Em um artigo publicado no JBP, Fernandez et al.(1) avaliaram 187 pacientes encaminhados para a realização de testes de função pulmonar e concluíram que a diferença entre a CV lenta (CVL) e CVF (∆CVL−CVF) acima de 0,20 L é útil para definir a limitação ao fluxo aéreo (LFA) em casos com testes normais e para reduzir os casos chamados de inespecíficos (redução proporcional de CVF e VEF1). Em 82 casos a espirometria forçada já caracterizava LFA.(1)
O valor de 0,20 L foi sugerido nas diretrizes para testes de função pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia de 2002.(2) Em 2019, Saint-Pierre et al.(3) avaliaram provas funcionais de 13.893 indivíduos e relataram que a relação VEF1/CVF preservada com VEF1/CV reduzida foi observada em 20,4% dos casos. O baixo valor previsto utilizado naquele estudo para caracterizar o limite inferior da relação VEF1/CVF reduz muito a sensibilidade desse parâmetro para a detecção de LFA.
Diversas considerações devem ser feitas acerca da ∆CVL−CVF. A maior compressão do gás alveolar na manobra forçada resulta de diversos fatores, incluindo a presença de doença obstrutiva, maior esforço muscular e maior volume de gás no tórax a ser comprimido. Desde que a compressão do gás é baseada no esforço muscular durante a manobra expiratória máxima, pode-se observar algum grau de compressão em todos os indivíduos normais. Soares et al.(4) mediram os volumes pulmonares em uma amostra de 244 indivíduos normais no Brasil. Naquela amostra, 10% tinham ∆CVL−CVF acima de 0,20 L. Quando comparados aos demais, verificou-se que aqueles casos eram mais frequentemente do sexo masculino e tinham estatura e CVF maiores, um perfil característico do que se denomina variante do normal, pela geração de maior esforço expiratório em homens com pulmões maiores.
Como Fernandez et al.,(1) a maioria dos autores utilizam valores em porcentagem do previsto para a CVL pressupondo que esses são iguais aos derivados para a CVF. Não são. Kubota et al.(5) avaliaram a função pulmonar em 20.341 indivíduos normais no Japão e observaram que, como esperado pela perda da retração elástica, a ∆CVL−CVF aumenta com a idade, mas uma maior diferença também foi observada em certos indivíduos mais jovens. Não é surpreendente que Saint-Pierre et al.(3) reconheçam que, em idosos, nos quais a prevalência de DPOC é maior, a relação VEF1/CVL não deve ser considerada.
No estudo de Fernandez et al.,(1) metade da amostra era constituída de obesos. A ∆CVL−CVF > 0,20 L foi significativamente associada com um índice de massa corpórea > 30 kg/m². Igualmente, Saint-Pierre et al.(3) observaram menores valores para a relação VEF1/CVL vs. VEF1/CVF em obesos. Valores de referência em geral excluem obesos, e, portanto, a ∆CVL−CVF em obesos sem doenças cardiopulmonares, é indisponível em grandes amostras. Campos et al.(6) avaliaram 24 indivíduos antes e depois de cirurgia bariátrica e mostraram que a ∆CVL−CVF caiu de 0,21 L para 0,080 L após a intervenção. Obesos têm menor CVF em comparação à CVL. Muitos obesos têm o padrão denominado inespecífico, e cautela deve ser tomada para pressupor que a medida da CVL resolve o problema, sem as medidas de CPT e VR. A CVL na faixa prevista não exclui a possibilidade de CPT reduzida se for utilizada uma equação de valores em porcentagem do previsto adequada.
No estudo de Fernandez et al.,(1) os valores para condutância específica das vias aéreas e para o VR não diferiram entre os grupos com e sem ∆CVL−CVF > 0,20 L. Esses dados são surpreendentes, visto que a consistência com outros dados indicativos de obstrução deveria ter sido observada. Finalmente, valores para os fluxos médios e ao final da expiração não foram referidos, os quais poderiam detectar obstrução com uma relação VEF1/CVF na faixa prevista.
Pacientes com doença obstrutiva tem mais frequentemente ∆CVL−CVF > 0,20 L em comparação a indivíduos normais - 20% em 190 casos avaliados no Centro Diagnóstico Brasil em comparação a 10% em indivíduos normais (dados não publicados) - porém, a diferença em casos com limitação leve do fluxo aéreo foi semelhante à observada em indivíduos normais.
Consideramos temerário, em pacientes com valores para a espirometria forçada completamente dentro da faixa de referência, incluindo fluxos terminais, caracterizar a presença de LFA apenas pela ∆CVL−CVF > 0,20 L, ou mesmo > 0,25 L, como sugerido por Saint-Pierre et al.(3) A obtenção de valores aceitáveis e reprodutíveis para medida da CVL é morosa. O tempo tomado em um laboratório com elevada demanda de exames não justifica seu uso na rotina, devido a seu significado incerto em comparação à medida da espirometria forçada.
REFERÊNCIAS
1. Fernandez JJ, Castellano MVCO, Vianna FAF, Nacif SR, Rodrigues Junior R, Rodrigues SCS. Clinical and functional correlations of the difference between slow vital capacity and FVC. J Bras Pneumol. 2019;46(1):e20180328. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20180328
2. Pereira CA. Espirometria. In: Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para Testes de Função Pulmonar. J Pneumol. 2002;28(Suppl 3):S1-S82.
3. Saint-Pierre M, Ladha J, Berton DC, Reimao G, Castelli G, Marillier M, et al. Is the Slow Vital Capacity Clinically Useful to Uncover Airflow Limitation in Subjects With Preserved FEV1/FVC Ratio?. Chest. 2019;156(3):497-506. https://doi.org/10.1016/j.chest.2019.02.001
4. Soares MR, Pereira CAC, Lessa T, Guimarães VP, Matos RL, Rassi RH. Diferença entre CV lenta e forçada e VEF1/CV e VEF1/CVF em adultos brancos normais em uma amostra da população brasileira. In: Proceedings of the 18th Congresso Paulista de Pneumologia e Tisiologia; 2019 Nov 20-23; São Paulo. Pneumol Paulista. Supplementary edition: P35.
5. Kubota M, Kobayashi H, Quanjer PH, Omori H, Tatsumi K, Kanazawa M, et al. Reference values for spirometry, including vital capacity, in Japanese adults calculated with the LMS method and compared with previous values. Respir Investig. 2014;52(4):242-250. https://doi.org/10.1016/j.resinv.2014.03.003
6. Campos EC, Peixoto-Souza FS, Alves VC, Basso-Vanelli R, Barbalho-Moulim M, Laurino-Neto RM. Improvement in lung function and functional capacity in morbidly obese women subjected to bariatric surgery. Clinics (Sao Paulo). 2018;73:e20. https://doi.org/10.6061/clinics/2018/e20