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Cartas ao Editor

Transplante cardiopulmonar: uma necessidade

Heart-lung transplantation: a necessity

Paulo Manuel Pêgo-Fernandes1

AO EDITOR,

O transplante cardiopulmonar (TCP) é a opção terapêutica para pacientes com insuficiência cardíaca e pulmonar em fase terminal. O primeiro TCP foi realizado no fim da década de 1960 em Houston, EUA, por D. A. Cooley em uma criança com defeito do septo atrioventricular e hipertensão pulmonar; porém, a sobrevida foi de apenas 14 horas.(1)

Em março de 1981, após estudos laboratoriais e depois de a ciclosporina ter sido aprovada para uso no transplante cardíaco em dezembro de 1980, o primeiro TCP com sucesso foi feito em Stanford, EUA. A paciente era uma mulher de 45 anos com síndrome de Eisenmenger que viveu por 5 anos.(2)

A International Society for Heart and Lung Transplantation (ISHLT) possui registros de mais de 4.054 TCPs realizados até 2017. O procedimento teve seu auge no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, chegando a marca anual de 284 TCPs realizados em todo o mundo.(3)

Em 2016 foram realizados 58 TCPs. Essa diminuição reflete os avanços em outros tratamentos para hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca, assim como a realização de transplante cardíaco ou pulmonar isoladamente(4,5); por exemplo, pacientes com doença pulmonar com hipertensão pulmonar grave e função ventricular direita ruim geralmente são submetidos ao transplante pulmonar bilateral e não ao TCP, pois o ventrículo direito em geral melhora rapidamente após o transplante de pulmão.(6) Existem vários estudos para definir em qual momento a disfunção do ventrículo direito se torna irreversível, e, para tal condição, o paciente tem indicação de TCP.(7)

Com a melhora progressiva dos resultados do transplante pulmonar bilateral, e especialmente com a utilização de oxigenação extracorpórea por membrana em casos selecionados, há na literatura internacional uma grande discussão da necessidade e da indicação de TCP ou de transplante pulmonar ou cardíaco isoladamente, sendo que alguns pontos devem ser levados em consideração para essa decisão, como a anatomia, agravamento da insuficiência ventricular, hipertensão, condições clínicas e hemodinâmicas do paciente, piora da qualidade de vida, índice cardíaco e disfunção renal.(8)

Existe uma parcela de especialistas que defende a falta de viabilidade do TCP argumentando que o coração poderia ser utilizado para outro paciente. Por outro lado, apesar da redução no número desse procedimento, ele se mantém estável mesmo em centros e países que dispõem de acesso a todo tipo de tecnologia. Os resultados em longo prazo após o TCP são essencialmente idênticos aos resultados após o transplante de pulmão.

O manejo pós-operatório deve ser mais semelhante ao de transplante pulmonar do que ao de transplante cardíaco.(7) As causas comuns de morte nos primeiros 30 dias são devidas à falência do enxerto, complicações técnicas e infecção. A síndrome de bronquiolite obliterante e a disfunção do aloenxerto pulmonar continuam sendo as principais causas de mortalidade no primeiro ano.(8)

A sobrevida após o TCP, do início dos anos 1980 até os dias atuais, vem crescendo progressivamente, conforme observado no relatório da ISHLT de 2018: a média de sobrevida para o TCP foi de 2,1 anos para transplantes entre 1982 e 1993; de 3,7 anos para transplantes entre 1994 e 2003; e de 5,8 anos para transplantes entre 2004 e 2016.(3,4)

A melhora na sobrevida dos pacientes submetidos ao TCP pode ser atribuída à evolução da técnica cirúrgica, a avanços na solução de preservação de órgãos e no regime de imunossupressão e a uma tendência de utilização de dispositivos de assistência circulatória mecânica temporários no pré-operatório e pós-operatório.(8) Além disso, é de fundamental importância a abordagem interdisciplinar para o cuidado e manejo do paciente em todas as etapas; a integração entre a equipe cirúrgica, equipe de cuidados intensivos, pneumologistas, cardiologistas, farmacêuticos e equipes de enfermagem, fisioterapia e nutrição é de fundamental importância para o sucesso e a reabilitação do paciente.(7)

O transplante de órgãos torácicos no Brasil, apesar de estar consolidado, apresenta números absolutos muito aquém da necessidade estimada para uma população de 210 milhões de habitantes. Os últimos registros da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos apontam que são realizados aproximadamente 400 transplantes cardíacos e 100 transplantes pulmonares anualmente. A necessidade estimada é em torno de 1.600 pra cada um deles.(9)

Dentro desse panorama temos que continuar trabalhando no incremento desses números, e o TCP mostrou-se uma necessidade ao longo desses anos em que trabalhamos na área de transplante cardíaco e pulmonar. Existem muitos pacientes no Brasil que podem se beneficiar do TCP devido a cardiopatia congênita ou hipertensão arterial pulmonar de qualquer etiologia, cujo acometimento é grave e irreversível.

No Brasil estamos trabalhando desde 1990 com o transplante pulmonar e nos deparamos várias vezes com pacientes que poderiam se beneficiar do TCP, mas não tínhamos essa possibilidade para oferecer, e os pacientes acabaram falecendo. Certamente todos nós que trabalhamos com transplante cardíaco também nos deparamos com esse dilema ético. Nos últimos anos, sentimos que devíamos à sociedade brasileira a disponibilização dessa opção terapêutica; realizamos treinamentos para a equipe multiprofissional em colaboração com a Universidade da Pensilvânia, que foram financiados pelo Ministério da Saúde do Brasil através do PROADI-SUS (Processo SIPAR no. 25000.014875/2015-12, vinculado ao Termo de Ajuste no. 01/2014, publicado no Diário Oficial da União em 29 de maio de 2015), e iniciamos o programa de TCP para atender essa parcela da população. Os resultados iniciais estão se mostrando muito promissores e acreditamos que uma nova possibilidade de tratamento esteja se abrindo para esses pacientes em nosso país.
REFERÊNCIAS

1. Webb WR, Howard HS. Cardio-pulmonary transplantation. Surg Forum. 1957;8:313-317.
2. Reitz BA, Wallwork JL, Hunt SA, Penncock JL, Billingham ME, Oyer PE, et al. Heart-lung transplantation: successful therapy for patients with pulmonary vascular disease. N Engl J Med. 1982;306(10):557-564. https://doi.org/10.1056/NEJM198203113061001
3. Khush KK, Cherikh WS, Chambers DC, Goldfarb S, Hayes Jr D, Kucheryavaya AY, et al. The International Thoracic Organ Transplant Registry of the International Society for Heart and Lung Transplantation: Thirty-fifth Adult Heart Transplantation Report-2018; Focus Theme: Multiorgan Transplantation. J Heart Lung Transplant. 2018;37(10):1155-1168. https://doi.org/10.1016/j.healun.2018.07.022
4. Goldfarb SB, Hayes D Jr, Levvey BJ, Cherikh WS, Chambers DC, Khush KK, et al. The International Thoracic Organ Transplant Registry of the International Society for Heart and Lung Transplantation: Thirty-fifth adult lung and heart-lung transplant report-2018; Focus theme: Multiorgan Transplantation. J Heart Lung Transplant. 2018;37(10):1169-1183. https://doi.org/10.1016/j.healun.2018.07.021
5. Brouckaert J, Verleden SE, Verbelen T, Coosemans W, Decaluwé H, De Leyn P, et al. Double-lung versus heart-lung transplantation for precapillary pulmonary arterial hypertension: a 24-year single-center retrospective study. Transpl Int. 2019;32(7):717-729. https://doi.org/10.1111/tri.13409
6. Toyoda Y, Toyoda Y. Heart-lung transplantation: adult indications and outcomes. J Thorac Dis. 2014;6(8):1138-1142.
7. Idrees JJ, Pettersson GB. State of the Art of Combined Heart-Lung Transplantation for Advanced Cardiac and Pulmonary Dysfunction. Curr Cardiol Rep. 2016;18(4):36. https://doi.org/10.1007/s11886-016-0713-1
8. Le Pavec J, Hascoët S, Fadel E. Heart-lung transplantation: current indications, prognosis and specific considerations. J Thorac Dis. 2018;10(10):5946-5952. https://doi.org/10.21037/jtd.2018.09.115
9. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos [homepage on the Internet]. São Pau-lo: Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. [cited 2019 Aug 01]. Registro Naci-onal de Transplantes. Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada esta-do, 2018. Ano XXIV, no. 4. [Adobe Acrobat document, 89p.]. Available from: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2018/Lv_RBT-2018.pdf

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