Já foi demonstrado que a reabilitação pulmonar (RP) reduz a carga sintomática da dispneia, aumenta a capacidade de exercício e melhora a qualidade de vida de pacientes com DPOC.(1) A RP é definida como "uma intervenção abrangente baseada em uma avaliação completa do paciente seguida por terapias personalizadas que incluem, mas não se limitam, a treinamento físico, educação e mudança de comportamento, projetadas para melhorar a condição física e psicológica de pessoas com doenças respiratórias crônicas e para promover a adesão de longo prazo a comportamentos que melhoram a saúde".(1) No presente edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia (JBP), há quatro trabalhos interessantes sobre diferentes aspectos da RP. Eles proporcionam novas percepções sobre a usabilidade do teste de velocidade de marcha de 4 metros (4MGS, do inglês four-meter gait speed) em velocidade máxima para identificar capacidade de exercício preservada,(2) a potencial eficácia do treinamento de membros superiores (MMSS) na execução de atividades da vida diária (AVD),(3) o efeito da RP sobre os níveis de miostatina sérica em pacientes com DPOC(4) e os desfechos de um programa de RP em pacientes com DPOC com diferentes fenótipos de exacerbação.(5)
Conforme diretrizes recentes para RP,(1) é fundamental uma avaliação completa do paciente. Um componente importante da avaliação completa do paciente diz respeito à avaliação da capacidade de exercício. Até o momento, o teste de caminhada de seis minutos (TC6) e o teste de exercício cardiopulmonar (TECP) são os dois procedimentos mais utilizados para avaliar a capacidade de exercício. Embora o TC6 seja mais prático e simples do que o TECP em laboratório, ele ainda requer espaço (um corredor de 30 m), tempo (dois TC6 com intervalo de 30 min) e pessoal treinado. Como alternativa, Kon et al.(6) demonstraram o potencial uso do teste 4MGS como uma ferramenta simples de avaliação funcional em pacientes com DPOC. Neste número do JBP, Tino et al.(2) avaliaram quatro protocolos diferentes do teste 4MGS - combinações de caminhada em ritmo normal e em velocidade máxima ao longo de um percurso de 4 m e de um percurso de 8 m. Os autores concluíram que o teste 4MGS em velocidade máxima ao longo de um percurso de 4 m, considerando o ponto de corte específico de 1,27 m/s, pode ser utilizado para discriminar capacidade de exercício preservada em pacientes com DPOC. Capacidade de exercício preservada foi definida pelo limite inferior da normalidade, que é equivalente à média - 1,645 × erro-padrão, utilizando valores de referência específicos para a população brasileira.(7) Esse é um achado interessante e clinicamente relevante porque o teste 4MGS em velocidade máxima é uma alternativa simples, rápida, confiável e de baixo custo para avaliar a capacidade de exercício. Além disso, em outro estudo, Kon et al.(8) mostraram que os resultados do teste 4MGS respondem à RP.
Após a avaliação completa do paciente, outra pedra angular da RP é o treinamento físico multimodal, que pode incluir treinamento de endurance, treinamento intervalado, treinamento de resistência, treinamento de flexibilidade, estimulação elétrica neuromuscular e treinamento muscular inspiratório.(1) Até o momento, o foco no treinamento de resistência tem frequentemente sido nos membros inferiores. No entanto, muitas tarefas cotidianas problemáticas em pacientes com DPOC envolvem os MMSS, como vestir-se, tomar banho e fazer compras. (9) A dispneia é relatada como um dos fatores limitantes para a realização de AVD que envolvem os MMSS, o que pode ser atribuído à ocorrência de hiperinsuflação dinâmica. Curiosamente, pacientes com DPOC também realizam atividades de MMSS com menor intensidade e com esforço muscular relativamente maior quando comparados a indivíduos saudáveis,(10) sugerindo que também a função muscular dos MMSS pode ser um fator limitante. Até agora, Vaes et al.(11) mostraram que um programa abrangente de RP pode melhorar a execução de AVD em pacientes com DPOC. Após um programa de RP de 8 semanas, os pacientes naquele estudo necessitaram de significativamente menos tempo para realizar AVD e tiveram menor carga metabólica e menor percepção de dispneia. Nesse contexto, Kariagannis et al.(3) realizaram uma revisão sistemática de ensaios controlados randomizados para determinar se o treinamento de MMSS poderia melhorar a execução de AVD que envolvem os MMSS em pacientes com DPOC. Os autores demonstraram que o treinamento de MMSS é seguro e pode proporcionar melhoras significativas na execução de AVD que envolvem os MMSS. No entanto, foram encontrados resultados contraditórios na percepção de sintomas durante a realização de tarefas de AVD com os MMSS. Vale ressaltar que as evidências atuais sobre exercício de MMSS para melhorar a execução de AVD devem ser interpretadas com cautela e não podem ser generalizadas, pois aquela revisão(3) foi baseada em cinco ensaios controlados randomizados com tamanhos amostrais limitados, sendo a maioria dos participantes do sexo masculino. São necessários estudos bem delineados, já que um objetivo importante da RP é melhorar a execução de AVD, pois essa melhora aumenta a independência e a capacidade dos pacientes para o autocuidado.
Já se reconheceu que os níveis de miostatina muscular e sérica são elevados em pacientes com DPOC, o que pode contribuir para o enfraquecimento muscular e a perda de peso,(12,13) ou mesmo para o não aumento da capacidade física após a RP.(14) Estudos realizados em homens saudáveis demonstraram que os níveis de miostatina sérica/plasmática diminuíram aproximadamente 20% após 10 semanas de treinamento resistido de alta intensidade.(15) Estudos anteriores, com resultados contraditórios, avaliaram o efeito do treinamento físico sobre os níveis de miostatina muscular em pacientes com DPOC.(16,17) No entanto, para a prática clínica, o uso de amostras de sangue em vez de amostras de tecido muscular facilitaria a avaliação dos níveis de miostatina. Neste número do JBP, Araujo et al.(4) foram alguns dos primeiros a mostrar que, embora a RP (incluindo treinamento aeróbico, treinamento de resistência de membros inferiores e MMSS, educação e orientação nutricional) tenha melhorado a capacidade de exercício e o nível de gravidade da DPOC, não foi encontrada nenhuma alteração nos níveis de miostatina plasmática. Considerando que a fraqueza muscular é uma importante manifestação extrapulmonar em pacientes com DPOC, é necessário um melhor entendimento do papel da miostatina sérica nos mecanismos subjacentes que levam à perda de massa muscular.
O curso natural da DPOC é pontuado por exacerbações, especialmente em pacientes com obstrução moderada a muito grave do fluxo aéreo.(18) Exacerbações são definidas como uma piora aguda dos sintomas respiratórios que resulta em terapia adicional, piores desfechos clínicos, impacto negativo e significativo na qualidade de vida e na progressão da doença, assim como maior mortalidade e custos com saúde.(19) A RP já foi recomendada como tratamento não farmacológico após uma exacerbação/hospitalização, pois é viável e segura e pode melhorar a capacidade de exercício, os sintomas, a qualidade de vida e a prevenção de readmissões hospitalares.(20) Bohn Júnior et al.(5) investigaram se os desfechos da RP são diferentes entre fenótipos de exacerbação. Os pacientes com DPOC com duas ou mais exacerbações no ano anterior ou pelo menos uma exacerbação com necessidade de hospitalização apresentaram resposta significativamente maior a um programa de RP de 12 semanas em comparação àqueles sem exacerbações. De fato, aqueles com fenótipo exacerbador alcançaram maior melhora da capacidade de exercício, independentemente da gravidade da obstrução do fluxo aéreo (VEF1%). Além disso, foi encontrada maior redução da percepção de dispneia, e houve melhora do prognóstico medido pelo índice BODE. No momento inicial, as variáveis do TC6, o nível de dispneia e o índice BODE, bem como a carga tabágica, não foram diferentes entre os grupos. Os resultados enfatizam que pacientes com fenótipo exacerbador são candidatos ideais para RP.
Em suma, recomenda-se um programa de RP completo e multicomponente para aliviar a carga sintomática, aumentar a capacidade de exercício e melhorar o estado geral de saúde. Novos achados, conforme destacado neste editorial, ajudam a melhorar e a adequar a RP com base nas necessidades dos pacientes.
REFERÊNCIAS
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2. Tino VYK, Morita AA, Bisca GW, Guzzi G, Machado FVC, Hernandes NA, et al. Which is the best protocol and cut-off point in the 4-metre gait speed test to discriminate exercise capacity in COPD?. J Bras Pneumol. 2020;46(6):e20190232.
3. Karagiannis C, Savva C, Mamais I, Adamide T, Georgiou A, Xanthos T. Upper limb exercise training and activities of daily living in patients with COPD: a systematic review of randomized controlled trials J Bras Pneumol. 2020;46(6):e20190370.
4. Araujo CLP, Silva IRV, Dal Lago P. Does pulmonary rehabilitation decrease plasma myostatin levels in patients with COPD?. J Bras Pneumol.2020;46(6):e20200043.
5. Bohn Júnior I, Costa CCD, Souza RM, Santos ÁHD, Teixeira PJZ. Influence of pulmonary rehabilitation in patients with Chronic Obstructive Pulmonary Disease exacerbator phenotype. J Bras Pneumol. 2020;46(6):e20190309.
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7. Britto RR, Probst VS, de Andrade AF, Samora GA, Hernandes NA, Marinho PE, et al. Reference equations for the six-minute walk distance based on a Brazilian multicenter study. Braz J Phys Ther. 2013;17(6):556-563. https://doi.org/10.1590/S1413-35552012005000122
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