AO EDITOR,Em dezembro de 2019, a cidade de Wuhan, na província de Hubei, China, tornou-se o epicentro de um surto de pneumonia causada por um novo coronavírus, posteriormente denominado SARS-Cov-2 pela Organização Mundial da Saúde, sendo a doença por ele causada denominada COVID-19. A COVID-19 foi declarada emergência global em saúde pública pela Organização Mundial da Saúde em 30 de janeiro de 2020.(1) Para o diagnóstico da doença tem-se utilizado RT-PCR com coleta de amostra de aspirado de nasofaringe ou de secreção de vias aéreas inferiores (escarro, lavado traqueal ou lavado broncoalveolar). Contudo, devido à demora do resultado de RT-PCR ou mesmo da possibilidade de falsos negativos, a TC de tórax tornou-se uma importante ferramenta de auxílio diagnóstico, sendo fortemente recomendada em casos suspeitos.(2)
Os pacientes com COVID-19 têm expressão clínica variável, podendo ser divididos em casos com apresentação leve, moderada, grave ou crítica. O quadro clínico inicial inclui febre e sintomas gripais, podendo evoluir gradativamente (de 7 a 14 dias) para dispneia e falência respiratória.(3)
Os achados vistos na TC de tórax já estão bem estabelecidos e acompanham a expressão clínica, com espectro de achados variáveis, compatíveis com a progressão temporal da doença.(4,5) Na fase inicial da doença os achados de TC mais comumente relatados na literatura são áreas de opacidade em vidro fosco, de formato nodular ou em retalhos, única ou múltipla, com distribuição periférica e peribroncovascular, associadas a espessamento intersticial intralobular ou interlobular, com padrão de pavimentação em mosaico. Na fase progressiva o número de lesões aumenta, assim como sua extensão e densidade, geralmente coexistindo com opacidades em vidro fosco e consolidações, podendo ocorrer também bronquiectasias e atelectasias. Na fase grave ocorre o comprometimento de todos os segmentos pulmonares com atelectasias associadas. Na fase de cura (ou dissipativa) ocorre o surgimento de opacidade em faixa (cord-like), indicativas de fibrose. Pode ocorrer um curso clínico curto, e os achados de imagem progridem rapidamente da fase inicial para a fase dissipativa.
Foram descritos alguns sinais vistos à TC de tórax em pacientes acometidos pela pneumonia por COVID-19,(6) como o sinal da asa de morcego (bat wing sign), representando opacidades peri-hilares bilaterais; sinal do pulmão branco (white lung sign), com acometimento difuso dos pulmões por opacidades de alta densidade; sinal da rosa roxburghuii (rosa roxburghuii sign), representando opacidades em vidro fosco nodulares focais; sinal do gesso (gypsum sign), representando consolidações em retalhos em ambos os pulmões apresentando densidade variável; e o sinal do halo invertido, com área de opacidade em vidro fosco central circundada por anel de consolidação, o qual já foi descrito em vários processos infecciosos e não infecciosos(7) inclusive em pneumonias virais.(8)
Nós detectamos na TCAR de três pacientes com COVID-19, confirmada por RT-PCR, realizadas em nosso serviço, opacidades em vidro fosco ou consolidativas anelares periféricas no lóbulo pulmonar secundário, associadas a discreto foco de opacidade central, correspondendo a um padrão perilobular associado a um acometimento central no lóbulo pulmonar secundário, perivascular, envolvendo a arteríola centrolobular, com aspecto de imagem compatível com a de um alvo.
O primeiro paciente, homem de 36 anos, foi admitido com quadro de dispneia intensa, e a TCAR foi realizada 11 dias após o início dos sintomas, mostrando opacidades em vidro fosco e opacidades em forma de alvo nos lobos inferiores (Figura 1A). A segunda paciente, mulher de 43 anos, foi admitida com queixa de tosse seca e calafrios havia 8 dias. A TCAR realizada 10 dias após o início dos sintomas também evidenciou lesões em forma de alvo bilaterais nos lobos inferiores (Figura 1B). A terceira paciente, mulher de 42 anos, admitida com queixa de tosse produtiva, rinorreia e odinofagia havia 7 dias também apresentou na TCAR lesões em forma de alvo nos lobos inferiores (Figuras 1C e 1D).
Esse achado de opacidade perilobular associado a opacidade central no lóbulo pulmonar secundário foi denominado em um estudo(9) como sinal do alvo (target sign) em junho de 2020, e até então não havia sido descrito anteriormente na literatura sobre TC de tórax em pacientes com COVID-19. Segundo os autores,(9) o padrão puramente perilobular ou o sinal do halo invertido vistos na COVID-19 correspondem à pneumonia em organização e provavelmente esse sinal do alvo também represente pneumonia em organização em sua porção periférica, sendo que a porção central poderia refletir inflamação vascular e perivascular ou aumento focal da artéria pulmonar. Outra possibilidade por nós aventada seria a de pneumonia em organização comprometendo tanto a periferia como a porção central do lóbulo pulmonar secundário, uma vez que a pneumonia em organização pode ter também um padrão de acometimento peribroncovascular.(10)
As opacidades com aspecto em alvo ainda não tinham sido descritas em outras patologias pulmonares, como em outras viroses ou infecções bacterianas, pelo que se tem conhecimento até agora, podendo representar uma marca registrada da pneumonia por COVID-19 no contexto clínico adequado. No entanto, para se estabelecer se o sinal do alvo poderia ser um achado-chave nessa doença, serão necessários estudos comparativos de aspectos tomográficos da pneumonia por COVID-19 e outras pneumonias virais e bacterianas, assim como de outras doenças que possam cursar com pneumonia em organização.
REFERÊNCIAS1. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: World Health Organization; c2020 [updated 2020 Jan 30; cited 2020 Jul 23]. Coronavirus disease 2019 (COVID-19): Situation Report - 10. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/situation-reports
2. Jin YH, Cai L, Cheng ZS, Cheng H, Deng T, Fan YP, et al. A rapid advice guideline for the diagnosis and treatment of 2019 novel coronavirus (2019-nCoV) infected pneumonia (standard version). Mil Med Res. 2020;7(1):4. https://doi.org/10.1186/s40779-020-0233-6
3. Li K, Fang Y, Li W, Pan C, Qin P, Zhong Y, et al. CT image visual quantitative evaluation and clinical classification of coronavirus disease (COVID-19). Eur Radiol. 2020;30(8):4407-4416. https://doi.org/10.1007/s00330-020-06817-6
4. Salehi S, Abedi A, Balakrishnan S, Gholamrezanezhad A. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19): A Systematic Review of Imaging Findings in 919 Patients. AJR Am J Roentgenol. 2020;215(1):87-93. https://doi.org/10.2214/AJR.20.23034
5. Li M, Lei P, Zeng B, Li Z, Yu P, Fan B, et al. Coronavirus Disease (COVID-19): Spectrum of CT Findings and Temporal Progression of the Disease. Acad Radiol. 2020;27(5):603-608. https://doi.org/10.1016/j.acra.2020.03.003
6. Wang K, Kang S, Tian R, Zhang X, Zhang X, Wang Y. Imaging manifestations and diagnostic value of chest CT of coronavirus disease 2019 (COVID-19) in the Xiaogan area. Clin Radiol. 2020;75(5):341-347. https://doi.org/10.1016/j.crad.2020.03.004
7. Marchiori E, Zanetti G, Escuissato DL, Souza ASS Jr, Meirelles GSP, Fagundes J, et al. Reversed halo sign: high-resolution CT scan findings in 79 patients. Chest. 2012;141(5):1260-1266. https://doi.org/10.1378/chest.11-1050
8. Farias LPG, Strabelli DG, Sawamura MVY. COVID-19 pneumonia and the reversed halo sign. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20200131. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200131
9. Muller CIS, Muller NL. Chest CT target sign in a couple with COVID-19 pneumonia. Radiol Bras. 2020;53(4):252-254. https://doi.org/10.1590/0100-3984.2020.0089
10. American Thoracic Society; European Respiratory Society. American Thoracic Society/European Respiratory Society International Multidisciplinary Consensus Classification of the Idiopathic Interstitial Pneumonias. This joint statement of the American Thoracic Society (ATS), and the European Respiratory Society (ERS) was adopted by the ATS board of directors, June 2001 and by the ERS Executive Committee, June 2001 [published correction appears in Am J Respir Crit Care Med. 2002 Aug 1;166(3):426]. Am J Respir Crit Care Med. 2002;165(2):277-304. https://doi.org/10.1164/ajrccm.165.2.ats01