ± 23,2), atividades da vida (23,7 ± 25,5) e participação em sociedade (17,2 ± 15,9), assim como a pontuação total do WHODAS 2.0 (15,3 ± 15,2). Para os domínios de cognição (9,1 ± 14,1), autocuidado (8,3 ± 14,4) e relações interpessoais (11,7 ± 15,7), a pontuação foi mais baixa. Os pontos referentes à deficiência foram, em geral, proporcionais à gravidade da HP. Os principais parâmetros da deficiência foram a classificação de funcionalidade da Organização Mundial da Saúde (OMS), fatiga, dispneia, teste de caminhada de 6 minutos (TC6M), e a porção N-terminal do pró-hormônio do peptídeo natriurético do tipo B (NT-proBNP). Os valores de parâmetro do WHODAS 2.0 mostraram associações significativas com a progressão da doença. Porém, este efeito não foi transversal a todos os domínios; apenas alguns estiveram significativamente associados às variáveis da progressão da doença. Conclusão: Esta população com HP mostra deficiência leve, com níveis mais altos nos domínios de mobilidade e atividades da vida diária. Este estudo é o primeiro a avaliar a deficiência em HP usando o WHODAS 2.0. Outros estudos devem aplicar esta escala em populações maiores com HP, com representações de formas mais graves da HP.

Palavras-chave: Hipertensão pulmonar; Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde; Avaliação da Deficiência; Qualidade de vida.

INTRODUÇÃO

A hipertensão pulmonar (HP) abrange um conjunto de condições heterogêneas progressivas, caracterizadas pela pressão arterial pulmonar aumentada que, se não tratada, leva à insuficiência do ventrículo direito, causando morbidade e, por fim, morte prematura.(1) Felizmente, muitos tratamentos específicos para a HP foram realizados nas últimas décadas, o que gerou ganhos significativos relacionados à sobrevivência no longo prazo.(2,3) Desde então, a pesquisa se voltou à avaliação intensiva da capacidade funcional e da qualidade de vida para garantir que o manejo efetivo desta condição, altamente debilitante, esteja focado no paciente.(4,5) A deficiência causada pela HP é multifatorial, e depende de fatores como capacidade reduzida de se exercitar, limitação funcional, mecanismos fisiológicos compensatórios, impacto psicológico da doença, assim como os efeitos adversos dos remédios e o custo do tratamento.(6)


Muitos tipos de instrumentos foram usados em pacientes com HP para avaliar a funcionalidade, a qualidade de vida relacionada à saúde e a qualidade de vida,(4,5) incluindo questionários gerais de avaliação,(7-9) assim como questionários específicos de doenças.(10-15) A qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) foi avaliada como fator prognóstico e objetivo de tratamento no manejo clínico da HP.(16) Porém, nenhuma avaliação específica de funcionalidade e incapacidade em populações com HP foi realizada usando a classificação padrão de funcionalidade e incapacidade da Organização Mundial da Saúde (WHO), a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade de Saúde (CIF).(17)


A CIF não classifica pessoas, mas interpreta suas características, ou seja, estruturas e funções corporais, atividades e participação, além das influências do ambiente, que permitem descrever os estados funcionais adequadamente. Funcionalidade ou incapacidade são consideradas resultado da interação dinâmica entre as condições de saúde e os fatores contextuais.(17) É importante usar esta estrutura porque, embora a funcionalidade e a incapacidade estejam inter-relacionadas com a QVRS, esta estrutura promove uma medida objetiva de funcionalidade (por exemplo, habilidade objetiva de atuar em um domínio específico da vida), enquanto a QVRS oferece uma medida subjetiva de bem-estar (por exemplo, sentimento subjetivo sobre a capacidade de atuar em um domínio específico da vida).(18) A CIF é operacionalizada por meio do Disability Assessment Schedule 2.0, da OMS (WHODAS 2.0), que é um instrumento genérico usado para avaliar estados de saúde e deficiência em diferentes culturas e cenários.(18,19) O WHODAS 2.0 tem sido usado na prática clínica e descrito na literatura, e é considerado como o principal padrão de medida para deficiências no mundo.(19) Embora seja uma medida genérica e padronizada, suas propriedades psicométricas foram validadas repetidamente em várias populações, localidades e línguas, o que faz com que o WHODAS 2.0 seja o instrumento de escolha para comparar deficiências causadas por diferentes condições médicas, possibilitando o monitoramento do impacto de intervenções relacionadas à saúde.(18,19)


Este estudo objetivou caracterizar o nível de deficiência em uma população de pacientes portugueses com HP, com base no WHODAS 2.0, e identificar os correlatos clínicos da deficiência. Além disso, o estudo também explorou a capacidade do WHODAS 2.0 de prever a evolução clínica dos pacientes com HP.

MÉTODOS

Desenho do estudo e população

Este é um estudo prospectivo e observacional com pacientes com HP (confirmados por meio do cateterismo cardíaco direito), acompanhados em um centro de referência ao norte de Portugal (Unidade de Doença Vascular Pulmonar do Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do Porto, Porto, Portugal); o centro faz parte da Rede de Referência Europeia para Doenças Raras ou Complexas de Baixa Prevalência (ERN-LUNG), e cobre uma região de aproximadamente 3,8 milhões de adultos.

Ao comparecer à uma consulta de rotina, os pacientes foram convidados a participar do estudo. Os critérios de inclusão eram ter idade maior ou igual a 18 anos, e capacidade de assinar um termo de consentimento. Os pacientes foram excluídos quando não conseguiram completar os formulários de dados por serem analfabetos ou possuírem algum tipo de deficiência cognitiva, ou quando não estavam de acordo com o protocolo do estudo, devido a outras condições médicas ou circunstâncias pessoais. Pacientes com HP dos grupos 2 e 3 foram excluídos do estudo.

Todos os pacientes deram consentimento por escrito antes do início do estudo. O protocolo do estudo e os instrumentos de coleta de dados foram aprovados pelo Comitê de Ética do Centro Hospitalar do Porto (Porto, Portugal), e foram revisados e aprovados pela Comissão de Proteção de Dados de Portugal.

Coleta de dados

Os dados foram coletados por meio da autoadministração da versão validada em Português do WHODAS 2.0, durante uma consulta de rotina. Medidas sociodemográficas e clínicas relacionadas à doença, incluindo a avaliação hemodinâmica, foram retiradas da base de dados clínicos coletados por um software de HP criado na Unidade, o PAHTool (Inovultus, Santa Maria da Feira, Portugal).

WHODAS 2.0

O WHODAS 2.0 pode ser autoadministrado e captura o nível de funcionalidade em seis domínios da vida: cognição, mobilidade, autocuidado, relações interpessoais, atividades da vida (casa e trabalho) e participação. A versão do WHODAS 2.0 validada em português, com 36 itens, foi usada neste estudo.(20) A pontuação e a interpretação do WHODAS 2.0 foram realizadas de acordo com o manual do WHODAS 2.0.(18) O método de pontuação complexo foi utilizado. Esta pontuação consiste em três passos principais:
Soma dos pontos recodificados em cada domínio;
Soma dos pontos dos seis domínios;
Conversão do resumo da pontuação para uma métrica de 0 a 100, no qual 0 significa nenhuma incapacidade, e 100 significa total incapacidade.

Análise estatística

Os dados descritivos foram apresentados como média ± desvio padrão (DP) ou frequência (%). As diferenças nas médias de pontos do WHODAS para diferentes subgrupos foram testadas pela Análise de Variância simples (ANOVA)/teste de Kruskal-Wallis. Para a análise, pacientes nos grupos 1 e 5 da HP foram agrupados, já que só havia três pacientes no grupo 5 e todos os pacientes receberam um tratamento específico para HP.

A análise de correlação bivariada, que relacionou variáveis demográficas e clínicas com a pontuação do WHODAS, foi realizada com o coeficiente de correlação de Spearman (entre as variáveis quantitativas) e com a correlação ponto bisserial (entre as variáveis quantitativas e variáveis nominais binárias). Depois, a análise de regressão linear múltipla foi estabelecida somente para as correlações significativas, para identificar possíveis fatores preditivos para a pontuação do WHODAS. O método de seleção para variáveis significativas foi a razão de verossimilhança (forward likelihood ratio) (método dos passos: entrada = 0,05; remoção = 0,10), e não foram encontrados problemas de estimativa. A técnica da variável binária foi usada para incorporar variáveis qualitativas independentes aos modelos de regressão.

Para as variáveis medidas no fim do estudo: progressão da doença, classificação de funcionalidade, teste de caminhada de 6 minutos (TC6M), porção N-terminal do pró-hormônio do peptídeo natriurético do tipo B (NT-proBNP) e classificação de risco, foram estabelecidos modelos preditivos com base nas dimensões da pontuação total do WHODAS. Para as duas primeiras variáveis, modelos de regressão binária foram usados. Para as outras duas, derivaram-se modelos de regressão linear múltipla. Para a última variável, utilizou-se um modelo de regressão ordinal (usando a função de ligação probit).

Análises estatísticas foram realizadas com o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) Statistics for Windows, versão 23.0 (IBM Corp, Armonk, NY, Estados Unidos), e resultados p < 0,05 foram considerados significantes.

RESULTADOS

Características dos pacientes

As características de base dos pacientes estão resumidas na Tabela 1. Esta população de HP era estável e prevalente, diagnosticada por meio do cateterismo cardíaco direito, com duração média da doença de aproximadamente 6,8 anos. A maioria dos participantes era do sexo feminino (63,0%), e a idade média da população estudada era 54,5 ± 16,2 anos. As etiologias mais frequentes da HP foram hipertensão pulmonar tromboembólica crônica (HPTEC) (30,4%), hipertensão arterial pulmonar idiopática/hereditária (HAPI/H) (17,4%), doenças do tecido conjuntivo (DTC) (17,4%), e doenças cardíacas congênitas (DCC) (15,2%). Na análise, as etiologias foram agrupadas como grupos HP 1 e 5 (69,6%), e grupo HP 4 (30,4%). As comorbidades eram frequentes, presentes em 67,4% dos pacientes, com uma média de aproximadamente duas comorbidades por paciente (variação = 6; Q1 = 0; Q3 = 3).
Em geral, esta população tinha marcadores da HP indicando o risco estimado de mortalidade em um ano como sendo baixo (26,0%), intermediário (54,3%) e alto (19,5%), de acordo com os parâmetros da escala de risco da Sociedade Europeia de Cardiologia 2015 (ESC)/Sociedade de Respiração Europeia (ERS).(1) A maioria dos pacientes estava nas classes de funcionalidade I ou II da OMS (71,7%), com média no TC6M de 415,1 ± 130,1 metros. A dispneia autorreferida foi mencionada por 54,3% dos pacientes, e a fatiga foi autorreportada por 39,1%. Houve dessaturação de oxigênio (94,0 ± 3,1 a 82,3 ± 9,2) durante o TC6M, e uma elevação duas vezes mais alta nos níveis de NT-proBNP. O tratamento específico para HP foi usado na maioria dos pacientes (84,8%); 50% estavam em terapia combinada, todos via oral (100% dos pacientes tratados); somente 12,8% tinham tratamento específico para HP via parenteral. O tratamento adjuvante com oxigênio (37,0%), diuréticos (50,0%), e anticoagulantes orais (60,9%) foi frequente.

WHODAS 2.0 - Pontuação de Incapacidade

As pontuações do WHODAS 2.0 indicaram deficiência leve a moderada para os domínios de mobilidade (22,0 ± 23,2), atividades da vida (23,7 ± 25,5), e participação em sociedade (17,2 ± 15,9). Para os domínios de cognição (9,1 ± 14,1), autocuidado (8,3 ± 14,4), e relações interpessoais (11,7 ± 15,7), os pontos foram mais baixos. A média dos pontos totais do WHODAS 2.0 foi de 15,3 ± 15,2, refletindo a variabilidade entre os diferentes domínios e indicando somente uma deficiência leve geral na população estudada.

A Figura 1 apresenta a média dos pontos no WHODAS 2.0 medidos na população estudada, no início, de acordo com gênero e grupo de risco de HP. A pontuação média de WHODAS 2.0 foi proporcional à classificação de risco da HP, com pacientes de risco mais alto mostrando níveis mais altos de deficiência. A pontuação média total do WHODAS 2.0 foi 8,7 ± 9,0 para pacientes de baixo risco, 15,4 ± 14,9 para pacientes em risco intermediário, e 24,1 ± 19,2 para pacientes de alto risco (p = 0,150). Em relação aos diferentes domínios, pacientes com mais risco normalmente tinham pontos numericamente mais altos no WHODAS 2.0, mas as diferenças só tinham significância estatística para o domínio de relação interpessoal (p = 0.021). As mulheres não pontuaram de forma significativamente diferente dos homens em nenhum domínio.

Correlatos clínicos da deficiência

Na análise bivariada (Tabela 2), a classificação de funcionalidade da OMS e a Escala de Borg foram as variáveis que mostraram mais correlações com todos os domínios, assim como com a pontuação total do WHODAS 2.0 (correlação frequente > 0,5 ou < -0,5). Para as atividades da vida, a fatiga esteve fortemente correlacionada (0,512), enquanto para o domínio participação em sociedade, a escala de dispneia de Borg também esteve amplamente relacionada (0.571). A pontuação total de WHODAS 2.0 teve bastante correlação com anos de estudo (-0.501), fadiga (0,515), e a escala de dispneia de Borg (0,561). As Figuras S1 e S2 (Anexo) mostram gráficos de dispersão para as correlações entre os pontos do WHODAS 2.0 e o TC6M. O anexo encontra-se disponível no site do JBP (http://jornaldepneumologia.com.br/detalhe_anexo.asp?id=62)

A análise multivariada (Tabela 3) mostrou resultados bem diferentes para cada domínio do WHODAS 2.0. Para o domínio cognição, as variáveis significativas foram a classificação de funcionalidade da OMS e pressão do pulso (pressão sanguínea sistólica menos diastólica). Para o domínio mobilidade, as variáveis significativas foram a classificação de funcionalidade da OMS e fadiga autodeclarada. No domínio autocuidado, somente a classificação de funcionalidade da OMS foi uma variável estatisticamente significante. Para o domínio das relações interpessoais, a escala de fadiga de Borg e o NT-proBNP foram variáveis significativas. Para atividades da vida, a fadiga autodeclarada também foi a variável significante. Para o domínio de participação em sociedade, os anos de estudo, a escala de fadiga de Borg e a pressão do pulso foram significantes. Em conclusão, para a pontuação total de WHODAS 2.0, somente a fadiga autodeclarada e a classe de funcionalidade da OMS foram fatores significativos para a análise multivariada.

Progressão da doença

A Tabela 4 apresenta a evolução dos principais marcadores da HP na consulta final do exame. Depois de um tempo de acompanhamento médio de 11 meses, poucos pacientes (13,0%) tiveram progressão da doença. Houve leve melhora na classe de funcionalidade da OMS, sendo que a proporção de pacientes nas classes I/II aumentou de 71,7 para 76,1%. O TC6M também aumentou um pouco em relação à primeira consulta (progresso médio de 5,6 ± 85,8 metros). Os níveis médios de NT-proBNP aumentaram bastante em relação à primeira consulta, do dobro da elevação na primeira consulta para o triplo de elevação na consulta final. O número de pacientes com risco intermediário e alto aumentou um pouco, de 54,3 para 60,9% e de 19,5 para 23,9%, respectivamente.

A Tabela 5 explora a associação entre a pontuação inicial do WHODAS 2.0 e a evolução do paciente considerando o TC6M e os níveis de NT-proBNP na última consulta. Na análise bivariada, o TC6M na última consulta esteve fortemente associado às dimensões do WHODAS 2.0, exceto pela cognição, enquanto os níveis de NT-proBNP tiveram pouca associação com a cognição, mobilidade e atividades da vida. Na análise multivariada, o TC6M na última consulta esteve significativamente associado aos domínios de relações interpessoais, enquanto o NT-proBNP foi muito associado aos domínios da mobilidade e do autocuidado.

A relação entre os pontos do WHODAS 2.0 e da classe de funcionalidade da OMS e a ocorrência da progressão da doença foi avaliada por meio da regressão logística binária, sem resultados significativos para nenhum dos domínios do WHODAS. Apesar disso, a pontuação total do WHODAS 2.0 no início esteve significativamente associada à classe de funcionalidade da OMS na última consulta (razão de possibilidade-RP: 1,124 [1,051-1,203; p < 0,001]).

Por fim, o poder preditivo dos pontos do WHODAS 2.0 em termos de classificação de risco na última consulta foi avaliado por meio da regressão ordinal. Esta análise demonstrou associação estatisticamente significante somente para o domínio mobilidade (estimativa: 3,919 [0,746-7,092]; p < 0,05). A classificação geral correta, em porcentagem, entre as categorias observadas e previstas foi de 66,7%, com a seguinte distribuição de risco: baixa (14,2%), intermediária (89,3%), e alta (54,5%).

DISCUSSÃO

Este estudo realiza a primeira caracterização de deficiência em pacientes com HP com base no instrumento de avaliação padronizado WHODAS 2.0. O uso deste tipo de ferramenta para avaliar a deficiência em diferentes populações-tanto em termos de localização quanto em estágios da doença- pode gerar reflexões valiosas para estabelecer melhor cuidado clínico e para melhorar a saúde público de modo geral. O WHODAS 2.0 é especificamente útil para este tipo de avaliação, já que se baseia no modelo biopsicológico da funcionalidade e da incapacidade, definido pela CIF, e considera o nível da deficiência de fato percebida pelos indivíduos, constituindo, assim, uma melhor base para intervenções terapêuticas e políticas de saúde pública. Além disso, pelo fato de ser uma ferramenta padronizada, permite estudos comparativos com outras condições de saúde, em diferentes contextos.

A população de pacientes com HP neste estudo mostrou gravidade baixa à intermediária da HP, apesar de a duração da doença ser de aproximadamente sete anos. A gravidade baixa à intermediária se reflete no nível de deficiência observado na população do estudo, de acordo com os pontos do WHODAS 2.0, que mostrou deficiência leve para domínios individuais do WHODAS 2.0 e para a pontuação total do WHODAS 2.0 (15,3 ± 15,2). Os domínios de mobilidade e atividades da vida foram os que mostraram mais deficiência, o que poderia ser esperado, considerando as limitações relacionadas à capacidade de se exercitar que caracterizam a HP.(1)

O nível de deficiência observada nesta população é consideravelmente mais baixo do que o mostrada em estudos anteriores, em populações com condições cardiorrespiratórias e manifestações da doença comparáveis até certo ponto.(19) Racca et al. avaliou a deficiência em uma população de pacientes com doença isquêmica do coração, atingindo uma média da pontuação total do WHODAS 2.0 de aproximadamente 24 pontos (sendo os pontos para o domínio de atividades da vida aproximadamente 50).(21) Pedro-Cuesta et al. avaliou a deficiência em uma população de pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca crônica ou derrame, e encontrou pontuação total de WHODAS 2.0 de 26, 38, e 28, respectivamente. (22) Em uma grande população de pacientes com doenças crônicas-incluindo pacientes com doença isquêmica do coração-, Garin et al. reportaram uma pontuação total de WHODAS 2.0 de 24,8 ± 19,3, sendo 37 a pontuação do domínio atividades da vida.(23) Porém, os autores forneceram estimativas da deficiência de acordo com a gravidade da doença, e nossos resultados, na verdade, são comparáveis àqueles dos pacientes com doença isquêmica do coração de leve à moderada.(23)

Esses achados apoiam a afirmação de que o baixo nível de deficiência observado na nossa população estudada pode ser explicado pela gravidade da doença nos pacientes. Nossa hipótese é a de que a deficiência relativamente leve no contexto desta doença altamente debilitante e progressiva está associada ao tipo de manejo clínico oferecido a esses pacientes, que são acompanhados em uma unidade de tratamento especializada em HP, sem dificuldades para acessar remédios específicos e aprovados para a HP. Importante ressaltar que 84,8% dos pacientes estavam sendo tratados com remédios específicos para HP, 59% estavam em terapia combinada, e isso deve gerar melhor controle da doença e, substancialmente, menos manifestações da condição, ou seja, uma melhora geral na funcionalidade do paciente.

As principais variáveis de base associadas à deficiência medidas com o WHODAS 2.0 neste estudo de corte foram a classificação de funcionalidade da OMS, fadiga (e a escala de fadiga de Borg), dispneia (escala de dispneia de Borg), TC6M e NT-proBNP. Esses resultados estão amplamente de acordo com estudos anteriores que avaliaram o estado geral de saúde e a qualidade de vida relacionada à saúde em populações com HP.(5) Diversos estudos identificaram a classe de funcionalidade da OMS,(24-28) fadiga,(24,25) e dispneia(24,25) estando altamente associadas ao estado geral de saúde e à qualidade de vida relacionada à saúde. Além disso, houve uma importante correlação negativa entre a educação e a pontuação para o domínio participação em sociedade; este efeito, porém, deve estar associado ao envolvimento social dos participantes em suas comunidades, independentemente da HP.

Diversas variáveis que normalmente são importantes para o manejo clínico dos pacientes com HP mostraram somente uma correlação fraca, ou até nenhuma relação, com a pontuação da deficiência. Idade e etiologia da HP não tiveram significância estatística no modelo de regressão multivariado, o que indica que outras variáveis são mais importantes neste contexto. Da mesma forma, a classificação de risco da HP mostrou correlações significativas esporádicas com a pontuação de deficiência em análises bivariadas, mas não foi considerado um fator significante no modelo multivariado. Por outro lado, a duração da doença, o tratamento específico para HP, e a presença de comorbidades não mostrou correlações significativas na análise bivariada. Esses resultados podem potencialmente ser explicados pela variabilidade reduzida nesta população relativamente pequena.

Ao usar a pontuação do WHODAS 2.0 na base para prever a evolução dos marcadores de HP no período de 11 meses deste estudo, os pontos para deficiência só foram preditivos robustos da evolução do TC6M e da classe de funcionalidade da OMS. Houve uma forte correlação negativa entre o domínio morbidade e o TC6M na última consulta, e uma forte correlação positiva entre a pontuação total do WHODAS 2.0 e a classe de funcionalidade da OMS na última consulta, como era de se esperar em ambos os casos.

Algumas limitações deste estudo devem ser consideradas. O tamanho da amostra é moderado (N = 46), mesmo no contexto de HP, que é uma condição não tão frequente. A amostra foi composta de um pequeno número de pacientes com formas graves de HP (19,5%), que poderiam demonstrar níveis bem mais altos de deficiência, o que limita comparações com estudos anteriores com populações com níveis mais altos de deficiência. Outros estudos devem focar na avaliação de populações com HP mais heterogênea em termos de gravidade da doença. Além disso, a análise teve um tempo relativamente curto de acompanhamento, o que pode ter prejudicado a avaliação dos valores preditivos de base do WHODAS 2.0, já que poucos eventos de interesse ocorreram durante o período do estudo.

Concluindo, a população de pacientes portugueses com HP mostrou deficiência leve, conforme avaliação com o WHODAS 2.0, o que pode estar associado à gravidade baixa à intermediária da doença. Níveis mais altos de deficiência foram encontrados nos domínios de mobilidade e atividades da vida. Os principais correlatos clínicos da deficiência nesta população são a classe de funcionalidade da OMS, fadiga e dispneia. Os pontos da WHODAS 2.0 na base preveem o TC6M e a classe de funcionalidade da OMS em um período de acompanhamento de 11 meses.

Este estudo foi o primeiro a avaliar a deficiência em HP usando o WHODAS 2.0. Outros estudos devem utilizar esta escala em populações maiores com HP, com representatividade adequada de formas mais graves da doença.

AGRADECIMENTOS

O trabalho de Pedro Sa-Couto foi apoiado parcialmente pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), por meio do Centro de Investigação e Desenvolvimento em Matemática e Aplicações (CIDMA), no projeto ID/MAT/04106/2013. Os autores agradecem Tiago Campos, MSc (ARC Publishing), pela escrita médica e assistência editorial; esses serviços foram apoiados pela Actelion Pharmaceuticals, em Portugal.
REFERÊNCIAS

1. Galiè N, Humbert M, Vachiery J-L, Gibbs S, Lang I, Torbicki A, et al. 2015 ESC/ERS Guidelines for the diagnosis and treatment of pulmonary hypertension: The Joint Task Force for the Diagnosis and Treatment of Pulmonary Hypertension of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Respiratory Society (ERS)Endorse. Eur Heart J. 2016;37(1):67-119. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehv317
2. Anderson RJ, Malhotra A, Kim NH. Pulmonary hypertension: evolution of pulmonary arterial hypertension and chronic thromboembolic pulmonary hypertension. J Thorac Dis. 2016;8(Suppl. 7):S562-5. https://dx.doi.org/10.21037%2Fjtd.2016.07.33
3. Burger CD, D'Albini L, Raspa S, Pruett JA. The evolution of prostacyclins in pulmonary arterial hypertension: from classical treatment to modern management. Am J Manag Care. 2016;22(1 Suppl.):S3-15.
4. Delcroix M, Howard L. Pulmonary arterial hypertension: the burden of disease and impact on quality of life. Eur Respir Rev. 2015;24(138):621-9. https://doi.org/10.1183/16000617.0063-2015
5. Gu S, Hu H, Dong H. Systematic Review of Health-Related Quality of Life in Patients with Pulmonary Arterial Hypertension. Pharmacoeconomics. 2016;34(8):751-70. https://doi.org/10.1007/s40273-016-0395-y
6. Oudiz RJ, Barst RJ. Statement on Disability: Pulmonary Hypertension. Pulmonary Hypertension Association; 2010.
7. Ware JE Jr., Sherbourne CD. The MOS 36-item short-form health survey (SF-36). I. Conceptual framework and item selection. Med Care. 1992;30(6):473-83.
8. Hunt SM, McKenna SP, McEwen J, Williams J, Papp E. The Nottingham Health Profile: subjective health status and medical consultations. Soc Sci Med A. 1981;15(3 Pt 1):221-9.
9. EuroQol Group. EuroQol--a new facility for the measurement of health-related quality of life. Health Policy. 1990;16(3):199-208.
10. McKenna SP, Doughty N, Meads DM, Doward LC, Pepke-Zaba J. The Cambridge Pulmonary Hypertension Outcome Review (CAMPHOR): a measure of health-related quality of life and quality of life for patients with pulmonary hypertension. Qual Life Res. 2006;15(1):103-15. https://doi.org/10.1007/s11136-005-3513-4
11. Rector T, Kubo S, Cohn J. Patients' self-assessment of their congestive heart failure. Part 2: Content, reliability and validity of a new measure, the Minnesota Living with Heart Failure Questionnaire. Hear Fail. 1987;3:198-209.
12. Bonner N, Abetz L, Meunier J, Sikirica M, Mathai SC. Development and validation of the living with pulmonary hypertension questionnaire in pulmonary arterial hypertension patients. Health Qual Life Outcomes. 2013;11:161. https://doi.org/10.1186/1477-7525-11-161
13. Guyatt GH, Nogradi S, Halcrow S, Singer J, Sullivan MJ, Fallen EL. Development and testing of a new measure of health status for clinical trials in heart failure. J Gen Intern Med. 1989;4(2):101-7.
14. Yorke J, Corris P, Gaine S, Gibbs JSR, Kiely DG, Harries C, et al. emPHasis-10: development of a health-related quality of life measure in pulmonary hypertension. Eur Respir J. 2014;43(4):1106-13. https://doi.org/10.1183/09031936.00127113
15. McCollister D, Shaffer S, Badesch DB, Filusch A, Hunsche E, Schüler R, et al. Development of the Pulmonary Arterial Hypertension-Symptoms and Impact (PAH-SYMPACT®) questionnaire: a new patient-reported outcome instrument for PAH. Respir Res. 2016;17(1):72. https://doi.org/10.1186/s12931-016-0388-6
16. Fernandes CJCS, Martins BCS, Jardim CVP, Ciconelli RM, Morinaga LK, Breda AP, et al. Quality of life as a prognostic marker in pulmonary arterial hypertension. Health Qual Life Outcomes. 2014;12:130. https://doi.org/10.1186/s12955-014-0130-3
17. World Health Organization. International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF). Geneva: World Health Organization; 2001.
18. Üstün T, Kostanjsek N, Chatterji S, Rehm J. Measuring Health and Disability: Manual for WHO Disability Assessment Schedule WHODAS 2.0. Geneva: World Health Organization; 2010.
19. Federici S, Bracalenti M, Meloni F, Luciano JV. World Health Organization disability assessment schedule 2.0: An international systematic review. Disabil Rehabil. 2017;39(23):2347-80. https://doi.org/10.1080/09638288.2016.1223177
20. Ribeiro S. Adaptação e validação do WHODAS 2.0 para a população portuguesa [dissertation]. Aveiro: Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro; 2011.
21. Racca V, Spezzaferri R, Modica M, Mazzini P, Jonsdottir J, De Maria R, et al. Functioning and disability in ischaemic heart disease. Disabil Rehabil. 2010;32(Suppl. 1):S42-9. https://doi.org/10.3109/09638288.2010.511691
22. Pedro-Cuesta J, Alberquilla Á, Virués-Ortega J, Carmona M, Alcalde-Cabero E, Bosca G, et al. ICF disability measured by WHO-DAS II in three community diagnostic groups in Madrid, Spain. Gac Sanit. 2011;25(Suppl. 2):21-8. https://doi.org/10.1016/j.gaceta.2011.08.005
23. Garin O, Ayuso-Mateos JL, Almansa J, Nieto M, Chatterji S, Vilagut G, et al. Validation of the "World Health Organization Disability Assessment Schedule, WHODAS-2" in patients with chronic diseases. Health Qual Life Outcomes. 2010;8:51. https://doi.org/10.1186/1477-7525-8-51
24. Zlupko M, Harhay MO, Gallop R, Shin J, Archer-Chicko C, Patel R, et al. Evaluation of disease-specific health-related quality of life in patients with pulmonary arterial hypertension. Respir Med. 2008;102(10):1431-8. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2008.04.016
25. Taichman DB, Shin J, Hud L, Archer-Chicko C, Kaplan S, Sager JS, et al. Health-related quality of life in patients with pulmonary arterial hypertension. Respir Res. 2005;6:92. https://doi.org/10.1186/1465-9921-6-92
26. Roman A, Barbera JA, Castillo MJ, Muñoz R, Escribano P. Health-related quality of life in a national cohort of patients with pulmonary arterial hypertension or chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Arch Bronconeumol. 2013;49(5):181-8. https://doi.org/10.1016/j.arbres.2012.12.007
27. Halank M, Einsle F, Lehman S, Bremer H, Ewert R, Wilkens H, et al. Exercise capacity affects quality of life in patients with pulmonary hypertension. Lung. 2013;191(4):337-43. https://doi.org/10.1007/s00408-013-9472-6
28. Matura LA, McDonough A, Carroll DL. Predictors of Health-Related Quality of Life in Patients With Idiopathic Pulmonary Arterial Hypertension. J Hosp Palliat Nurs. 2012;14(4):283-92. https://doi.org/10.1097/NJH.0b013e3182496c04

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia