Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a tuberculose é a principal causa de morte por um único agente infeccioso em todo o mundo,(1) além de ser a principal causa de morte entre pessoas vivendo com HIV. Em 2018, havia um número estimado de 10 milhões de novos casos de tuberculose em todo o mundo, e 1,5 milhão de pessoas morreram devido à doença. No mesmo ano no Brasil, a incidência de tuberculose foi de 45 casos/100.000 habitantes, e a taxa de mortalidade relacionada à tuberculose foi de 2,3 óbitos/100.000 habitantes.(1) Portanto, em comemoração ao Dia Mundial da TB, em 24 de março, esta edição do JBP apresenta vários artigos com foco em diversos aspectos do controle da tuberculose.
Em 2018, 484.000 pessoas em todo o mundo desenvolveram tuberculose resistente à rifampicina, e 78% delas apresentaram tuberculose multirresistente (TBMR).(1) Em dezembro de 2019, a OMS emitiu uma comunicação rápida promovendo mudanças importantes no tratamento da TBMR,(2) e o primeiro relatório global sobre os efeitos adversos dos medicamentos antituberculose foi publicado. (3,4) Nesta edição do JBP, um estudo de revisão(5) fornece uma visão geral do manejo da TBMR no Brasil, de 2004 a 2018, demonstrando as modificações nas recomendações nacionais. Outro estudo,(6) que investigou fatores de risco para TBMR, mostrou que ter realizado tratamento anterior para tuberculose e apresentar cavitação em radiografias de tórax estão associados à TBMR.
Entre 2000 e 2018, 58 milhões de vidas foram salvas através do diagnóstico e tratamento eficazes da tuberculose. A radiografia de tórax é uma ferramenta essencial para a detecção precoce da tuberculose e apresenta maior sensibilidade para o diagnóstico de tuberculose pulmonar do que a triagem de sintomas de tuberculose.(7) Muller et al.(8) relataram que o tempo médio a partir da primeira radiografia de tórax até o diagnóstico de tuberculose na sala de emergência de um hospital terciário foi de 2 dias. A cavitação na radiografia de tórax foi um fator independente associado a um diagnóstico mais precoce. Embora a hospitalização permita um gerenciamento rápido de casos e favoreça um diagnóstico mais rápido, a indisponibilidade de testes diagnósticos rápidos, como o teste molecular rápido Xpert MTB/RIF para tuberculose, pode resultar em atrasos inaceitáveis no diagnóstico.
A detecção e o tratamento de casos são elementos centrais do controle da tuberculose, especialmente em prisões. Os autores de uma carta publicada nesta edição do JBP(9) descreveram o diagnóstico bacteriológico da tuberculose no sistema prisional no sul do Brasil, onde a prevalência da tuberculose é de 2.488 casos/100.000 habitantes. Eles relataram que o teste Xpert MTB/RIF estava disponível para apenas 13,6% das equipes de atenção primária nas prisões e que o número de profissionais de saúde era insuficiente para atender à demanda. Os atrasos na detecção e no tratamento de casos de tuberculose devem ser minimizados a fim de melhorar o controle da tuberculose nas prisões.
A falta de adesão ao tratamento e a perda de seguimento estão associadas a uma maior duração do tratamento nos casos de tuberculose sensível a medicamentos. Além disso, a taxa de sucesso do tratamento com esquemas mais longos é baixa (aproximadamente 50%) nos casos de TBMR. Portanto, esquemas mais curtos com medicamentos existentes ou repropostos podem melhorar significativamente as taxas de sucesso no manejo e tratamento da tuberculose.(1,10) Um estudo de revisão nesta edição do JBP(11) relata avanços recentes e achados de ensaios clínicos em andamento visando diminuir os esquemas para tuberculose sensível a medicamentos e TBMR.
Além do diagnóstico e tratamento adequados, o tratamento preventivo da tuberculose, incluindo o controle de infecções nos serviços de saúde, é um componente essencial da estratégia End TB da OMS.(12) Em 2017, 9.299 casos de tuberculose foram relatados entre profissionais de saúde, sendo 11% desses casos no Brasil.(1) Os autores de outra carta publicada nesta edição do JBP descreveram um estudo de coorte prospectivo no qual avaliaram a infecção latente por tuberculose (ILTB) entre profissionais de saúde na atenção básica.(13) Utilizando o teste QuantiFERON-TB Gold In-Tube (QFT; QIAGEN, Hilden, Alemanha), os autores observaram que a prevalência de ILTB foi de 23,3% entre os profissionais de saúde avaliados. Esse foi o primeiro estudo(13) a avaliar a prevalência de ILTB em profissionais de saúde da atenção básica no Brasil, destacando a necessidade de monitoramento e triagem regulares desses profissionais.
Mesmo após o tratamento adequado da tuberculose, as sequelas pulmonares podem prejudicar a função pulmonar e a qualidade de vida.(14-16) Um estudo transversal multicêntrico realizado no Brasil e incluído nesta série sobre tuberculose(17) comparou pacientes com tuberculose pulmonar com e sem doença pulmonar prévia, em termos de alterações espirométricas após o tratamento. Os autores mostraram que o comprometimento da função pulmonar era comum após o tratamento da tuberculose pulmonar, independentemente de o paciente ter história de tabagismo ou de doença pulmonar prévia. Eles concluíram que a espirometria é aconselhável para pacientes que desenvolvem dispneia de nível 2-4 ou alterações radiológicas importantes após o tratamento da tuberculose pulmonar.
Esta série sobre tuberculose, dedicada à celebração do Dia Mundial da TB, destaca vários artigos sobre tuberculose, com o objetivo de fornecer uma visão geral do diagnóstico e tratamento da tuberculose. Esperamos que esta série leve a um melhor gerenciamento de casos e a novas linhas de pesquisa em tuberculose.
REFERÊNCIAS
1. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: World Health Organization [cited 2020 Jan 01]. Global tuberculosis report 2019. [Adobe Acrobat document, 297p.]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/329368/9789241565714-eng.pdf?ua=1
2. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: World Health Organization [cited 2020 Jan 01]. Rapid Communication: Key changes to the treatment of drug-resistant tuberculosis. Available from: https://www.who.int/tb/publications/2019/WHO_RapidCommunicationMDR_TB2019.pdf?ua=1
3. Akkerman O, Aleksa A, Alffenaar JW, Al-Marzouqi NA, Arias-Guillén M, Belilovski E, et al. Surveillance of adverse events in the treatment of drug-resistant tuberculosis: A global feasibility study. Int J Infect Dis. 2019;83:72-76. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2019.03.036
4. Borisov S, Danila E, Maryandyshev A, Dalcolmo M, Miliauskas S, Kuksa L, et al. Surveillance of adverse events in the treatment of drug-resistant tuberculosis: first global report. Eur Respir J. 2019;54(6):1901522. https://doi.org/10.1183/13993003.01522-2019
5. Ballestero JGA, Garcia JM, Bollela VR, Ruffino-Netto A, Dalcomo MMP, Moncaio ACS, et al. Management of multidrug-resistant tuberculosis: main recommendations of the Brazilian guidelines. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20190290.
6. Soares VM, Almeida IN, Figueredo LJA, Haddad JPA, Oliveira CSF, Carvalho WS, et al. Factors associated with tuberculosis and multidrug-resistant tuberculosis in patients treated at a tertiary referral hospital in the state of Minas Gerais, Brazil. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20180386.
7. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: World Health Organization [cited 2020 Jan 01]. Chest radiography in tuberculosis detection. Available from: https://www.who.int/tb/publications/Radiography_TB_factsheet.pdf?ua=1
8. Muller GS, Faccin CS, Silva DR, Dalcin PTR. Association between the radiological presentation and elapsed time for the diagnosis of pulmonary tuberculosis in the emergency department of a university hospital. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20180419.
9. Ely KZ, Dotta RM, Jarczewski CA, Valim ARM, Possuelo LG. Bacteriological diagnosis of tuberculosis in prison inmates: actions taken by the primary health care teams in prisons. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20190179.
10. Borisov SE, Dheda K, Enwerem M, Romero Leyet R, D'Ambrosio L, Centis R, et al. Effectiveness and safety of bedaquiline-containing regimens in the treatment of MDR- and XDR-TB: a multicentre study. Eur Respir J. 2017;49(5):1700387. https://doi.org/10.1183/13993003.00387-2017
11. Silva DR, Mello FCQ, Migliori GB. Shortening antituberculosis regimens: what is new? J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20200009.
12. Migliori GB, Nardell E, Yedilbayev A, D'Ambrosio L, Centis R, Tadolini M, et al. Reducing tuberculosis transmission: a consensus document from the World Health Organization Regional Office for Europe. Eur Respir J. 2019;53(6):1900391. https://doi.org/10.1183/13993003.00391-2019
13. Lima OC, Souza FM, Prado TN, Andrade RLM, Maciel ELN. Analysis of the incidence of latent Mycobacterium tuberculosis infection among primary health care professionals in two Brazilian capitals. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20190201.
14. Tiberi S, Torrico MM, Rahman A, Krutikov M, Visca D, Silva DR, et al. Managing severe tuberculosis and its sequelae: from intensive care to surgery and rehabilitation. J Bras Pneumol. 2019;45(2):e20180324. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20180324
15. Visca D, Zampogna E, Sotgiu G, Centis R, Saderi L, D'Ambrosio L, et al. Pulmonary rehabilitation is effective in patients with tuberculosis pulmonary sequelae. Eur Respir J. 2019;53(3):1802184. https://doi.org/10.1183/13993003.02184-2018
16. Muñoz-Torrico M, Rendon A, Centis R, D'Ambrosio L, Fuentes Z, Torres-Duque C, et al. s there a rationale for pulmonary rehabilitation following successful chemotherapy for tuberculosis?. J Bras Pneumol. 2016;42(5):374-385. https://doi.org/10.1590/S1806-37562016000000226
17. Mancuzo EV, Martins Netto E, Sulmonett N, Viana VS, Croda J, Kritski AL, et al. Spirometry results after treatment for pulmonary tuberculosis: comparison between patients with and without previous lung disease: a multicenter study. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20180198.