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Artigo Original

Exame do escarro no manejo clínico dos pacientes com pneumonia adquirida na comunidade

Sputum examination in the clinical management of community-acquired pneumonia

Leonardo Gilberto Haas Signori, Maurício Weyh Ferreira, Luiz Carlos Hack Radünz Vieira, Karen Reetz Müller, Waldo Luís Leite Dias de Mattos

ABSTRACT

Objective: To evaluate the frequency of the use of sputum examination in the clinical management of community-acquired pneumonia (CAP) in a general hospital and to determine whether its use has an impact on mortality. Methods: The medical records of CAP patients treated as inpatients between May and November of 2004 at the Nossa Senhora da Conceição Hospital, located in Porto Alegre, Brazil, were reviewed regarding the following aspects: age; gender; severity of pneumonia (Fine score); presence of sputum; sputum bacteriology; treatment history; change in treatment; and mortality. Results: A total of 274 CAP patients (134 males and 140 females) were evaluated. Using the Fine score to quantify severity, we classified 79 (28.8%) of those 274 patients as class II, 45 (16.4%) as class III, 97 (35.4%) as class IV, and 53 (19.3%) as class V. Sputum examination was carried out in 92 patients (33.6%). A valid sample was obtained in 37 cases (13.5%), and an etiological diagnosis was obtained in 26 (9.5%), resulting in a change of treatment in only 9 cases (3.3%). Overall mortality was 18.6%. Advanced age (above 65), CAP severity, and dry cough were associated with an increase in the mortality rate. Sputum examination did not alter any clinical outcome or have any influence on mortality. Conclusion: Sputum examination was used in a minority of patients and was not associated with any noticeable benefit in the clinical management of patients with CAP treated in a hospital setting.

Keywords: Pneumonia/etiology; Sputum; Diagnosis.

RESUMO

Objetivo: Este estudo retrospectivo avaliou a freqüência do uso da bacteriologia do escarro no manejo clínico de pacientes com pneumonia adquirida na comunidade (PAC) em um hospital geral, e se a utilização deste método modificou a mortalidade. Métodos: Os prontuários de pacientes internados no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre (RS) Brasil, para tratamento de PAC entre maio e novembro de 2004 foram revisados quanto aos seguintes aspectos: idade; sexo; gravidade da pneumonia (escore de Fine); presença de expectoração; bacteriologia do escarro; história de tratamento; resposta clínica; troca de tratamento; e mortalidade. Resultados: Foram avaliados 274 pacientes com PAC, sendo 134 do sexo masculino. Dentre os 274 pacientes, 79 (28,8%) apresentavam, de acordo com o escore de Fine, classe II; 45 (16,4%), classe III; 97 (35,4%), classe IV; e 53 (19,3%), classe V. Em 92 pacientes (33,6%), uma amostra de escarro foi colhida para exame bacteriológico. Obtivemos amostra válida em 37 casos (13,5%) e diagnóstico etiológico em 26 (9,5%), o que resultou em modificação do tratamento em apenas 9 casos (3,3%). A mortalidade geral foi 18,6%. Idade acima de 65 anos, a gravidade da PAC e a ausência de escarro associaram-se à maior mortalidade. A bacteriologia do escarro não influenciou o desfecho clínico, nem a taxa de mortalidade. Conclusão: O exame do escarro foi uma ferramenta diagnóstica utilizada na minoria dos pacientes, e não trouxe benefício detectável no manejo clínico dos pacientes com PAC tratados em ambiente hospitalar.

Palavras-chave: Pneumonia/etiologia; Escarro; Diagnóstico.

Introdução

A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é definida como aquela que acomete o paciente fora do ambiente hospitalar ou que surge nas primeiras 48 h a partir da admissão, e tem uma incidência aproximada de 12:1000 habitantes.(1) No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde para o ano de 2005, a PAC foi a causa de 726.366 hospitalizações e gerou um custo estimado em R$ 331.639.501,89.(2)

As taxas de mortalidade variam em 1-5% para os pacientes tratados ambulatorialmente, cerca de 12% nos pacientes que necessitam de hospitalização, e chegam a até 40% nos pacientes internados em unidade de terapia intensiva.(1,3-5) No Brasil, em 2005, a pneumonia foi a causa de morte em 37% dos óbitos por doenças respiratórias, e correspondeu a 6,7% do total de óbitos ocorridos no país.(2)

A realização de testes diagnósticos para determinar a etiologia da PAC pode ser justificada por vários motivos: adequar o tratamento antibiótico para obter maior eficácia, menor custo e menor toxicidade; excluir etiologias menos comuns de pneumonia, tais como Mycobacterium ­tuberculosis  e fungos endêmicos; selecionar drogas que permitam reduzir a pressão seletiva, evitando a resistência bacteriana induzida pelo uso de alguns fármacos; permitir a identificação de etiologias de interesse epidemiológico para a comunidade, tais como legionelose e tuberculose; e acumular informações sobre as tendências de resistência bacteriana na comunidade.(4,5)

O exame de escarro é uma das ferramentas freqüentemente utilizadas na busca do diagnóstico etiológico da PAC. No entanto, o benefício de sua utilização no manejo inicial da PAC ainda é controverso.(6,7)

Alguns estudos recomendam a bacteriologia do escarro como rotina para pacientes com PAC.(5,8-10) Embora a maioria desses estudos não tenham sido desenhados para avaliar a relação custo-benefício do exame de escarro, alguns defendem que a redução do espectro do tratamento empírico, mediante o resultado do exame do escarro, também resultaria em uma redução importante de custos.(8,11) Entretanto, existem outros estudos sugerindo que a bacteriologia do escarro seria um método de baixa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico etiológico da PAC, não contribuindo para o manejo desses pacientes.(12-17) Adicionalmente, alguns autores argumentam ainda que esses testes diagnósticos são infreqüentemente feitos na prática clínica e que a maioria dos pacientes recebe o tratamento empiricamente, com resultados satisfatórios.(18,19) O único estudo controlado feito para avaliar a eficácia do uso da estratégia diagnóstica na PAC não mostrou diferença de mortalidade entre pacientes cujo tratamento foi orientado pela identificação de algum patógeno e aqueles cujo tratamento foi empírico.(20)

O consenso da Infectious Diseases Society of America da American Thoracic Society, publicado em 2007,(5) recomenda a realização de hemocultura e bacteriologia do escarro como rotina nos pacientes com indicação de tratamento hospitalar apenas quando há algum indicador clínico de gravidade ou de risco aumentado para patógenos não usuais para infecções comunitárias. As diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, publicadas em 2004,(1) não recomendam o uso rotineiro do exame do escarro em pacientes com PAC.

Os autores realizaram este estudo com o objetivo de saber se o exame do escarro faz parte da estratégia adotada para o diagnóstico da PAC em um hospital geral, e avaliar se isto afeta a taxa de mortalidade.

Métodos

Este estudo foi conduzido em um hospital de ensino em Porto Alegre, com capacidade de 800 leitos para internação, dotado de programas de residência médica em todas as áreas clínicas e cirúrgicas, cuja rotina para alta hospitalar exige o preenchimento de um sumário de alta informatizado, que permite a busca de casos por diagnóstico no sistema, classificados pela Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Foi realizada uma busca por diagnóstico de pneumonia, no período entre 18/05/2004 e 18/11/2004, que se enquadrasse em qualquer das descrições de pneumonia padronizadas pela CID-10 (J12, J13, J14, J15, J16, J17 e J18). Todos os prontuários selecionados foram revisados pelos autores (nota de internação, evoluções médicas, sumário de alta, laudos radiológicos e exames complementares). Foram incluídos os casos com confirmação do diagnóstico de PAC, assim definida: surgimento da doença em até 48 h a partir da admissão hospitalar; presença de infiltrado radiológico não presente previamente; e sintomas de doença aguda do trato respiratório (pelo menos 2 dos seguintes achados: tosse; alterações agudas na qualidade do escarro; temperatura axilar ≥37,8º; estertores finos à ausculta pulmonar; dispnéia; taquipnéia; hipoxemia; leucocitose >10.000 células/mm3 ou >15% de neutrófilos imaturos).

Uma ficha padronizada foi preenchida, contendo os seguintes dados: idade; sexo; pontuação e classificação segundo o escore de Fine;(21) escarro (ausente, presente e colhido, presente e não colhido); pesquisa de bacilo de Koch; teste anti-HIV; tratamento antimicrobiano anterior à hospitalização; prescrição inicial de antibiótico (identificação do fármaco); modificação do esquema antibiótico durante a hospitalização; referência do médico-assistente se a modificação do tratamento foi baseada no resultado do exame do escarro; resposta clínica (cura ou falha terapêutica); e desfecho (alta ou óbito).

Foi definido que o escarro ajudou na decisão de troca do antibiótico se a modificação resultou da identificação do agente etiológico na cultura do escarro obtida de uma amostra considerada válida. Foram consideradas amostras de escarro válidas aquelas cujo exame direto revelou <10 células epiteliais e >25 células polimorfonucleares em campo de pequeno aumento (x100). As culturas só foram valorizadas quando eram concordantes com os achados do exame direto. Falha terapêutica foi definida pela ausência de melhora ou pelo agravamento dos sintomas, com necessidade de modificação da terapêutica após pelo menos 3 dias de tratamento. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital. Para a avaliação estatística, foram utilizados modelos de regressão logística a fim de avaliar a associação entre as variáveis de condições de alta e presença de escarro (dependentes) e um conjunto de variáveis explicativas (independentes), como sexo, idade, tratamento prévio, HIV e troca de esquema terapêutico. Esta análise multivariada foi realizada seguindo um modelo hierárquico, sendo as variáveis com valor p ≤ 0,20 no teste de razões de verossimelhança mantidas no modelo. Os dados foram organizados em um banco de dados do programa Microsoft Excel, versão 2000, sendo sua análise executada com o programa Statistical Package for the Social Sciences versão 10.2 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Um intervalo de confiança de 95% e p < 0,05 foram considerados como de significância estatística.

Resultados

No periodo estudado, um total de 274 pacientes, com média de idade igual a 60 anos (14 a 99 anos), foram hospitalizados para tratamento de PAC (Tabela 1). De acordo com a escore de Fine, tivemos 79 pacientes (28,8%) com classe II, 45 (16,4%) com classe III, 97 (35,4%) com classe IV, e 53 (19,3%) com classe V. Um total de 216 pacientes (78,8%) apresentavam história de expectoração e 58 (21,2%) tinham tosse seca no momento da admissão ao hospital. O teste anti-HIV foi realizado em 55 pacientes e mostrou-se soro-reagente em 23 casos (8,4% do total). Constatamos que 34 pacientes (12,4%) tinham história de uso de antibiótico precedendo a internação, 160 (58,4%) iniciaram o tratamento no hospital e, nos restantes 80 prontuários, não foi possível obter esta informação.



Em 92 pacientes (33,6%), uma amostra de escarro foi colhida para exame bacteriológico, e em 74 destas foi realizada pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes (positiva em 1 caso). Quanto aos restantes 124 pacientes (45,2%) que referiam tosse produtiva, não foi colhida amostra de escarro até o primeiro dia de tratamento, seja pela incapacidade de se obter em obter uma amostra do paciente ou por falta de solicitação do médico assistente. Dos pacientes nos quais o escarro foi colhido, 37 (13,5%) tinham uma amostra qualificada como válida no exame direto, e as culturas revelaram um agente etiológico em 26 pacientes (9,5%): Haemophilus spp. em 13 amostras; Streptococcus pneumoniae em 6; Staphylococcus aureus em 4; Klebsiella pneumoniae em 1; ambos Haemophilus spp. e Moraxella catarrhalis em 1; e Pseudomonas aeruginosa em 1 amostra. As restantes 11 amostras tiveram culturas negativas.

Muitos esquemas de antibioticoterapia foram prescritos no momento inicial do tratamento, o que tornou inviável a comparação entre os diferentes antibióticos. Receberam monoterapia 160 pacientes (58,4%); 114 (41,6%) receberam terapia combinada; e 111 pacientes (40,5%) receberam algum antimicrobiano com atividade contra germes atípicos. Os antibióticos mais freqüentemente utilizados foram, em ordem de freqüência: penicilina associada ao ciprofloxacina; penicilina; amoxicilina; amoxicilina-clavulanato; piperacilina-tazobactam; cefuroxima; ciprofloxacina; e levofloxacina. O tratamento foi concluído sem modificação na terapia antimicrobiana inicial em 143 pacientes (52,2%) e, nos restantes 131 (47,8%), o tratamento foi modificado: por diagnóstico clínico de falha terapêutica, em 45 pacientes (16,4%); por descalonamento, em 55 (20,1%); e pela adição de um segundo antibiótico ao esquema inicial, em 31 (11,3%).

Considerando separadamente estes 131 pacientes cujo tratamento foi modificado, observamos: 52 pacientes (39,7%) apresentavam expectoração, mas o escarro não foi examinado; amostras de escarro de 49 pacientes (37,4%) foram colhidas para exame; e 30 pacientes (22,9%) não apresentavam escarro no momento da alteração do tratamento.

Constatamos 51 óbitos (18,6%) entre os 274 pacientes, sem diferença com relação ao sexo, soro-positividade para o HIV ou quanto à presença de história de tratamento. Não foi identificada qualquer diferença significativa entre os vários esquemas de tratamento utilizados. Tampouco houve diferença significativa entre o grupo de pacientes que recebeu monoterapia e o grupo que recebeu tratamento combinado, nem entre os que receberam ou não cobertura para germes atípicos. A mortalidade entre os que receberam monoterapia ou tratamento combinado foi, respectivamente, 16,2 e 21,9%, e, entre os que receberam ou não uma droga com atividade contra germes atípicos, foi, respectivamente, 22,5 e 15,9%. A taxa de óbitos foi influenciada pela idade e pela gravidade da pneumonia. Utilizou-se o odds ratio (OR), ou razão de chance, como medida de associação das diversas variáveis com o risco de morte. Pacientes com mais de 65 anos de idade tiveram 2 vezes mais chance de óbito (OR = 1,99; IC95%: 1,06-3,73; p = 0,03) quando comparados àqueles com menos de 65. Considerando como referência os pacientes classificados pelo escore de Fine como classe II, os pacientes com classe III tiveram 5,6 vezes mais chance de óbito (OR = 5,61; IC95%: 1,03-30,14; p = 0,04); os com classe IV, 15,4 vezes (OR = 15,36; IC95%: 3,28-71,81; p = 0,001); e os com classe V, 41,5 vezes (OR = 41,51; IC95%: 8,18‑210,41; p < 0,0001).

Dentre os 58 indivíduos que não tinham escarro, houve 19 óbitos (32,7%); dentre os 124 que tinham escarro mas cuja amostra não foi colhida para exame, houve 26 óbitos (20,9%); e, no grupo dos 92 pacientes cujo escarro foi colhido para exame, houve 6 óbitos. Considerando como referência o grupo de pacientes cujo escarro foi colhido, o grupo que tinha escarro mas cuja amostra não foi colhida para exame teve 3,7 vezes mais chance de óbito (OR = 3,78; IC95%: 1,40-10,23; p < 0,01), e o grupo que não tinha escarro teve 8 vezes mais chance de óbito (OR = 8,01; IC95%: 2,67-23,97; p < 0,0001). Estes grupos não apresentaram diferença estatisticamente significante entre si quanto a: sexo; idade; história de tratamento antimicrobiano; gravidade da pneumonia classificada pelo escore de Fine; taxa de falha terapêutica; ou troca de esquema de tratamento. Este dado é independente da qualificação da amostra como válida ou de sua utilidade para orientar o tratamento.

Entretanto, apenas 9 pacientes (3,3%) tiveram o tratamento inicial modificado com base no resultado da bacteriologia do escarro, e não houve diferença estatisticamente significativa quanto à mortalidade entre os pacientes deste grupo, cujo resultado de exame do escarro ajudou a orientar a antibioticoterapia, quando comparados aos que não tinham escarro ou aos que tinham expectoração mas cuja amostra de escarro não foi colhida para exame ou, ainda, àqueles cujas amostras de escarro foram colhidas mas os resultados dos exames foram interpretados como sem utilidade para orientar o tratamento.

Discussão

Os autores mostraram, mediante a avaliação restrospectiva de uma série de pacientes com PAC tratados em um hospital geral, que, dentro da atuação de rotina neste hospital, foram colhidas amostras de escarro de cerca de 1/3 dos pacientes; foram obtidas amostras válidas de 1/6 dos pacientes; e obteve-se diagnóstico etiológico por meio do exame do escarro em menos de 1/10 deles, o que não modificou o prognóstico dos pacientes. Assim, o exame do escarro foi uma ferramenta utilizada na minoria dos pacientes, e não resultou em qualquer benefício aparente. Embora utilizando uma avaliação retrospectiva e refletindo condições locais da prática clínica, este parece ser o primeiro estudo nacional a avaliar objetivamente a freqüência da utilização e a efetividade da bacteriologia do escarro no manejo da PAC na prática clínica.

A primeira dificuldade para interpretar esses dados deveu-se à natureza retrospectiva da colheita dos dados clínicos. Em virtude disso, não podemos afirmar que esses dados refletem o grau de eficácia do método, visto não haver comprovação de empenho e orientação adequada na colheita das amostras de escarro, que evitariam um rendimento abaixo do possível. Entretanto, podemos dizer que o resultado foi o melhor possível se considerarmos o ambiente artificial de uma pesquisa.

Uma metanálise publicada em 1996 mostrou que a sensibilidade e especificidade da microbiologia do escarro variaram, respectivamente, 15-100% e 11-100%,(22) ressaltando a variabilidade do rendimento de acordo com as características dos pacientes e metodologia dos estudos, o que pode explicar o risco que assumimos quando projetamos os resultados da avaliação deste método da literatura médica para a prática clínica local. Um estudo retrospectivo mais recente mostrou um rendimento diagnóstico de 21% por meio da bacteriologia do escarro.(16) Estudos prospectivos também revelam significativa variabilidade dos resultados da bacteriologia do escarro. Considerando o rendimento diagnóstico sobre o total de casos, independentemente da proporção de casos em que, efetivamente, amostras de escarro foram colhidas, alguns autores(17) identificaram o patógeno causal da PAC por meio do exame de escarro em apenas 5% dos casos. Outros autores o fizeram em 9,(14) 14,(23,24) e 17%,(25) o que reflete a dificuldade em obter um diagnóstico etiológico por meio deste teste. Um estudo relatou melhor rendimento, cerca de 31%, mas baseado apenas no diagnóstico presuntivo da bacterioscopia.(8) No Brasil, relatou-se a identificação de um agente etiológico através da bacteriologia do escarro em 21,4% dos casos de uma série prospectiva.(29) O conjunto desses dados sugere que este método, embora ideal do ponto de vista teórico, torna-se aplicável para o manejo clínico em uma pequena proporção dos casos.

Um segundo aspecto a ser considerado, independentemente da capacidade de identificar a etiologia da PAC, é a apreciação do percentual de pacientes cujo tratamento foi efetivamente modificado com base na avaliação do escarro, o que reduz mais ainda a proporção de casos com benefício demostrável. Estudos relataram que o tratamento foi modificado, respectivamente, em menos de 1% e em 12% dos casos avaliados.(14,26) Em nosso estudo, 9 pacientes (3,3%) tiveram o tratamento antibacteriano modificado, e em um caso, foi iniciado tratamento com tuberculostáticos.

Outra abordagem possível para avaliar o potencial benéfico da obtenção do diagnóstico etiológico pelo escarro consiste na avaliação das diferenças entre as abordagens terapêuticas na PAC. Alguns autores não encontraram qualquer diferença nas taxas de mortalidade ao comparar o tratamento empírico com o definido pela etiologia,(20) e duas metanálises publicadas em 2005(27,28) não mostraram diferença significativa em sobrevida ou eficácia clínica de esquemas terapêuticos com ou sem cobertura para agentes atípicos. Se considerarmos que diferentes abordagens de tratamento não resultam em diferenças significativas nos desfechos avaliados, é razoável questionar qual a vantagem em investir nos métodos diagnósticos da etiologia.

Em nossa série de casos, encontramos uma taxa de óbitos global de 18,6%. Com relação aos fatores independentes que aumentaram a chance de óbito, constatou-se mortalidade de 32,7% nos casos em que não houve expectoração, mortalidade de 20,9% quando houve expectoração sem comprovação por colheita de escarro, e mortalidade de 6,5% no grupo cujo escarro foi examinado. Nenhuma diferença de eficácia pôde ser encontrada entre a ampla variedade de antibióticos escolhidos para o tratamento inicial. Pudemos justificar uma mortalidade global um pouco mais elevada que a observada na literatura,(3,4) em decorrência do significativo número de pacientes com classe IV e V (55% dos pacientes), mas não conseguimos explicar a influência aparente da presença de expectoração ou colheita do escarro como fatores protetores, visto que isto não resultou em atitude terapêutica diferente na maioria dos casos. Ainda, se analisarmos separadamente o grupo de casos cujo diagnóstico etiológico foi obtido, a única justificativa aceitável de proteção contra o óbito seria o oferecimento de um tratamento potenciamente melhor, pois não houve diferença significativa entre os grupos quanto à mortalidade. Variáveis com potencialidade para interferir na capacidade de expectoração dos pacientes, tais como sexo, idade ou a gravidade da PAC, também não influenciaram os resultados.

Embora existam outras justificativas para implementar a busca do diagnóstico etiológico, também precisamos responder se isto é, de fato, obtido. Se, além de não modificar a taxa de mortalidade, a efetividade deste método é baixa ou incerta para promover modificações no tratamento e reduzir-lhe os custos, ou estabelecer diagnósticos de interesse epidemiológico, este método nos parece, então, ser desnecessário como rotina no manejo da PAC. As informações sobre as tendências de resistência bacteriana devem ser obtidas em protocolos clínicos específicos, o que também não implica em sua indicação para a utilização rotineira. Um fator negativo adicional é a necessidade de obtenção da amostra do escarro antes da instituição da antibioticoterapia, para um melhor rendimento do método, o que pode tornar este método menos efetivo ainda quando a amostra é colhida após a introdução da antibioticoterapia. Por outro lado, trata-se de um teste não invasivo e de baixo custo operacional, o que pode sustentar, de certo modo, o argumento em favor de sua utilização, mesmo reconhecendo todas aquelas limitações.

Os dados apresentados evidenciam que o exame do escarro foi uma ferramenta diagnóstica utilizada na minoria dos pacientes, sem benefício detectável no manejo clínico dos pacientes com PAC tratados em ambiente hospitalar. Entretanto, ainda é possível que grupos específicos de pacientes com identificação de risco para patógenos não usuais para infecções comunitárias se beneficiem deste método.

Agradecimentos

Os autores agradecem à professora Viviane Mattos o auxílio no planejamento e na execução da avaliação estatística.

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Trabalho realizado no Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.
1. Acadêmico de Medicina. Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
2. Professor Adjunto do Departamento de Medicina Interna. Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Waldo Mattos. Rua Santana, 1253, sala 206, CEP 90040-373, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, RS, Brasil.
Tel 51 3219-6664. E-mail: waldomattos@uol.com.br
Recebido para publicação em 7/5/2007. Aprovado, após revisão, em 12/7/2007.

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