Nas últimas duas décadas, os esforços das sociedades respiratórias internacionais em todo o mundo para padronizar os critérios diagnósticos de fibrose pulmonar idiopática (FPI) permitiram uma compreensão crucial e mais profunda dos mecanismos patogenéticos da doença, levando a conquistas terapêuticas notáveis. Após muitos anos de ensaios decepcionantes, o nintedanibe e a pirfenidona emergiram como os primeiros medicamentos efetivos para diminuir a taxa de declínio da função pulmonar nesses pacientes,(1,2) anunciando o início de uma nova era no manejo da FPI. A aprovação dos dois medicamentos pelas agências reguladoras - a pirfenidona recebeu aprovação para uso no Japão em 2008, na Europa em 2011 e nos EUA em 2014, enquanto o nintedanibe recebeu aprovação para uso nos EUA em 2014 e na Europa em 2015 - sancionou o amplo uso do tratamento antifibrótico para FPI na prática clínica. A crescente quantidade de evidências a partir de ensaios clínicos randomizados bem projetados na primeira metade da última década justificou uma atualização das diretrizes baseadas em evidências de American Thoracic Society/European Respiratory Society/Japanese Respiratory Society/Asociación Latinoamericana de Tórax (ATS/ERS/JRS/ALAT)(3) para o manejo de pacientes com FPI, que forneceram uma recomendação condicional sem precedentes a favor do tratamento farmacológico com pirfenidona ou nintedanibe. Nos últimos anos, mais provas de segurança e eficácia em longo prazo de ambos os agentes foram fornecidas por estudos de extensão abertos e várias experiências da vida real.
Nesta edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia, o grupo de trabalho liderado por Baddini-Martinez fornece um conjunto de recomendações pragmáticas e baseadas em evidências para orientar o uso de terapias farmacológicas em pacientes com FPI no Brasil.(4) O painel de especialistas se concentrou em questões do tipo PICO (Patients of interest, Intervention to be studied, Comparison of intervention and Outcome of interest) relacionadas a sete tipos de tratamento para FPI. De acordo com a abordagem Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation (GRADE), os resultados clínicos (estratificados como críticos, importantes e sem importância) e a qualidade das evidências disponíveis foram os principais fatores considerados para expressar recomendações condicionais ou fortes a favor de ou contra os tipos de tratamento investigados. Uma característica metodológica peculiar dessas diretrizes é representada pela estratégia de busca: a escolha de avaliar revisões sistemáticas com meta-análises, ao invés de estudos únicos, facilitou um relato sintético dos resultados e permitiu, até certo ponto, comparações indiretas dos tratamentos a serem realizados. Não é surpreendente que o grupo de especialistas tenha confirmado uma recomendação condicional a favor da pirfenidona e do nintedanibe, que se mostraram igualmente eficazes na redução do risco de ocorrência de um declínio > 10% na CVF quando comparados com placebo (OR estimado = 0,64 e 0,61, respectivamente). O uso da terapia anticoagulante foi fortemente desencorajado, corroborando as diretrizes da ATS/ERS/JRS/ALAT.(3) Da mesma forma, os inibidores da fosfodiesterase-5 receberam uma recomendação condicional contra seu uso. É importante ressaltar que os autores observam que a combinação de sildenafil com nintedanibe também não demonstrou maior benefício quando comparada a do uso isolado de nintedanibe em um estudo recente,(5) embora tal estudo não pôde ser incluído nas análises para as presentes diretrizes em sua declaração atual porque foi publicado após sua conclusão.(4) Uma pequena divergência, embora digna de nota, com as diretrizes ATS/ERS/JRS/ALAT de 2015(3) diz respeito à recomendação sobre o uso de antiácidos na FPI: as diretrizes internacionais(3) expressaram uma recomendação condicional para o tratamento com antiácidos em todos os pacientes com FPI, enquanto as atuais diretrizes brasileiras(4) não encontraram artigos adequados para o desenvolvimento de recomendações a favor de ou contra o tratamento farmacológico do refluxo gastroesofágico devido à baixa qualidade das evidências disponíveis, pois a maioria provinha de estudos observacionais retrospectivos. A posição adotada pelo grupo de trabalho brasileiro(4) encontra apoio em um recente estudo metodológico,(6) mostrando como os resultados de vários estudos sobre o impacto do tratamento antirrefluxo na FPI são substancialmente enviesados pelo tempo necessário para definir a exposição ao tratamento, o que determina inerentemente uma vantagem de sobrevida.
Em conclusão, as diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia não apenas representam um guia prático e útil para os médicos brasileiros abordarem pacientes com FPI, mas também fornecem o ponto de vista mais atualizado sobre o uso de terapias farmacológicas avaliadas no tratamento de FPI nas últimas duas décadas. Agora que os benefícios da pirfenidona e do nintedanibe na FPI já foram comprovados há muito tempo, a comunidade científica será chamada em breve a se pronunciar sobre novas questões emergentes. Estudos recentes têm fornecido evidências convincentes da eficácia dos medicamentos antifibróticos atuais em outras formas de doenças pulmonares intersticiais(7-9); por exemplo, no futuro, é provável que o início da terapia antifibrótica seja estendido a pacientes que mostrem sinais de progressão da doença, independentemente de sua etiologia e classificação. Nesse cenário, a identificação de critérios indicando uma progressão clinicamente significativa da doença será fundamental para garantir um início oportuno e adequado do tratamento, adequadamente equilibrado pelos riscos relacionados aos possíveis efeitos adversos. Mais importante ainda, a busca por novos agentes eficazes para interromper a progressão da FPI levou aos primeiros resultados positivos de ensaios de fase 2 em anos(10-12): esperamos que a próxima era do tratamento farmacológico da FPI ofereça a oportunidade de combinar diferentes drogas em uma abordagem mais direcionada ao paciente. Até agora, a abordagem da combinação das duas terapias aprovadas para a FPI foi cercada por muitas incertezas e, embora alguns estudos abertos mostrem a falta de interação significativa entre os dois medicamentos e a relativa segurança da terapia combinada, ainda não há evidências suficientes para que as sociedades respiratórias ou agências reguladoras a endossem. Com base no design de vários estudos randomizados recentes e em andamento relacionados à FPI que conduzirão a uma terapia de base, a abordagem de se associar uma nova terapia que seja altamente tolerável e direcionada ao paciente com os medicamentos antifibróticos atuais pode se tornar mais atraente e superar a urgência de se comprovar o efeito sinérgico da coadministração de nintedanibe e pirfenidona.
REFERÊNCIAS
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2. King TE Jr, Bradford WZ, Castro-Bernardini S, Fagan EA, Glaspole I, Glassberg MK, et al. A phase 3 trial of pirfenidone in patients with idiopathic pulmonary fibrosis [published correction appears in N Engl J Med. 2014 Sep 18;371(12):1172]. N Engl J Med. 2014;370(22):2083-2092. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1402582
3. Raghu G, Rochwerg B, Zhang Y, Garcia CA, Azuma A, Behr J, et al. An Official ATS/ERS/JRS/ALAT Clinical Practice Guideline: Treatment of Idiopathic Pulmonary Fibrosis. An Update of the 2011 Clinical Practice Guideline [published correction appears in Am J Respir Crit Care Med. 2015 Sep 1;192(5):644. Dosage error in article text]. Am J Respir Crit Care Med. 2015;192(2):e3-e19. https://doi.org/10.1164/rccm.1925erratum
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