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Cartas ao Editor

Manifestações pulmonares da dengue.

Pulmonary manifestations of dengue.

Edson Marchiori1,a, Bruno Hochhegger2,b, Gláucia Zanetti1,c

DOI: 10.1590/1806-3713/e20190246

AO EDITOR,

A dengue é uma doença viral veiculada por artrópodes a qual é transmitida aos seres humanos pela picada das fêmeas infectadas de mosquitos do gênero Aedes. O dengue virus (DENV, vírus da dengue) pertence à família Flaviviridae, e os seres humanos podem ser infectados por qualquer um dos quatro sorotipos antigenicamente distintos (DENV 1-4).(1-7) A prevalência da infecção pelo DENV aumentou dramaticamente nas últimas décadas; a doença agora é endêmica em > 100 países do mundo. Acredita-se que o ressurgimento global da dengue se deva à falha em controlar as populações de Aedes spp., à urbanização descontrolada, ao crescimento populacional, às mudanças climáticas e ao número crescente de viajantes internacionais.(1,2,4,5,7) No Brasil, o número de casos de dengue relatados de janeiro a agosto de 2019 foi aproximadamente 600% maior do que o relatado durante o mesmo período de 2018. Até agosto de 2019, a doença havia causado 591 óbitos, contra apenas 141 no mesmo período de 2018.(8)

De acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde de 2009,(2) os pacientes com dengue são classificados como portadores da forma não grave (subdivididos em pacientes com e sem sinais de alerta) ou da forma grave. Os pacientes com dengue não grave e sem sinais de alerta são definidos como aqueles que residem ou viajaram para áreas endêmicas de dengue e apresentam febre, juntamente com pelo menos duas das seguintes condições: náusea, vômito, erupção cutânea, dor, leucopenia e teste do torniquete positivo. Os pacientes com dengue não grave e com sinais de alerta são definidos como aqueles com todas as características acima, mais qualquer um dos seguintes sintomas adicionais: dor ou sensibilidade abdominal, vômito persistente, acúmulo de líquidos (derrame pleural ou ascite), sangramento de mucosas, letargia, inquietação, hepatomegalia > 2 cm e aumento do hematócrito concomitantemente com queda rápida da contagem de plaquetas. A dengue grave é caracterizada por pelo menos uma das seguintes condições: extravasamento grave de plasma levando a choque, com ou sem acúmulo de líquidos com desconforto respiratório, e sangramento grave ou comprometimento grave de órgãos (fígado, sistema nervoso central, coração, dentre outros).(1-4,7)

A dengue apresenta um amplo espectro de sinais e sintomas clínicos, que variam da infecção assintomática a manifestações graves e letais. A doença geralmente se apresenta como febre aguda com cefaleia, erupção cutânea, mialgias, artralgias, dor retro-orbitária, prostração, linfadenopatia e tosse seca. As manifestações hemorrágicas em pacientes com dengue geralmente são leves e consistem mais comumente em petéquias minúsculas espalhadas na pele ou submucosa e equimoses. Frequências variáveis de sintomas respiratórios foram relatadas em pacientes com dengue; os sintomas geralmente são leves e afetam principalmente a via aérea superior.(5,7,9-11) As complicações pulmonares são menos comuns e podem se apresentar como derrame pleural, pneumonite, edema pulmonar não cardiogênico, síndrome do desconforto respiratório agudo e hemorragia pulmonar. Tais complicações coincidem com síndrome de vazamento capilar e trombocitopenia. A dispneia pode ocorrer por derrame pleural (mais frequentemente), síndrome do desconforto respiratório agudo, hemorragia pulmonar, pneumonia ou choque. Hemorragia alveolar difusa é rara e tipicamente está associada a formas graves - muitas vezes fatais - da doença. Hemoptise foi relatada em 1,4% das infecções pelo DENV.(5-7,9,10)

O diagnóstico precoce da dengue pode ser estabelecido provisoriamente por observação clínica e testes laboratoriais prontamente disponíveis. Em geral, os achados laboratoriais da dengue incluem neutropenia seguida de linfocitose, presença de linfócitos atípicos e trombocitopenia moderada a intensa com hemoconcentração concomitante. (5,7,11)

As opções diagnósticas incluem ensaios para detectar o DENV, seus componentes (genoma e antígeno) ou a resposta do hospedeiro ao vírus. A confirmação laboratorial pode ser feita mediante detecção da sequência genômica do vírus por meio da RT-PCR ou detecção da presença do antígeno da nonstructural protein 1 (NS1, proteína não estrutural 1) do DENV por meio de imunoensaio em amostra única de soro da fase aguda obtida precocemente (menos de cinco dias após o início da febre). Durante a fase febril, a detecção de ácido nucleico viral no soro por RT-PCR ou da expressão da NS1 solúvel do DENV por ELISA ou o teste rápido de fluxo lateral é suficiente para o diagnóstico confirmatório. Portanto, menos de cinco dias após o início da febre, a RT-PCR é indicada, e a sorologia (IgM por ELISA) deve ser realizada apenas após o 5º dia. O achado de soroconversão de IgM (aumento ≥ 4 vezes no título do anticorpo) entre amostras pareadas é considerado confirmatório; a detecção de IgM em amostra única de um paciente com síndrome clínica compatível com dengue é amplamente utilizada para estabelecer o diagnóstico presuntivo.(2,4,7,9)

O achado de imagem de tórax mais comumente observado na dengue é o derrame pleural, que muitas vezes é bilateral. Quando unilateral, geralmente ocorre à direita. Alterações parenquimatosas, incluindo opacidades em vidro fosco e consolidações, são menos comuns, não possuem padrão específico de distribuição e podem estar associadas a espessamento dos septos interlobulares e nódulos, representando edema ou hemorragia pulmonar (Figura 1).(6,7,9-11)
 



Tivemos a oportunidade de revisar os achados de TC de 9 pacientes com dengue grave confirmada por sorologia. Os achados de TC mais comuns foram opacidades em vidro fosco multifocais, que foram vistas em 8 pacientes (88,9%). Predominância de comprometimento pulmonar central (peri-hilar) foi observada em 4 pacientes (44,4%). Quatro pacientes (44,4%) também apresentaram áreas de consolidação. As consolidações estavam associadas a opacidades em vidro fosco em 3 pacientes (33,3%); consolidações isoladas foram observadas em 1 (11,1%). Padrão de pavimentação em mosaico e espessamento liso dos septos interlobulares foram observados em 1 paciente (11,1%) cada. Derrame pleural bilateral foi observado em 5 pacientes (55,6%). Em todos os pacientes, as alterações eram bilaterais e difusas (Figura 1).

Estabelecer distinções clínicas e radiológicas entre a dengue e outras infecções que causam hemorragia pulmonar difusa pode ser um desafio. Em pacientes imunocompetentes, as doenças infecciosas mais importantes para o diagnóstico diferencial incluem influenza A (H1N1), leptospirose, malária e síndrome pulmonar por hantavírus. Essas afecções podem ocorrer em contextos epidemiológicos semelhantes, aumentando o desafio diagnóstico.(6,7)

Morfologicamente, o tecido pulmonar dos pacientes com dengue apresenta edema intersticial e pneumonia, associados a zonas focais ou difusas de congestão/hemorragia alveolar e aumento do número de macrófagos alveolares, além de recrutamento de plaquetas, células mononucleares e células polimorfonucleares. Membranas hialinas também podem ser encontradas.(6,7,9,11)

Não há nenhum tratamento específico disponível para a dengue. No entanto, o manejo clínico cuidadoso frequentemente salva a vida dos pacientes com hemorragia pulmonar. Com a terapia intensiva de suporte adequada, a mortalidade pode ser reduzida para < 1%.(2,5,7)

Em suma, alterações pulmonares são incomuns na dengue, e os achados de imagem provavelmente refletem o aumento da permeabilidade vascular. A dengue deve ser considerada no diagnóstico diferencial de pacientes com febre, hemoptise e infiltração pulmonar difusa. Os achados de imagem mais comuns na dengue são áreas bilaterais de opacidade em vidro fosco ou consolidação e derrames pleurais bilaterais. O reconhecimento desses achados pode ajudar os clínicos a iniciar o tratamento imediato e evitar a mortalidade.

REFERÊNCIAS

1 - Nunes PCG, Daumas RP, Sánchez-Arcila JC, Nogueira RMR, Horta MAP, Dos Santos FB. 30 years of fatal dengue cases in Brazil: a review. BMC Public Health. 2019;19(1):329. https://doi.org/10.1186/s12889-019-6641-4
2 - WHO Guidelines Approved by the Guidelines Review Committee. Dengue: Guidelines for Diagnosis, Treatment, Prevention and Control. Geneva: World Health Organization; 2009.
3 - da Silva NS, Undurraga EA, Verro AT, Nogueira ML. Comparison between the traditional (1997) and revised (2009) WHO classifications of dengue disease: a retrospective study of 30 670 patients. Trop Med Int Health. 2018;23(12):1282-1293. https://doi.org/10.1111/tmi.13155
4 - Guzman MG, Harris E. Dengue. Lancet. 2015;385(9966):453-65. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)60572-9
5 - Simmons CP, Farrar JJ, Nguyen vV, Wills B. Dengue. N Engl J Med. 2012;366(15):1423-32. https://doi.org/10.1056/NEJMra1110265
6 - de Almeida RR, Paim B, de Oliveira SA, Souza AS Jr, Gomes ACP, Escuissato DL, et al. Dengue Hemorrhagic Fever: A State-of-the-Art Review Focused in Pulmonary Involvement. Lung. 2017;195(4):389-395. https://doi.org/10.1007/s00408-017-0021-6
7 - Rodrigues RS, Brum AL, Paes MV, Póvoa TF, Basilio-de-Oliveira CA, Marchiori E, et al. Lung in dengue: computed tomography findings. PLoS One. 2014;9(5):e96313. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0096313
8 - Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Vigilância à Saúde. Boletim Epidemiológico. Brasília: Ministério da Saúde. 2019 Sep;50(22).
9 - Marchiori E, Ferreira JL, Bittencourt CN, de Araújo Neto CA, Zanetti G, Mano CM, et al. Pulmonary hemorrhage syndrome associated with dengue fever, high-resolution computed tomography findings: a case report. Orphanet J Rare Dis. 2009;4:8. https://doi.org/10.1186/1750-1172-4-8
10 - Marchiori E, von Ranke F, Zanetti G, Hochhegger B. Dengue hemorrhagic fever: another cause of diffuse alveolar hemorrhage in immunocompetent patients. Respir Med. 2012;106(12):1807-8; author reply 1809. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2012.07.014
11 - von Ranke F, Zanetti G, Hochhegger B, Marchiori E. Infectious diseases causing diffuse alveolar hemorrhage in immunocompetent patients: a state-of-the-art review. Lung 2013;191(1):9-18. https://doi.org/10.1007/s00408-012-9431-7

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