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Editorial

Reabilitação pulmonar pós-COVID-19

Pulmonary rehabilitation after COVID-19

André Vinícius Santana1a, Andrea Daiane Fontana1a, Fabio Pitta1a

DOI: 10.36416/1806-3756/e20210034

 A pandemia de COVID-19, doença causada pelo vírus conhecido como SARS-CoV-2, tem gerado um cenário complexo para a saúde mundial, com diferentes tipos de complicações e graus de comprometimento funcional em milhões de indivíduos que se recuperam da doença. A forma grave da doença causa danos pulmonares, podendo resultar em insuficiência respiratória. Posteriormente, esses pacientes podem evoluir com fibrose pulmonar, uma consequência do processo de reparação da lesão pulmonar. Muitas vezes os pacientes mais graves necessitam de suporte respiratório que pode variar da oxigenoterapia à ventilação mecânica invasiva prolongada. Com a internação prolongada que pode acompanhar esses cuidados intensivos, os pacientes podem cursar com sérios prejuízos sistêmicos.(1) Embora as sequelas pós-COVID-19 sejam mais comuns em pacientes que desenvolveram a forma grave, indivíduos com doença moderada e que não necessitam de hospitalização também podem ter algum grau de comprometimento funcional.
 
O comprometimento funcional pós-COVID-19 pode prejudicar a capacidade de realizar atividades de vida diária e a funcionalidade, alterar o desempenho profissional e dificultar a interação social. Ainda, os indivíduos podem se tornar mais sedentários, aumentando o risco de comorbidades. No cenário atual, embora os esforços para diminuir o risco de mortalidade ainda sejam imperativos, os serviços de saúde necessitam se readequar com estratégias para proporcionar recuperação físico-funcional e reintegração social desses indivíduos por meio da reabilitação pulmonar.
 
REABILITAÇÃO PULMONAR PÓS-COVID-19
 
Além da doença em si, a hospitalização prolongada (com ou sem o uso de ventilação mecânica) pode levar a efeitos deletérios, como alterações pulmonares, cardiovasculares, musculares e cognitivas, além de ansiedade e depressão. (1) Não é incomum que a hospitalização prolongada com cuidados intensivos leve ao desenvolvimento de fraqueza muscular adquirida na UTI e consequente dificuldade de recuperação física e limitações funcionais.(2) Pacientes nessa condição têm indicação de realizar reabilitação pulmonar, que deve ser iniciada de forma individualizada e gradual já durante a internação e continuada após a alta hospitalar com o objetivo de amenizar/reverter as consequências da doença.(3) Mediante o comprometimento multissistêmico causado pela COVID-19, idealmente uma equipe multiprofissional deve conduzir a reabilitação.
 
Embora a mobilização precoce seja fundamental no restabelecimento de pacientes graves, muitos pacientes apresentam rápida queda de saturação na fase inicial de recuperação,(4) de certo modo limitando a reabilitação precoce. No entanto, outros objetivos devem ser considerados durante a fase hospitalar, como a melhora dos sintomas respiratórios e a manutenção da permeabilidade das vias aéreas. Assim, uma abordagem precoce à beira do leito é recomendada, atentando para eventuais sinais de instabilidade clínica do paciente.
 
O comprometimento do estado físico-funcional e alguns sintomas (como dispneia, dessaturação, tosse, fraqueza e fadiga) podem persistir por semanas após a alta hospitalar. Além dos prejuízos da internação e/ou inatividade prolongada, a alta carga inflamatória persistente e as condições prévias de saúde parecem influenciar negativamente a recuperação desses pacientes. (3,5,6) A relação PaO2/FiO2 < 324 e IMC ≥ 33 kg/m2 na admissão hospitalar são preditores independentes de persistência do comprometimento respiratório e da necessidade de acompanhamento.(5) Para melhorar a evolução e consequentemente o prognóstico desses pacientes, recomenda-se também a reabilitação após a alta, considerando que o treinamento físico é viável e útil para sobreviventes de doenças críticas.(7) Como ainda não há um corpo amplo de evidências na literatura sobre um treinamento físico específico para pacientes pós-COVID-19, recomenda-se a prescrição de exercícios de baixa a moderada intensidade, priorizando a segurança. No programa de reabilitação deve-se também considerar as necessidades e o comprometimento funcional de cada indivíduo.(3) Antes da alta hospitalar, a necessidade do uso de oxigênio em repouso ou durante o esforço físico também deve ser avaliada.(3) O Quadro 1 descreve alguns princípios de reabilitação para pacientes pós-COVID-19.

 
REABILITAÇÃO PULMONAR DOMICILIAR
 
Considerando que o SARS-CoV-2 segue com alta taxa de contágio, o distanciamento social ainda tem sido fortemente recomendado. Isso praticamente inviabiliza a realização de reabilitação ambulatorial tradicional em grupos e indica a necessidade de que programas de reabilitação (incluindo treinamento físico) sejam adaptados ao domicílio. Essa modalidade de reabilitação é respaldada pela literatura quanto à sua eficácia, inclusive na realidade brasileira.(8) Pacientes mais debilitados também podem ser favorecidos pela reabilitação em suas residências ao evitar seu deslocamento para o ambulatório, o que poderia dificultar a adesão ao programa e aumentar o risco de reinfecção. Além disso, pacientes com sequelas graves pós-COVID-19 frequentemente necessitam de auxílio de familiares, que podem ser treinados por profissionais de saúde em seu próprio ambiente domiciliar. A reabilitação individualizada desses pacientes e o treinamento de familiares realizado no ambiente domiciliar permitem o uso dos recursos disponíveis em cada lar com as adequações necessárias em um ambiente familiar ao paciente. Finalmente, existem atualmente ferramentas tecnológicas que permitem a monitorização, a prescrição e o controle à distância das atividades de reabilitação, permitindo maior segurança aos pacientes e familiares (como softwares e aplicativos para tablets e celulares).
 
TELERREABILITAÇÃO
 
Na tentativa de amenizar a dificuldade no processo de reabilitação dos pacientes pós-COVID-19 e diminuir riscos, maior atenção tem sido dada à telerreabilitação. A telerreabilitação se utiliza de recursos de telecomunicação para oferecer reabilitação remotamente, em tempo real ou não, trazendo benefícios similares à reabilitação com supervisão presencial(9) e minimizando barreiras de distância, tempo, custos e riscos. No Brasil, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, por meio da resolução nº 516 de 20 de março de 2020,(10) autoriza os serviços de teleconsulta, teleconsultoria e telemonitoramento já corroboradas pela Organização Mundial de Saúde. O Quadro 1 descreve alguns princípios de telerreabilitação em pacientes pós-COVID-19.
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
A reabilitação pulmonar é recomendada principalmente para favorecer a recuperação físico-funcional de pacientes pós-COVID-19 durante a hospitalização e após a alta hospitalar. Para esse propósito, é preciso considerar cuidadosamente as necessidades de cada paciente, detectadas por meio de uma avaliação abrangente. Considerando as manifestações sistêmicas da doença, pacientes pós-COVID-19 devem ser acompanhados por uma equipe multiprofissional. Até o momento, ainda não há um corpo sólido de evidências sobre as características e os efeitos de intervenções específicas para pacientes pós-COVID-19. Assim, as diretrizes atuais de reabilitação para essa população são baseadas principalmente em resultados preliminares, na opinião de especialistas e em evidências prévias sobre reabilitação de pacientes sobreviventes de doenças críticas.
 
APOIO FINANCEIRO
 
AVS e ADF recebem bolsa de pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). FP é bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
 
REFERÊNCIAS
 



  1. The Faculty of Intensive Care Medicine [homepage on the Internet]. London: The Faculty; c2020 [updated 2020 May; cited 2020 Dec 22]. FICM Position statement and provisional guidance: recovery and rehabilitation for patients following the pandemic. [Adobe Acrobat document, 20p.]. Available from: https://www.ficm.ac.uk/sites/default/files/ficm_rehab_provisional_guidance.pdf

  2. Kress JP, Hall JB. ICU-acquired weakness and recovery from critical illness. N Engl J Med. 2014;370(17):1626-1635. https://doi.org/10.1056/NEJMra1209390

  3. Spruit MA, Holland AE, Singh SJ, Tonia T, Wilson KC, Troosters T. COVID-19: Interim Guidance on Rehabilitation in the Hospital and Post-Hospital Phase from a European Respiratory Society and American Thoracic Society-coordinated International Task Force. Eur Respir J. 2020;56(6):2002197. https://doi.org/10.1183/13993003.02197-2020

  4. Kiekens C, Boldrini P, Andreoli A, Avesani R, Gamna F, Grandi M, et al. Rehabilitation and respiratory management in the acute and early post-acute phase. “Instant paper from the field” on rehabilitation answers to the COVID-19 emergency. Eur J Phys Rehabil Med. 2020;56(3):323-326. https://doi.org/10.23736/S1973-9087.20.06305-4

  5. De Lorenzo R, Conte C, Lanzani C, Benedetti F, Roveri L, Mazza MG, et al. Residual clinical damage after COVID-19: A retrospective and prospective observational cohort study. PLoS One. 2020;15(10):e0239570. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0239570

  6. Negrini F, De Sire A, Andrenelli E, Lazzarini SG, Patrini M, Ceravolo MG, et al. Rehabilitation and COVID-19: a rapid living systematic review 2020 by Cochrane Rehabilitation Field. Update as of October 31st, 2020 [published online ahead of print, 2020 Dec 2]. Eur J Phys Rehabil Med. 2020;10.23736/S1973-9087.20.06723-4. https://doi.org/10.23736/S1973-9087.20.06723-4

  7. Denehy L, Skinner EH, Edbrooke L, Haines K, Warrillow S, Hawthorne G, et al. Exercise rehabilitation for patients with critical illness: a randomized controlled trial with 12 months of follow-up. Crit Care. 2013;17(4):R156. https://doi.org/10.1186/cc12835

  8. Pradella CO, Belmonte GM, Maia MN, Delgado CS, Luise AP, Nascimento OA, et al. Home-Based Pulmonary Rehabilitation for Subjects With COPD: A Randomized Study. Respir Care. 2015;60(4):526-532. https://doi.org/10.4187/respcare.02994

  9. Lundell S, Holmner Å, Rehn B, Nyberg A, Wadell K. Telehealthcare in COPD: a systematic review and meta-analysis on physical outcomes and dyspnea. Respir Med. 2015;109(1):11-26. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2014.10.008

  10. Brasil. Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) [homepage on the Internet]. Brasília: COFFITO; c2020 [cited 2020 Dec 28]. RESOLUÇÃO Nº 516, DE 20 DE MARÇO DE 2020 – Teleconsulta, Telemonitoramento e Teleconsultoria. Available from: https://www.coffito.gov.br/nsite/?p=15825

  11. Wang TJ, Chau B, Lui M, Lam GT, Lin N, Humbert S. Physical Medicine and Rehabilitation and Pulmonary Rehabilitation for COVID-19. Am J Phys Med Rehabil. 2020;99(9):769-774. https://doi.org/10.1097/PHM.0000000000001505

  12. Australia. NSW Government. Health [homepage on the Internet]. Sydney: NSW Government; c2021 [cited 2021 Jan 4]. Delivering pulmonary rehabilitation via telehealth during COVID-19. Available from: https://www.health.nsw.gov.au/Infectious/covid-19/communities-of-practice/Pages/guide-pulmonary-rehabilitation.aspx



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