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ISSN (on-line): 1806-3756

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Educação Continuada: Fisiologia Respiratória

Desafios práticos do diagnóstico de obstrução na presença de restrição

Practical challenges of diagnosing obstruction in the presence of restriction

José Alberto Neder1,a, Denis E O'Donnell1,b, Danilo Cortozi Berton2,c

DOI: 10.1590/1806-3713/e20190318

CONTEXTO



Em um número anterior desta série,(1) destacamos que alterações fibróticas/restritivas e alterações centradas nas vias aéreas/obstrutivas podem coexistir em pacientes individuais, levando a fluxos e volumes dentro da faixa de "normalidade". Se as consequências funcionais das primeiras se sobrepõem às das segundas, o reconhecimento da obstrução pode ser ainda mais desafiador.



PANORAMA



Uma mulher de 77 anos de idade, obesa - índice de massa corporal (IMC) = 34,1 kg/m2 - e com DPOC (carga tabágica, 30 anos-maço) foi encaminhada pelo médico de família à clínica respiratória em razão de dispneia persistente (escore da escala modificada do Medical Research Council = 3) apesar da terapia inalatória com β2-agonista de longa duração e corticoide. Sua história médica incluía asma na infância, tuberculose pulmonar, hipertensão sistêmica mal controlada, troca valvar aórtica por bioprótese em razão de estenose grave e fibrilação atrial. A espirometria mostrou distúrbio obstrutivo ventilatório pré- e pós-broncodilatador (VEF1/CVF) com redução moderada a grave da CVF e do VEF1 (Figura 1A). A pletismografia corporal revelou restrição associada (CPT) com relação VR/CPT elevada (Figura 1B). Ao final do teste de caminhada de seis minutos (100 m), ela apresentou dispneia grave (escala de Borg, 8/10) e FR elevada (32 ciclos/min). A TC de tórax revelou lesões fibróticas extensas e atelectasias, além de cardiomegalia grave em associação com enfisema (Figura 1C).

 


 
 






Baixa CV em paciente com limitação do fluxo aéreo mais frequentemente reflete um aumento maior do "piso" da CV (VR) do que de seu "teto" (CPT). No cenário clínico apropriado, no entanto, isso pode ser atribuído a uma restrição coexistente, ou seja, um "teto" baixo.(2) No presente caso, uma diferença relativamente pequena entre CVF% (% do previsto) e VEF1% (por ex., < 12%),(3) além de CVF% < 85% e relação VEF1/CVF ≥ 55%,(4) pode ter levantado a suspeita de restrição associada - que foi confirmada por pletismografia. IMC elevado, cicatrizes crônicas, atelectasias e cardiomegalia(5) podem todos ter contribuído para o distúrbio restritivo. Deve-se, no entanto, ter a preocupação de que a restrição, por si só, pode aumentar a relação VR/CPT, pois o aumento da retração elástica pulmonar reduz mais a CPT do que o VR. Assim, uma relação VR/CPT elevada não indica necessariamente aprisionamento aéreo.(2) Relação VEF1/CVF persistentemente baixa associada à redução de 320 ml no VR pós-broncodilatador em uma fumante pesada forneceu pistas adicionais de que, neste caso, a relação VR/CPT elevada realmente representava aprisionamento aéreo.



Independentemente da etiologia, os pacientes que apresentam distúrbio misto são particularmente propensos a relatar dispneia aos esforços: a CPT menos a diferença da capacidade residual funcional - ou seja, a capacidade inspiratória (CI) - representa o limite para a expansão do VT durante o esforço. A CI da paciente era de apenas 1,20 l (2,96-1,76 l): a dispneia se dá sempre que o VT é uma fração demasiadamente grande da CI (> 0,7).(6) Segue-se que atingir um VT de ~0,8 l seria suficiente para provocar dispneia grave: isso explica a grave intolerância ao exercício e a taquipneia da paciente apesar do tratamento com β2-agonista inalatório de longa duração e corticoide inalatório.



MENSAGEM CLÍNICA



A redução da CV em pacientes com limitação do fluxo aéreo pode ser reflexo de aprisionamento aéreo ou distúrbio ventilatório misto. Este é confirmado por VEF1/CV(F) e CPT abaixo do 5º percentil dos valores previstos.(2) Uma história clínica e exame físico detalhados juntamente com exames de imagem do tórax geralmente apontam o(s) mecanismo(s) subjacente(s).



REFERÊNCIAS



1. Neder JA, Berton DC, O'Donnell DE. Why we should never ignore an "isolated" low lung diffusing capacity. J Bras Pneumol. 2019;45(4):e20190241 https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20190241

2. Pellegrino R, Viegi G, Brusasco V, Crapo RO, Burgos F, Casaburi R, et al. Interpretative strategies for lung function tests. Eur Respir J. 2005;26(5):948-68. https://doi.org/10.1183/09031936.05.00035205

3. Pereira CA, Sato T. Limitação ao fluxo aéreo e capacidade vital reduzida: distúrbio ventilatório obstrutivo ou combinado? J Pneumol. 1991:17(2):59-67.

4. Glady CA, Aaron SD, Lunau M, Clinch J, Dales RE. A spirometry-based algorithm to direct lung function testing in the pulmonary function laboratory. Chest. 2003;123(6):1939-46. https://doi.org/10.1378/chest.123.6.1939

5. Neder JA, Rocha A, Berton DC, O'Donnell DE. Clinical and Physiologic Implications of Negative Cardiopulmonary Interactions in Coexisting Chronic Obstructive Pulmonary Disease-Heart Failure. Clin Chest Med. 2019;40(2):421-438. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2019.02.006

6. Neder JA, Berton DC, Marillier M, Bernard AC, O'Donnell DE; Canadian Respiratory Research Network. The role of evaluating inspiratory constraints and ventilatory inef-ficiency in the investigation of dyspnea of unclear etiology. Respir Med. 2019;158:6-13. [Epub ahead of print] https://doi.org/10.1016/j.rmed.2019.09.007

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