AO EDITOR,Já se acreditou que a associação entre câncer de pulmão e espaços aéreos císticos, também conhecida como câncer de pulmão cístico ou pericístico, fosse uma apresentação rara de doença pulmonar maligna; entretanto, nos últimos anos, essas formas têm sido mais comumente reconhecidas,(1) provavelmente em virtude da maior disponibilidade da TC de tórax com cortes finos contíguos para acompanhamento de pacientes com doenças respiratórias em geral e da introdução de programas de rastreamento de câncer de pulmão.(1)
O câncer de pulmão cístico/pericístico geralmente é diagnosticado tardiamente e pode corresponder a até 22% dos cânceres de pulmão que não são identificados nos programas de rastreamento. Isso provavelmente ocorre porque radiologistas e clínicos não estão familiarizados com esse subtipo morfológico.(1,2) As atuais diretrizes de manejo de nódulos pulmonares consideram diferenças entre nódulos sólidos e subsólidos, mas não apresentam uma proposta de manejo de cânceres de pulmão císticos e pericísticos.(2)
O espessamento da parede do cisto ou nodularidade na interface entre o parênquima pulmonar normal e o fibrótico/enfisematoso, bem como o espessamento progressivo da parede do cisto ou nodularidade adjacente a um espaço aéreo cístico devem levantar a suspeita de câncer de pulmão cístico/pericístico.(2)
A classificação morfológica do câncer de pulmão cístico/pericístico foi proposta em 2006 e atualizada em 2015.(3,4) De acordo com a classificação atual, uma lesão do tipo I é um espaço aéreo cístico com um componente sólido exofítico, ao passo que uma lesão do tipo II é um espaço aéreo cístico com um componente sólido endofítico. Uma lesão do tipo III apresenta-se em forma de espessamento assimétrico ou circunferencial da parede do cisto. Uma lesão do tipo IV é uma lesão cística multilocular com tecido sólido interposto ou um componente em vidro fosco (Figura 1).(3-5) Ainda não foram estabelecidas as diferenças entre esses tipos, bem como sua taxa de crescimento, comportamento biológico e prognóstico.
Inicialmente pensava-se que essas lesões eram provenientes de cistos congênitos; entretanto, estudos recentes não conseguiram encontrar evidências histopatológicas que apoiassem essa teoria.(5) Atualmente, as duas mais aceitas teorias baseadas em evidências são a de que existe um espaço aéreo cístico preexistente no qual se desenvolve a doença maligna e a de que há formação de um cisto por um "mecanismo valvular" em virtude de uma lesão maligna pequena que só se torna visível após o crescimento.(2,5)
Qualquer que seja a patogênese inicial, a histologia do câncer de pulmão cístico/pericístico difere da do câncer pulmonar cavitário, que é mais conhecido. A cavitação geralmente ocorre em virtude de necrose pós-tratamento, formação de cisto interno ou descamação interna de células tumorais seguida de liquefação.(5) O tipo histológico mais comum de câncer pulmonar cavitário é o carcinoma pulmonar de células não pequenas, especialmente o carcinoma de células escamosas, ao passo que o tipo histológico mais comum de câncer de pulmão cístico/pericístico é o adenocarcinoma.(2,5)
O diagnóstico demora em virtude da sobreposição significativa de características radiológicas de doenças malignas císticas/pericísticas e lesões inflamatórias ou infecciosas. Os diagnósticos diferenciais comuns são lesões cavitárias, tais como as observadas na tuberculose, carcinoma de células escamosas, aspergiloma e nódulos reumatoides, bem como imitadores raros, tais como nódulos amiloides e metástases pulmonares císticas. O câncer cístico/pericístico pode ser incorretamente diagnosticado como uma forma grave de doença enfisematosa, aumento das vias aéreas distais ou fibrose.(5)
Quando se suspeita de doença maligna cística/pericística, a confirmação histológica e a avaliação da atividade metabólica são problemáticas por causa do risco de resultados negativos falsos, que podem prejudicar o paciente. A tomografia por emissão de pósitrons com 18F fluordesoxiglicose geralmente é útil apenas se o componente sólido da lesão cística for maior que 10 mm. Caso contrário, a atividade metabólica será equivocadamente considerada leve ou mesmo ausente. É difícil obter uma amostra representativa de tecido da parede espessa focal ou do componente nodular pequeno. Em nossa experiência, lesões císticas/pericísticas em que a tomografia por emissão de pósitrons/TC ou a biópsia não diagnóstica revelam possíveis armadilhas devem ser discutidas em uma reunião multidisciplinar a fim de tomar uma decisão pelo acompanhamento ou resseção cirúrgica com base no estado clínico do paciente e na expertise da equipe cirúrgica local.
Nosso objetivo aqui foi chamar a atenção de radiologistas e pneumologistas para o câncer de pulmão cístico/pericístico e ressaltar a importância do diagnóstico oportuno e preciso. À medida que avançamos em direção a programas de detecção precoce e rastreamento de câncer de pulmão, mais estudos sobre esses tipos de lesões são essenciais para aumentar o conhecimento e melhorar o desempenho do diagnóstico e tratamento.
REFERÊNCIAS1. Gottumukkala RV, Fintelmann FJ, Keane FK, Shepard JO. Cystic Lesions on Lung Cancer Screening Chest Computed Tomography: When Should We Be Concerned? Ann Am Thorac Soc. 2018;15(2):263-265. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.201708-683CC
2. Sheard S, Moser J, Sayer C, Stefanidis K, Devaraj A, Vlahos I. Lung Cancers Associated with Cystic Airspaces: Underrecognized Features of Early Disease. Radiographics. 2018;38(3):704-717. https://doi.org/10.1148/rg.2018170099
3. Maki D, Takahashi M, Murata K, Sawai S, Fujino S, Inoue S. Computed tomography appearances of bronchogenic carcinoma associated with bullous lung disease. J Comput Assist Tomogr. 2006;30(3):447-452. https://doi.org/10.1097/00004728-200605000-00016
4. Mascalchi M, Attinà D, Bertelli E, Falchini M, Vella A, Pegna AL, et al. Lung cancer associated with cystic airspaces. J Comput Assist Tomogr. 2015;39(1):102-108. https://doi.org/10.1097/RCT.0000000000000154
5. Mets OM, Schaefer-Prokop CM, de Jong PA. Cyst-related primary lung malignancies: an important and relatively unknown imaging appearance of (early) lung cancer. Eur Respir Rev. 2018;27(150):180079. https://doi.org/10.1183/16000617.0079-2018