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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Tuberculose no Brasil: um país, múltiplas realidades

Tuberculosis in Brazil: one country, multiple realities

Andreza Oliveira Cortez1a, Angelita Cristine de Melo1,2a, Leonardo de Oliveira Neves3a, Karina Aparecida Resende2a, Paulo Camargos1a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200119

ABSTRACT

Objective: To identify the determinants of tuberculosis-related variables in the various regions of Brazil and evaluate trends in those variables over the ten-year period preceding the end of the timeframe defined for the United Nations Millennium Development Goals (MDGs). Methods: This was an ecological analytical study in which we utilized eight national public databases to investigate the 716,971 new tuberculosis cases reported between 2006 and 2015. Results: Over the study period, there were slight reductions in the prevalence, incidence, and mortality associated with tuberculosis. Brazil did not reach the MDG for tuberculosis-related mortality. Among the performance indicators of tuberculosis control, there were improvements only in those related to treatment and treatment abandonment. In terms of the magnitude of tuberculosis, substantial regional differences were observed. The tuberculosis incidence rate was highest in the northern region, as were the annual mean temperature and relative air humidity. That region also had the second lowest human development index, primary health care (PHC) coverage, and number of hospitalizations for tuberculosis. The northeastern region had the highest PHC coverage, number of hospitalizations for primary care-sensitive conditions, and tuberculosis-related mortality rate. The southern region showed the smallest reductions in epidemiological indicators, together with the greatest increases in the frequency of treatment abandonment and retreatment. The central-west region showed the lowest overall magnitude of tuberculosis and better monitoring indicators. Conclusions: The situation related to tuberculosis differs among the five regions of Brazil. Those differences can make it difficult to control the disease in the country and could explain the fact that Brazil failed to reach the MDG for tuberculosis-related mortality. Tuberculosis control measures should be adapted to account for regional differences.

Keywords: Tuberculosis/epidemiology; Tuberculosis, pulmonary/epidemiology; Health status indicators; Social determinants of health; Healthcare disparities.

RESUMO

Objetivo: Identificar os determinantes das variáveis da tuberculose nas diversas regiões do Brasil e avaliar as tendências dessas variáveis ao longo dos dez anos anteriores ao término do prazo definido para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) das Nações Unidas. Métodos: Estudo analítico ecológico no qual utilizamos oito bancos de dados públicos nacionais para investigar os 716.971 casos novos de tuberculose notificados entre 2006 e 2015. Resultados: Durante o período estudado, houve ligeiras reduções na prevalência, incidência e mortalidade associadas à tuberculose. O Brasil não atingiu o ODM de mortalidade por tuberculose. Entre os indicadores de desempenho no controle da tuberculose, houve melhora apenas naqueles relacionados a tratamento e abandono de tratamento. Em termos da magnitude da tuberculose, foram observadas diferenças regionais substanciais. A taxa de incidência de tuberculose foi maior na região Norte, assim como a temperatura média anual e a umidade relativa do ar. Essa região também apresentou a segunda menor média do índice de desenvolvimento humano, a menor cobertura de atenção primária à saúde (APS) e o menor número de hospitalizações por tuberculose. A região Nordeste apresentou a maior cobertura de APS, o maior número de hospitalizações por condições sensíveis à atenção primária e a maior taxa de mortalidade por tuberculose. A região Sul apresentou as menores reduções nos indicadores epidemiológicos, juntamente com os maiores aumentos na frequência de abandono de tratamento e de retratamento. A região Centro-Oeste apresentou a menor magnitude geral de tuberculose e melhores indicadores de monitoramento. Conclusões: A situação da tuberculose difere entre as cinco regiões do Brasil. Essas diferenças podem dificultar o controle da doença no país e podem explicar o fato de o Brasil não ter atingido o ODM de mortalidade por tuberculose. As medidas de controle da tuberculose devem ser adaptadas para dar conta das diferenças regionais.

Palavras-chave: Tuberculose/epidemiologia; Tuberculose pulmonar/epidemiologia; Indicadores básicos de saúde; Determinantes sociais da saúde; Disparidades em assistência à saúde.

INTRODUÇÃO







Em 1993, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a tuberculose como uma epidemia global. (1,2) Apesar do progresso notável, a tuberculose ainda é um problema de saúde pública que continua sendo uma das doenças transmissíveis mais letais do mundo.(3) O Brasil ocupa a 20ª posição mundial em incidência de tuberculose.(2) A OMS relatou que o Brasil se encontra entre os 22 países onde a carga de tuberculose é alta, e, portanto, o foco é reduzir a incidência de tuberculose no país.(4) Com base nesses dados, o combate à tuberculose tornou-se um dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) das Nações Unidas, com meta de redução de 50% nas taxas de incidência, prevalência e mortalidade associadas à doença até 2015 (em relação às taxas relatadas para 1990).







O Brasil cobre aproximadamente 50% da América do Sul e é subdividido em cinco regiões administrativas/geográficas (regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste). Essas cinco regiões apresentam diferentes padrões climáticos, características socioeconômicas, dinâmicas políticas e estruturas administrativas.(5) Embora a organização dos serviços de saúde também seja substancialmente diferente entre as regiões, a maioria (71%) da população depende dos serviços públicos de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde. O sistema de atenção primária à saúde (APS) é muitas vezes o primeiro ponto de contato para as pessoas que interagem com o sistema de saúde.(6)







Os cuidados prestados aos pacientes com suspeita de tuberculose, àqueles com diagnóstico confirmado de tuberculose e aos contatos dos pacientes com tuberculose influenciam a carga e os níveis de controle da doença, assim como a morbidade e mortalidade associadas à doença.(7) Portanto, as taxas de abandono de tratamento e de retratamento, assim como outros indicadores importantes, são avaliadas como parte das estratégias de controle da tuberculose, sendo que essas estratégias incluem baciloscopia de escarro (para o diagnóstico e durante o tratamento até a confirmação da cura clínica e bacteriológica), directly observed therapy (DOT, terapia diretamente observada) e baciloscopia/cultura de escarro imediata em todos os casos de retratamento.







A diminuição na incidência de tuberculose tem sido lenta(3) e varia consideravelmente entre os países em razão de diferenças no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), aspectos socioculturais, estrutura política, organização dos serviços de saúde e implementação de programas nacionais de controle da tuberculose (PNCT).(8) Não obstante, uma abordagem multifatorial é importante para fortalecer as estratégias de enfrentamento da epidemia de tuberculose. Embora estudos epidemiológicos tenham avaliado e relatado resultados relacionados à dinâmica da tuberculose em nível nacional,(9) até o momento, não há estudos que tenham utilizado uma abordagem multifatorial para abordar essa questão em longo prazo.







O objetivo deste estudo foi contribuir para o conjunto de evidências disponíveis na literatura sobre a tuberculose por meio da coleta de informações não publicadas contidas em diversos bancos de dados nacionais no Brasil. Combinamos muitas variáveis de diferentes contextos em um único estudo para fornecer uma visão ampliada dos muitos determinantes da carga de tuberculose no Brasil. Além disso, avaliamos as tendências epidemiológicas ao longo dos dez anos anteriores ao término do prazo proposto pela OMS para que os ODM fossem alcançados e tentamos determinar se o Brasil cumpriu as metas propostas.







MÉTODOS







Este estudo ecológico reuniu oito bancos de dados de domínio público para analisar os casos novos de tuberculose registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação entre 2006 e 2015.(10) Os dados foram coletados dos bancos de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) do Ministério da Saúde,(10) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(11) e do Instituto Nacional de Meteorologia.(12)







Os bancos de dados do DATASUS utilizados foram os do Sistema de Informação de Agravos de Notificação da Tuberculose,(10) da Sala de Apoio à Gestão Estratégica,(1) da Lista de Indicadores e Objetivos de Saúde,(13) do Programa Nacional de Imunização,(14) do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde(15) e do Serviço de Informação Hospitalar.(16) Todas as variáveis, incluindo descrições detalhadas e as fórmulas utilizadas para os cálculos, juntamente com observações e fontes de informação relevantes, são apresentadas na Tabela 1. As análises foram realizadas no Microsoft Excel e também por meio de plotagens gráficas. Não foi necessário obter a aprovação de nenhum comitê de ética em pesquisa, pois pesquisas que utilizam informações de domínio público não são avaliadas no sistema da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.







 












RESULTADOS







Durante o período de 10 anos estudado, foram notificados 716.971 casos de tuberculose no Brasil (sendo os registros classificados como casos novos, casos de recidiva, casos de retratamento após abandono de tratamento, casos não classificados, casos de transferência ou casos notificados post-mortem). Se forem considerados apenas os casos classificados como novos, o número médio anual de casos foi de 85.721. A Tabela 2 mostra diversos aspectos da epidemia de tuberculose em relação à organização dos serviços de saúde, sociais, econômicos e ambientais nas cinco regiões do país. As Figuras 1 a 4, que analisam as tendências da epidemia, também mostram claramente que as diferenças de dinâmica entre as regiões influenciaram essas tendências.







 












 







 












 







 












 







 












 







 












O Brasil não atingiu o ODM relacionado à mortalidade por tuberculose. Foram observadas diferenças substanciais entre as regiões, e diferenças regionais devem ser levadas em consideração quando medidas de controle da tuberculose estão sendo planejadas. Durante o período estudado, houve uma ligeira redução na prevalência de tuberculose no Brasil como um todo (de 46,1% em 2006 para 39,9% em 2015), sendo a redução maior (de 48,1% para 37,4%) na região Nordeste e a menor (de 37,5% para 36,4%) na região Sul. A incidência de tuberculose também diminuiu ligeiramente no Brasil como um todo (de 38,6 casos/100.000 habitantes em 2006 para 33,1 casos/100.000 habitantes em 2015), sendo a diminuição maior (de 45,8 para 38,8 casos/100.000 habitantes) na região Norte e a menor (de 23,9 para 21,3 casos/100.000 habitantes) na região Centro-Oeste. Além disso, houve uma ligeira redução na taxa de mortalidade por tuberculose no Brasil como um todo (de 2,5 óbitos/100.000 habitantes em 2006 para 2,2 óbitos/100.000 habitantes em 2015), sendo a redução maior (de 3,1 para 2,6 óbitos/100.000 habitantes) na região Nordeste e a menor (de 1,5 para 1,4 óbitos/100.000 habitantes) na região Centro-Oeste (Figura 1).







In 2006, 2007 e 2008 (antes da inclusão do etambutol no esquema de tratamento da tuberculose no Brasil), as taxas nacionais de mortalidade por tuberculose (óbitos por 100.000 habitantes) foram de 2,58, 2,57 e 2,57, respectivamente (média: 2,573 ± 0,004). A taxa nacional de mortalidade por tuberculose foi de 2,5 em 2009 (primeiro ano de uso do etambutol), e, a partir de então, houve ligeiras reduções. E 2010, 2011, 2012 e 2013, a taxa nacional de mortalidade por tuberculose (variação anual) foi de 2,44 (0,06%), 2,37 (0,07%), 2,27 (−0,10%) e 2,29 (+0,02%), respectivamente. Essa taxa foi menor em 2014 e 2015 (2,20 para ambos), correspondendo a uma redução de 0,3% em relação à taxa de 2009 (2,345). Conforme ilustrado na Figura 1, também houve reduções na incidência e prevalência de tuberculose nos anos após a inclusão do etambutol. No entanto, não houve mudanças significativas entre 2010 e 2014 em termos da proporção de pacientes com tuberculose que abandonaram o tratamento, embora essa proporção tenha sido menor em 2015 (Figura 2).







A Tabela 2 mostra as características sociodemográficas, climáticas e de cuidados em saúde das cinco regiões do Brasil. A região Norte do país apresentou a maior média anual de temperatura (28°C) e de umidade relativa (81,5%), assim como a segunda menor média de IDH (0,701), a menor média de cobertura de APS (59,5%) e a menor média anual de hospitalizações por tuberculose (11,3). A região Nordeste apresentou a maior média de cobertura de APS (75,2%), a maior média anual de hospitalizações por tuberculose (17,0) e a maior taxa média de mortalidade por tuberculose (2,9 óbitos/100.000 habitantes). A densidade populacional média foi maior (89,4 habitantes/km2) na região Sudeste. Constatamos que as reduções nos indicadores de incidência foram menores na região Sul. Nessa região, a redução na incidência de tuberculose foi de 5,46 casos/100.000 habitantes contra 23,86 casos/100.000 habitantes (o maior valor) na região Nordeste, e a redução na incidência de tuberculose pulmonar com baciloscopia positiva foi de 10,97 casos/100.000 habitantes contra 28,60 casos/100.000 habitantes (também o maior valor) na região Nordeste. A região Sul também apresentou a menor diminuição na frequência de abandono de tratamento/retratamento (de 8,7% para 7,8%), como se pode observar na Figura 2. As taxas de incidência e de mortalidade foram menores (23,1 casos/100.000 habitantes e 1,5 óbitos/100,000 habitantes, respectivamente) na região Centro-Oeste.







No Brasil como um todo, as taxas médias de uso de DOT e de abandono de tratamento foram de 36,7% e 11,4%, respectivamente, e taxas semelhantes foram observadas em todas as regiões. Na maioria dos anos, a frequência de retratamento foi maior na região Sul. Entre 2006 e 2009, houve uma tendência temporária de diminuição na frequência de retratamento na região Sudeste, embora essa tendência não tenha ocorrido em nenhuma das outras regiões. Todas as regiões apresentaram tendências de aumento na proporção de pacientes que realizaram cultura de escarro, sendo esse aumento maior (média: 214,2%) na região Sudeste, especialmente em 2014 e 2015 (Figura 2).







Um dos principais métodos de prevenção da tuberculose, coordenado pela APS, é a imunização com a vacina BCG, a qual apresentou uma ligeira tendência de diminuição no país, mas manteve-se próxima a 100,0%. Os dados coletados mostraram uma tendência de melhora nos indicadores relacionados a profissionais de saúde (exceto farmacêuticos), cobertura de APS e hospitalizações por condições sensíveis à atenção primária (CSAP). Durante o período estudado, a cobertura de APS, a densidade de médicos e a densidade de enfermeiros aumentaram 12,7%, 24,8% e 84,9%, respectivamente, enquanto o número de hospitalizações diminuiu 14,5% e a densidade de farmacêuticos diminuiu 21,4% (Figura 3).







De 2006 a 2015, houve uma tendência de aumento no número de hospitalizações para tratamento da tuberculose, embora a taxa de mortalidade hospitalar por tuberculose tenha permanecido estável. O tempo médio de internação hospitalar foi de 23,3 dias, e houve uma evidente redução nos custos de hospitalização a partir de 2011 (Figura 4). A frequência média de hospitalização para tratamento da tuberculose foi menor na região Norte, assim como o tempo médio de internação hospitalar e o custo total médio da hospitalização. Dos pacientes com tuberculose ativa, 14,0% foram internados em hospital para tratamento, gerando um custo médio de US$ 38,40 por dia (Figura 4).







DISCUSSÃO







Até onde sabemos, nenhum estudo anterior incluiu todas as variáveis avaliadas no presente estudo, estratificou os achados por região e analisou as tendências de longo prazo no Brasil. Embora a OMS tenha relatado que todos os ODM relacionados à tuberculose foram alcançados,(4) nossos achados mostram que o Brasil não atingiu o objetivo da taxa de mortalidade. A única região do país que alcançou o objetivo de reduzir a taxa de mortalidade por tuberculose em 50,0% em relação à taxa de 1990, conforme proposto nos ODM, foi a região Sudeste, onde ela foi reduzida de 4,6 para 2,3 óbitos/100.000 habitantes.







Além da diversidade climática e socioeconômica, observamos diferenças substanciais entre as regiões do Brasil em termos da magnitude da tuberculose e de indicadores gerais do desempenho da APS, assim como em termos de custo da tuberculose, do controle da tuberculose e de indicadores específicos, como o número de hospitalizações por tuberculose. Em 2015, o Brasil foi classificado como um país com alto nível de desenvolvimento humano geral, ocupando a 79ª posição no ranking mundial de países pelo IDH,(17) embora esse nível tenha sido classificado como baixo nas regiões Norte e Nordeste. O IDH foi maior nas regiões Sul e Centro-Oeste, onde a incidência e a mortalidade associadas à tuberculose foram menores. Um estudo, o qual analisou dados de 165 países para o período 2005-2011, identificou uma associação significativa entre o IDH e a morbidade por tuberculose.(18) Outro estudo, o qual utilizou dados dos 22 países com maior carga de tuberculose, detectou uma correlação inversa significativa entre o IDH e a incidência de tuberculose, mostrando que o aumento de um ponto no IDH faz com que a incidência diminua 11,0% (IC95%: 2,03-19,06).(19)







A heterogeneidade demográfica pode ser outro fator que influencia a incidência e a mortalidade associadas à tuberculose no Brasil, onde a densidade populacional é alta em algumas regiões e baixa em outras. A transmissão da tuberculose está associada à aglomeração, como a observada nas áreas metropolitanas do Brasil,(20) sendo que a região com a segunda maior taxa de incidência de tuberculose é a região Sudeste, que é a região mais populosa do país. Um estudo realizado em 36 províncias turcas (avaliando um total coletivo de 43.560.619 habitantes) demonstrou uma correlação positiva entre a densidade populacional e a incidência de tuberculose, sendo a densidade considerada um preditor independente da incidência.(8)







No presente estudo, mostramos que as taxas de abandono de tratamento no Brasil diminuíram a partir de 2012. No entanto, também constatamos que a taxa anual de retratamento no país aumentou, especialmente a partir de 2009, atingindo 15,9% em 2015, superior aos 12,0 % relatados para o Marrocos,(21) embora a carga de tuberculose seja maior no Brasil. Na região Sul do Brasil, observamos um aumento considerável na taxa de abandono de tratamento e uma maior taxa de retratamento. Um estudo local realizado no estado do Rio Grande do Sul (o quinto estado mais populoso do país) revelou grandes falhas no Programa Estadual de Controle da Tuberculose do Rio Grande do Sul.(22)







Embora o uso de DOT tenha aumentado no Brasil, até 2012 ele ainda estava abaixo do objetivo de 100% que a OMS esperava ter sido alcançado no mundo todo até 2010.(23) Na China, apenas 13,9% da população era coberta pela estratégia DOT em 2012.(24) Na Etiópia, a cobertura era melhor, sendo 70,0% da população coberta por DOT em 2011.(25) Os desafios para melhorar a cobertura de DOT incluem barreiras financeiras e logísticas para o acesso a cuidados de saúde,(26) assim como o necessário comprometimento duradouro de recursos humanos,(26,27) a necessidade de uma abordagem mista público-privada e a necessidade de conscientização profissional da importância da estratégia DOT em todos os pacientes com tuberculose (não apenas naqueles com baciloscopia positiva).(28)







O PNCT brasileiro recomenda que as medidas de controle da tuberculose, incluindo o diagnóstico e o acompanhamento do tratamento, sejam descentralizadas.(29) No entanto, a ampliação das ações para enfrentamento da tuberculose nas unidades de APS e descentralização das medidas de controle continua sendo um desafio no Brasil,(30) onde os níveis heterogêneos de organização, em razão de diferentes condições administrativas regionais, impedem o processo de descentralização.(31) Portanto, o PNCT opera em diferentes formatos em muitas áreas das cinco regiões e há relatos de dificuldades em realizar o manejo oportuno de casos.(32)







Grande parte da população brasileira depende dos serviços públicos de saúde,(6) e o sistema de APS é a porta de entrada para esses serviços. Portanto, o nível de cobertura de APS da população representa um marcador importante de acesso aos serviços de saúde no país. Em 2015, a cobertura de APS no Brasil foi de 73,0%, correspondendo a um aumento de 12,7% em comparação à de 2006.







Entre as cinco regiões examinadas, a cobertura de APS foi menor na região Norte, que também apresentou as menores concentrações de médicos e enfermeiros, potencialmente atrasando o diagnóstico e a avaliação dos contatos de casos de tuberculose, favorecendo assim a manutenção da cadeia de transmissão e provavelmente explicando nosso achado de que as taxas de incidência foram maiores nessa região. Além disso, a combinação de um maior número de pacientes com tuberculose pulmonar com baciloscopia positiva, altas taxas de abandono de tratamento e altas taxas de retratamento também afeta a taxa de possíveis transmissões, o que pode explicar as maiores taxas de incidência e mortalidade na região. Além do mais, outras doenças infecciosas são endêmicas na região Norte, e a experiência dos clínicos com essas outras doenças pode favorecer o diagnóstico local de tuberculose, o que pode ter aumentado a taxa de incidência de tuberculose na região.







Estratégias destinadas apenas a aumentar a cobertura de APS e a conscientização dos profissionais de saúde nem sempre produzem ações condizentes com as necessidades da população, e, portanto, é preciso seguir as recomendações traçadas nas diretrizes para tuberculose.(33) Postulamos que uma maior cobertura de APS não leva necessariamente a maiores impactos positivos na saúde, dadas as diferenças regionais em hospitalizações por CSAP. Regiões com cobertura de APS extremamente diferente exibem taxas igualmente altas de hospitalização por CSAP. A região Nordeste possui boa cobertura de APS, mas apresentou a menor ampliação da estratégia DOT, um alto número de hospitalizações por CSAP e maiores taxas de internações hospitalares e mortalidade por tuberculose. Diante desses achados, o problema da tuberculose na região Nordeste parece ser único, não apenas em termos das medidas específicas de controle da tuberculose necessárias, mas também em termos da qualidade e eficácia geral dos serviços de saúde. Um estudo anterior demonstrou que o sistema público de saúde na região Nordeste é ineficiente em razão da baixa densidade de profissionais de saúde e do baixo número de indivíduos que se graduam na área de saúde.(34)







A falha em diagnosticar e tratar a tuberculose com precisão e em tempo hábil mantém a cadeia de transmissão, aumentando assim o número de hospitalizações, os gastos com saúde e até as taxas de mortalidade. Além disso, a tuberculose afeta a força de trabalho ativa e pode, portanto, ter um impacto socioeconômico negativo.(26,35) As taxas de hospitalização por tuberculose são de 33,3% na China e de 66,5% na Espanha, substancialmente superiores à taxa no Brasil, e as hospitalizações são responsáveis por uma parcela significativa dos custos totais associados à doença.(36,37) No Brasil, as internações hospitalares por tuberculose são evitadas, sendo limitadas a situações especiais e a pacientes com complicações da doença. (29) Por outro lado, a hospitalização é uma medida de rotina durante a fase intensiva do tratamento da tuberculose em alguns países da Europa Oriental e da Ásia Central.







O maior tempo de internação hospitalar observado nas regiões Sul e Sudeste do Brasil pode ser explicado pela falta de recursos financeiros para infraestrutura, pelo desequilíbrio entre a densidade de prestadores de serviços de saúde e a da população e pela migração de habitantes de outras regiões.(34) A alta densidade populacional pode reduzir o número de leitos disponíveis, atrasando o início do tratamento adequado nos pacientes que necessitam de hospitalização, aumentando assim o tempo de internação hospitar, os custos de hospitalização e o risco de morte. No entanto, estudos que investigaram hospitalização por outras causas também mostraram que os custos de hospitalização são maiores na região Sul do que na região Norte, provavelmente por causa da menor complexidade tecnológica dos hospitais desta última.(38)







Um fator influente nas estimativas dos aspectos epidemiológicos da tuberculose é o tratamento farmacológico utilizado. Em 1979, o esquema básico de tratamento recomendado para casos novos no Brasil era dois meses de rifampicina, isoniazida e pirazinamida, seguidos de quatro meses de rifampicina e isoniazida. A inclusão do etambutol era recomendada para pacientes em retratamento e para aqueles com meningoencefalite, sendo a segunda fase do tratamento estendida para sete meses nessa fase. Os pacientes nos quais esses tratamentos falhavam eram tratados com um esquema de três meses de estreptomicina, pirazinamida, etionamida e etionamida, seguidos de nove meses de etambutol e etionamida. Nas décadas de 1980 e 1990, houve mudanças pontuais no tratamento empregado em casos de tuberculose resistente ao tratamento. O etambutol não foi adicionado ao esquema básico de tratamento para uso na fase de indução do tratamento (para pacientes ≥ 10 anos de idade) até 2009, mesmo ano em que foi introduzido o uso de comprimidos em dose fixa combinada.(39)







Os resultados do presente estudo mostram que houve ligeiras reduções nas taxas de incidência, prevalência e mortalidade associadas à tuberculose no Brasil. Essas reduções podem estar relacionadas, em parte, à introdução do etambutol e dos comprimidos em dose fixa combinada, que podem ter aumentado a adesão do paciente ao tratamento ao reduzir o risco de esquecimento.(40)







O Ministério da Saúde deve incentivar os pesquisadores da tuberculose a avaliar fatores relacionados ao grau de descentralização e às causas da não adesão às recomendações do PNCT, assim como diferenças nos motivos e na frequência das hospitalizações por tuberculose, juntamente com o tempo médio de internação hospitalar, os custos de hospitalização e a mortalidade hospitalar, a fim de obter um melhor entendimento das diferenças regionais no país. Recomendamos uma parceria entre o Ministério da Saúde e universidades ou grupos de pesquisa em tuberculose a fim de aumentar a validade dos estudos. Prevemos que esses estudos identificarão medidas específicas para melhorar o controle da tuberculose no Brasil.







Apesar de todas fazerem parte do mesmo país, as cinco regiões do Brasil apresentam distintos cenários de tuberculose. Diferenças regionais podem ter contribuído para dificuldades no controle da doença no país e para a falha em atingir o ODM de mortalidade por tuberculose. Essas diferenças devem ser levadas em consideração a fim de adaptar as medidas de controle da tuberculose a esses distintos cenários. Algumas variáveis que influenciam a dinâmica da tuberculose são intrínsecas e difíceis de contornar, enquanto outras, como os indicadores de desempenho das atividades propostas pelo PNCT e implementadas nas unidades de APS, podem e devem ser modificadas.







Investigações destinadas a explicar as diferenças operacionais dos PNCT podem contribuir para a melhora da situação da tuberculose nacionalmente,embora já seja evidente a necessidade de melhorar o desempenho das unidades de saúde no manejo clínico da tuberculose. Em países grandes como o Brasil, onde as condições socioeconômicas, climáticas e de saúde são contrastantes, há também a necessidade de uma análise estratificada de variáveis semelhantes para determinar a adesão a medidas e planos de ação de controle da tuberculose.







AGRADECIMENTOS







Agradecemos ao DATASUS do Ministério da Saúde, ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e ao Instituto Nacional de Meteorologia a disponibilização pública dos dados. Somos também gratos ao Programa de Pós-Gradação em Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de São João del-Rei pelo apoio bibliográfico fornecido.







CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES







AOC: coleta/análise/interpretação dos dados, redação do manuscrito e aprovação da versão final; ACM: concepção/desenho do estudo, análise/interpretação dos dados, redação/revisão do manuscrito e aprovação da versão final; LON: coleta de dados, interpretação dos dados climáticos e aprovação da versão final; KAR: interpretação dos dados, redação do manuscrito e aprovação da versão final; PC: análise/interpretação dos dados, redação/revisão do manuscrito e aprovação da versão final.







REFERÊNCIAS







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