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Artigo Original

Características clínicas, laboratoriais e funcionais da sobreposição asma-DPOC em pacientes previamente diagnosticados com DPOC

Clinical, laboratory, and functional characteristics of asthma-COPD overlap in patients with a primary diagnosis of COPD

Ana Paula Adriano Queiroz1,2a, Fernanda Rodrigues Fonseca1,2a, Alexânia de Rê1,2a, Rosemeri Maurici1,2,5a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200033

ABSTRACT

Objective: To evaluate the frequency of asthma-COPD overlap (ACO) in patients with COPD and to compare, from a clinical, laboratory, and functional point of view, patients with and without ACO, according to different diagnostic criteria. Methods: The participants underwent evaluation by a pulmonologist, together with spirometry and blood tests. All of the patients were instructed to record their PEF twice a day. The diagnosis of ACO was based on the Proyecto Latinoamericano de Investigación en Obstrucción Pulmonar (PLATINO, Latin American Project for the Investigation of Obstructive Lung Disease) criteria, the American Thoracic Society (ATS) Roundtable criteria, and the Spanish criteria. We investigated patient histories of exacerbations and hospitalizations, after which we applied the COPD Assessment Test and the modified Medical Research Council scale, to classify risk and symptoms in accordance with the GOLD criteria. Results: Of the 51 COPD patients, 14 (27.5%), 8 (12.2%), and 18 (40.0) were diagnosed with ACO on the basis of the PLATINO, ATS Roundtable, and Spanish criteria, respectively. The values for pre-bronchodilator FVC, post-bronchodilator FVC, and pre-bronchodilator FEV1 were significantly lower among the patients with ACO than among those with COPD only (1.9 ± 0.4 L vs. 2.4 ± 0.7 L, 2.1 ± 0.5 L vs. 2.5 ± 0.8 L, and 1.0 ± 0.3 L vs. 1.3 ± 0.5 L, respectively). When the Spanish criteria were applied, IgE levels were significantly higher among the patients with ACO than among those with COPD only (363.7 ± 525.9 kU/L vs. 58.2 ± 81.6 kU/L). A history of asthma was more common among the patients with ACO (p < 0.001 for all criteria). Conclusions: In our sample, patients with ACO were more likely to report previous episodes of asthma and had worse lung function than did those with COPD only. The ATS Roundtable criteria appear to be the most judicious, although concordance was greatest between the PLATINO and the Spanish criteria.

Keywords: Asthma/diagnosis; Pulmonary disease, chronic obstructive/diagnosis; Asthma-chronic obstructive pulmonary disease overlap syndrome/diagnosis.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a frequência de asthma-COPD overlap (ACO, sobreposição asma-DPOC) em pacientes com DPOC e comparar, do ponto de vista clínico, laboratorial e funcional, os pacientes com e sem essa sobreposição conforme diferentes critérios diagnósticos. Métodos: Os participantes foram submetidos à avaliação com pneumologista, espirometria e exame sanguíneo, sendo orientados a manter o registro do PFE duas vezes ao dia. O diagnóstico de ACO deu-se através dos critérios Projeto Latino-Americano de Investigação em Obstrução Pulmonar (PLATINO), American Thoracic Society (ATS) Roundtable e Espanhol. Foram investigados os históricos de exacerbações e hospitalizações e aplicados os instrumentos COPD Assessment Test e escala Medical Research Council modificada, utilizados para a classificação de risco e sintomas da GOLD. Resultados: Entre os 51 pacientes com DPOC, 14 (27,5%), 8 (12,2%) e 18 (40,0) foram diagnosticados com ACO segundo os critérios PLATINO, ATS Roundtable e Espanhol, respectivamente. Pacientes com sobreposição significativamente apresentaram pior CVF pré-broncodilatador (1,9 ± 0,4 L vs. 2,4 ± 0,7 L), CVF pós-broncodilatador (2,1 ± 0,5 L vs. 2,5 ± 0,8 L) e VEF1 pré-broncodilatador (1,0 ± 0,3 L vs. 1,3 ± 0,5 L) quando comparados a pacientes com DPOC. Os níveis de IgE foram significativamente mais elevados em pacientes com sobreposição diagnosticados pelo critério Espanhol (363,7 ± 525,9 kU/L vs. 58,2 ± 81,6 kU/L). O histórico de asma foi mais frequente em pacientes com a sobreposição (p < 0,001 para todos os critérios). Conclusões: Nesta amostra, pacientes com ACO relataram asma prévia com maior frequência e possuíam pior função pulmonar quando comparados a pacientes com DPOC. O critério ATS Roundtable aparenta ser o mais criterioso em sua definição, enquanto os critérios PLATINO e Espanhol apresentaram maior concordância entre si.

Palavras-chave: Asma/diagnóstico; Doença pulmonar obstrutiva crônica/diagnóstico; Síndrome de sobreposição da doença pulmonar obstrutiva crônica e asma/diagnóstico.

INTRODUÇÃO



A asma e a DPOC são doenças bem fundamentadas cientificamente e apresentam características particulares, permitindo sua distinção. Entretanto, pode ser difícil alcançar um diagnóstico preciso em pacientes com achados clínicos compatíveis com ambas. Diante disto, GINA e GOLD propuseram o termo asthma-COPD overlap (ACO, sobreposição asma-DPOC).(1,2) Resumidamente, a ACO pode ser descrita como uma condição em pacientes com asma e características de DPOC (especialmente, obstrução ao fluxo aéreo parcialmente reversível) ou uma condição em pacientes com DPOC e características de asma (resposta ao broncodilatador e hiper-responsividade brônquica).(3)



Estima-se que de 0,9% a 11,1% da população possa ser classificada como tendo ACO.(4) Contudo, o diagnóstico primário dessa doença ainda é inexistente, e esses pacientes normalmente são encontrados em grupos com asma ou DPOC.(5) Partindo desse princípio, estima-se que a prevalência de ACO em um grupo primariamente diagnosticado com DPOC varie de 4,2% a 68,7%. Essa variação justifica-se pela disponibilidade de diversos modelos de critérios para a classificação desse grupo de pacientes.(4,5)



Dentre os 35 estudos revisados por Uchida et al.,(4) a maioria definiu ACO como a combinação de asma e DPOC, utilizando fatores como histórico de asma, sintomas de tosse e sibilância, limitação ao fluxo aéreo, hiper-responsividade brônquica e resposta ao uso de broncodilatador. Os estudos, porém, diferem muito em relação às características usadas no diagnóstico e a forma como elas são empregadas.



Muitos dos estudos que buscaram avaliar como se comportam pacientes com ACO constataram que esses indivíduos apresentam sintomas mais graves, maior número de exacerbações e hospitalizações, pior qualidade de vida e pior prognóstico.(6-8) Essas características refletem-se em altos custos com saúde para esses sujeitos.(9)



Esses achados podem ser decorrentes da falta de informações concretas que norteiem a escolha terapêutica adequada para cada perfil de paciente. Uma vez que se identifique o comportamento clínico, o tratamento poderá ser personalizado, otimizando os desfechos tanto em relação à performance funcional quanto em relação à qualidade de vida. Diante disso, o presente estudo propôs avaliar a frequência de indivíduos com ACO em uma amostra primariamente diagnosticada com DPOC e comparar, do ponto de vista clínico, laboratorial e funcional, pacientes com ACO e com DPOC.



MÉTODOS



Realizou-se um estudo observacional e transversal com o objetivo de avaliar a frequência de indivíduos com ACO em uma amostra primariamente diagnosticada com DPOC, e compará-los do ponto de vista clínico, laboratorial e funcional, aninhado ao Follow-COPD Cohort Study, em andamento no Núcleo de Pesquisa em Asma e Inflamações das Vias Aéreas do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, localizado em Florianópolis (SC). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (CAAE no. 85662718.5.0000.0121).



A amostra, composta por participantes do Follow-COPD Cohort Study, foi selecionada de maneira intencional e não probabilística. Os critérios de inclusão adotados no estudo citado foram os seguintes: diagnóstico de DPOC; tabagismo prévio ou vigente; estabilidade clínica há pelo menos um mês; tratamento médico adequado há no mínimo um mês; e concordância em participar da pesquisa, mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Os critérios de exclusão adotados foram presença de comorbidades oncológicas, cardiovasculares, neurológicas, musculoesqueléticas, reumatológicas ou cognitivas clinicamente significativas e que limitassem a compreensão e a adesão do paciente aos métodos de avaliação propostos.



Os pacientes foram submetidos a uma consulta com pneumologista, em que foram coletados dados sociodemográficos e clínicos. Também se solicitou exame sanguíneo para eosinófilos periféricos e IgE. A solicitação dos exames sanguíneos foi encaminhada a unidades básicas de saúde para sua realização em laboratórios terceirizados, credenciados pelo Sistema Único de Saúde.



O diagnóstico de DPOC foi estabelecido de acordo com os critérios GOLD,(2) que correspondem à presença de sintomas (dispneia, tosse crônica e produção de secreção), exposição a fatores de risco e relação VEF1/CVF < 0,70 após o uso de broncodilatador na espirometria, realizada com o espirômetro Koko Sx 1000 (PDS Instrumentation Inc., Louisville, CO, EUA). Também foram aplicados os instrumentos COPD Assessment Test e escala de dispneia do Medical Research Council modificada, os quais, juntamente com o histórico de exacerbações e hospitalizações, foram utilizados para a classificação de risco e sintomas.(2)



Para o diagnóstico de ACO, foram utilizados três critérios. O primeiro, definido pelo Projeto Latino-Americano de Investigação em Obstrução Pulmonar (PLATINO),(6) classifica DPOC como a relação VEF1/CVF < 0,70 pós-broncodilatador; asma é classificada como o relato de sibilância nos últimos 12 meses e resposta de VEF1 ou CVF ao broncodilatador (≥ 200 mL e ≥ 12%), mas o relato de diagnóstico prévio de asma também pode ser utilizado; e ACO é definido como a combinação dos critérios de DPOC e asma. O segundo critério, estabelecido na conferência da American Thoracic Society (ATS) Roundtable,(10) inclui seis características, das quais são exigidas todas as principais e ao menos uma secundária para diagnosticar ACO. As características principais correspondem a limitação permanente ao fluxo aéreo (VEF1/CVF < 0,70 pós-broncodilatador) em pessoas com idade acima de 40 anos, carga tabágica ≥ 10 maços-ano e histórico de asma anterior aos 40 anos de idade ou resposta de VEF1 ao broncodilatador (> 400 mL). As características secundárias compreendem histórico de atopia ou rinite alérgica, resposta de VEF1 ao broncodilatador (≥ 200 mL e ≥ 12%) em dois momentos distintos e contagem de eosinófilos em sangue periférico ≥ 300 células/mm3. O terceiro critério, estabelecido por Cosio et al.(11) e nomeado de critério Espanhol, parte do diagnóstico prévio de DPOC (idade > 40 anos, VEF1/CVF < 0,7 pós-broncodilatador e exposição ao tabaco) e abrange cinco características - duas primárias e três secundárias, das quais são exigidas pelo menos uma primária ou duas secundárias para diagnosticar ACO. As características primárias são história de asma prévia e resposta de VEF1 ao broncodilatador (≥ 400 mL e ≥ 15%), enquanto as secundárias compreendem IgE >100 kU/L, histórico de atopia, resposta de VEF1 ao broncodilatador (≥ 200 mL e ≥ 12%) em dois momentos e contagem de eosinófilos sanguíneos > 5%.



Os pacientes foram orientados a registrar os valores de PFE durante 30 dias nos períodos matutino e noturno por intermédio de um medidor portátil de PFE (Medicate; Dorja, Itu, Brasil). Foram utilizados os maiores valores matutinos e noturnos de 7 dias consecutivos de preenchimento adequado do diário. A variação diária do PFE (ΔPFE) é a diferença entre o maior valor matutino e o maior volume noturno, enquanto o percentual de variação do PFE é calculado dividindo o ΔPFE pelo maior valor diário e multiplicando por 100.



Análise estatística



As variáveis contínuas foram apresentadas como médias e desvios-padrão e as variáveis categóricas, como frequências absolutas e relativas. A associação entre as variáveis nominais foi analisada por intermédio do teste do qui-quadrado e a comparação de médias entre os grupos pelo teste t de Student. O coeficiente kappa foi utilizado para analisar a concordância entre os diferentes critérios de diagnóstico de ACO. Valores de p < 0,05 foram considerados significantes. Os dados foram analisados por meio do pacote estatístico IBM SPSS Statistics, versão 22.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA).



RESULTADOS



Foram analisados todos os 51 pacientes que participaram do Follow-COPD Cohort Study no período entre janeiro de 2018 e julho de 2019. Dentre os participantes, 27 (52,9%) eram homens, 27 (52,9%) apresentaram ao menos uma exacerbação da DPOC no último ano, e 6 (11,8%) foram hospitalizados no ano anterior. Demais características da amostra são descritas na Tabela 1.



 








A limitação ao fluxo aéreo foi classificada como leve (grau 1), em 3 pacientes (5,9%); moderada (grau 2), em 18 (35,3%); grave (grau 3), em 19 (37,3%); e muito grave (grau 4), em 11 (21,6%). Quanto à classificação de risco e sintomas, 13 pacientes (25,0%) foram alocados no grupo A, 17 (33,3%) no grupo B e 21 (41,2%) no grupo D, não havendo nenhum paciente no grupo C.



Todos os 51 participantes foram avaliados pelo critério PLATINO, 49 deles foram avaliados pelo critério ATS Roundtable, e apenas 45 foram avaliados pelo critério Espanhol, pois 2 pacientes não apresentaram o exame de eosinófilos e 4 não apresentaram o exame de IgE. Nessa amostra de pacientes com DPOC, a frequência de ACO foi de 27,5% (n = 14), 12,2% (n = 6) e 40,0% (n = 18) conforme os critérios PLATINO, ATS Roundtable e Espanhol, respectivamente.



No que diz respeito a características clínicas, pacientes com ACO, independentemente do critério utilizado, relataram asma prévia mais frequentemente que pacientes com DPOC (Tabela 2). Além disso, pacientes com ACO apresentaram resposta ao broncodilatador em dois momentos distintos com maior frequência que pacientes com DPOC. Conforme o critério Espanhol, pacientes com ACO apresentaram elevação de IgE mais frequentemente, além de maiores valores de IgE (Tabela 3) do que pacientes com DPOC.



 






 



 








Já em relação aos achados espirométricos, não houve diferenças entre os grupos quando avaliados pelo critério Espanhol, mas sim quando avaliados pelos critérios PLATINO e ATS Roundtable. Usando o critério PLATINO, foram encontradas diferenças entre os grupos nos valores de CVF (em L) pré-broncodilatador e pós-broncodilatador e de VEF1 (em L) pré-broncodilatador. Utilizando o critério ATS Roundtable, também foram encontradas diferenças entre os grupos nos valores de CVF (em L) pré-broncodilatador e de VEF1 (em L) pré-broncodilatador. A Tabela 4 descreve os achados espirométricos de pacientes com e sem ACO conforme os diferentes critérios.



 








Ao analisar a concordância entre os três diferentes critérios, encontrou-se que, entre os critérios PLATINO e ATS Roundtable e entre os critérios Espanhol e ATS Roundtable, houve concordância moderada no que diz respeito ao diagnóstico de pacientes com ACO, enquanto houve concordância forte entre os critérios PLATINO e Espanhol. A Tabela 5 apresenta a análise de concordância entre os diferentes critérios diagnósticos de ACO.



 








DISCUSSÃO



No presente estudo, ao aplicar o critério PLATINO em uma coorte de pacientes com DPOC, a frequência de ACO foi de 27,5%. Pacientes com ACO apresentaram pior CVF pré- e pós-broncodilatador e pior VEF1 pré-broncodilatador quando comparados a pacientes com DPOC. Além disso, o histórico de asma foi mais frequente naqueles com ACO que naqueles com DPOC.



Ao utilizarem o critério PLATINO em pacientes inicialmente diagnosticados com DPOC, Jo et al.(5) relataram a presença de ACO em 48,3% dos participantes, enquanto nos estudos de Mendy et al.(12) e Menezes et al.(6) a frequência de ACO foi de 12,6% e 12,4%, respectivamente. A discrepância entre os estudos pode ser explicada em parte por características metodológicas. Estudos de base populacional,(6,12) ao incluir sujeitos com e sem problemas respiratórios, podem levar à redução da frequência de ACO em relação a estudos que incluem exclusivamente indivíduos com DPOC. Estudos que incluem apenas pacientes com DPOC,(5) por sua vez, estão sujeitos ao subdiagnóstico da enfermidade e, dessa forma, tendem a incluir pacientes com mais sintomas e maior limitação ao fluxo aéreo,(13,14) entre eles, pacientes com ACO.



Do ponto de vista funcional, pacientes com ACO apresentaram pior função pulmonar que pacientes com DPOC, quando classificados pelos critérios PLATINO e ATS Roundtable. Esse perfil já foi apresentado em diversos estudos utilizando diferentes critérios de diagnóstico: redução de VEF1 (valores absolutos e relativos), CVF (valores absolutos e relativos) e relação VEF1/CVF quando comparados a pacientes com DPOC,(6,12,15-17) bem como quando comparados a pacientes asmáticos.(12,18) Contrariamente, dois estudos utilizando diferentes critérios de diagnóstico, relataram melhor função pulmonar em pacientes com ACO. Kauppi et al.(7) relataram que a CVF (em % do valor predito) pré-broncodilatador e pós-broncodilatador e o VEF1 (em % do predito) pós-broncodilatador foram maiores no grupo com ACO quando comparado ao grupo com DPOC, mas foram menores em todos os aspectos quando comparado ao grupo com asma. No estudo de Cosentino et al.,(19) a relação VEF1/CVF também foi maior no grupo com ACO.



A resposta ao broncodilatador, mesmo sendo um consenso entre os diferentes critérios diagnósticos,(6,10,11) ainda é fator de debate e divergência entre pesquisadores.(20-22) Essa divergência baseia-se no fato de que a resposta positiva ao broncodilatador é frequentemente encontrada em pacientes com DPOC(23) e que esse é um achado inconstante, podendo variar entre duas ou mais espirometrias.(24) Essas declarações corroboram resultados do presente estudo, no qual, apenas quando usado o critério ATS Roundtable, encontraram-se diferenças entre os grupos ACO e DPOC no quesito resposta ao broncodilatador em duas ou mais espirometrias. Portanto, a resposta ao broncodilatador não deveria ser utilizada como um fator único para o diagnóstico de ACO, mas sim em associação a outras características.(25) Além da resposta ao broncodilatador, o relato de asma prévia e os níveis sanguíneos de eosinófilos e IgE são características comumente citadas pelos critérios de diagnóstico para ACO.(6,10,11)



Pacientes com ACO apresentam relato de asma prévia mais frequentemente que pacientes com DPOC, independentemente do critério utilizado. Isso é facilmente explicado pelo fato de todos os critérios usarem essa característica como um fator primordial para o diagnóstico de ACO. O estudo de Barrecheguren et al.(26) demonstrou que pacientes com DPOC e diagnosticados com ACO utilizando-se apenas o relato de asma prévia apresentaram características semelhantes aos diagnosticados com ACO usando-se o critério Espanhol. O mesmo foi encontrado em um estudo que concluiu que a adição de outras características ao histórico de asma não difere no diagnóstico de ACO. (27) Dessa forma, além da presença do diagnóstico de DPOC (relação VEF1/CVF < 0,7), o relato de asma prévia é descrito como característica importante na identificação de pacientes com ACO.



Uma característica comum da asma é ΔPFE, avaliada por meio do medidor de PFE, instrumento importante para o manejo da doença.(1) Entretanto, esse instrumento também tem se mostrado um aliado de pacientes com DPOC na monitorização e prevenção de exacerbações.(28) Diante disso, alguns estudos utilizaram ΔPFE como uma característica da asma na identificação de ACO(4,25) e, inclusive, já se demonstrou em um estudo de base populacional que pacientes com ACO apresentam PFE inferior àqueles com asma ou DPOC.(12) Contudo, não foram observadas diferenças entre os grupos no presente estudo.



Não foram encontradas diferenças na contagem de eosinófilos em sangue periférico entre pacientes com ACO e DPOC em nosso estudo. Entretanto, recentes estudos destacam a relação entre elevados níveis de eosinófilos sanguíneos e características relacionadas à asma, como aumento da resposta ao broncodilatador e ao tratamento com corticoides inalatórios.(21) Por isso, a contagem de eosinófilos sanguíneos em pacientes com DPOC vem sendo sugerida como um indicativo de ACO,(22) bem como uma preditora da resposta ao tratamento.(29)



Apesar de não fornecer informações referentes à etiologia atópica como a IgE específica, a IgE total parece se relacionar à atopia na asma(30) e, por esse motivo, é incluída em alguns critérios para o diagnóstico de ACO.(4) No presente estudo, encontrou-se diferença entre pacientes com ACO e DPOC apenas utilizando o critério Espanhol, assim como no estudo de Jo et al.(5) Entretanto, esse é o único critério que utiliza IgE como característica para o diagnóstico de ACO, o que pode gerar debate sobre a veracidade desse achado e sobre o papel do nível de IgE no diagnóstico de ACO.



Como esperado, ao utilizar diferentes critérios, foram encontradas diferentes frequências. Esse achado já foi abordado em outros estudos(5,31) que, ao aplicarem o critério ATS Roundtable em pacientes com DPOC, diagnosticaram 1,9-11,9% dos participantes com ACO, enquanto, ao aplicar o critério Espanhol, 31,3-47,7% desses receberam esse diagnóstico. Isso ratifica os achados apresentados no presente estudo: o critério ATS Roundtable mostrou-se mais rigoroso que os critérios Espanhol e PLATINO na discriminação entre DPOC e ACO.



Dentre os três critérios analisados no presente estudo, o PLATINO aparenta ser o mais simples e, portanto, mais viável para sua aplicação em estudos epidemiológicos e na prática clínica, visto que necessita de apenas duas características para o diagnóstico de ACO. A necessidade de no mínimo duas avaliações de resposta ao broncodilatador e de realização de exames laboratoriais torna a aplicação dos critérios Espanhol e ATS Roundtable mais complexa. Entretanto, a espirometria e a quantificação sanguínea de eosinófilos e IgE total são padronizadas e acessíveis, além de serem recomendadas pela GOLD (respectivamente para o seguimento da função pulmonar e para a estimativa da eficácia de tratamentos e predição de exacerbações),(2) possibilitando a aplicação dos critérios Espanhol e ATS Roundtable na prática clínica. Além disso, apesar de o critério Espanhol se assemelhar em formato ao critério ATS Roundtable, ele mostrou-se mais concordante com o critério PLATINO, o que leva a questionar se o critério ATS Roundtable impõe condições demasiadamente restritas para o diagnóstico de ACO. Por outro lado, ao analisar as condições impostas pelos critérios PLATINO e Espanhol, nota-se que as características do primeiro estão inclusas no segundo, ou seja, pacientes com diagnóstico de DPOC conforme a GOLD(2) e histórico de asma, resultando em forte concordância entres esses dois critérios.



O presente estudo apresenta algumas limitações. A amostra por conveniência, de tamanho reduzido, composta por pacientes acompanhados em um ambulatório de hospital público e inicialmente diagnosticados com DPOC prejudica a generalização dos dados, podendo também interferir nos achados e até mesmo na frequência de ACO. Portanto, são necessários futuros estudos para a validação externa desses achados. O autorrelato de asma prévia está sujeito à subjetividade dos pacientes, mesmo sendo uma variável amplamente aceita e válida em estudos. Em relação aos achados laboratoriais, houve ausência de dados referentes aos níveis de eosinófilos e IgE de alguns pacientes, o que pode ter afetado não só a aplicação dos critérios diagnósticos mas também as comparações entre os grupos. A medição do PFE, apesar de orientada, ficou sujeita a erros de preenchimento do diário e subjetividade dos pacientes.



Conclui-se, dessa forma, que a frequência de ACO na coorte de pacientes com DPOC estudada foi de 27,5%. Os pacientes com ACO relataram asma prévia com maior frequência e apresentaram pior função pulmonar quando comparados aos pacientes com DPOC. Dentre os critérios diagnósticos utilizados, o ATS Roundtable parece ser o mais criterioso, enquanto os critérios Espanhol e PLATINO apresentaram maior concordância entre si.



Futuros estudos devem ser realizados com o intuito de avaliar a importância, assim como valores de especificidade e sensibilidade, das diferentes características que compõem os critérios de diagnóstico de ACO. Além disso, devem ser considerados estudos longitudinais que acompanhem a evolução de pacientes com ACO do ponto de vista clínico, laboratorial e funcional, além de desfechos importantes, como hospitalizações e mortalidade.



REFERÊNCIAS



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