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Educação Continuada: Fisiologia Respiratória

Obesidade: como os testes de função pulmonar podem nos trair

Obesity: how pulmonary function tests may let us down

José Alberto Neder1, Danilo Cortozi Berton2, Denis E. O'Donnell1

CONTEXTO

A prevalência de obesidade tem aumentado exponencialmente em todo o mundo.(1) Por conseguinte, aumentou o número de indivíduos obesos submetidos a teste de função pulmonar (TFP) antes de cirurgia bariátrica, por exemplo, bem como em virtude de sibilância crônica, falta de ar crônica e múltiplas comorbidades que podem explicar a dispneia desproporcional.(2) Tanto o pneumologista encarregado de interpretar os resultados de um TFP como o médico solicitante do teste devem estar familiarizados com os efeitos peculiares da obesidade na função pulmonar.

VISÃO GERAL

Um homem de 72 anos, com carga tabágica = 32 anos-maço, estatura = 159 cm e índice de massa corporal (IMC) = 48,2 kg/m2, foi encaminhado para um serviço terciário de saúde para que realizasse um TFP completo em virtude de piora da dispneia, não obstante a terapia máxima para suspeita de DPOC. A espirometria realizada no consultório médico havia sido, segundo a guia de encaminhamento, "normal". De fato, a espirometria, a pletismografia de corpo inteiro e a DLCO ficaram todas dentro da faixa de normalidade. No entanto, como o paciente apresentou dispneia e desconforto graves após os testes, foi encaminhado ao serviço de emergência pelo fisioterapeuta. Ao chegar ao serviço de emergência, o paciente teve uma parada respiratória. Após a intubação endotraqueal, a angiotomografia de tórax revelou tromboembolismo pulmonar maciço bilateral, enfisema grave e obstrução difusa das vias aéreas. Após um longo tempo de internação na UTI, o paciente foi a óbito por pneumonia associada à ventilação mecânica. Como é possível que anormalidades tão dramáticas e potencialmente fatais não tenham sido detectadas pelos TFP?

A obesidade pode aumentar os fluxos expiratórios em virtude do aumento da retração elástica do pulmão/parede torácica. A CVF pode subestimar a CV lenta porque a CVF é precocemente "amputada" pelo fechamento precoce das pequenas vias aéreas na manobra forçada, ou seja, a relação VEF1/CVF tende a aumentar.(3) Embora a capacidade residual funcional diminua em comparação com a dos estágios iniciais da obesidade,(4) as "extremidades" do volume, isto é, VR e CPT, são apenas levemente afetadas (a menos que a obesidade seja maciça). Logo, o volume de reserva expiratório diminui e a capacidade inspiratória aumenta com o IMC.(4) Essas alterações estão na direção oposta daquelas causadas por obstrução com aprisionamento aéreo, levando à subestimação da doença das vias aéreas ou a um resultado falso-negativo. A DLCO aumenta a um determinado volume alveolar (VA) porque a perfusão pulmonar e o volume sanguíneo intratorácico aumentam; além disso, o VA diminui mais que a DLCO à medida que o pulmão esvazia. Portanto, o coeficiente de transferência de monóxido de carbono (KCO = DLCO/VA) aumenta exponencialmente à medida que o VA diminui.(5) Consequentemente, os sinais de comprometimento da eficiência das trocas gasosas (DLCO e KCO baixos) podem permanecer ocultos. A baixa estatura e a obesidade abdominal, como em nosso paciente, tendem a potencializar esses efeitos da obesidade. O Quadro 1 apresenta uma lista não exaustiva das armadilhas mais comumente encontradas durante a interpretação dos TFP em pacientes obesos.
 



MENSAGEM CLÍNICA

O IMC deve constar em todos os laudos de TFP: é a terceira variável a ser observada (após idade e sexo) antes de qualquer tentativa de interpretação dos testes. O caso aqui relatado ilustra que os TFP em pacientes obesos podem ser relativamente normais mesmo em casos de doenças potencialmente fatais das vias aéreas, parênquima pulmonar ou ambos. Deve-se ter muita cautela caso se saiba pouco sobre a probabilidade de anormalidade antes do teste (como é frequentemente o caso). O laudo final deve reconhecer esses "tons de cinza", e não dar um "veredicto" rígido e dicotômico: reconhecer a incerteza vai sempre ao encontro dos melhores interesses do paciente.

REFERÊNCIAS

1. Finkelstein EA, Khavjou OA, Thompson H, Trogdon JG, Pan L, Sherryet B, et al. Obesity and severe obesity forecasts through 2030. Am J Prev Med. 2012;42(6):563-570. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2011.10.026
2. O'Donnell DE, Milne KM, Vincent SG, Neder JA. Unraveling the Causes of Unexplained Dyspnea: The Value of Exercise Testing. Clin Chest Med. 2019;40(2):471-499. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2019.02.014
3. Saint-Pierre M, Ladha J, Berton DC, Reimao G, Castelli G, Marillier M, et al. Is the Slow Vital Capacity Clinically Useful to Uncover Airflow Limitation in Subjects With Preserved FEV1/FVC Ratio? Chest. 2019;156(3):497-506. https://doi.org/10.1016/j.chest.2019.02.001
4. O'Donnell DE, Deesomchok A, Lam YM, Guenette JA, Amornputtisathaporn N, Forkert L, et al. Effects of BMI on static lung volumes in patients with airway obstruction. Chest. 2011;140(2):461-468. https://doi.org/10.1378/chest.10-2582
Neder JA, Berton DC, Muller PT, O'Donnell DE. Incorporating Lung Diffusing Capacity for Carbon Monoxide in Clinical Decision Making in Chest Medicine. Clin Chest Med. 2019;40(2):285-305. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2019.02.005

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