A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é o maior desafio diagnóstico no contexto das doenças do interstício pulmonar em geral e das pneumonias intersticiais em particular.(1-4) Isso se deve à sobreposição clínica, imagiológica e histológica com outras pneumonias crônicas fibrosantes, em que um padrão de pneumonia intersticial usual (PIU) pode ocorrer, como no caso da pneumonite de hipersensibilidade crônica ou de doenças do tecido conjuntivo.(1,4) Um documento da Fleischner Society(5) definiu o diagnóstico imagiológico da FPI em caso de presença de PIU típica, defendendo o mesmo diagnóstico nos casos de PIU provável apenas quando não houver nenhum elemento clínico, de exposição ambiental ou de autoimunidade que sugira outra pneumonia crônica fibrosante. Nesses casos, o estudo diagnóstico deverá prosseguir, com a realização de biopsia pulmonar.(5) Este rigor de avaliação aproxima o documento(5) de diretrizes internacionais publicadas em 2011,(1) que aconselham uma estratégia mais interventiva, nomeadamente com realização de lavagem broncoalveolar e biopsia pulmonar cirúrgica nos casos de PIU provável. Dentro da investigação do diagnóstico diferencial, como é demonstrado na presente edição do JBP,(6) a pesquisa do contexto familiar é altamente relevante no diagnóstico diferencial da FPI, dado que esse tipo de fibrose aponta para um diferente perfil de evolução e de resposta terapêutica, devendo ser sempre documentada qualquer relação familiar no diagnóstico de doença intersticial pulmonar.
Em 2014, foram publicados os resultados de dois ensaios clínicos correspondentes a dois diferentes fármacos, pirfenidona(7) e nintedanib,(8) que demonstraram um impacto positivo na evolução da FPI ao diminuírem de forma significativa a queda funcional respiratória, medida através da CVF, em comparação com placebo, durante 52 semanas. Essa dupla publicação constitui até os dias de hoje o maior marco na evolução da abordagem terapêutica das doenças do interstício pulmonar. Durante longos anos, a terapêutica combinada com corticoide e azatioprina, baseada no contexto errado de uma inflamação persistente que conduzia à fibrose, e posteriormente com adição da N-acetilcisteína, já baseada no conceito de o stress oxidativo ser um componente de uma cicatrização anômala após dano do epitélio alveolar, com consequente deposição de matriz extracelular e progressão da fibrose, foi usada de forma indiscriminada, verificando-se invariavelmente uma progressão da doença e uma sobrevida que, em média, era de três anos após o diagnóstico.(9,10) Posteriormente, demonstrou-se que essa terapêutica em pacientes com FPI não proporcionava quaisquer benefícios; pelo contrário, poderia causar efeitos adversos significativos, dado que o braço dessa terapêutica tripla teve de ser interrompido de forma prematura devido a um número significativo de hospitalizações e mortes, em comparação com os outros dois braços do estudo (N-acetilcisteína e placebo).(11) Apesar de o uso de pirfenidona já ter sido aprovado em 2008 no Japão e em 2011 na Europa, foi apenas após o estudo de King Jr et al.(7) que esse uso foi considerado globalmente e aprovado na maioria dos países, paralelamente com o uso de nintedanib. Naquela altura, os pacientes passaram a ter pela primeira vez a disponibilidade de fármacos que lhes poderiam proporcionar uma redução na evolução da sua doença, permitindo-lhes, assim, a perspectiva de uma maior sobrevida e tempo mais prolongado com qualidade de vida, além de uma maior preservação da sua autonomia.
Após o entusiasmo inicial, dúvidas se levantaram sobre se aqueles fármacos seriam benéficos para todos os pacientes com o diagnóstico de FPI e se sua prescrição deveria ser efetuada imediatamente após o diagnóstico, nomeadamente em pacientes ainda pouco sintomáticos e com função pulmonar preservada. A estratificação dos dados daqueles ensaios(7,8) não deixou dúvidas sobre o benefício de ambos os fármacos independentemente das características dos pacientes, nomeadamente idade e sexo, bem como independentemente do estádio da doença de acordo com os valores de CVF e DLCO.(12) Efetivamente, ao se comparar pacientes CVF > 90% do valor previsto com aqueles com valores menores, verificou-se que a queda funcional era similar, obtendo-se o mesmo resultado com o uso de pirfenidona em pacientes com CVF > 80% do previsto em comparação com aqueles com CVF < 80% do previsto; esses resultados sustentam o benefício do tratamento precoce de forma a proporcionar um efeito de desaceleração na evolução da doença o mais cedo possível, o que se traduziria na necessidade de um diagnóstico igualmente precoce.(13,14) Analogamente, em relação a pacientes com doença mais avançada (CVF < 50% do previsto), foi comprovado que esses tinham uma queda funcional mais lenta, de valor sobreponível ao de pacientes com melhor estádio funcional, após iniciarem a terapêutica antifibrótica.(15) Após um período inicial durante o qual os pacientes tratados se encontravam habitualmente com uma CVF entre 50% e 80% do previsto, de acordo com os critérios de inclusão de alguns dos ensaios clínicos referidos, os resultados conduziram para a prescrição atual de terapêutica antifibrótica a qualquer paciente com o diagnóstico de FPI, que deve ser instituída o mais precocemente possível.(16,17) Recentemente, foram publicados estudos sobre o uso prolongado desses dois fármacos(18,19) (até cerca de quatro anos), que relataram que o efeito da medicação se manteve durante o período dos estudos, dado que a queda da CVF por ano teve a mesma dimensão. A questão atual relaciona-se principalmente com o potencial efeito que esses fármacos poderão ter em outras doenças crônicas fibróticas progressivas, nomeadamente após a publicação recente de resultados que sugerem um efeito idêntico na diminuição do grau de deterioração funcional.(20,21)
Na presente edição do JBP, Pereira et al.,(22) em um estudo de vida real com um grupo selecionado de 57 pacientes com FPI que se beneficiaram de um programa de acesso ao tratamento com nintedanib, descreveram a segurança e a tolerabilidade da medicação. Os pacientes incluídos foram diagnosticados principalmente com base em exames de imagem, dado que apenas 22,8% tinham sido submetidos a biopsia pulmonar cirúrgica, o que está em linha com os dados da literatura. Relativamente aos efeitos adversos, corroborando estudos publicados previamente,(23,24) os sintomas gastrointestinais foram os mais frequentemente observados, nomeadamente diarreia, em 78,9% dos pacientes, sendo essa considerada severa em 22,2%. Contrariamente, a elevação dos parâmetros de função hepática foi relatada apenas em 1 paciente. Os efeitos adversos foram em grande parte responsáveis pela descontinuação permanente do tratamento em 20 pacientes (35,1%) e na redução da dose em 21 (36,8%). A continuação da publicação de estudos de vida real de várias proveniências geográficas, como o atual,(22) tem sido fulcral para um conhecimento preciso do perfil de tolerância dos antifibroticos.
Em conclusão, no presente estado da arte, o diagnóstico diferencial da FPI deve ser efetuado de forma rigorosa e o mais precocemente possível, de forma a que os pacientes tenham um benefício da terapêutica antifibrótica numa fase ainda precoce da doença.
REFERÊNCIAS
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