Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
6989
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Características clínicas e epidemiológicas de casos de infecção pulmonar por Mycobacterium kansasii no Rio de Janeiro, no período de 2006 a 2016

Clinical and epidemiological characteristics of M. kansasii pulmonary infections from Rio de Janeiro, Brazil, between 2006 and 2016

Telma Goldenberg1, Regina Gayoso1, Roberto Mogami2, Maria Cristina Lourenço3, Jesus Paes Ramos1, Luciana Distasio de Carvalho4, Margareth Pretti Dalcolmo1, Fernanda Car-valho de Queiroz Mello5

ABSTRACT

Objective: To evaluate clinical, tomographic, and microbiological characteristics of pulmonary disease caused by M. kansasii (MKPD) in patients treated at an outpatient unit from 2006-2016. Methods: We studied thirty eight patients, and analyzed socio demographic, clinical-radiological, laboratory, and therapeutic characteristics. Results: The mean age was 64 years (SD = 10.6; IIQ = 57-72; median = 65.0), and 22 (57.9%) male patients. Pulmonary comorbidity was present in 89.5% of the patients. The most frequent comorbidity was bronchiectasis (78.9%). Previous treatment for pulmonary tuberculosis (PTB) was found in 65.9%. The most used therapeutic regimen was rifampicin, isoniazid and ethambutol (44.7%). Chest tomography (CT) showed bronchiectasis (94.1%), architectural distortion (76.5%), septum thickening (67.6%), and cavities (64.7%). Disease was bilateral in 85.2%. We observed 10.7% resistance to rifampicin, 67.9% resistance to ethambutol, and sensitivity to clarithromycin. Conclusion: In patients with structural lung disease, it is important to search for NTM, the main differential diagnosis with PTB. Chest CT showed different patterns that overlapped with structural disease caused by PTB or other lung diseases. We observed resistance to ethambutol, a drug component of the recommended regimen.

Keywords: Nontuberculous mycobacteria; Mycobacterium kansasii; Epidemiology; Treatment.

RESUMO

Objetivo: Avaliar características clínicas, tomográficas e microbiológicas dos pacientes com doença pulmonar causada pela M. kansasii (DPMK) atendidos em unidade ambulatorial no período 2006-2016. Métodos: Estudo descritivo, em que foram analisados 38 pacientes. Foram analisadas as características demográficas, clínico‑radiológicas, laboratoriais e terapêuticas. Resultados: A média de idade foi 64 anos (DP=10,6; IIQ=57-72; mediana=65,0) e 22 (57,9%) eram pacientes do sexo masculino. Comorbidade pulmonar estava presente em 89,5%. A comorbidade mais frequente foi a bronquiectasia (78,9%). Tratamento anterior para tuberculose pulmonar (TBP) foi relatado em 65,9%. O esquema terapêutico mais utilizado foi rifampicina, isoniazida e etambutol (44,7%). A tomografia de tórax (TCT) mostrou bronquiectasia (94,1%), distorção arquitetural (76,5%), espessamento de septo (67,6%) e cavidades (64,7%). A doença foi bilateral em 85,2%. Houve 10,7% de resistência à rifampicina, 67,9% resistentes ao etambutol e sensibilidade à claritromicina. Conclusão: Em pacientes com doença pulmonar estrutural, é importante a busca de DPMNT, principal diagnóstico diferencial com TBP. TC de tórax demonstra diferentes padrões que se sobrepõem ao de doença estrutural causada por TBP ou outras enfermidades pulmonares. Destaca-se a resistência ao etambutol, fármaco componente do esquema preconizado.

Palavras-chave: Micobactéria não tuberculosa; Mycobacterium kansasii; Epidemiologia; Tratamento.

INTRODUÇÃO

Historicamente, infecções respiratórias pulmonares em seres humanos, causadas por micobactérias, davam-se quase que exclusivamente por Mycobacterium tuberculosis (Mtb).(1) Inicialmente, as micobactérias não tuberculosas (MNT) eram vistas apenas como organismos do meio ambiente com limitada relevância clínica, ofuscadas pela M. tuberculosis. (Lake). A pandemia da AIDS destacou a doença disseminada causada por M. avium e M. intracellulare como germes oportunistas, o que chamou a atenção da comunidade médica.(2) As MNTs podem ser encontradas no solo, em águas tratadas ou não, frequentemente formando biofilmes, em esgotos e superfícies de animais, e em aerossóis gerados no meio ambiente.(3,4) Estes últimos sendo a mais frequente fonte de infecção para o homem, em especial, as formas que envolvem o aparelho respiratório, como descritas em 94% dos casos de MNT.(4) Embora o paradigma mais aceito para a transmissão continue a ser a inalação de aerossóis gerados no meio ambiente, principalmente oriundos de chuveiro,(3-5) relatos conflitantes sugerem que a transmissão pode ocorrer de pessoa a pessoa.(4,6)

O M. kansasii (MK) é uma das seis espécies de MNT mais comumente isoladas em todo o mundo. A Europa Central é uma das localizações geográficas com maior isolamento de MK.(7) Sua presença estaria relacionada a sistemas de distribuição de água tratada e áreas altamente urbanizadas.(7,8) A doença apresenta-se como doença pulmonar fibrocavitária apical com grande semelhança à tuberculose pulmonar. A outra forma menos frequente é a nodular com bronquiectasias.(7)

Quatro principais categorias de pessoas suscetíveis à infecção por MNT foram descritas:(9) 1) com acometimento estrutural do parênquima pulmonar, como doença pulmonar obstrutiva crônica, fibrose cística, sequelas de tuberculose pulmonar (TBP), bronquiectasias; 2) pacientes em uso de imunobiológicos, com neoplasias, transplantes de órgãos; 3) pessoas infectadas pelo HIV, e 4) doenças genéticas com mutação em vias como interferon gama e interleucina 12. Outro grupo importante seria mulheres pós-menopausa, não fumantes, com fenótipo característico: baixo peso, escoliose, pectus excavatum e prolapso de válvula mitral.(9)

Nas duas últimas décadas, em países desenvolvidos, houve aumento da prevalência da doença causada por MNTs e queda na incidência da tuberculose. O controle da TB, o envelhecimento da população, a epidemia de HIV e o desenvolvimento de novas técnicas laboratoriais permitiram isolar e identificar novas espécies de micobactérias em material proveniente da árvore respiratória.(10,11)

No Brasil, a prevalência das infecções pulmonares por MNT (DPMNT) era desconhecida até a implantação do Sistema de Notificação e Vigilância de Tratamentos Especiais de Tuberculose (SITETB).(12) Em séries brasileiras com casos de DPMNT, a frequência de doença por M. kansasii variou de 16,0 a 33,9%, dependendo da região estudada.(13-15) Entre os anos de 2014 e 2017, no país, houve predomínio das infecções pelas MNT do Complexo avium, enquanto no estado do Rio de Janeiro predominou a doença pulmonar pelo M. kansasii.(12) Devido ao predomínio da infecção pelo MK no estado do Rio de Janeiro, este estudo tem por objetivo apresentar uma análise das infecções pulmonares por esta MNT em pacientes atendidos em nosso ambulatório, suas características demográficas, clínicas e laboratoriais, os esquemas terapêuticos utilizados e desfechos dos casos.

MÉTODOS

Estudo descritivo, em que foram analisados os prontuários de pacientes atendidos em unidade ambulatorial com diagnóstico de doença pulmonar causada pela M. kansasii, no período compreendido entre janeiro de 2006 e dezembro de 2016. O local do estudo é uma referência para o tratamento e acompanhamento de casos de TBDR e MNT, para o qual são encaminhados pacientes provenientes de todo o estado do Rio de Janeiro, o Centro de Referência Professor Hélio Fraga (CRPHF/ENSP/FIOCRUZ). Foram incluídos os pacientes com crescimento na cultura e identificação da M. kansasii em duas amostras de escarro ou em uma amostra de lavado broncoalveolar.(16)

Foram analisadas as características demográficas, clínico-radiológicas, laboratoriais e terapêuticas dos pacientes envolvidos no estudo. Sexo, idade, município de residência, comorbidades pulmonares e não pulmonares, sintomas respiratórios (tosse, expectoração, hemoptise, dor torácica, dispneia) e sistêmicos (febre, sudorese, perda ponderal), número de tratamentos para TB, tratamento anterior para MK, espécime clínico, conversão da cultura, teste de sensibilidade, desfecho (favorável, desfavorável, abandono, óbito). Radiografia de tórax (presença de cavidade, se é unilateral ou bilateral), tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR). Os exames de TCAR possuíam documentação dos cortes sequenciais em janela de parênquima e mediastino, e alta resolução, sem administração de meio de contraste venoso. As anormalidades foram analisadas segundo os critérios da Sociedade de Fleischner(17) e do Consenso Brasileiro sobre a terminologia da TCAR.(18) Foram utilizadas as seguintes variáveis: presença ou ausência de atelectasia, bolha, cavidade, enfisema, opacidade, espessamento de septo, bronquiectasia, aprisionamento aéreo, distorção arquitetural, padrão nodular centrolobular/árvore em brotamento, consolidação, alteração pleural, linfonodos e outras.

Os dados foram analisados com o programa de estatística "R". Para a análise descritiva de variáveis contínuas, foram utilizados, como medida de tendência central e dispersão, os valores de média, mediana e o intervalo interquartil (IIQ) e desvio padrão, respectivamente. Para as variáveis categóricas, foram fornecidos valores percentuais. O teste de Fisher foi utilizado para a avaliação das associações entre as variáveis: a) presença de tratamento anterior de TB e sexo, faixa etária, sintomas, comorbidades, desfecho, tipo de lesão e localização da lesão na TCAR, e TS; b) sexo do paciente e comorbidades, localização e tipo de lesão na TCAR.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fragas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF/UFRJ) sob o número 213/08.

RESULTADOS

Foram incluídos 38 pacientes com diagnóstico microbiológico de infecção respiratória por M. kansasii, que preencheram critérios definidos pela ATS (American Thoracic Society). Foram atendidos 22 pacientes do sexo masculino (57,9%), com a média de idade de 64 anos (DP=10,63; IIQ=57-72; mediana=65). A idade mínima foi 39 anos e 86,9% tinham 50 anos ou mais (Tabela 1). Os pacientes atendidos são provenientes da região metropolitana do Rio de Janeiro. Destes, 26 (68,42%) foram referidos do município do Rio de Janeiro e 12 pacientes (31,58%) são moradores da Baixada Fluminense (municípios adjacentes à cidade do Rio de Janeiro) (Tabela 1).

Todos os pacientes apresentavam algum tipo de comorbidade. Estas foram subdivididas em comorbidades pulmonares e não pulmonares. Comorbidade pulmonar estava presente em 34 (89,5%) pacientes, sendo a patologia mais frequente a bronquiectasia com 30 (78,9%) pacientes, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) com 21 (55,3%) pacientes, asma com seis (15,8%) pacientes e silicose com dois (5,3%) (Tabela 1). Relato de tabagismo em 23 (60,5%) pacientes. Em relação às comorbidades não pulmonares, a mais frequente foi refluxo gastroesofágico com nove (23,7%) pacientes (Tabela 1). Dividimos os sintomas mais frequentes em três grupos: respiratório, sistêmico e ambos os sintomas. A maioria dos pacientes (n=36, 94,7%) cursou com sintomas respiratórios e 17 (44,7%) pacientes apresentaram sintomas respiratórios e sistêmicos. Nenhum paciente apresentou somente sintoma sistêmico. Os sintomas respiratórios e sistêmicos foram: tosse (89,5%), expectoração (86,8%), dispneia (55,3%), dor torácica (34,2%), hemoptise (31,6%), perda ponderal (34,2%), febre (23,7%) e sudorese (10,5%) (Tabela 1).

A maioria dos pacientes relatou tratamento anterior para tuberculose pulmonar (TBP) ou estavam em tratamento. Destes, 25 (65,9%) pacientes relataram tratamento prévio para tuberculose pulmonar. A média de tratamentos anteriores foi 1,7 (mediana=2,0; DP=0,79; IIQ=1,0- 2,0). Dois pacientes trataram anteriormente doença pulmonar por M. kansasii. Vinte e sete (71,1%) pacientes estavam em uso de esquema terapêutico para tratamento de suposta TB pulmonar quando diagnosticados com doença pulmonar por M. kansasii. Em relação aos esquemas terapêuticos utilizados, 17 (44,7%) pacientes usaram rifampicina (R), isoniazida (H) e etambutol (E). Destes, sete (18,4%) pacientes utilizaram rifampicina, isoniazida (H) e claritromicina (CLA), e outros sete (18,4%) pacientes usaram RHE e claritromicina (Tabela 2).

Em relação ao desfecho dos casos, por acompanharmos nossos pacientes regularmente, após alta do tratamento, tivemos duas recidivas (5,3%). Ocorreram dois óbitos (5,3%) por hemoptise após alta do esquema terapêutico. Três (7,9%) pacientes abandonaram o tratamento. Atualmente, 19 (50%) destes pacientes encontram-se em acompanhamento regular em nosso ambulatório.

Foram entregues duas amostras de escarro de 26 pacientes (68,4%) ou lavado broncoalveolar de 12 pacientes (31,6%). A média de dias para a negativação da cultura foi de 75 dias (mediana=62). Foram realizados 28 testes de sensibilidade (Tabela 2). Somente três testes (10,7%) apresentaram resistência à rifampicina, 19 (67,9%) testes detectaram resistência ao etambutol e todos os testes foram sensíveis a claritromicina, moxifloxacina e amicacina.

Todos os pacientes fizeram radiografia de tórax e o exame apontou 18 (47,4%) pacientes com lesão bilateral cavitária (BC), 11 (28,9%) pacientes com lesão unilateral cavitária (UC), seis (15,8%) pacientes com lesão bilateral não cavitária (BNC), dois (5,3%) pacientes com lesão unilateral não cavitária (UNC) e um (2,6%) com radiografia normal. É importante ressaltar que 29 (76,3%) pacientes apresentaram lesão escavada.

Foram analisadas 34 tomografias com enfoque na frequência das lesões observadas e na localização das mesmas no pulmão. As lesões localizaram-se preferencialmente nos lobos superiores (LSD: 94,1% e LSE: 85,3%) (Tabela 3). As lesões localizam-se preferencialmente no lobo superior direito (segmento posterior - 88,2%, segmento apical - 82,4% e no segmento anterior - 67,6%) e no lobo superior esquerdo (segmento apicoposterior - 76,5%, língula - 76,5% e segmento anterior - 58,8%). Por ordem de frequência, foram: bronquiectasias (94,1%), distorção arquitetural (76,5%), espessamento de septo (67,6%), cavidade (64,7%), opacidade (61,8%) e nódulos centrolobulares/árvore em brotamento (58,8%) (Tabela 4).

Não houve diferenças significativas entre as variáveis categóricas estudadas (Tabela 5). Nota-se uma possível associação entre tratamento anterior de TB e alterações pleurais na tomografia (p-valor=0,06 - limítrofe). Houve diferença estatisticamente significante entre o sexo do paciente e a presença de lesão em lobo médio na TCAR (p=0,017). Não foi encontrada associação entre esquemas prévios para TB e resistência ao etambutol.

DISCUSSÃO

Houve predomínio do sexo masculino (57,9%), com idade média de 64 anos, como encontrado por outros autores.(19-23) Supomos que o predomínio do sexo masculino encontrado nas diversas publicações possa estar relacionado a hábitos, como tabagismo, à prevalência de comorbidades pulmonares, como DPOC, e tratamentos anteriores de TB, mais comuns no sexo masculino. A infecção pulmonar ocorreu principalmente em pessoas idosas, como encontrado por Bakula et al. (2018), contrastando com estudos de anos anteriores, nos quais os pacientes eram 10 a 20 anos mais novos.(19-21) A média de idade mais avançada encontrada pode estar relacionada à maior longevidade da população em geral e às comorbidades associadas. Na nossa população, pode haver atraso no diagnóstico, devido à carga de TB e às dificuldades no diagnóstico correto.

A maioria dos pacientes apresentava comorbidades pulmonares. Bronquiectasia foi o achado mais frequente, com maior ocorrência do que a relatada por outros autores.(8,19-23) Provavelmente, como o diagnóstico da infecção é tardio, as lesões pulmonares se apresentam mais graves ao exame radiológico. A prevalência da DPOC é alta e pode estar relacionada à carga tabágica encontrada (60,5%). Outros autores relatam variáveis prevalências de DPOC e tabagismo.(8,19-23) Existem relatos que associam a infecção por M. kansasii à sequela de TBP, em regiões endêmicas para esta doença.(8) Trataram TBP, anteriormente, 65,8% dos pacientes e 71% deles estavam em uso de medicação para tratamento de TB no momento do diagnóstico de M. kansasii. Recente publicação polonesa também menciona que a metade dos pacientes possuía história de tratamento anterior para TBP.(8) Passado de TB e infecção pela M. kansasii são observados de maneira menos marcante em outros estudos, nos quais a prevalência de TBP foi menor.(19-22)

Podemos tentar explicar a alta frequência de tratamentos anteriores para TBP, nos casos de M. kansasii, pela alta prevalência de TBP no Rio de Janeiro, pela semelhança clínica e radiológica entre as duas patologias, e, finalmente, pela falta de recursos diagnósticos e de pessoal capacitado para diagnosticar MNT. Provavelmente, diversos casos de MNT são tratados com esquemas utilizados para tratamento de TB.

A comorbidade não pulmonar mais frequente foi o refluxo gastroesofágico, enfermidade que pode estar relacionada com a fisiopatogenia da bronquiectasia. Encontramos somente um trabalho que cita o refluxo gastroesofágico como comorbidade.(8) Em uma coorte estudando etiologia da bronquiectasia, o RGE foi encontrado em somente 2,0%, sendo mais frequente a causa pós-infecciosa (TBP e pneumonias).(24) O sintoma respiratório predominante foi a tosse com expectoração. Nas diversas publicações, o sintoma mais frequente foi tosse.(19-21,23) A hemoptise está citada em todas as séries estudadas com variadas frequências, provavelmente causada por erosão de vaso brônquico presente nas cavidades.(8,19-22) Os sintomas sistêmicos estão presentes em quase metade dos pacientes estudados.

A literatura descreve dois padrões tomográficos principais de lesões relacionadas às MNT: 1) fibrocavitário (semelhantes à tuberculose), com predileção pelos lobos superiores, e 2) nodular/bronquiectásico.(16) Houve predomínio de envolvimento pulmonar bilateral com predileção das lesões pelos lobos superiores, especialmente o lobo superior direito, semelhante ao encontrado por Takahashi.(25) O diagnóstico tardio que ocorre nas infecções pela M. kansasii possivelmente se deu pela semelhança radiológica com a TBP e pode explicar o acentuado envolvimento bilateral encontrado. A frequência de bronquiectasias com predileção pelos lobos superiores e distorção arquitetural encontrada também pode estar relacionada com sequelas pulmonares causadas por tratamentos anteriores de TB. Em nossa amostra, houve predomínio de cavidades e do padrão de acometimento de pequenas e grandes vias, caracterizado por bronquiectasias e alterações por preenchimento de bronquíolos.

Mesmo com alta exposição a tratamentos anteriores para TB, não encontramos significativa resistência à rifampicina. A alta resistência ao etambutol observada pode ter determinantes genéticos semelhantes ao que ocorre na TB. Estudos são necessários para apontar as mutações específicas ou mecanismos que conferem resistência às drogas na infecção pela MK.(8) Mais da metade dos pacientes utilizou esquemas terapêuticos que continham etambutol. A combinação de drogas em esquemas que contenham rifampicina garante o sucesso do tratamento.(26) Apesar da alta resistência atribuída ao etambutol, o desfecho dos pacientes foi favorável.

Vale ressaltar a presença da associação entre sexo do paciente e lesão em lobo médio na TCAR. São necessários estudos mais robustos para melhor elucidar este achado.

Como o estudo foi realizado com dados de prontuários, pode ter ocorrido viés de informação. Sendo o estudo retrospectivo, algumas informações podem não ter sido registradas, como comorbidades e resultados de exames. Mesmo sendo um estudo descritivo, devemos estar atentos à validade externa, pois os pacientes estudados provêm de uma população com alta carga de TB. O pequeno tamanho da amostra provavelmente influenciou nas poucas associações encontradas entre as variáveis.

Observamos doença pulmonar pela M. kansasii em pacientes mais idosos e com comorbidades pulmonares. Devemos estar atentos à doença por MNT em pacientes com idade mais avançada com sintomas respiratórios. A quase totalidade dos pacientes apresentava sintomas, principalmente a tosse. As lesões presentes na radiologia são semelhantes àquelas encontradas na tuberculose, tornando os achados radiológicos muitas vezes indistinguíveis. A maioria dos pacientes apresentou sensibilidade à rifampicina, o que torna possível o uso desta droga nos esquemas de tratamento.

Em função da alta incidência de TB no nosso estado e da semelhança clínica e radiológica que encontramos entre a TBP e a DPMK, o diagnóstico tardio da doença é comum; assim, consequentemente, comprometimentos funcionais e estruturais pulmonares são frequentes. São necessários investimentos em novas tecnologias e formação de recursos humanos para agilizar o diagnóstico da DPMK.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às equipes do Ambulatório e Laboratório do Centro de Referência Hélio Fraga.

REFERÊNCIAS

1. Johnson MM, Odell JA. Nontuberculous mycobacterial pulmonary infections. J Thorac Dis. 2014;6(3):210-20. PMid:24624285.
2. Lake MA, Ambrose LR, Lipman MCI, Lowe DM. "Why me, why now?". Using clinical immunology and epidemiology to explain who gets nontuberculous mycobacterial infection. BMC Med. 2016;14(1):54. http://dx.doi.org/10.1186/s12916-016-0606-6. PMid:27007918.
3. Falkinham JO 3rd, Norton CD, LeChevallier MW. Factors influencing numbers of Mycobacterium avium, Mycobacterium intracellulare, and other Mycobacteria in drinking water distribution systems. Appl Environ Microbiol. 2001;67(3):1225-31. http://dx.doi.org/10.1128/AEM.67.3.1225-1231.2001. PMid:11229914.
4. McShane PJ, Glassroth J. Pulmonary disease due to nontuberculous mycobacteria: current state and new insights. Chest. 2015;148(6):1517-27. http://dx.doi.org/10.1378/chest.15-0458. PMid:26225805.
5. Prevots DR, Marras TK. Epidemiology of human pulmonary infection with nontuberculous mycobacteria: a review. Clin Chest Med. 2015;36(1):13-34. http://dx.doi.org/10.1016/j.ccm.2014.10.002. PMid:25676516.
6. Bryant JM, Grogono DM, Greaves D, Foweraker J, Roddick I, Inns T, et al. Whole-genome sequencing to identify transmission of Mycobacterium abscessus between patients with cystic fibrosis: a retrospective cohort study. Lancet. 2013;381(9877):1551-60. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(13)60632-7. PMid:23541540.
7. Thomson R, Tolson C, Huygens F, Hargreaves M. Strain variation amongst clinical and potable water isolates of M. kansasii using automated repetitive unit PCR. Int J Med Microbiol. 2014;304(3-4):484-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijmm.2014.02.004. PMid:24636860.
8. Bakuła Z, Kościuch J, Safianowska A, Proboszcz M, Bielecki J, van Ingen J, et al. Clinical, radiological and molecular features of Mycobacterium kansasii pulmonary disease. Respir Med. 2018;139:91-100. http://dx.doi.org/10.1016/j.rmed.2018.05.007. PMid:29858008.
9. Mirsaeidi M, Farshidpour M, Allen MB, Ebrahimi G, Falkinham JO. Highlight on advances in nontuberculous mycobacterial disease in North America. BioMed Res Int. 2014;2014:919474. http://dx.doi.org/10.1155/2014/919474. PMid:25574470.
10. Glassroth J. Pulmonary disease due to nontuberculous mycobacteria. Chest. 2008;133(1):243-51. http://dx.doi.org/10.1378/chest.07-0358. PMid:18187749.
11. Stout JE, Koh W-J, Yew WW. Update on pulmonary disease due to non-tuberculous mycobacteria. Int J Infect Dis. 2016;45:123-34. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijid.2016.03.006. PMid:26976549.
12. Brasil. Ministério da Saúde. SITETB: Sistema de Informação de Tratamentos Especiais deTuberculose [Internet]. 2019 [cited 2019 Aug 4]. Available from: http://sitetb.saude.gov.br/
13. Mello KGC, Mello FCQ, Borga L, Rolla V, Duarte RS, Sampaio EP, et al. Clinical and therapeutic features of pulmonary nontuberculous mycobacterial disease, Brazil, 1993-2011. Emerg Infect Dis. 2013;19(3):393-9. PMid:23745217.
14. Carneiro MDS, Nunes LS, David SMMD, Dias CF, Barth AL, Unis G. Nontuberculous mycobacterial lung disease in a high tuberculosis incidence setting in Brazil. J Bras Pneumol. 2018;44(2):106-11. http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562017000000213. PMid:29791549.
15. Matos ED, Santana MA, Santana MC, Mamede P, Bezerra BL, Panão ED, et al. Nontuberculosis mycobacteria at a multiresistant tuberculosis reference center in Bahia: clinical epidemiological aspects. Braz J Infect Dis. 2004;8(4):296-304. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-86702004000400005. PMid:15565260.
16. Griffith DE, Aksamit T, Brown-Elliott BA, Catanzaro A, Daley C, Gordin F, et al. An official ATS/IDSA statement: diagnosis, treatment, and prevention of nontuberculous mycobacterial diseases. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175(4):367-416. http://dx.doi.org/10.1164/rccm.200604-571ST. PMid:17277290.
17. Hansell DM, Bankier AA, MacMahon H, McLoud TC, Müller NL, Remy J. Fleischner Society: glossary of terms for thoracic imaging. Radiology. 2008;246(3):697-722. http://dx.doi.org/10.1148/radiol.2462070712. PMid:18195376.
18. Silva CIS, Marchiori E, Souza AS Jr, Müller NL. Illustrated Brazilian consensus of terms and fundamental patterns in chest CT scans. J Bras Pneumol. 2010;36(1):99-123. http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132010000100016. PMid:20209314.
19. Maliwan N, Zvetina JR. Clinical features and follow up of 302 patients with Mycobacterium kansasii pulmonary infection: a 50 year experience. Postgrad Med J. 2005;81(958):530-3. http://dx.doi.org/10.1136/pgmj.2004.026229. PMid:16085747.
20. Shitrit D, Peled N, Bishara J, Priess R, Pitlik S, Samra Z, et al. Clinical and radiological features of Mycobacterium kansasii infection and Mycobacterium simiae infection. Respir Med. 2008;102(11):1598-603. http://dx.doi.org/10.1016/j.rmed.2008.05.004. PMid:18619826.
21. Matveychuk A, Fuks L, Priess R, Hahim I, Shitrit D. Clinical and radiological features of Mycobacterium kansasii and other NTM infections. Respir Med. 2012;106(10):1472-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.rmed.2012.06.023. PMid:22850110.
22. Moon SM, Park HY, Jeon K, Kim S-Y, Chung MJ, Huh HJ, et al. Clinical significance of Mycobacterium kansasii isolates from respiratory specimens. PLoS One. 2015;10(10):e0139621. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0139621. PMid:26431540.
23. Yusti G, Heres M, González A, Fielli M, Ceccato A, Zapata A. Mycobacterium kansasii as the primary etiology of pulmonare infections due to non-tuberculous Mycobacterium (NTM) in patients without Human immunodefiency virus (HIV): experience from a Center in Buenos Aires, Argentina. Univ Louisville J Respir Infect. 2018;2(1):21-258. http://dx.doi.org/10.18297/jri/vol2/iss1/5/.
24. Huang H-Y, Chung F-T, Lo C-Y, Lin H-C, Huang Y-T, Yeh C-H, et al. Etiology and characteristics of patients with bronchiectasis in Taiwan: a cohort study from 2002 to 2016. BMC Pulm Med. 2020;20(1):45. http://dx.doi.org/10.1186/s12890-020-1080-7. PMid:32070324.
25. Takahashi M, Tsukamoto H, Kawamura T, Mochizuki Y, Ouchi M, Inoue S, et al. Mycobacterium kansasii pulmonary infection: CT findings in 29 cases. Jpn J Radiol. 2012;30(5):398-406. http://dx.doi.org/10.1007/s11604-012-0061-z. PMid:22396065.
26. Park YS, Lee C-H, Lee S-M, Yang S-C, Yoo C-G, Kim YW, et al. Rapid increase of non-tuberculous mycobacterial lung diseases at a tertiary referral hospital in South Korea. Int J Tuberc Lung Dis. 2010;14(8):1069-71. PMid:20626955.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia