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Editorial

Doenças pulmonares intersticiais: papel da TCAR na era dos medicamentos antifibróticos

Interstitial lung diseases: the role of HRCT in in the era of antifibrotic therapy

Alfredo Nicodemos Cruz Santana1,2a, Flavia de Souza Nunes Soares3,4a

As doenças pulmonares intersticiais (DPI) geralmente representam um grande desafio para os pneumologistas. Tal desafio tem várias etapas, como definição de um diagnóstico, busca de um possível tratamento e o que fazer diante de uma resposta não favorável à terapêutica inicial, especialmente na era pré-medicamentos antifibróticos. (1-6) Assim, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia sempre esteve atenta ao adequado diagnóstico e tratamento das DPI, bem como aos avanços nessa área da pneumologia.(7,8)

Na área das DPI, a TCAR apresenta um papel cada vez mais importante no diagnóstico e até na definição de tratamento. Vale lembrar que a TCAR com padrão de pneumonia intersticial usual (PIU) dispensa a realização de biópsia pulmonar para se concluir o diagnóstico de fibrose pulmonar idiopática (FPI) diante de um contexto clínico e laboratorial condizente com FPI.(9) A TCAR também é importante no processo de diagnóstico da pneumonia por hipersensibilidade (PH), como recentemente publicado em uma diretriz internacional de prática clínica.(10)

A TCAR também tem um papel no manejo de pacientes com DPI fibrosante progressiva (DPI-FP).(3) Vale lembrar que a TCAR foi usada como um dos critérios de seleção para o estudo de um antifibrótico na DPI-FP, sendo obrigatória a presença de reticulado com bronquiectasia de tração (com ou sem faveolamento) e com extensão > 10%.(3) Era permitida a presença de opacidade em vidro fosco, predomínio de alterações em lobos superiores ou em região peribroncovascular, atenuação em mosaico, aprisionamento aéreo, e/ou nódulos centrolobulares. Adicionalmente, a TCAR, quando apresentava aumento da extensão das alterações fibróticas, também representava um dos critérios para definir a progressão da DPI apesar do tratamento inicial (ou seja, resposta não favorável à terapêutica prévia).

O estudo de Almeida et al.,(11) publicado no presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, teve como objetivo avaliar a prevalência e o papel prognóstico da TCAR na presença de padrão de PIU típica, de PIU provável e de padrão indeterminado para PIU em 244 pacientes com DPI acompanhados em um centro de referência entre janeiro de 2012 e janeiro de 2016. O diagnóstico das DPI foi realizado considerando-se os dados clínicos, radiológicos e histopatológicos (a biópsia pulmonar cirúrgica foi realizada em 28,2% dos pacientes). Dos 244 sujeitos do estudo, 52,5% eram do sexo masculino, 29,1% tinham história de tabagismo, 9,0% apresentavam DPOC, 29,1% tinham diabetes, 18,9% apresentavam cardiopatia, e 17,6% tinham doença do tecido conectivo. Na amostra como um todo, a média de CVF era de 70% do valor previsto. O padrão tomográfico de PIU típica foi encontrado em 106 pacientes (principalmente representado por FPI e PH); o de PIU provável, em 114 (principalmente doença do tecido conectivo e FPI); e o padrão indeterminado para PIU, em 24 (principalmente doença do tecido conectivo e pneumonia intersticial descamativa). Quanto ao prognóstico, os pacientes com TCAR com padrão de PIU apresentavam maior mortalidade independentemente de idade, sexo, história de tabagismo, comorbidades e função pulmonar.(11)

O estudo publicado por Almeida et al.(11) apresenta algumas limitações que merecem ser pontuadas. Não se avaliou o possível papel prognóstico da prova de função pulmonar ao longo do seguimento clínico dos pacientes. Tampouco se conseguiu averiguar o impacto do tratamento das DPI na mortalidade. Por fim, não foi relatada a proporção de pacientes que poderiam ser enquadrados com o diagnóstico de DPI-FP, uma nova situação de grande importância clínica que estamos vivenciando atualmente.(3)

Voltando à FPI, essa, apesar de ser considerada uma doença rara (prevalência de 0,5 a 27,9/100.000 habitantes e incidência de 0,22 a 8.8/100.000 habitantes), representa uma causa frequente de indicação para transplante de pulmão.(12) Isso reforça o impacto da FPI no prognóstico dos pacientes e no uso de serviços de saúde de alta complexidade.

Concluindo, o estudo de Almeida et al.(11) reforça a importância dos achados tomográficos nas DPI e mostra que a presença de padrão de PIU na TCAR, independentemente de outros fatores, confere menor sobrevida. Assim, os pacientes com DPI e com padrão de PIU na TCAR devem ter acompanhamento clínico mais frequente, ser avaliados mais atentamente para uso de antifibróticos (como nos casos de FPI ou DPI-FP), bem como ser encaminhados para a primeira avaliação de possível transplante pulmonar (especialmente se associado com CVF < 80% do valor previsto ou SpO2 < 89% no teste de caminhada de seis minutos).

REFERÊNCIAS

1. Richeldi L, du Bois RM, Raghu G, Azuma A, Brown KK, Costabel U, et al. Efficacy and safety of nintedanib in idiopathic pulmonary fibrosis [published correction appears in N Engl J Med. 2015 Aug 20;373(8):782]. N Engl J Med. 2014;370(22):2071-2082.
2. King TE Jr, Bradford WZ, Castro-Bernardini S, Fagan EA, Glaspole I, Glassberg MK, et al. A phase 3 trial of pirfenidone in patients with idiopathic pulmonary fibrosis [published correction appears in N Engl J Med. 2014 Sep 18;371(12):1172]. N Engl J Med. 2014;370(22):2083-2092. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1402582
3. Flaherty KR, Wells AU, Cottin V, Devaraj A, Walsh SLF, Inoue Y, et al. Nintedanib in Progressive Fibrosing Interstitial Lung Diseases. N Engl J Med. 2019;381(18):1718-1727. https://doi.org/10.1056/NEJMoa1908681
4. Pereira CAC, Baddini-Martinez JA, Baldi BG, Jezler SFO, Rubin AS, Alves RLR, et al. Safety and tolerability of nintedanib in patients with idiopathic pulmonary fibrosis in Brazil. J Bras Pneumol. 2019;45(5):e20180414.
5. Santana AN, Kairalla RA, Carvalho CR. Potential role of statin use in idiopathic pulmonary fibrosis. Am J Respir Crit Care Med. 2008;177(9):1048. https://doi.org/10.1164/ajrccm.177.9.1048
6. Melo NC, Amorim FF, Santana AN. Connecting the dots: hypoxia, pulmonary fibrosis, obstructive sleep apnea, and aging. Am J Respir Crit Care Med. 2015;191(8):966. https://doi.org/10.1164/rccm.201501-0052LE
7. Baldi BG, Pereira CA, Rubin AS, Santana AN, Costa AN, Carvalho CR, et al. Highlights of the Brazilian Thoracic Association guidelines for interstitial lung diseases. J Bras Pneumol. 2012;38(3):282-291.
8. Baddini-Martinez J, Ferreira J, Tanni S, Alves LR, Junior BFC, Carvalho CRR, et al. Brazilian guidelines for the pharmacological treatment of idiopathic pulmonary fibrosis. Official document of the Brazilian Thoracic Association based on the GRADE methodology. J Bras Pneumol. 2020;46(2):e20190423. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20190423
9. Raghu G, Remy-Jardin M, Myers JL, Richeldi L, Ryerson CJ, Lederer DJ, et al. Diagnosis of Idiopathic Pulmonary Fibrosis. An Official ATS/ERS/JRS/ALAT Clinical Practice Guideline. Am J Respir Crit Care Med. 2018;198(5):e44-e68.
10. Raghu G, Remy-Jardin M, Ryerson CJ, Myers JL, Kreuter M, Vasakova M, et al. Diagnosis of Hypersensitivity Pneumonitis in Adults. An Official ATS/JRS/ALAT Clinical Practice Guideline. Am J Respir Crit Care Med. 2020;202(3):e36-e69. https://doi.org/10.1164/rccm.202005-2032ST
11. Almeida RF, Watte G, Marchiori E, Altmayer S, Pacini GS, Barros MC, et al. High resolution computed tomography patterns in interstitial lung disease (ILD): prevalence and prognosis. J Bras Pneumol. 2020;46(5):e20190153.
12. Kaunisto J, Salomaa ER, Hodgson U, Kaarteenaho R, Myllärniemi M. Idiopathic pul-monary fibrosis--a systematic review on methodology for the collection of epidemio-logical data. BMC Pulm Med. 2013;13:53. https://doi.org/10.1186/1471-2466-13-53

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