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Cartas ao Editor

Diagnóstico bacteriológico de tuberculose na população privada de liberdade: ações desenvolvidas pelas equipes de atenção básica prisional

Bacteriological diagnosis of tuberculosis in prison inmates: actions taken by the primary health care teams in prisons

Karine Zennatti Ely1, Renata Maria Dotta2, Carla Adriane Jarczewski3, Andréia Rosane de Moura Valim1, Lia Gonçalves Possuelo1

AO EDITOR,

A tuberculose é um grave problema de saúde pública nas instituições penais brasileiras, atingindo 1.236 casos/100.000 habitantes.(1) Em cinco anos, a população privada de liberdade (PPL) do estado do Rio Grande do Sul (RS) cresceu 28%, somando 40 mil presos em 2018. No mesmo período, a prevalência de tuberculose na PPL passou de 1.995 casos/100.000 habitantes para 2.488 casos/100.000 habitantes.(2,3)

A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) prevê equipes de atenção básica prisional (EABp) como estratégia para assegurar o direito à saúde da PPL. As EABp integram a Rede de Atenção à Saúde, com a função de qualificar a atenção básica no âmbito prisional e a articulação territorial.(4) As atribuições incluem a vigilância epidemiológica efetiva e em tempo oportuno de doenças infectocontagiosas, como a tuberculose.(5) No RS, a cobertura das EABp atinge aproximadamente 70% da PPL.(6) Coberturas maiores dependem da adesão municipal a PNAISP.

O diagnóstico bacteriológico de tuberculose pulmonar (TBP) é realizado pela identificação de sintomáticos respira-tórios (SR) e exames laboratoriais. A PPL é considerada uma população específica, de alta vulnerabilidade. A tosse por duas semanas ou mais classifica o preso como SR. A pesquisa bacteriológica é realizada por baciloscopia direta, cultura para micobactérias, teste de sensibilidade e teste rápido molecular (TRM).(7,8)

A fim de levantar dados sobre ações de diagnóstico bacteriológico de TBP na PPL atendida pelas 29 EABp do RS, foi enviado por e-mail um questionário eletrônico na plataforma LimeSurvey. Foram solicitados dados referentes ao período entre janeiro e dezembro de 2017. Os dados quantitativos foram analisados por meio do programa IBM SPSS Statistics, versão 23.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). Os valores foram expressos em frequências absolutas e relativas.

A presente pesquisa é um braço do projeto intitulado "Análise da dinâmica de transmissão e das estratégias de controle da tuberculose no contexto prisional do Rio Grande do Sul", aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul, localizada na cidade de Santa Cruz do Sul (RS), sob o protocolo no. 2.170.472, atendendo a Resolução no. 466/2012. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Das 29 EABp, 22 (75,9%) responderam os questionários: 14 (48,3%) no prazo estipulado e 8 (27,6%) após novo contato por e-mail ou telefone. Um total de 15.529 presos, sendo 14.634 (94,2%) homens, estava sob responsabilidade dessas EABp no período estudado, representando 55% da PPL com cobertura de EABp no RS. Dezesseis equipes (72,7%) relataram completude do quadro de profissionais recomendados pela legislação vigente.

As ações de diagnóstico bacteriológico de TBP realizadas pelas EABp em 2017 estão resumidas na Tabela 1. O número de SR identificados (N = 3.516) poderia ser maior, pois a triagem para tuberculose na porta de entrada e a identificação de SR não eram realizadas pela totalidade das EABp. Um estudo realizado em Santa Cruz do Sul, em 2010, identificou uma prevalência de 20,6% de SR na PPL.(9)



Os casos novos diagnosticados, a partir dos exames de baciloscopia, cultura de escarro e TRM, foram somados àqueles que já estavam em tratamento, o que resultou em 463 casos de TBP em 2017, refletindo uma prevalência de 2.981/100.000 habitantes. Estudos prévios relataram prevalências inferiores, que variaram de 1.236/100.000 habitantes na PPL no Brasil a 1.898/100.000 habitantes em prisões do sul do país.(1,8,9)

A baciloscopia de escarro é o principal exame diagnóstico, com capacidade de detecção de 60% a 80% dos casos de TBP.(7) Dezoito (81,8%) EABp relataram estar preparadas para a realização da coleta de escarro. A cultura para micobactérias está indicada para a PPL, independentemente do resultado da baciloscopia, pois aumenta em 30% o diagnóstico bacteriológico de tuberculose.(7) Observou-se no presente estudo que 9 EABp (40,9%) seguiam a recomendação. Os principais motivos para que a recomendação não fosse seguida foram desconhecimento, inexistência de fluxo de trabalho e indisponibilidade de referência regional para a realização dos exames. O resultado da cultura confirma a infecção por micobactéria, a identificação da espécie caracteriza a tuberculose, e o teste de sensibilidade demonstra se há resistência aos fármacos de primeira linha utilizados para o tratamento da tuberculose.(7)

Os TRM para tuberculose estavam disponíveis de forma rotineira em 3 EABp (13,6%), que diagnosticaram 309 casos (70,1%) de tuberculose, sendo responsáveis por 8.040 presos (51,7%). O TRM tem grande relevância para o rápido diagnóstico, início do tratamento, detecção da resistência à rifampicina e aumento da detecção de casos de tuberculose em pacientes com baciloscopia negativa.(7) As EABp que dispõem de TRM para o diagnóstico de tuberculose são aquelas que dispõem de estrutura laboratorial e apresentam uma demanda significativa de baciloscopias conforme preconiza o Ministério da Saúde.(10)

Uma EABp não solicitou exames diagnósticos laboratoriais para TBP. Quatro EABp, de presídios de pequeno porte no interior do estado, não diagnosticaram nenhum caso de tuberculose, sendo que 3 dessas conjuntamente investigaram 23 pacientes, sendo responsáveis por 250 presos (1,6%). De forma geral, 18 EABp (81,8%) desenvolviam ações de diagnóstico bacteriológico de TBP na PPL.

Nessa amostra, 4 EABp (18,2%) relataram questionar o preso sobre a presença de tosse ao ingresso no sistema prisional. A triagem para tuberculose na porta de entrada e a busca ativa periódica de SR são estratégias relevantes para o controle da tuberculose, pois permitem a detecção precoce e a interrupção da cadeia de transmissão da doença.(7)


As equipes relataram dificuldades no preenchimento do questionário devido a troca frequente ou falta de profissional de referência, falta/inadequação de registros, desconhecimento técnico e falta de protocolos para o desenvolvimento das ações de diagnóstico bacteriológico de TBP, que configuraram limitações do presente estudo.

Os profissionais de saúde também informaram que a efetivação dos fluxos dependia em grande parte dos profissionais da segurança, que o efetivo de trabalhadores era insuficiente para a demanda e que as estruturas físicas eram inadequadas para o atendimento em saúde.

Em suma, identificamos um conjunto de estratégias efetivas para o diagnóstico de TBP nas instituições penais do RS, limitando a carga da doença, seu custo econômico e social, o que diminui a transmissão da doença para a população geral. Entretanto, há necessidade de monitoramento, organização dos fluxos de trabalho, educação permanente e capacitação dos trabalhadores de saúde e da segurança para qualificar ações de diagnóstico realizadas pelas EABp.

APOIO FINANCEIRO

O presente estudo recebeu apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES); Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS

1. Macedo LR, Maciel ELN, Struchiner CJ. Tuberculosis in the Brazilian imprisoned population, 2007-2013. Epidemiol Serv Saude. 2017;26(4):783-794. https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000400010
2. Rio Grande do Sul. Superintendência dos Serviços Penitenciários--SUSEPE [homepage on the Internet]. Porto Alegre: SUSEPE; [cited 2018 Oct 20]. Mapa prisional 2018. Available from: http://susepe.rs.gov.br/capa.php
3. Reis AJ, Bavaresco ACW, Busatto C, Franke B, Hermes V, Valim ARM, et al. Tuberculose: características e prevalência na população privada de liberdade de sistemas de saúde prisional do Rio Grande do Sul - Brasil. Rev Jovens Pesq. 2014;4(3):18-27. https://doi.org/10.17058/rjp.v4i3.4639
4. Freitas RS, Zermiani TC, Nievola MTS, Nasser JN, Ditterich RG. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional: uma análise do seu processo de formulação e implantação. Rev Pol Publ. 2016; 20(1):171-84. https://doi.org/10.18764/2178-2865.v20n1p171-184
5. Callou Filho CR, Leite JJG, Júnior CPS, Lopes JHB, Souza ES, Saintrain MVL. Saúde prisional e a relação com a tuberculose: revisão integrativa. Rev Interfaces. 2017;5(1):26-32.
6. Rio Grande do Sul. Atenção Básica do RS [homepage on the Internet]. Porto Alegre: Atenção Básica do RS; [cited 2018 Oct 20]. Saúde da População Prisional. Available from: https://atencaobasica.saude.rs.gov.br/saude-da-populacao-prisional
7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.
8. Pelissari DM, Kuhleis DC, Bartholomay P, Barreira D, Oliveira CLP, de Jesus RS, et al. Prevalence and screening of active tuberculosis in a prison in the South of Brazil. Int J Tuberc Lung Dis. 2018;22(10):1166-1171. https://doi.org/10.5588/ijtld.17.0526
9. Pereira CP, Borges TS, Daronco A, Valim ARM, Carneiro M, Becker D, et al. Prevalência de sintomáticos respiratórios e tuberculose ativa. Rev Epidemiol Control Infect. 2013;3(3):99-104. https://doi.org/10.17058/reci.v3i3.4059
10. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Rede de Teste Rápido para Tuberculose no Brasil: primeiro ano da implantação. Brasília: Ministério da Saú-de; 2015.

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