A DPOC é resultante de uma complexa interação entre características individuais (predisposição genética, baixo desenvolvimento pulmonar na infância, envelhecimento e condições socioeconômicas) e exposição a gases e fumaças tóxicas (fumaça de tabaco, poluição atmosférica e queima de biomassa). O tabagismo, atual ou prévio, é ainda o principal fator de risco relacionado à doença.(1)
Nas últimas décadas, houve aumento tanto na prevalência quanto na mortalidade da DPOC. Atualmente, ela é apontada como a terceira causa de mortalidade no mundo, contabilizando mais de três milhões de mortes em 2016 segundo dados da OMS.(2) No Brasil, a DPOC variou entre a terceira e quarta causa de morte, no período de 2000-2016, e os indicadores de mortalidade apresentaram tendência de redução temporal em todas as regiões, porém mais acentuada nas regiões de índices socioeconômicos mais elevados.(3)
Quando não fatal, a DPOC é causa importante de morbidade, o que leva a altas taxas de absenteísmo no trabalho e de aposentadorias precoces, aumento nas taxas de internação e, assim, aumento nos custos relacionados à doença. Um estudo mostrou que, no Brasil, a morbidade hospitalar (avaliada pelo número e tempo de internações e despesas hospitalares) também decresceu e que essa queda foi também mais acentuada nas regiões de maior desenvolvimento socioeconômico.(3)
O tratamento da DPOC tem como objetivos o controle dos sintomas, melhora da qualidade de vida e diminuição das taxas de exacerbações. O uso de broncodilatadores de longa duração constitui a base do tratamento medicamentoso, e sua prescrição segue diretrizes nacionais e internacionais.(1,4) Enquanto na literatura discute-se se o benefício maior do tratamento é alcançado com terapia dupla ou tripla, o papel dos anticolinérgicos de longa duração já está bem estabelecido.(1,5) Entretanto, a realidade do acesso aos fármacos no Brasil não é uniforme. Um estudo realizado no estado da Bahia(6) mostrou que a maioria dos pacientes com diagnóstico de DPOC não recebia tratamento adequado (83,3% e 63,7% conforme diretrizes internacionais e nacionais, respectivamente) e que mais de 50% dos pacientes não recebiam qualquer tratamento. Considerando-se que o uso de anticolinérgicos de longa duração não está incorporado ao Sistema Unificado de Saúde em todos os estados brasileiros e que esses ainda não foram incluídos no protocolo clínico e nas diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde,(7) as proporções de tratamento inadequado podem ser ainda maiores.
Um estudo latino-americano mostrou que a taxa de subdiagnóstico pode chegar a 4%.(8) Se a suspeita clínica de DPOC não é levantada pelo médico ou até mesmo por outro membro da equipe multiprofissional, seu diagnóstico, tratamento e prevenção são prejudicados. Nesse sentido, Alcântara et al.(9) avaliaram o impacto de um programa de capacitação sobre DPOC por videoaulas em uma equipe multiprofissional da atenção primária e concluíram que o programa promoveu a aquisição de conhecimento e que esse conhecimento perdurou por pelo menos três meses depois da intervenção. Além disso, a baixa disponibilidade da espirometria na atenção primária e o desconhecimento dos médicos acerca do protocolo local de dispensação dos medicamentos também são fatores que podem influenciar o tratamento farmacológico da DPOC.(10)
A DPOC cursa com importante comprometimento da capacidade funcional de exercício, decorrente da obstrução ao fluxo aéreo, perda de massa magra e, em muitos casos, hipoxemia. O exercício físico, oferecido através de programas de reabilitação pulmonar, é parte importante do tratamento.(1,4) A intensidade com que o paciente realiza a atividade é de extrema importância para o resultado, e a presença de fadiga ou dispneia pode impedir que os objetivos sejam alcançados. Dessa forma, estudos como o de Adolfo et al.,(11) que buscam novas modalidades de exercício físico, são de extrema importância. Além disso, é importante garantir que portadores de DPOC tenham acesso a programas de reabilitação pulmonar.
A prescrição de oxigenoterapia já está estabelecida e, sabidamente, diminui a mortalidade em indivíduos com hipoxemia ao repouso.(1) Alguns estudos tentaram avaliar se pacientes com dessaturação apenas aos esforços ou dessaturação noturna também se beneficiariam do uso da oxigenoterapia domiciliar prolongada.(12,13) Mesquita et al.(12) mostraram que portadores de DPOC com hipoxemia somente aos esforços e que foram aderentes à oxigenoterapia apresentaram melhor pontuação nos escores de qualidade de vida, mas não apresentaram melhora na capacidade de exercício, avaliada pela distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos, ou na mortalidade. Um estudo recente,(13) que avaliaria o benefício da oxigenoterapia para pacientes com dessaturação noturna, foi interrompido por não atingir o número necessário de indivíduos para a análise e pela baixa aderência ao tratamento dos indivíduos recrutados.
Até hoje, muitos foram os avanços sobre fisiopatologia, diagnóstico e tratamento da DPOC. Foram muito importantes os avanços no combate ao tabagismo e o desenvolvimento de novas moléculas e dispositivos inalatórios, mas ainda enfrentamos um grave problema para sua disponibilização. No Brasil, um país com dimensões continentais e tão desigual, a implantação de novos protocolos e a revisão dos antigos, com critérios bem estabelecidos para a dispensação de medicamentos, pode racionalizar o acesso dos pacientes ao tratamento. Precisamos expandir também o acesso dos pacientes aos programas de reabilitação pulmonar e entender se há benefícios com o uso da oxigenoterapia além dos casos de hipoxemia de repouso. Por fim, não esqueçamos que é necessário o comprometimento das instituições de ensino e sociedades de especialistas na educação continuada dos colegas não pneumologistas para que o diagnóstico da DPOC seja cada vez mais precoce. Em 18 de novembro de 2020 é comemorado o Dia Mundial da DPOC. Então, vamos sim comemorar, mas sem esquecer que ainda há muito a ser feito.
REFERÊNCIAS
1. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) [homepage on the Internet]. Bethesda: GOLD [cited 2020 Nov 1]. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease 2020 Report. Available from: https://goldcopd.org/gold-reports/
2. World Health Organization (WHO) [homepage on the Internet]. Geneva: WHO; [updated 2018 May 24; cited 2020 Nov 1]. The top 10 causes of death. Available from: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/the-top-10-causes-of-death
3. Gonçalves-Macedo L, Lacerda EM, Markman-Filho B, Lundgren FLC, Luna CF. Trends in morbidity and mortality from COPD in Brazil, 2000 to 2016. J Bras Pneumol. 2019;45(6):e20180402.
4. Fernandes FLA, Cukier A, Camelier AA, Fritscher CC, Costa CHD, Pereira EDB, et al. Recommendations for the pharmacological treatment of COPD: questions and answers. J Bras Pneumol. 2017;43(4):290-301.
5. Pascoe S, Barnes N, Brusselle G, Compton C, Criner GJ, Dransfield MT, et al. Blood eosinophils and treatment response with triple and dual combination therapy in chronic obstructive pulmonary disease: analysis of the IMPACT trial. Lancet Respir Med. 2019;7(9):745-756.
6. Pinto CR, Lemos ACM, Assunção-Costa L, Alcântara AT, Yamamura LLL, Souza GS, et al. Management of COPD within the Brazilian Unified Health Care System in the state of Bahia: an analysis of real-life medication use patterns. J Bras Pneumol. 2019;45(1):e20170194.
7. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas--Doença pulmonar obstrutiva crônica. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.
8. Menezes AM, Jardim JR, Pérez-Padilla R, Camelier A, Rosa F, Nascimento O, et al. Prevalence of chronic obstructive pulmonary disease and associated factors: the PLATINO Study in São Paulo, Brazil. Cad Saude Publica. 2005;21(5):1565-1573.
9. Alcântara EC, Corrêa KS, Jardim JR, Rabahi MF. Multidisciplinary education with a focus on COPD in primary health care. J Bras Pneumol. 2019;45(6):e20180230.
10. Carvalho-Pinto RM, Silva ITD, Navacchia LYK, Granja FM, Marques GG, Nery TCDS, et al. Exploratory analysis of requests for authorization to dispense high-cost medication to COPD patients: the São Paulo "protocol". J Bras Pneumol. 2019;45(6):e20180355.
11. Adolfo JR, Dhein W, Sbruzzi G. Intensity of physical exercise and its effect on functional capacity in COPD: systematic review and meta-analysis. J Bras Pneumol. 2019;45(6):e20180011.
12. Mesquita CB, Knaut C, Caram LMO, Ferrari R, Bazan SGZ, Godoy I, et al. Impact of adherence to long-term oxygen therapy on patients with COPD and exertional hypoxemia followed for one year. J Bras Pneumol. 2018;44(5):390-397.
13. Lacasse Y, Sériès F, Corbeil F, Baltzan M, Paradis B, Simão P, et al. Randomized Trial of Nocturnal Oxygen in Chronic Obstructive Pulmonary Disease. N Engl J Med. 2020;383(12):1129-1138.