AO EDITOR,Timomas e carcinomas tímicos são raros, representando 20% dos tumores do mediastino. Normalmente seu diagnóstico é acidental, com imagens de tórax realizadas por outro motivo ou por sintomatologia relacionada ao efeito de massa, ou síndrome paraneoplásica, como a miastenia gravis. Têm incidência similar em homens e mulheres e ocorrem mais comumente na faixa etária de 40-60 anos. Não existem fatores de risco.(1,2)
Gostaríamos de apresentar o caso de uma paciente do sexo feminino, 79 anos, que procurou o serviço relatando história de emagrecimento e constipação intestinal há dois meses. Foi admitida no hospital com sinais de obstrução intestinal, apresentando distensão abdominal e vômitos. Por sonda nasogástrica foi realizada a drenagem de 3.000 ml de secreção de aspecto fecaloide. A radiografia e a ultrassonografia de abdome evidenciaram estômago dilatado, com nível hidroaéreo (Figuras 1A e 1B). A endoscopia digestiva alta não evidenciou nenhum ponto de obstrução mecânica; havia esofagite erosiva por refluxo, dilatação gástrica exuberante associada à estase gástrica e hipertonia pilórica. A sorologia para doença de Chagas foi negativa.
A propedêutica seguiu com TC de abdome, sem evidências de qualquer fator obstrutivo ou tumoração, e TC de tórax, que identificou massa em mediastino anterior de aproximadamente 5 cm em sua maior extensão, bem delimitada, sem invasão de estruturas adjacentes (Figura 1C). Com a possibilidade de síndrome paraneoplásica foi realizada ressecção por videotoracoscopia, e o exame anatomopatológico mostrou neoplasia de pequenas células de histogênese de malignidade incerta e imuno-histoquímica, confirmando o diagnóstico de timoma do tipo B1.
Após a ressecção do tumor, a paciente apresentou diminuição da frequência dos vômitos e tolerância à dieta. Foi realizada gastrografia, que mostrou progressão do contraste e estômago com peristalse e de tamanho habitual (Figura 1D). Uma nova endoscopia evidenciou estômago normal com ondas peristálticas vigorosas e ausência de hipertonia pilórica prévia. A paciente recebeu alta com dieta via oral. Foram solicitados exames de anticorpos séricos para miastenia gravis e síndrome paraneoplásica.
A gastroparesia consiste no retardo do esvaziamento gástrico de sólidos, sem que haja obstrução mecânica. Sua incidência é maior em pacientes do sexo feminino e a sobrevida nessa população é significativamente menor do que na população geral. As afecções mais comuns associadas ao quadro são dispepsia funcional, em 25%; estados pós-operatórios (antrectomia, vagotomia, derivação gástrica em Y de Roux), em 25%; outras afecções (esclerodermia, anorexia nervosa, uremia, síndrome paraneoplásica), em 15%; e diabetes, em 25%.(3)
Em pacientes não diabéticos, não chagásicos, sem obstrução mecânica e com sintomas de gastroparesia, deve ser aventada a hipótese de síndrome paraneoplásica. Dentre os tumores a serem pesquisados se destacam carcinoma de pulmão, de ovário e de mama, assim como tumores do mediastino, como carcinomas neuroendócrinos e timoma.(4) A miastenia gravis é a forma mais comum de síndrome neurológica paraneoplásica relacionada ao timoma.
No contexto de síndromes paraneoplásicas causadoras de dismotilidade gastrointestinal, a patogenia pode ser explicada pelo mecanismo autoimune que afeta o sistema nervoso entérico intrínseco (células intersticiais de Cajal e plexo mioentérico) e extrínseco (sistema nervoso autônomo).(5) Alguns anticorpos antineuronais podem ser expressos pelo tumor, dentre eles anticorpos ligadores do canal de cálcio tipo N, anticorpo do receptor de acetilcolina, anticorpo antineuronal tipo 1 e anti-CV2.
Em pacientes que apresentam melhora dos sintomas após a ressecção do tumor o diagnóstico pode ser firmado independentemente das dosagens séricas desses anticorpos. Naqueles pacientes em que não se encontra o tumor, as dosagens séricas se fazem mais importantes. O tratamento preconizado atualmente consiste na ressecção do tumor primário, quando presente, e no uso de inibidor seletivo da acetilcolinesterase para o alívio dos sintomas.(5) A biópsia pré-operatória é indicada em casos de lesões aparentemente malignas ou que infiltram estruturas adjacentes.
Diversas síndromes paraneoplásicas podem ocorrer em pacientes com tumores tímicos; no entanto, elas têm difícil diagnóstico, sendo primordiais o reconhecimento clínico da síndrome e a dosagem de anticorpos. São necessários estudos para que se possa compreender a fisiopatologia desses distúrbios.
REFERÊNCIAS1. Shahrzad M, Le TS, Silva M, Bankier AA, Eisenberg RL. Anterior mediastinal masses. Am J Roentgenol. 2014;203(2):W128-38. https://doi.org/10.2214/AJR.13.11998
2. Safieddine N, Liu G, Cuningham K, Ming T, Hwang D, Brade A, et al. Prognostic factors for cure, recurrence and long-term survival after surgical resection of thymoma. J Thorac Oncol. 2014;9(7):1018-22. https://doi.org/10.1097/JTO.0000000000000215
3. Troncon LE. Gastroparesis: review of the aspects related to its concept, etiopathogeny and clinical handling [Article in Portuguese]. Rev Assoc Med Bras (1992). 1997;43(3):228-36. https://doi.org/10.1590/S0104-42301997000300011
4. Bohnenberger H, Dinter H, König A, Ströbel P. Neuroendocrine tumors of the thymus and mediastinum. J Thorac Dis. 2017;9(Suppl 15):S1448-S1457. https://doi.org/10.21037/jtd.2017.02.02
5. PASHA SF, LUNSFORD TN, LENNON VA. AUTOIMMUNE GASTROINTESTINAL DYSMOTILITY TREATED SUCCESSFULLY WITH PYRIDOSTIGMINE. GASTROENTEROLOGY. 2006;131(5):1592-6. HTTPS://DOI.ORG/10.1053/J.GASTRO.2006.06.018