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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Implantação de telemedicina de terapia intensiva durante a pandemia de COVID-19

Implementation of Tele-ICU during the COVID-19 pandemic

Bruno Rocha de Macedo1, Marcos Vinicius Fernandes Garcia1, Michelle Louvaes Garcia1, Marcia Volpe1, Mayson Laércio de Araújo Sousa1, Talita Freitas Amaral1, Marco Antônio Gutierrez1, Antonio Pires Barbosa1, Paula Gobi Scudeller1, Pedro Caruso1, Carlos Roberto Ribeiro Carvalho1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20200545

ABSTRACT

Objective: To describe the implementation of a Tele-ICU program during the COVID-19 pandemic, as well as to describe and analyze the results of the first four months of operation of the program. Methods: This was a descriptive observational study of the implementation of a Tele-ICU program, followed by a retrospective analysis of clinical data of patients with COVID-19 admitted to ICUs between April and July of 2020. Results: The Tele-ICU program was implemented over a four-week period and proved to be feasible during the pandemic. Participants were trained remotely, and the program had an evidence-based design, the objective being to standardize care for patients with COVID-19. More than 100,000 views were recorded on the free online platforms and the mobile application. During the study period, the cases of 326 patients with COVID-19 were evaluated through the program. The median age was 60 years (IQR, 49-68 years). There was a predominance of males (56%). There was also a high prevalence of hypertension (49.1%) and diabetes mellitus (38.4%). At ICU admission, 83.7% of patients were on invasive mechanical ventilation, with a median PaO2/FiO2 ratio < 150. It was possible to use lung-protective ventilation in 75% of the patients. Overall, in-hospital mortality was 68%, and ICU mortality was 65%. Conclusions: Our Tele-ICU program provided multidisciplinary training to health care professionals and clinical follow-up for hundreds of critically ill patients. This public health care network initiative was unprecedented and proved to be feasible during the COVID-19 pandemic, encouraging the creation of similar projects that combine evidence-based practices, training, and Tele-ICU.

Keywords: Telemedicine; Critical care; Coronavirus infections; Patient care management.

RESUMO

Objetivo: Descrever a implantação de um serviço de telemedicina de UTI durante a pandemia de COVID-19, assim como descrever e analisar os resultados dos primeiros quatro meses de funcionamento do programa. Métodos: Estudo observacional descritivo da implantação de um serviço de telemedicina de UTI seguido de análise retrospectiva dos dados clínicos de pacientes com COVID-19 internados em UTI entre abril e julho de 2020. Resultados: O serviço foi implantado em quatro semanas e mostrou-se viável em meio à pandemia. O treinamento foi desenhado para ser remoto e baseado em evidências, promovendo a padronização do atendimento aos pacientes com COVID-19. Mais de 100.000 visualizações foram registradas nas plataformas on-line de acesso livre e no aplicativo móvel. Durante o período do estudo, os casos de 326 pacientes com COVID-19 foram avaliados no programa. A mediana de idade foi de 60 anos (variação: 49-68 anos). Houve predomínio do sexo masculino (56%) e alta prevalência de hipertensão arterial (49,1%) e diabetes mellitus (38,4%). Na admissão na UTI, 83,7% dos pacientes estavam em ventilação mecânica invasiva, com uma mediana da relação PaO2/FiO2 < 150. Ventilação pulmonar protetora foi possível em 75% dos casos. A mortalidade na UTI foi de 65%, e a mortalidade hospitalar foi de 68%. Conclusões: A telemedicina de UTI forneceu treinamento multidisciplinar aos profissionais de saúde e acompanhamento clínico de centenas de pacientes críticos. A iniciativa na rede pública foi pioneira e mostrou-se viável em meio à pandemia de COVID-19, incentivando a criação de projetos semelhantes que combinem práticas baseadas em evidências, treinamento e telemedicina.

Palavras-chave: Telemedicina; Cuidados críticos; Infecções por coronavírus; Administração dos cuidados ao paciente.

INTRODUÇÃO


 

O envelhecimento populacional e o crescente aumento das doenças respiratórias já alertavam para a necessidade de se prever recursos tecnológicos e suprir uma crescente demanda de profissionais qualificados em terapia intensiva.(1) A COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, foi identificada no final de 2019(2,3) e acumula milhões de casos no mundo(4) e milhares de mortes no Brasil, terceiro país mais atingido pela pandemia.(5) A insuficiência respiratória leva de 10% a 25% dos pacientes hospitalizados a precisar de ventilação mecânica invasiva (VMI).(6) O uso de VMI nas UTIs brasileiras passou dos prévios 22% para 48%.(7) O desafio para o atendimento aos pacientes durante a pandemia levou a discussão sobre a alocação de recursos materiais e pessoais.(6)
 
Por meio da tecnologia de telecomunicação aplicada à saúde, a telemedicina presta assistência à distância. Sua utilização é estratégica porque proporciona a troca de conhecimentos entre equipes e o treinamento e a capacitação de equipes multiprofissionais. A telemedicina também permite a auditoria e monitorização dos processos envolvidos no cuidado dos pacientes.(8) Aplicada aos pacientes críticos, a telemedicina reduz o tempo de permanência na UTI, aumentando a disponibilidade de leitos, e reduz a mortalidade hospitalar.(9-12) Durante a pandemia, a telemedicina foi apontada como opção para toda a linha de cuidados, desde a triagem(13) até a divulgação de informações para as equipes de saúde atuando no cuidado dos pacientes e para a população geral.(14) No estado de Nova York (EUA), epicentro da pandemia naquele país, um serviço de telemedicina existente foi expandido, permitindo a telemetria de eventos adversos e auxiliando na gestão de leitos e de recursos materiais e pessoais.(15) Mesmo especialidades não diretamente relacionadas à COVID-19, como a ortopedia, implantaram a telemedicina para permitir o tratamento de pacientes durante a pandemia.(8) No Brasil, a telemedicina foi aprovada pelo Ministério da Saúde no Artigo 3º da Lei n. 13.979 de 6 de fevereiro de 2020 em caráter extraordinário e temporário no período da pandemia.
 
Os casos graves de COVID-19 evoluem para a SDRA, cujo tratamento baseia-se na adoção de estratégias de ventilação mecânica protetora (VMP).(16,17) Apesar disso, a utilização dessas estratégias pelos profissionais de saúde ainda é reduzida,(18) possivelmente por desconhecimento das mesmas, inadequada formação ou insegurança no manejo do ventilador mecânico.(19-21)
 
A UTI Respiratória do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) é referência para o tratamento de casos respiratórios graves e ventilação mecânica no serviço público do Estado de São Paulo. A equipe da UTI, em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP), desenvolveu um protocolo de assistência e capacitação para as UTIs públicas do Estado de São Paulo durante a pandemia. Esse desenvolvimento baseou-se nas hipóteses que são factíveis por telemedicina: atendimento de pacientes com insuficiência respiratória suspeita ou confirmada por COVID-19 e capacitação de equipes multiprofissionais de UTI durante a pandemia.
 
O objetivo primário do presente artigo foi descrever a implantação de um serviço de telemedicina de UTI durante a pandemia de COVID-19. O objetivo secundário foi descrever e analisar os resultados dos primeiros quatro meses de funcionamento desse novo programa de telemedicina de UTI.
 
MÉTODOS
 
Descrição do estudo
 
Este estudo descreve a implantação de um programa de telemedicina de UTI, seguido de uma análise retrospectiva dos dados clínicos de pacientes com COVID-19 admitidos nas UTIs participantes entre os meses de abril e julho de 2020. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do HCFMUSP (Protocolo n. 4.222.334). O programa foi desenvolvido com o apoio e a participação da SES-SP.
 
Descrição do protocolo assistencial
 
Especialistas do HCFMUSP (em pneumologia, moléstias infecciosas, emergências clínicas e anestesiologia) reuniram-se e, após revisão da literatura e reuniões para consenso, elaboraram um protocolo assistencial para o cuidado de pacientes com SDRA e insuficiência respiratória por COVID-19. O protocolo foi validado pelo Centro de Contingência para o Coronavírus do Governo do Estado de São Paulo e adotado pela SES-SP como padrão de atendimento para toda a rede pública estadual.
 
O protocolo assistencial (vide material suplementar) reforça as melhores práticas de terapia intensiva com ênfase na VMP, sugerindo VT de 6 mL/kg de peso ideal, monitoração da pressão de platô, monitoração da pressão de distensão e uso de manobras de resgate para pacientes com hipoxemia refratária. Lavagem das mãos, uso apropriado de equipamentos de proteção individual, seleção de exames laboratoriais e de imagem, uso de fluidos, antibióticos, corticosteroides, profilaxia de eventos tromboembólicos e desmame da VMI também foram sugeridos.
 
Implantação do programa de telemedicina de UTI
 
A SES-SP elegeu a UTI Respiratória do InCor-HCFMUSP (Convênio no. 20/2018) como centro coordenador desse programa de telemedicina para as UTIs de hospitais públicos do Estado de São Paulo (Convênio SES TeleUTI n. 1140/2020).
 
A seleção dos hospitais que foram convidados a adotar o programa de telemedicina foi feita pela SES-SP com o direcionamento do Centro de Contingência para o Coronavírus do Governo do Estado de São Paulo e baseou-se na maior incidência de pacientes com COVID-19 por região atendida. A implantação do serviço de telemedicina foi feita em duas etapas. Na primeira, foram incluídos 9 hospitais e, na segunda etapa, mais 11 hospitais. Informações mais detalhadas sobre os hospitais participantes estão descritas na Tabela S1 (material suplementar).
 
O Serviço de Tecnologia da Informação do InCor desenvolveu uma plataforma própria, denominada “iConf”, que utiliza os principais recursos de webconferência de um sistema comercial, mas sob uma licença de código aberto (vide material suplementar). Na plataforma iConf, todos os dados registrados no serviço de telemedicina ficam armazenados em um servidor no InCor e não são compartilhados ou manipulados por terceiros, obedecendo a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n. 13.853 de 2019).
 
No InCor, o serviço de telemedicina dispõe de uma área física com salas compostas por dois postos de atendimento de telemedicina por sala; além disso, também há uma sala multidisciplinar para a análise de dados e o planejamento do programa e outra sala para apoio técnico-administrativo. No InCor e nas UTIs que aderiram ao programa de telemedicina foram montadas estações com monitores duplos de alta resolução equipadas com câmera, microfone com cancelamento de eco e reprodução de áudio. Durante as sessões de webconferência entre os profissionais de saúde, em um dos monitores ocorria a interação entre as equipes e, no segundo monitor, eram compartilhados exames, materiais de interesse didático e até um quadro em branco para escrita livre (Figura S2, material suplementar).
 
Na última semana de março, foi testado o modelo final de atendimento, e o Serviço de Telemedicina de UTI foi implantado a partir do primeiro dia de abril de 2020. Esses teleatendimentos ocorreram diariamente, em horários pré-agendados. Cada sessão de telemedicina entre UTIs foi planejada para durar cerca de uma hora, utilizando-se aproximadamente 10 min na discussão de cada paciente. Nessas discussões, o médico especialista no InCor auxiliava a coleta das informações clínicas para o diagnóstico, discutia os achados e orientava os tratamentos conforme o protocolo assistencial. Os dados então eram coletados em um formulário denominado REDCap,(22) estruturado e desenvolvido especificamente para esse programa de telemedicina. Esse era compartilhado pelas equipes de ambas as UTIs e permitia confidencialidade. A seleção dos pacientes a serem discutidos era prerrogativa da equipe de UTI do hospital que estava cuidando do paciente.
 
Capacitação de profissionais de saúde e divulgação do protocolo assistencial
 
A capacitação das equipes das UTIs selecionadas para receber o programa de telemedicina foi realizada por uma equipe multiprofissional especializada no cuidado intensivo do InCor. Pela impossibilidade de treinamentos práticos presenciais durante a pandemia, buscaram-se estratégias para diversificar a difusão do conhecimento, englobando cursos de capacitação à distância por videoaulas, tutoriais, utilização de portais oficiais e adaptação do protocolo para aplicativos para celulares.
 
Visando uma ampla divulgação, o protocolo de cuidados do paciente com COVID-19 foi disponibilizado em plataformas de livre acesso dos sites da Escola de Educação Permanente (EEP) do HCFMUSP (https://incor.eephcfmusp.org.br/course/index.php?categoryid=2) e da SES-SP (http://eadses.saude.sp.gov.br/). As sessões de discussão de casos eram permeadas por conceitos teóricos, o esclarecimento de dúvidas era encorajado, e atividades de reforço podiam ser marcadas por videoconferência. A carga horária de uso do material didático à distância na plataforma teve duração de 25 h.
 
Como material de apoio ao treinamento e para auxiliar a assistência aos pacientes, foi disponibilizado gratuitamente um aplicativo para celular.(23) O conteúdo do aplicativo incluía calculadoras de peso ideal para VMP, tutoriais de suplementação de oxigenoterapia e de formas de ventilação mecânica não invasiva, tutoriais de intubação orotraqueal, calculadora de dose de medicações utilizadas em sequência rápida para intubação orotraqueal, além de diluições de sedativos, analgésicos, bloqueadores neuromusculares e drogas vasoativas.
 
Avaliação contínua do programa de telemedicina
 
O acompanhamento da implantação objetivou a melhoria do desempenho assistencial. Indicadores de desempenho e capacitação foram escolhidos e envolviam o número de discussões por teleatendimento, o número de pacientes atendidos, o número de teleatendimentos cancelados, a média do número de discussões de pacientes por visitas e o preenchimento dos formulários de dados clínicos. A análise era encaminhada para os gestores dos hospitais e para a SES-SP. Quando o resultado estivesse abaixo da meta esperada, era proposto um plano de ação com o gestor do hospital que era reavaliado nas semanas seguintes. A meta inicial era de que os atendimentos acontecessem em 70% dos dias programados, com uma média diária sugerida de três casos por teleatendimento. Dados incompletos que não permitissem a avaliação em mais de 20% dos registros eram evitados. Semanalmente, os hospitais eram abordados para se ajustarem às metas.
 
COLETA DE DADOS
 
Foram coletados os seguintes dados clínicos dos pacientes: idade, sexo, altura, peso real, IMC, comorbidades,(24) estado funcional pré-admissão na UTI com base nas atividades básicas de vida diária,(25) avaliação de gravidade na admissão pelo Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3),(26) e uso de terapêuticas de suporte intensivo, como drogas vasoativas, VMI e hemodiálise. Adicionalmente, foram coletados o tempo de permanência na UTI, tempo e dados de VMP, tempo de permanência hospitalar, mortalidade na UTI e mortalidade hospitalar.
 
Os dados referentes às ferramentas de capacitação foram coletados até 31 de julho de 2020, assim como o número de visualizações na plataforma da EEP-HCFMUSP, o número de profissionais inscritos na plataforma da SES-SP e o número de usuários que baixaram o aplicativo para celular. A saída da UTI e a alta hospitalar foram acompanhadas até 28 de agosto de 2020 para todos os pacientes internados até 31 de julho do mesmo ano.
 
Análise estatística
 
Foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk para avaliar o tipo de distribuição das variáveis contínuas. Como essas variáveis tiveram distribuição não paramétrica, elas foram apresentadas como mediana e IIQ. As variáveis categóricas foram apresentadas como frequência e proporção.
 
Este estudo seguiu a recomendação da Revised Standards for Quality Improvement Reporting Excellence, que visa a melhoria da qualidade de estudos. (27) As análises foram realizadas com o software R (R Core Team, 2017).
 
RESULTADOS
 
A estruturação da rede de telemedicina de UTI para o atendimento dos pacientes COVID-19 foi iniciada em abril de 2020. O custo de instalação dos equipamentos foi de cerca de R$ 10.000 (aproximadamente US$ 1.850 pelo câmbio em novembro de 2020) por hospital participante. O custo mensal de operação do serviço, incluindo os teleatendimentos e a capacitação multiprofissional, foi de R$ 20.000 por hospital participante (aproximadamente US$ 3.700).
 
Entre abril e julho de 2020, foram registradas 105.486 visualizações na plataforma de livre acesso da EEP-HCFMUSP e efetuadas 3.484 inscrições para o curso de ensino à distância na plataforma da SES-SP. O aplicativo para celular foi instalado por mais de 3.000 usuários até julho do mesmo ano.
 
Durante o período do estudo, foram discutidos os casos de 454 pacientes. Entre esses, 326 (74%) tiveram o diagnóstico de COVID-19 confirmado por RT-PCR, 113 pacientes tiveram o diagnóstico de COVID-19 descartado, e 15 não apresentavam informações suficientes para essa análise. O fluxograma de inclusão de pacientes é apresentado na Figura 1.


 
Na Tabela 1 são apresentados os dados demográficos, clínicos e laboratoriais na admissão na UTI e no primeiro dia de discussão por telemedicina sobre os 326 pacientes com COVID-19. São apresentados também os dados de VMI, manobras de resgate para hipoxemia e realização de traqueostomia. Dentre os 326 pacientes atendidos, 273 (83,7%) necessitaram VMI. Com relação aos parâmetros de VMI no primeiro dia de discussão por telemedicina, notou-se que a mediana de VT por peso ideal predito foi de 6,1 mL/kg (5,6-6,9 mL/kg), a mediana de pressão de platô foi de 25 cmH2O (21-28 cmH2O), e a mediana de pressão de distensão foi de 13 cmH2O (11-15 cmH2O).
 

 
A mortalidade na UTI foi de 65%, e a mortalidade hospitalar foi de 68% durante o período estudado. A mortalidade na UTI foi de 73,2% em abril para 58,7% em julho, e a mortalidade hospitalar foi de 73,2% em abril para 64,8% em julho. Considerando somente os pacientes submetidos à VMI, a mortalidade na UTI e a mortalidade hospitalar foram de 76% e 78%, respectivamente. Na UTI, a mortalidade foi de 88% em abril para 67% em julho, enquanto a mortalidade hospitalar foi de 88% em abril para 71% em julho. As medianas do SAPS 3 foram de 55 (49-67) em abril, 54 (46-65) em maio, 53 (47-61) em junho e 53 (45-62) em julho.
 
A Figura 2 apresenta as taxas de mortalidade na UTI e mortalidade hospitalar ao longo dos meses. A Figura 3 apresenta o tempo de permanência na UTI e de permanência hospitalar ao longo dos meses.




 
DISCUSSÃO
 
Em março de 2020, foi implantado o serviço de telemedicina de UTI no InCor-HCFMUSP para atender a alta demanda por recursos especializados para o atendimento de pacientes com COVID-19. A capacitação facilitou a padronização da assistência ao paciente com COVID-19 e a rápida difusão do protocolo de atendimento e de VMP aos profissionais de saúde. No período de análise, a gravidade dos pacientes na admissão avaliada pelo SAPS 3 manteve-se similar, ao passo que a mortalidade na UTI e a mortalidade hospitalar diminuíram, sugerindo que, durante aquele período, fatores relacionados à capacitação e à assistência da telemedicina de UTI podem ter contribuído para isso, além de fatores como o ganho de informação científica e experiência clínica no manejo da doença. O tempo de permanência na UTI apresentou queda de 1 dia no decorrer do período do estudo e o de internação hospitalar foi reduzido em 5 dias no mesmo período.
 
O serviço de telemedicina encontrou soluções para diversificar a forma de disseminação desse protocolo assistencial através de videoaulas, fóruns de discussão na plataforma de ensino à distância, aulas oferecidas durante os teleatendimentos e uso do aplicativo para celular. Essas ações podem ter influenciado a adesão dos profissionais à estratégia de VMP e a melhora do resultado observado, como sugerido em um estudo que mostrou melhora de desfechos clínicos, maior adoção de boas práticas e até redução de custos com atividades de educação por telemedicina de UTI.(28)
 
Em relação aos dados demográficos, nossos resultados são comparáveis aos de coortes de pacientes críticos com COVID-19.(29-32) De maneira similar a outros estudos,(33,34) no nosso grupo de pacientes houve um grande uso de terapias de suporte à vida, como o uso de drogas vasoativas e de terapia renal substitutiva, ambas associadas à maior mortalidade hospitalar. Como os pacientes atendidos pelo nosso programa preferencialmente deveriam estar em VMI, notamos um uso de VMI superior ao descrito nas UTIs públicas brasileiras (83,7% vs. 64,3%).(7) A relação PaO2/FiO2 dos pacientes do programa foi baixa e inferior ao descrito num estudo multicêntrico na Itália.(31)
 
A mediana da relação PaO2/FiO2 da amostra foi compatível com SDRA moderada a grave.(35) A mortalidade dessa condição no Brasil é de 53% a 60%,(7) e um ensaio clínico randomizado com pacientes com SDRA por COVID-19 indicou mortalidade em 28 dias de até 61,5%,(36) semelhante à mortalidade que observamos.
 
Sabidamente, a VMP reduz a mortalidade, aumenta o número de dias livres de VMI(17,37) e aumenta a sobrevida de longo prazo.(38) Apesar desse benefício, estudos internacionais demonstram que até dois terços dos pacientes não recebiam VMP.(18) Um estudo em 45 UTIs brasileiras mostrou que 30% dos pacientes internados em UTI apresentavam SDRA e a mediana de VT estava acima do aplicado nos nossos pacientes atendidos por telemedicina.(19) Reforçamos diariamente a adesão ao protocolo de VMP(39) e conseguimos atingir 75% dos pacientes da amostra recebendo VT protetor (abaixo de 7 mL/kg de peso ideal) e com medidas de pressão de platô e pressão de distensão protetoras. (37,40) Esses parâmetros protetores mantiveram-se nos 3 primeiros dias de acompanhamento (Tabela S2).
 
Na base de dados da rede de UTIs brasileiras, a mortalidade hospitalar nas UTIs públicas em pacientes com COVID-19 sob VMI foi de 69,3% até novembro de 2020.(7) A amostra de pacientes com COVID-19 sob VMI cujos casos foram discutidos na telemedicina de UTI apresentava como viés a seleção do caso por parte da equipe na origem, que priorizava casos de maior gravidade e complexidade. Observamos na nossa amostra que a mortalidade hospitalar foi superior nos dois primeiros meses de funcionamento do programa, diminuiu no terceiro e permaneceu estável no quarto mês.
 
Como limitação do estudo, temos o fato de que nem todos os casos dos pacientes com COVID-19 internados em UTI foram objeto de discussão na telemedicina, ou seja, atendemos uma subamostra de casos mais graves selecionados pelo médico na origem. A troca das informações durante os teleatendimentos nem sempre era ideal, uma vez que o prontuário do paciente não foi disponibilizado e os dados no REDCap poderiam estar incompletos. Descontinuações das discussões diárias dos casos também ocorreram devido a intercorrências no hospital de origem e sobrecarga de trabalho dos profissionais.
 
No nosso conhecimento, este é o primeiro serviço de telemedicina de UTI que alia atividades de capacitação e assistenciais com atuação na rede pública em um estado brasileiro em meio à pandemia de COVID-19. A efetividade dessa implantação fica evidenciada pela observação de que a VMP para casos de insuficiência respiratória grave foi realmente utilizada. Esperamos, com esses dados, incentivar a criação de projetos semelhantes que aliem práticas baseadas em evidências, protocolos, capacitação e teleatendimentos.
 
AGRADECIMENTOS
 
Agradecemos à equipe de telemedicina de UTI do InCor HCFMUSP: Bruna Provenci, Daniela Helena Machado de Freitas, Ellen Pierre de Oliveira, Julia Bamberg Cunha Melo, Juliana Patrícia Pires, Larissa Barbosa Talharo, Marcela Araújo de Castro, Mauro Roberto Tucci, Renato Miranda de Lima, Ricardo Antônio Bonifácio de Moura, Roberta Fittipaldi, Roberta Pontes Lisboa, Sergio Martins Pereira, Thaís Cristina da Silva e Vânia Quinato Malacize, assim como a parceria com o InovaInCor e a Intel.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
BRM, MVFG, MLG, MLAS, TFA, PGS, PC e CRRC: concepção e planejamento do estudo, assim como interpretação das evidências; BRM, MVFG, MLG, MV, MLAS, TFA, MAG, APB, PGS, PC e CRRC: redação/revisão das versões preliminares e definitivas; e BRM, MVFG, MLG, MV, MLAS, TFA, MAG, APB, PGS, PC e CRRC: aprovação da versão final.
 
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