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COVID-19: radiografia de tórax na predição de desfecho clínico

COVID-19: chest X-rays to predict clinical outcomes

Pedro Paulo Teixeira e Silva Torres1,2,3a, Klaus Loureiro Irion4a, Edson Marchiori3a

A pandemia pelo agente viral SARS-CoV-2 tem levado os sistemas de saúde do mundo ao limite, fazendo com que o gerenciamento e até mesmo o racionamento de recursos sejam a pedra angular na gestão da crise.(1) Embora a maioria dos pacientes se apresente assintomáticos ou oligossintomáticos, uma fração desses necessitará internação devido a repercussões sistêmicas ou sintomas respiratórios, e ainda alguns caminharão para rápida piora clínica, necessitando ventilação invasiva e tratamento em UTI.(2) Nesse sentido, a busca por biomarcadores que auxiliem a predição de evolução para desfechos graves é valiosa.

No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Baratella et al.(3) apresentam um interessante estudo retrospectivo que visa avaliar o potencial de um escore visual semiquantitativo simples baseado em radiografia de tórax (RT), assim como de parâmetros clínico-laboratoriais para a predição de desfecho grave (necessidade de ventilação não invasiva, de intubação ou ocorrência de óbito) em pacientes com quadro de COVID-19. Os dados apresentados mostram um possível papel da RT no auxílio à estratificação de risco de evolução para gravidade, reforçando dados de estudos prévios da literatura.(4,5) No estudo de Baratella et al.,(3) a ausência de desfecho grave esteve significativamente associada à menor proporção de pacientes com escores altos na RT de base, e pacientes com resultado de RT de entrada normal não necessitaram ventilação não invasiva ou intubação e nem morreram.

Outros estudos têm avaliado o potencial de escores radiográficos simples utilizados isoladamente ou associados a outros parâmetros clínico-laboratoriais para a predição de desfecho na COVID-19. A RT foi testada como ferramenta preditora de prognóstico em adultos e pacientes de meia-idade por Toussie et al.,(4) e o escore aplicado foi útil na predição de admissão hospitalar após ajuste para fatores demográficos e comorbidades, tendo sido ainda um fator preditor independente de intubação em pacientes admitidos para tratamento hospitalar. Schalekamp et al.(2) desenvolveram um modelo para predição de gravidade envolvendo parâmetros clínico-laboratoriais e um escore semiquantitativo; pontuações mais altas estiveram associadas a um desfecho crítico. De maneira adicional, os autores mostraram que a distribuição dos achados pode estar associada a pior prognóstico; pacientes com acometimento predominantemente central ou difuso, bem como aqueles com envolvimento bilateral pulmonar, tiveram maior chance de ter desfecho crítico do que aqueles com distribuição periférica ou envolvimento unilateral. (2) Outra calculadora de risco com múltiplos parâmetros clínico-laboratoriais foi capaz de predizer evolução grave, sendo incluída como parâmetro a presença ou ausência de anormalidades radiográficas à RT.(5) De forma análoga, outros estudos têm mostrado o potencial da quantificação do envolvimento pulmonar à TC para a predição de risco de complicação em pacientes portadores de COVID-19.(6)

Destaca-se ainda o uso de ferramentas automatizadas utilizando algoritmos de inteligência artificial, sendo documentada satisfatória concordância entre escores de nível de opacidade e extensão de doença à RT quando comparada a leitura realizada por radiologistas e a leitura por inteligência artificial utilizando deep learning.(7)

Embora a evolução da COVID-19 seja variável, os aspectos de imagem seguem um curso temporal relativamente semelhante, já descrito tanto para a RT quanto para a TC de tórax, sendo que na RT o pico de intensidade dos achados ocorre em 10-12 dias.(8) Pacientes que se apresentaram mais tardiamente durante o curso de sintomas tiveram escores radiográficos mais altos no estudo de Toussie et al.(4) Para fins de aplicação clínica desses escores de predição de risco, seria interessante o ajuste do escore radiográfico à cronologia do início dos sintomas, padronizando-se a data da aquisição da RT.

Uma potencial desvantagem do método radiográfico seria sua baixa sensibilidade para a detecção de doença leve ou em fase inicial, bem como sua menor capacidade de definição de alguns diagnósticos diferenciais, como, por exemplo, tromboembolismo pulmonar, frente à TC. Entretanto, questões como custo, acessibilidade, menor exposição à radiação, praticidade na leitura/aplicação de escores semiquantitativos, questões de biossegurança (como maior praticidade na desinfecção de suas superfícies), mobilidade (possibilitando estudos realizados à beira do leito) e facilidade na realização de estudos sequenciais acrescentam valor em sua utilização para a composição desses escores de predição de risco.(9)

O uso de métodos de imagem para rastreamento da COVID-19 tem sido desaconselhado na maioria dos cenários clínicos, estando de maneira geral reservados para indivíduos com fatores de risco, com probabilidade de progressão, ou para aqueles com piora dos sintomas, visando avaliar aspectos como extensão da doença e diagnóstico diferencial.(9) Um consenso recente da sociedade Fleischner para uso de estudos de imagem ponderou sobre a utilização de RT ou TC na COVID-19, deixando claro que, quando esses estudos são indicados, a decisão sobre o método a ser usado, em última análise, depende de sua disponibilidade, dos recursos locais e da expertise dos profissionais.(9) A RT tem sido recomendada como método inicial para a avaliação de pacientes no ambiente de pronto-socorro e de pacientes internados por alguns grupos.(10-12)

O estudo de Baratella et al.(3) traz foco para uma perspectiva diferente das discussões sobre o papel dos métodos de imagem no rastreamento e diagnóstico da doença, focando na triagem de pacientes com potencial para complicações. Embora ainda haja questões sobre como e quais métodos de imagem podem auxiliar no diagnóstico e monitoramento evolutivo da COVID-19 (considerando-se questões de acurácia, disponibilidade de recursos e políticas regionais), o estudo em questão(3) adiciona evidências ao fato de que a RT, isoladamente ou compondo escores multiparamétricos clínico-laboratoriais, pode auxiliar na estratificação de risco para desfechos graves na avaliação inicial de pacientes com COVID-19, com consequentes implicações no manejo clínico, assim como na gestão de leitos e de recursos.(2,4,5)

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

PPTST, KLI e EM: concepção e planejamento do trabalho; interpretação das evidências; redação e/ou revisão das versões preliminares e definitiva; e aprovação da versão final.

APOIO FINANCEIRO

KLI recebe apoio financeiro do NIHR Manchester Biomedical Research Centre, Manchester, Reino Unido.

REFERÊNCIAS

1. Emanuel EJ, Persad G, Upshur R, Thome B, Parker M, Glickman A, et al. Fair Allocation of Scarce Medical Resources in the Time of Covid-19. N Engl J Med. 2020;382(21):2049-2055. https://doi.org/10.1056/NEJMsb2005114
2. Schalekamp S, Huisman M, van Dijk RA, Boomsma MF, Freire Jorge PJ, de Boer WS, et al. Model-based Prediction of Critical Illness in Hospitalized Patients with COVID-19 [published online ahead of print, 2020 Aug 13]. Radiology. 2020;202723. https://doi.org/10.1148/radiol.2020202723
3. Baratella E, Crivelli P, Marrocchio C, Bozzato AM, De Vito A, Madeddu G, et al. Severity of lung involvement on chest X-rays in SARS-coronavirus-2 infected patients as a possible tool to predict clinical progression: an observational retrospective analysis of the relationship between radiological, clinical, and laboratory data. J Bras Pneumol. 2020;46(5):20200226.
4. Toussie D, Voutsinas N, Finkelstein M, Cedillo MA, Manna S, Maron SZ, et al. Clinical and Chest Radiography Features Determine Patient Outcomes In Young and Middle Age Adults with COVID-19 [published online ahead of print, 2020 May 14]. Radiology. 2020;201754. https://doi.org/10.1148/radiol.2020201754
5. Liang W, Liang H, Ou L, Chen B, Chen A, Li C, et al. Development and Validation of a Clinical Risk Score to Predict the Occurrence of Critical Illness in Hospitalized Patients With COVID-19. JAMA Intern Med. 2020;180(8):1081-1089. https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2020.2033
6. Colombi D, Bodini FC, Petrini M, Maffi G, Morelli N, Milanese G, et al. Well-aerated Lung on Admitting Chest CT to Predict Adverse Outcome in COVID-19 Pneumonia. Radiology. 2020;296(2):E86-E96. https://doi.org/10.1148/radiol.2020201433
7. Zhu J, Shen B, Abbasi A, Hoshmand-Kochi M, Li H, Duong TQ. Deep transfer learning artificial intelligence accurately stages COVID-19 lung disease severity on portable chest radiographs. PLoS One. 2020;15(7):e0236621. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0236621
8. Wong HYF, Lam HYS, Fong AH, Leung ST, Chin TW, Lo CSY, et al. Frequency and Distribution of Chest Radiographic Findings in Patients Positive for COVID-19. Radiology. 2020;296(2):E72-E78. https://doi.org/10.1148/radiol.2020201160
9. Rubin GD, Ryerson CJ, Haramati LB, Sverzellati N, Kanne JP, Raoof S, et al. The Role of Chest Imaging in Patient Management during the COVID-19 Pandemic: A Multinational Consensus Statement from the Fleischner Society. Radiology. 2020;296(1):172-180. https://doi.org/10.1148/radiol.2020201365
10. American College of Radiology (ACR) [homepage on the Internet]. Reston (VA): ACR; c2020 [updated 2020 Mar 22; cited 2020 Aug 28]. ACR Recommendations for the use of chest radiography and computed tomography (CT) for suspected COVID-19 Infection. https://www.acr.org/Advocacy-and-Economics/ACR-Position-Statements/Recommendations-for-Chest-Radiography-and-CT-for-Suspected-COVID19-Infection
11. British Society of Thoracic Imaging (BSTI) [homepage on the Internet]. London: BSTI; c2020 [cited 2020 Aug 28]. Radiology Decision Tool for Suspected COVID-19. https://www.bsti.org.uk/media/resources/files/NHSE_BSTI_APPROVED_Radiology_on_CoVid19_v6_modified1-_Read-Only.pdf
12. Mossa-Basha M, Medverd J, Linnau K, Lynch JB, Wener MH, Kicska G et al. Policies and Guidelines for COVID-19 Preparedness: Experiences from the University of Washington [published online ahead of print, 2020 Apr 8]. Radiology. 2020;201326. https://doi.org/10.1148/radiol.2020201326

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