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Série de Casos

Variação diurna de parâmetros de função pulmonar e de força muscular respiratória em pacientes com DPOC

Diurnal variations in the parameters of pulmonary function and respiratory muscle strength in patients with COPD

Guilherme Fregonezi, Vanessa Regiane Resqueti, Juliana Loprete Cury, Elaine Paulin, Antonio Fernando Brunetto (in memoriam)

ABSTRACT

Objective: To evaluate the magnitude of diurnal changes in the parameters of pulmonary function and respiratory muscle strength/endurance in a sample of patients with COPD. Methods: A group of 7 patients underwent spirometry, together with determination of MIP and MEP, at two distinct times (between 8:00 and 8:30 a.m. and between 4:30 and 5:00 p.m.) on a single day. Between assessments, the patients remained at rest in the laboratory. Results: In accordance with the Global Initiative for Chronic Obstructive Pulmonary Disease staging system, COPD was classified as moderate, severe, and very severe in 1, 3, and 3 of the patients, respectively. From the first to the second assessment, there were significant decreases in FVC, FEV1, and MEP (of 13%, 15%, and 10%, respectively), as well as (less than significant) decreases in PEF, MIP, and maximal voluntary ventilation (of 9%, 3%, and 11%, respectively). Conclusions: In this sample of COPD patients, there were diurnal variations in the parameters of pulmonary function and respiratory muscle strength. The values of FEV1, FVC, and MEP were significantly lower in the afternoon than in the morning.

Keywords: Pulmonary disease, chronic obstructive; Respiratory function tests; Respiratory muscles.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a magnitude de mudanças diurnas em parâmetros de função pulmonar e de força e resistência dos músculos respiratórios em uma amostra de pacientes com DPOC. Métodos: Um grupo com 7 pacientes foi submetido a espirometria e a determinação de PImáx e PEmáx em dois momentos (entre 8h00 e 8h30 e entre 16h30 e 17h00) em um único dia. Os pacientes permaneceram em repouso na área do laboratório entre as avaliações. Resultados: De acordo com o sistema de estadiamento da Global Initiative for Chronic Obstructive Pulmonary Disease, a doença foi classificada em moderada, grave e muito grave em 1, 3 e 3 pacientes, respectivamente. Da primeira para a segunda avaliação, houve uma queda significativa em CVF, VEF1 e PEmáx (de 13%, 15% e 10%, respectivamente), bem como uma queda não significativa em PFE, PImáx e ventilação voluntária máxima (de 9%, 3% e 11%, respectivamente). Conclusões: Nesta amostra de pacientes com DPOC, houve variações diurnas nos parâmetros de função pulmonar e de força de músculos respiratórios. Os valores de VEF1, CVF e PEmáx foram significativamente menores à tarde do que de manhã.

Palavras-chave: Doença pulmonar obstrutiva crônica; Testes de função respiratória; Músculos respiratórios.

Introdução

A espirometria e a determinação das pressões respiratórias máximas são métodos não invasivos para avaliar a função pulmonar e a força muscular respiratória. Ambos os métodos são relativamente simples, sendo frequentemente empregados em pacientes com DPOC.(1) Tais pacientes podem apresentar fraqueza da musculatura inspiratória e expiratória, o que afeta não apenas a força muscular respiratória, mas também o fluxo expiratório. A fraqueza da musculatura inspiratória está relacionada a dispneia,(2) fadiga e limitação ao exercício,(3) e a falência da musculatura inspiratória constitui uma importante causa de hipoxemia.(4) A fraqueza da musculatura expiratória já foi associada com tosse ineficaz,(5) bem como com o comprometimento da força e do trabalho do diafragma. O teste de força muscular respiratória e de função pulmonar em pacientes com DPOC é útil e relevante para monitorar a história natural da doença.(6)

Ritmos circadianos já foram detectados em vários órgãos humanos, inclusive nos pulmões. Tais ritmos parecem otimizar funções fisiológicas comuns e são regulados por osciladores circadianos periféricos nos órgãos.(7,8) Embora a existência de um ritmo circadiano na função pulmonar tenha sido bem estabelecida em indivíduos sadios, o conhecimento atual a respeito de alterações circadianas na função pulmonar humana é um tanto controverso e predominantemente relacionado a pacientes com asma.(9)

Um pequeno número de estudos investigou o padrão de flutuações diurnas na função pulmonar em indivíduos saudáveis. Com relação a pacientes com DPOC, falta conhecimento sobre as alterações diurnas na função pulmonar e na força muscular respiratória. O objetivo do presente estudo foi avaliar, em uma amostra de pacientes com DPOC, a magnitude de mudanças em parâmetros de função pulmonar e de força e resistência dos músculos respiratórios, avaliados em dois momentos em um único dia.

Métodos

Todos os pacientes convidados para participar do presente estudo deveriam preencher os seguintes critérios: ter sido diagnosticado com DPOC de acordo com as diretrizes da Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD)(10); ser ex-fumante; apresentar prova de broncodilatação negativa e estar clinicamente estável por pelo menos 6 meses. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição, e todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os pacientes foram submetidos a testes de função pulmonar e a determinação de PImáx e PEmáx em dois momentos (entre 8h00 e 8h30 e entre 16h30 e 17h00) em um único dia. Entre as avaliações, os pacientes permaneceram em repouso em uma sala confortável. Todos podiam ler ou andar em um jardim em volta do laboratório e receberam uma refeição durante o período entre as avaliações. No máximo dois indivíduos foram investigados em um mesmo dia. Todos os pacientes tomaram suas medicações de rotina no dia das avaliações. A função pulmonar foi avaliada de acordo com os procedimentos técnicos e critérios de aceitabilidade/reprodutibilidade recomendados pelaSociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(11) A espirometria foi realizada com um espirômetro Pony Graphics (Cosmed, Roma, Itália), sendo medidas as variáveis VEF1, CVF, PFE (derivado de uma manobra de CVF) e ventilação voluntária máxima (VVM). Todos os pacientes receberam instruções sobre como realizar os procedimentos, que foram executados com os indivíduos sentados em uma cadeira confortável e utilizando um clipe nasal. Os pacientes foram orientados a respirar por um bocal de papelão descartável (posicionado entre os dentes), cuidadosamente conferido por um técnico a fim de evitar vazamento de ar durante as manobras de espirometria. Os pacientes foram instruídos a realizar uma inspiração máxima (próxima à CPT), seguida de uma expiração máxima (próxima ao VR). Cada indivíduo fez no máximo oito tentativas, e selecionamos as três melhores (isto é, aquelas em que a variação nos resultados foi menor que 5% ou 200 mL). Medimos a VVM com os pacientes inspirando e expirando em esforço voluntário máximo durante 12-15 s e mantendo uma frequência respiratória de 70-100 ciclos/min. Os valores absolutos e relativos de VEF1, CVF e razão VEF1/CVF foram analisados. A razão VEF1/CVF foi obtida comparando-se os valores com curvas normais para todas as variáveis espirométricas e com valores de referência.(12) Avaliamos a força muscular respiratória por meio da determinação de PImáx e PEmáx, de acordo com as diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia,(11) usando valores de referência para adultos no Brasil.(13) Com os pacientes sentados e utilizando um clipe nasal, a PImáx era medida em VR, ao passo que a PEmáx era medida em CPT. Cinco a oito manobras foram feitas até que dois valores máximos reprodutíveis fossem obtidos.

Devido ao pequeno tamanho da amostra, utilizamos estatística descritiva não paramétrica. Os resultados foram expressos em médias e intervalos interquartis, e o teste dos postos sinalizados de Wilcoxon foi utilizado para a comparação de CVF, VEF1, PFE, PImáx, PEmáx e VVM. Os dados foram analisados utilizando-se o Statistical Package for the Social Sciences, versão 15.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e o programa GraphPad Prism, versão 4 (GraphPad Software Inc., San Diego, CA, EUA). O nível de significância adotado foi de p < 0,05, e todos os testes foram bicaudais.

Resultados

Convidamos 12 pacientes para participar do estudo. Desses, 5 foram excluídos pelos seguintes motivos: não aceitaram participar por falta de interesse (n = 2) ou desistiram de participar após a primeira avaliação (n = 3). Dessa forma, a amostra final foi composta por 7 pacientes do sexo masculino. As características basais dos participantes encontram-se resumidas na Tabela 1. A maioria dos pacientes apresentou obstrução das vias aéreas de grau moderado a grave e índice de massa corpórea normal. De acordo com o sistema de estadiamento da GOLD, a DPOC foi classificada em moderada, grave e muito grave em 1, 3 e 3 pacientes, respectivamente.



Com relação às variações diurnas nos parâmetros de função pulmonar, observamos que houve queda significativa em CVF e VEF1 (de 13% e 15%, respectivamente) da primeira para a segunda avaliação. Embora tenha havido uma queda de 9% em PFE da primeira para a segunda avaliação, essa diferença não foi significativa. A Tabela 2 e a Figura 1 apresentam, de forma resumida, os principais achados. No presente estudo, os valores de PImáx, PEmáx e VVM (em % do previsto) foram 67,7%, 129,2% e 49,3%, respectivamente. Embora a força muscular inspiratória tenha sido abaixo da normal e isso não tenha ocorrido com a força muscular expiratória, houve uma queda significativa em PEmáx (de 10%) da primeira para a segunda avaliação, bem como quedas não significativas em PImáx e VVM (de 3% e 11%, respectivamente). Esses resultados são apresentados, de forma resumida, na Tabela 2 e na Figura 2.







Discussão

Observamos que houve queda significativa dos parâmetros de função pulmonar (CVF e VEF1) e de força muscular expiratória entre 8h00 e 17h00. Esse resultado corrobora nossa hipótese de que há variações diurnas na função pulmonar e na força muscular respiratória de pacientes com DPOC. Para o presente estudo, solicitamos aos pacientes que permanecessem no laboratório por pelo menos nove horas. Acreditamos que essa seja a razão da inesperadamente alta taxa de desistência, que é uma limitação relevante do estudo.

Variações diurnas na fisiologia respiratória já estão bem documentadas. O núcleo supraquiasmático, localizado no hipotálamo anterior, é o principal marca-passo circadiano em humanos, controlando os ritmos circadianos de comportamento e atividade da maioria dos órgãos.(14,15) Investigações prévias já documentaram a relação entre variações diurnas na fisiologia respiratória e doenças pulmonares obstrutivas.(16,17) Israels foi o primeiro autor a relatar diferenças entre os valores diurnos e noturnos de VEF1 e CVF em pacientes hospitalizados com asma ou bronquite, bem como em indivíduos saudáveis.(18) O autor encontrou valores noturnos de CVF e VEF1 mais baixos tanto nos pacientes hospitalizados como em indivíduos saudáveis, sem piora nos sintomas dos pacientes hospitalizados e sem diferenças significativas entre os valores diurnos e noturnos nos indivíduos saudáveis. Em outro estudo, um grupo de autores(19) investigou a magnitude das variações em CVF e VEF1 entre 22h00 e 6h00 em 5 indivíduos saudáveis do sexo masculino e em 16 pacientes do sexo masculino que apresentavam doença obstrutiva das vias aéreas, 12 dos quais apresentavam a forma grave da doença. Os menores valores de CVF e VEF1 ocorreram às 6h00 nos dois grupos, e variações espontâneas relativamente grandes em CVF e VEF1 ocorreram entre 9h00 e 17h00. É difícil avaliar o estudo porque todos os resultados foram apresentados na forma de figuras.(19) Os pacientes incluídos naquele estudo formavam um grupo heterogêneo com bronquite crônica ou enfisema (com ou sem asma), e, durante o período do estudo, nenhum dos pacientes estava em tratamento farmacológico, o que impossibilita a comparação entre nossos resultados e os daquele estudo. McCarley et al.(20) estudaram a patência das vias aéreas (medida por PFE) em pacientes com DPOC, utilizando a análise de Cosinor e descrevendo o ritmo circadiano de PFE em 8 dias consecutivos (às 11h00, 15h00 e 19h00). Dos 10 pacientes investigados naquele estudo, 6 apresentaram ritmos circadianos de PFE, e a análise de Cosinor da média da população revelou um ritmo circadiano significativo, com amplitude de 4%. Casale et al. usaram a mesma metodologia e mediram o PFE a cada duas horas durante um dia inteiro (de 00h00 a 18h00 e de 18h00 a 00h00); a análise de Cosinor da média revelou uma amplitude de PFE de 17,2%.(21) No presente estudo, a amplitude do PFE foi de 10,96%, a meio caminho entre os resultados obtidos naqueles estudos.(20,21) Esses achados discrepantes podem ser decorrentes dos diferentes métodos analíticos empregados nos estudos. Não utilizamos a análise de Cosinor. Além disso, avaliamos o PFE derivado de uma manobra de CVF, como fizeram Casale et al.(21) Já McCarley et al.(20) avaliaram o PFE utilizando um medidor de pico de fluxo. No entanto, dois estudos prévios(22,23) demonstraram que a diferença entre os dois métodos para medir o PFE (isto é, com um espirômetro ou com um medidor de pico de fluxo) é pequena e clinicamente insignificante. Em um estudo prévio, Teramoto et al.(24) avaliaram as variações ocorridas ao longo de 12 h em parâmetros espirométricos em pacientes com DPOC. Os autores mediram VEF1 e PFE em três momentos distintos durante o dia e encontraram um coeficiente de variação de 6,6% para VEF1 e de 7,5% para PFE. Não podemos comparar tais resultados com os obtidos no presente estudo, uma vez que os autores não descreveram seus resultados de forma clara; os dados foram apresentados em gráficos e apenas o coeficiente de variação foi apresentado. Além disso, o procedimento estatístico usado para obter o coeficiente de variação não foi descrito.

As pressões respiratórias máximas e a VVM são os parâmetros clínicos mais comumente usados a fim de avaliar a força e a resistência dos músculos respiratórios, e a medida desses parâmetros constitui um método prático de avaliação clínica. No presente estudo, a força muscular inspiratória foi abaixo do valor previsto (67,7% do previsto), ao passo que a força muscular expiratória, não (129,2% do previsto). No entanto, observamos uma queda significativa da PEmáx, e não da PImáx. Tais resultados não são surpreendentes, pois há relatos de que a capacidade do diafragma de gerar pressão é mantida em pacientes com DPOC.(25) Além disso, há relatos de que os níveis de comando neural ventilatório em pacientes com DPOC são três vezes maiores do que em indivíduos saudáveis.(26) Isso sugere que os músculos inspiratórios de pacientes com DPOC mantêm-se relativamente resistentes ao desenvolvimento de fadiga.(26,27) Os músculos expiratórios de pacientes com DPOC são geralmente ativos,(28) e estudos prévios mostraram que a força e a resistência muscular expiratória estão diminuídas.(29) Teramoto et al.(24) investigaram as variações das pressões respiratórias máximas em pacientes com DPOC, sendo que os métodos empregados no estudo foram descritos acima. Os autores realizaram três avaliações em um período de 12 h e não encontraram diferenças significativas entre PImáx e PEmáx, com coeficiente de variação de 8,5% para PImáx e de 6,6% para PEmáx. Como mencionado anteriormente, os métodos de análise de dados empregados por Teramoto et al.(24) foram diferentes daqueles empregados por nós, o que impede a comparação entre os resultados obtidos naquele estudo e os encontrados no presente estudo.

O tamanho reduzido da amostra é a maior limitação do presente estudo. O tamanho da amostra foi pequeno devido às limitações de tempo e à inesperadamente alta taxa de desistência. Dessa forma, devemos ser cuidadosos ao extrapolar os resultados. No entanto, nossos resultados oferecem uma nova perspectiva sobre as variações diurnas nos parâmetros de função pulmonar e de força muscular respiratória em pacientes com DPOC.

Os resultados do presente estudo sugerem que a função pulmonar e a força/resistência muscular respiratória se alteram durante o dia em pacientes com DPOC, sendo que os valores de VEF1, CVF e PEmáx nos pacientes com DPOC investigados no presente estudo foram significativamente menores à tarde do que de manhã.


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* Trabalho realizado no Laboratório de Desempenho Pneumocardiovascular e Músculos Respiratórios, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (RN) Brasil.
Endereço para correspondência: Guilherme Fregonezi. Laboratório de Desempenho Pneumocardiovascular e Músculos Respiratórios, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Caixa Postal 1524, Campus Universitário Lagoa Nova, CEP 59072-970, Natal, RN, Brasil.
Tel. 55 84 3342-2013. E-mail: fregonezi@ufrnet.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Recebido para publicação em 1/11/2011. Aprovado, após revisão, em 23/11/2011.




Sobre os autores

Guilherme Fregonezi
Professor Titular. Laboratório de Desempenho Pneumocardiovascular e Músculos Respiratórios, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (RN) Brasil.

Vanessa Regiane Resqueti
Professor Assistente. Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (RN) Brasil.

Juliana Loprete Cury
Professor Titular. Departamento de Biologia e Saúde. Universidade Federal da Grande Dourados, Campo Grande (MS) Brasil.

Elaine Paulin
Professor Titular. Departamento de Fisioterapia, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.

Antonio Fernando Brunetto (in memoriam)
Professor Titular. Laboratório de Fisioterapia Respiratória, Departamento de Fisioterapia, Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná, Universidade Estadual de Londrina, Londrina (PR) Brasil.

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