AO EDITOR,A investigação do sintomático respiratório (SR), pessoa com tosse e expectoração por três semanas ou mais, por meio de duas baciloscopias de escarro é orientada pela Organização Mundial da Saúde - desde a estratégia directly observed treatment short course (tratamento diretamente observado de curta duração) - como atividade primordial para o diagnóstico precoce da tuberculose.
O Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) estima prevalências de 1% e 5%, respectivamente, de SR na população geral e nos consultantes com idade ≥ 15 anos que buscam atendimento em Unidades de Saúde (US); 4% desses são casos de tuberculose pulmonar ativa. A Organização Mundial da Saúde, ao avaliar pesquisas realizadas em regiões em desenvolvimento, estima uma prevalência de 5% de SR na demanda dos serviços de saúde.(1) Essas taxas referem-se a diferentes panoramas epidemiológicos, e, portanto, há a possibilidade de variações conforme as características do serviço de saúde e da população local.
Muitas pesquisas dedicaram-se à estimativa de SR em apenas um dos cenários: comunidade ou US. Em Vitória(2) e no Rio de Janeiro,(3) taxas de SR em US foram de 4,0% e 10,7%, respectivamente. Já no Distrito Federal,(4) a prevalência de SR na comunidade variou de 4,8% a 5,7%. Estudos simultâneos, na comunidade e entre os consultantes de US são escassos na literatura.
O objetivo do presente estudo foi conhecer a prevalência de SR e tuberculose em Paranaguá, município com elevada incidência (99/100.000 habitantes) desse agravo. Efetuou-se um estudo descritivo com a realização de dois inquéritos: um populacional e um sobre a demanda em US entre setembro e novembro de 2010, ano em que as incidências de tuberculose no Paraná e no Brasil, foram de, respectivamente, 23/100.000 habitantes e 37/100.000 habitantes.
Para a amostra ser representativa da comunidade e da população atendida em US, realizou-se uma amostragem por conglomerados (indicada para estudos populacionais),(5) ponderada pelo tamanho da população e número de consultas no ano anterior; assim, bairros mais populosos e US com maior número de consultas tiveram maior número de conglomerados. No inquérito populacional (domicílios), excluíram-se moradores dos setores censitários especiais/aglomerados subnormais,(6) cujas prevalências são sabidamente elevadas. Nas US, o inquérito foi constituído pelos consultantes que buscaram atendimento nas US básicas e na Estratégia Saúde da Família, independentemente do motivo da procura. Em ambos, a idade mínima foi de 10 anos e aplicou-se um questionário sobre dados sociodemográficos, tempo de tosse, assim como sinais e sintomas relacionados à tuberculose.
A fórmula para cálculo do tamanho amostral foi a de amostra aleatória simples - n = Nz2p(1 − p)/[d2(N − 1) + z2p(1 − p)] - multiplicada pelo efeito do desenho (ED = 2) para corrigir a diferença no tamanho amostral (correlação introduzida por conglomerados).(2,5)
A amostra comunitária foi constituída por 1.020 moradores sorteados em 30 conglomerados, envolvendo os 17 bairros mais populosos, com aproximadamente 30 pessoas em cada conglomerado (p = prevalência de SR = 1%). A amostra estimada para os consultantes nas US foi de 757 consultantes sorteados em 25 conglomerados das nove US em funcionamento (p = 5% do total de consultas). Para ambas as amostras, z2 = 1,96 e d = 2%.
Indivíduos com tosse produtiva, independentemente do tempo desse sintoma, foram classificados como indivíduos com tosse; se a tosse perdurasse 21 dias ou mais, foram identificados como SR. Definiu-se como tuberculose pulmonar confirmada bacteriologicamente os casos com qualquer tipo de exame bacteriológico positivo e tuberculose pulmonar não confirmada bacteriologicamente aqueles casos cujo diagnóstico foi estabelecido por critérios clinicorradiológicos.
Para todos os indivíduos com tosse foi recomendada a coleta de escarro para a realização de duas baciloscopias e cultura para BAAR. O frasco para a coleta de escarro era entregue imediatamente, tanto na US como no domicílio. Efetuou-se a dupla digitação dos dados dos questionários, e foi utilizado o programa Epi data para validar as variáveis. Dois anos depois do período do estudo, realizou-se a busca dos indivíduos com tosse e dos SR que não realizaram os exames durante o estudo, para excluir a possibilidade de que houvesse casos de tuberculose entre os não investigados (Tabela 1). O teste do qui-quadrado foi utilizado para comparar a diferença entre proporções e verificar se essas diferiam significativamente; em frequências menores que 5, utilizou-se o teste exato de Fisher. O nível de significância adotado foi de 5%, e os testes estatísticos foram efetuados pelo pacote estatístico Stata versão 13.0 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA). A taxa de realização de exames foi baixa tanto na comunidade quanto nas US (Tabela 1). Apesar da entrega imediata do frasco para a coleta do escarro, a maioria dos indivíduos preferiu realizar a coleta posteriormente e não retornou o material na US.
Na comunidade, entre 94 indivíduos com tosse, 28 eram SR (prevalência de 2,7%; IC95%: 1,8-3,9%), enquanto nas US, entre 67 indivíduos, 10 eram SR (prevalência de 1,3%; IC95%: 0,6-2,4%). A tuberculose foi identificada em 1 indivíduo com tosse de 5 dias e em 1 SR, o que corresponde a prevalência de 3% de tuberculose entre todos os indivíduos com tosse nas US.
A presente pesquisa de base populacional buscou preencher uma lacuna na literatura, ao ser conduzida na comunidade e nas US. A exclusão de assentamentos irregulares(6) buscou minimizar o viés de seleção mas pode ter colaborado na subestimativa de tuberculose, assim como a baixa realização de exames de escarro, sendo ambas limitações do estudo.
Ao se avaliar a prevalência de SR na comunidade, ela foi maior que a estimada pelo PNCT. Foram encontrados resultados semelhantes na Índia (2,7%),(7) Peru (3,3-3,8%)(8) e em algumas áreas do Distrito Federal (4,8-5,7%).(4) Essas regiões tinham em comum a alta endemicidade da tuberculose.
Não se encontraram casos de tuberculose no inquérito populacional, o que vai ao encontro de estudos que propõem que a investigação ativa de SR ocorra em grupos com maior risco de adoecimento e não na comunidade em geral. Vários autores apontam que a busca de SR no domicílio pode detectar casos de tuberculose, mas que essa não seria custo-efetiva, sendo indicada em moradores em situação de rua, drogaditos, população privada de liberdade, imigrantes, contatos de tuberculose, portadores de HIV/AIDS, moradores em áreas carentes, entre outros.(9,10)
A taxa de prevalência de SR nas US foi menor que a estimada pelo PNCT e em outros estudos.(1) Isso seria explicado pelo predomínio da clientela feminina, cujas características são o maior cuidado com a saúde e a procura por atendimento mais rapidamente quando apresentam tosse. A identificação de casos de tuberculose em indivíduos com menor tempo de tosse nas US reforça a importância da investigação da tosse independentemente do tempo referido desse sintoma.(3) Cabe a reflexão de que as taxas de SR e tuberculose são influenciadas pelas características da população, dos serviços de saúde, entre outros. Isso deve ser considerado ao se utilizar esses indicadores no planejamento e monitoramento das ações de controle de tuberculose em diferentes cenários.
REFERÊNCIAS1. Ottmani SE, Scherpbier R, Chaulet P, Pio A, Van Beneden C, Raviglione M. Respiratory care in primary care services-a survey in 9 countries. Geneve: WHO; 2004.
2. Moreira CM, Zandonade E, Lacerda T, Maciel EL. Respiratory symptomatics among patients at primary health clinics in Vitória, Espírito Santo State, Brazil [Article in Portuguese]. Cad Saude Publica. 2010;26(8):1619-26. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000800015
3. Bastos LG, Fonseca LS, Mello FC, Ruffino-Netto A, Golub JE, Conde MB. Prevalence of pulmonary tuberculosis among respiratory symptomatic subjects in an out-patient primary health unit. Int J Tuberc Lung Dis. 2007;11(2):156-60.
4. Freitas FT, Yokota RT, de Castro AP, Andrade SS, Nascimento GL, de Moura NF, et al. Prevalence of respiratory symptoms in areas of the Federal District, Brazil [Article in Portuguese]. Rev Panam Salud Publica. 2011;29(6):451-6.
5. World Health Organization (WHO). Guidelines for surveillance of drug resistance in tuberculosis. 4th ed. Geneve: WHO; 2009.
6. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010: Aglomerados Subnormais--Informações Territoriais. Rio de Janeiro: IBGE; 2010.
7. Charles N, Thomas B, Watson B, Sakthivel MR, Chandrasekeran V, Wares F. Care seeking behavior of chest symptomatics: a community based study done in South India after the implementation of the RNTCP. PLoS One. 2010;5(9). pii: e12379. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0012379
8. Gutiérrez C, Roque J, Romaní F, Zagaceta J. Prevalence of symptomatic respiratory cases in the Peruvian population aged 15 years and above: secondary analysis of the demographic and family health survey, 2013-2015 [Article in Spanish]. Rev Peru Med Exp Salud Publica. 2017;34(1):98-104. https://doi.org/10.17843/rpmesp.2017.341.2771
9. Zenner D, Sourthern J, Van Hest R, Devries G, Stagg HR, Antoine D, et al. Active case finding for tuberculosis among high-risk groups in low-incidence countries. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(5):573-82. https://doi.org/10.5588/ijtld.12.0920
10. Golub JE, Dowdy DW. Screening for active tuberculosis: methodological challenges in implementation and evaluation. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(7):856-65. https://doi.org/10.5588/ijtld.13.0059