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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Tromboendarterectomia pulmonar em pacientes com hipertensão pulmonar tromboembólica crônica e hemoglobinopatias

Pulmonary thromboendarterectomy in patients with chronic thromboembolic pulmonary hypertension and hemoglobinopathies

Ana Cecília Cardoso de Sousa1, Frederico Thadeu Assis Figueiredo Campos1,2, Rodrigo de Castro Bernardes1, Marcelo Braga Ivo1, Ricardo de Amorim Corrêa3

DOI: 10.36416/1806-3756/e20190287

AO EDITOR,

Destacando a escassez de casos em nosso meio e os cuidados especiais durante o perioperatório, relatamos o caso de dois pacientes com doença falciforme (DF) e hipertensão pulmonar tromboembólica crônica (HPTEC) que foram submetidos à tromboendarterectomia pulmonar (TEAP).

Paciente 1: homem, 38 anos de idade, com diagnóstico de HPTEC e DF (forma homozigótica hemoglobina SS), história de crises vaso-oclusivas recorrentes, em seguimento no Ambulatório de Circulação Pulmonar do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte (MG). O paciente fora encaminhado ao Hospital Madre Teresa, localizado no mesmo município, com queixa de dispneia progressiva, classe funcional da Organização Mundial da Saúde (CF-OMS) IV, em anticoagulação com varfarina há 1 ano e uso de tadalafila há 1 mês; já havia sido avaliado naquele serviço com vistas à realização de TEAP. À admissão estava hipocorado e apresentava pressão venosa jugular aumentada, cianose periférica, edema discreto de membros inferiores e taquipneia. Exame físico: FC = 75 bpm, pressão arterial (PA) = 103/60 mmHg, FR = 28 ciclos/min e SpO2 = 90% em ar ambiente. Ausculta pulmonar com crepitações finas infraescapulares. Ausculta cardíaca com ritmo regular em dois tempos, hiperfonese de segunda bulha em foco pulmonar, sem sopros. Abdome indolor, hepatomegalia, sem ascite. Após estabilização da disfunção cardíaca, foi reavaliado com vistas à TEAP. Em angiotomografia de tórax prévia foi observada área de extensa falha de enchimento em ramos lobar, segmentares e subsegmentares do lobo inferior direito, além de falhas de enchimento intraluminais em segmento anterior do lobo superior direito e segmento ápico-posterior do lobo superior esquerdo. A cintilografia pulmonar de ventilação-perfusão revelou múltiplas áreas de hipoperfusão segmentar bilateralmente distribuídas, processo pulmonar parenquimatoso bilateral (provável sequela de tuberculose prévia) e aumento da área cardíaca. O ecocardiograma evidenciava ventrículo esquerdo com dimensões e função contrátil preservadas; ventrículo direito com dimensões aumentadas em grau acentuado, medindo cerca de 50 mm em seu diâmetro diastólico máximo, com sinais de hipertrofia miocárdica e hipocontratilidade parietal difusa; átrio direito e esquerdo com aumento moderado e leve, respectivamente; regurgitação tricúspide moderada, com velocidade de regurgitação tricúspide de 4,87 m/s; pressão sistólica da artéria pulmonar estimada em 115 mmHg. O cateterismo cardíaco direito (CAT-d) revelou pressão média da artéria pulmonar (PMAP) = 42 mmHg; pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP) = 6 mmHg; resistência vascular pulmonar (RVP) = 456,0 dinas/s/cm−5; e índice cardíaco (IC) = 3,32 L/min/m2. A angiografia pulmonar revelou hipoperfusão dos lobos superior, médio e inferior do pulmão direito e oclusão de artéria segmentar em lobo inferior direito. Como preparo pré-operatório, o paciente recebeu seis exsanguineotransfusões, alcançando-se um nível de hemoglobina S (HbS) de 36% (inicial, 68,1%). Não houve intercorrências no transoperatório. No pós-operatório o paciente evoluiu com infecção de foco indefinido, remitido após o uso de antibióticos. Teve alta hospitalar no 21º dia, sem necessidade de suplementação de oxigênio. Após 3 meses da TEAP, encontrava-se assintomático (CF-OMS I). Ao CAT-d: PMAP = 24 mmHg; RVP = 269,6 dinas/s/cm-5; IC = 3,22 L/min/m2 (Tabela 1); distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (DTC6) = 500 m, SpO2 de 91% para 85% e FC de 82 para 128 bpm.



Paciente 2: mulher, 53 anos de idade, portadora de DF (forma heterozigótica hemoglobina SC). Relato de dispneia com 1 mês de evolução e piora progressiva, CF-OMS II, seguido de diagnóstico de tromboembolismo pulmonar agudo na ocasião. Em anticoagulação com varfarina há 5 meses, evoluindo com piora da dispneia (CF-OMS IV) e episódios de síncope. À admissão ao Ambulatório de Circulação Pulmonar do Hospital Júlia Kubistchek, em Belo Horizonte, para a avaliação do quadro, apresentava CF-OMS IV, estava acianótica, com edema de tornozelos e intolerante ao decúbito dorsal; FC = 98 bpm; PA = 100/60 mmHg; FR = 26 ciclos/min; e SpO2 = 89% em ar ambiente. Os sons respiratórios eram normais e havia hiperfonese de segunda bulha. Ecocardiograma evidenciando ventrículo esquerdo com dimensões e função sistólica preservadas; ventrículo direito com 37 mm em seu diâmetro diastólico máximo, normocontrátil; regurgitação tricúspide leve; velocidade de regurgitação tricúspide = 4,22 m/s; e pressão sistólica da artéria pulmonar estimada em 81 mmHg. À angiotomografia de tórax foram observados trombo na artéria do lobo inferior direito; tronco da artéria pulmonar de 34 mm; áreas de atenuação em mosaico, em ambos os pulmões; e bronquiectasias e bronquiolectasias nos segmentos basais pulmonares, associando-se a estrias fibroatelectásicas. A cintilografia pulmonar de ventilação-perfusão revelou ausência de perfusão à direita nos lobos superior, médio e segmento basal anterior do lobo inferior e ausência de perfusão à esquerda em região apical posterior do lobo superior. Ao CAT-d: PMAP = 50 mmHg; POAP = 8 mmHg; RVP = 1010,4 dinas/s/cm-5; e IC = 2,02 L/min/m2. À angiografia pulmonar: hipoperfusão em lobo superior direito e hipoperfusão discreta em lobo inferior direito. DTC6 (com O2 suplementar) = 278 m; SpO2 de 98% para 92%; e FC de 95 para 124 bpm. Com o diagnóstico definido como HPTEC, foi iniciada terapia com bosentana e tadalafila. No ambulatório, a paciente foi avaliada com vistas à realização de TEAP, sendo encaminhada ao Hospital Madre Teresa para o procedimento. Como preparo pré-operatório recebeu quatro exsanguineotransfusões, alcançando-se um nível de HbS de 16,6% (inicial, 46,5%). Transoperatório sem intercorrências. No terceiro mês de pós-operatório encontrava-se assintomática: CF-OMS I; CAT-d: PMAP = 22 mmHg; RVP = 284 dinas/s/cm−5; e IC = 2,05 L/min/m2 (Tabela 1); DTC6 = 465 m; SpO2 de 94% para 97%; e FC de 70 para 100 bpm.

A HPTEC caracteriza-se pela presença de trombos organizados nas artérias pulmonares após, pelo menos, três meses de anticoagulação plena, associada a PMAP > 20 mmHg, POAP ≤ 15 mmHg e RVP > 3 unidades Wood ou 240 dinas/s/cm-5, com pelo menos um defeito de perfusão detectado por cintilografia pulmonar ou angiotomografia de tórax.(1-3) Sua associação com DF apresenta uma prevalência de 6-11% e é uma das causas de morte desses pacientes. A fisiopatologia da HPTEC na DF envolve fatores como falcização, hemólise, inflamação e disfunção endotelial, hipercoagulabilidade e trombose arterial pulmonar.(4)

Pacientes com DF candidatos a procedimentos anestésicos e cirúrgicos exigem cuidados especiais, tendo em vista a ocorrência de hipóxia, acidose metabólica ou respiratória, hipotermia, infecções e hipovolemia associados ao trauma cirúrgico. O aumento da falcização e dos fenômenos vaso-oclusivos são comuns, podendo ocorrer síndrome torácica aguda, crises álgicas, priapismo e acidente vascular cerebral. Dessa forma, o preparo pré-operatório adequado é crucial e deve envolver um hematologista na equipe.(5-7)

É escassa a literatura a respeito do tratamento da HPTEC em pacientes com DF. As estratégias incluem a otimização da terapia da doença e a identificação de etiologias potencialmente modificáveis. A TEAP é uma opção terapêutica para casos selecionados que, quando preparados adequadamente, minimiza os efeitos da circulação extracorpórea, da hipotermia e dos períodos de parada circulatória total que aumentam o risco de falcização, podendo-se obter resultados satisfatórios.(3) Sugere-se que os valores de HbS sejam mantidos entre 30% e 10%, através da realização de exsanguineotransfusões.(5,7) Entretanto, há um risco potencial de hipertensão pulmonar recorrente ou persistente devido à arteriopatia pulmonar proliferativa secundária à hemólise crônica. Pode ocorrer também trombose pulmonar proximal in situ de difícil diagnóstico diferencial com novos eventos tromboembólicos.(6)

Entre os maiores estudos sobre o tratamento de HPTEC em pacientes com hemoglobinopatias, destaca-se o realizado no Papworth Hospital no Reino Unido por Mahesh et al.(3) Naquele estudo, 19 pacientes com hemoglobinopatias/anemia hemolítica e HPTEC foram avaliados retrospectivamente em relação ao tratamento com TEAP. Naquela série de casos, optou-se por uma redução da HbS até valores ≤ 20%, utilizando-se para isso a exsanguineotransfusão parcial no pré-operatório e imediatamente antes da circulação extracorpórea. Com essas medidas, observaram-se melhoras significativas da RVP, assim como o restabelecimento da CF e da DTC6 no pós-operatório tardio.(3)

Concluindo, a TEAP constitui uma opção terapêutica exequível para pacientes com DF e HPTEC. Devido à complexidade da doença de base e do tratamento cirúrgico, esses procedimentos devem ser realizados em centros de referência em HPTEC e com experiência em TEAP, podendo-se obter, nessas condições, resultados satisfatórios.
REFERÊNCIAS

1. Galiè N, Humbert M, Vachiery JL, Gibbs S, Lang I, Torbicki A, et al. 2015 ESC/ERS Guidelines for the diagnosis and treatment of pulmonary hypertension: The Joint Task Force for the Diagnosis and Treatment of Pulmonary Hypertension of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Respiratory Society (ERS): Endorsed by: Association for European Paediatric and Congenital Cardiology (AEPC), International Society for Heart and Lung Transplantation (ISHLT) [published correction appears in Eur Respir J. 2015 Dec;46(6):1855-6]. Eur Respir J. 2015;46(4):903-975. https://doi.org/10.1183/13993003.01032-2015
2. Kim NH, Delcroix M, Jais X, Madani MM, Matsubara H, Mayer E, et al. Chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Eur Respir J. 2019;53(1):1801915. https://doi.org/10.1183/13993003.01915-2018
3. Mahesh B, Besser M, Ravaglioli A, Pepke-Zaba J, Martinez G, Klein A, et al. Pulmonary endarterectomy is effective and safe in patients with haemoglobinopathies and abnormal red blood cells: the Papworth experience. Eur J Cardiothorac Surg. 2016;50(3):537-541. https://doi.org/10.1093/ejcts/ezw062
4. Freeman AT, Ataga KI. Pulmonary endarterectomy as treatment for chronic thromboembolic pulmonary hypertension in sickle cell disease. Am J Hematol. 2015;90(12):E223-E224. https://doi.org/10.1002/ajh.24192
5. Crawford TC, Carter MV, Patel RK, Suarez-Pierre A, Lin SZ, Magruder JT, et al. Management of sickle cell disease in patients undergoing cardiac surgery. J Card Surg. 2017;32(2):80-84. https://doi.org/10.1111/jocs.13093
6. Jerath A, Murphy P, Madonik M, Barth D, Granton J, de Perrot M. Pulmonary endarterectomy in sickle cell haemoglobin C disease. Eur Respir J. 2011;38(3):735-737. https://doi.org/10.1183/09031936.00192910
7. Klings ES, Machado RF, Barst RJ, Morris CR, Mubarak KK, Gordeuk VR, et al. An official American Thoracic Society clinical practice guideline: diagnosis, risk stratification, and management of pulmonary hypertension of sickle cell disease. Am J Respir Crit Care Med. 2014;189(6):727-740.

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