O câncer de pulmão continua sendo um problema mundial de saúde: desde meados da década de 1980 é o líder em mortalidade, correspondendo a aproximadamente 13% de todos os casos novos de câncer.(1) No Brasil, é o primeiro mais letal em homens e o segundo em mulheres, sendo responsável por 28.717 óbitos em 2018.(2)
Considerando que o cigarro é o principal fator de risco, o câncer de pulmão é uma das principais causas de morte evitável. Devido à redução do tabagismo, foi possível observar uma diminuição na taxa de mortalidade por câncer de pulmão a partir de 2011. Mesmo assim, quase 75% dos pacientes com câncer de pulmão ainda são diagnosticados com câncer localmente avançado ou metastático. No cenário de doença avançada, a expectativa de vida em cinco anos é menor do que 20%, e o tratamento sistêmico ainda é a principal opção terapêutica disponível. Em contraste, aqueles diagnosticados em estágio inicial apresentam taxas de sobrevida em cinco anos de 50-90%.(1,2)
O acesso a procedimentos diagnósticos para a obtenção de amostras de tecidos, aliado ao avanço do tratamento cirúrgico e sistêmico, difere entre instituições públicas e privadas. No sistema público, os procedimentos diagnósticos menos invasivos, como biópsia percutânea com agulha guiada por imagem ou broncoscopia, são escassos e acarretam atraso na linha do tempo no atendimento a pacientes com esse tipo de câncer.(3)
Nos últimos dez anos, a cirurgia torácica evoluiu rapidamente com o desenvolvimento e a assimilação de técnicas minimamente invasivas no manejo do câncer de pulmão. De acordo com o banco de dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica, entre agosto de 2015 e dezembro de 2016, 52% dos pacientes com câncer de pulmão foram submetidos à ressecção anatômica pulmonar minimamente invasiva. Esse número é superior aos relatados por sociedades europeias.(4) Recentemente, a cirurgia torácica assistida por robótica também foi adotada. No entanto, o acesso a essa tecnologia é ainda muito restrito. A lobectomia segue como o procedimento cirúrgico realizado com mais frequência.(5)
Apesar do avanço das técnicas cirúrgicas, uma pequena proporção de pacientes é submetida à cirurgia com intenção curativa. Os dados sugerem que somente um quarto dos pacientes é submetido a tratamento cirúrgico. O acesso à cirurgia curativa é provavelmente influenciado por diferenças socioeconômicas, performance status, comorbidades, distribuição geográfica e idade avançada. (6) Dados do Instituto Nacional de Câncer revelam que, entre 2010 e 2018, mais de 45% das mortes ocorreram em pacientes com mais de 70 anos.(2) Estudos que avaliem populações especiais são escassos. Um estudo retrospectivo realizado em uma instituição portuguesa conseguiu demonstrar que a ressecção sublobar em pacientes acima de 70 anos teve resultados semelhantes quanto a taxas de recidiva e mortalidade que as da tradicional lobectomia.(7) Dados da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo mostram que a probabilidade de realização de cirurgia é menor naqueles com menor escolaridade.(8)
Em um estudo retrospectivo, Younes et al.(9) avaliaram dados coletados de 2.673 pacientes com câncer de pulmão não pequenas células metastático tratados em dois centros de câncer entre 1990 e 2008. Apenas 10% dos pacientes apresentavam um escore no Karnofsky performance status (KPS) > 90, e metade dos pacientes tinham um escore no KPS ≤ 70%, refletindo o acesso tardio dos pacientes a centros especializados em câncer. Sabe-se que o KPS é influenciado por múltiplos fatores, mas talvez a anorexia e a perda de peso sejam alguns dos principais problemas. Esse tema foi abordado por Franceschini et al.(10) em um estudo relacionando a perda de peso e a anorexia como fatores independentes para mortalidade antes mesmo de se iniciar o tratamento para câncer de pulmão.
Mais recentemente, um estudo(11) coletou dados da vida real de 1.256 pacientes de sete países, incluindo 175 brasileiros. Todos os pacientes da coorte brasileira receberam pelo menos tratamento de primeira linha. O teste de mutação do EGFR foi realizado em apenas 58% dos pacientes (17% dos quais apresentavam mutação) e o teste de rearranjo do ALK foi realizado em 11% (nenhum teste positivo). A maioria dos pacientes foi tratada com regime duplo de platina. Esses resultados podem refletir o fato de que a maioria dos pacientes brasileiros com diagnóstico de câncer de pulmão não pequenas células avançado/metastático e que possuem bom resultados no KPS estão sendo tratados com quimioterapia dupla de platina devido ao acesso através do sistema público de saúde.
O diagnóstico de mutações induzidas por tumores é essencial para a seleção do tratamento mais adequado. O acesso mais amplo ao perfil genômico de tumores e a respectiva terapia-alvo molecular correspondente é uma prioridade de alto nível no Brasil. Restrições e barreiras financeiras nacionais estão entre as possíveis razões que explicam o porquê de o uso clínico de inibidores de tirosina quinase e de bloqueadores de correceptores ser tão baixo em pacientes tratados no sistema público de saúde.
Embora drogas anti-EGFR tenham sido incorporadas no sistema público de saúde em 2015, nem o teste nem o medicamento estão facilmente disponíveis ou são rotineiramente fornecidos aos pacientes, mesmo em 2020. O primeiro inibidor de ALK aprovado para uso no Brasil foi o crizotinibe em fevereiro de 2016. Estima-se que o atraso na aprovação do crizotinibe tenha resultado na morte prematura de mais de 700 pacientes em consequência da falta de acesso a esse medicamento. Embora haja dados conflitantes sobre o custo-benefício de inibidores de tirosina quinase no Brasil, Aguiar et al.(12) comentam que existem diferentes modelos para a análise desses dados no Sistema único de Saúde e demonstram que o uso de drogas anti-EGFR podem sim ser custo-efetivas.
A falta de dados locais em muitos setores destaca a necessidade de estudos regionais para ajudar no desenvolvimento de programas eficazes na prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer de pulmão, bem como a criação de algoritmos e diretrizes de triagem, no Brasil.
Na última década, além de novas drogas, inovações tecnológicas em assistência surgiram em alta velocidade para permitir a individualização do tratamento do câncer; no entanto, o aumento em sua acessibilidade econômica não acompanhou essa evolução devido aos custos. A população com câncer de pulmão é bastante heterogênea. É fundamental que possamos analisar os diferentes cenários e propor condutas que possam atender a todos os desafios da prática clínica.
REFERÊNCIAS
1. Araujo LH, Baldotto C, Castro G Jr, Katz A, Ferreira CG, Mathias C, et al. Lung cancer in Brazil. J Bras Pneumol. 2018;44(1):55-64. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562017000000135
2. Instituto Nacional de Câncer [homepage on the Internet]. Rio de Janeiro: INCA; c2020 [updated 2020 May 8; cited 2020 Aug 1]. Estatísticas de câncer. Available from: https://www.inca.gov.br/numeros-de-cancer
3. Mathias C, Prado GF, Mascarenhas E, Ugalde PA, Gelatti ACZ, Carvalho ES, et al. Lung Cancer in Brazil. J Thorac Oncol. 2020;15(2):170-175. https://doi.org/10.1016/j.jtho.2019.07.028
4. Falcoz PE, Puyraveau M, Thomas PA, Decaluwe H, Hürtgen M, Petersen RH, et al. Video-assisted thoracoscopic surgery versus open lobectomy for primary non-small-cell lung cancer: a propensity-matched analysis of outcome from the European Society of Thoracic Surgeon database. Eur J Cardiothorac Surg. 2016;49(2):602-609. https://doi.org/10.1093/ejcts/ezv154
5. Tsukazan MTR, Terra RM, Vigo Á, Fortunato GA, Camargo SM, Oliveira HA, et al. Video-assisted thoracoscopic surgery yields better outcomes than thoracotomy for anatomical lung resection in Brazil: a propensity score-matching analysis using the Brazilian Society of Thoracic Surgery database. Eur J Cardiothorac Surg. 2018;53(5):993-998. https://doi.org/10.1093/ejcts/ezx442
6. Araujo LH, Baldotto CS, Zukin M, Vieira FM, Victorino AP, Rocha VR, et al. Survival and prognostic factors in patients with non-small cell lung cancer treated in private health care. Rev Bras Epidemiol. 2014;17(4):1001-1014. https://doi.org/10.1590/1809-4503201400040017
7. Afonso M, Branco C, Alfaro TM. Sublobar resection in the treatment of elderly patients with early-stage non-small cell lung cancer. J Bras Pneumol. 2020;46(4):e20190145.
8. Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP) [homepage on the Internet]. São Paulo: FOSP [cited 2020 Aug 1]. Acesso ao TABNET. Available from: http://www.fosp.saude.sp.gov.br/publicacoes/tabnet
9. Younes RN, Pereira JR, Fares AL, Gross JL. Chemotherapy beyond first-line in stage IV metastatic non-small cell lung cancer. Rev Assoc Med Bras (1992). 2011;57(6):686-691. https://doi.org/10.1590/S0104-42302011000600017
10. Franceschini JP, Jamnik S, Santoro IL. Role that anorexia and weight loss play in patients with stage IV lung cancer. J Bras Pneumol. 2020;46(4):e20190420. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20190412
11. de Castro J, Tagliaferri P, de Lima VCC, Ng S, Thomas M, Arunachalam A, et al. Systemic therapy treatment patterns in patients with advanced non-small cell lung cancer (NSCLC): PIvOTAL study. Eur J Cancer Care (Engl). 2017;26(6):e12734. https://doi.org/10.1111/ecc.12734
12. Aguiar P Jr, Roitberg F, Lopes G Jr, Giglio AD. Distinct models to assess the cost-effectiveness of EGFR-tyrosine kinase inhibitors for the treatment of metastatic non-small cell lung cancer in the context of the Brazilian Unified Health Care System. J Bras Pneumol. 2020;46(4):e20180255. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20180255